A Organização para a Cooperação de Xangai

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Segurança Global MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1 º ANO ANO LETIVO 2014-2015

A Organização para a Cooperação de Xangai

Docente: Ana Paula Pinto de Oliveira Almeida Brandão Mestrando: Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias - PG26702

12 de Junho de 2015

Abstract Esta investigação centra-se no impacto que a Organização para a Cooperação de Xangai possui no quadro regional. A hipótese que se procura demonstrar nesta análise é a importância que a organização possui enquanto plataforma de diálogo, cooperação e resolução de problemas e conflitos entre os seus membros, observadores e parceiros de diálogo. Esta organização fundada em 2001, mas com fundações que remontam a 1996, tem como principais fundamentos a preservação da soberania dos seus membros e o combate ao terrorismo, extremismo e separatismo. E apesar de ter dado passos lentos ao longo do seu percurso, estes têm sido seguros, rumo a um aprofundamento das relações entre os Estados que a compõem e com vista a ganhar um peso cada vez maior nas dinâmicas regionais asiáticas, mesmo que continue a enfrentar alguns dilemas e problemas quanto ao caminho a seguir. Considera-se aqui a possibilidade de em resultado deste aprofundamento das relações, estarmos na presença da fundação de um super-complexo de segurança asiático, como Buzan propõe, mas relativamente a outras dinâmicas.

Palavras-chave: Ásia; Complexos de Segurança; China; Organização para a Cooperação de Xangai; Rússia;

Conteúdo Introdução...........................................................................................................................1 Enquadramento teórico-conceptual ......................................................................................4 Os fundamentos da Organização para a Cooperação de Xangai .............................................19 Estudo de caso ...................................................................................................................20 Conclusão ..........................................................................................................................25 Referências bibliográficas ...................................................................................................28

Introdução

O exercício que aqui se procura desenvolver focar-se-á na Organização para a Cooperação de Xangai, através da vertente dos estudos de segurança que analisa os complexos de segurança. Esta é uma organização que reúne como membros, observadores e parceiros de diálogo, vários países asiáticos. As suas fundações remontam a 26 de Abril de 1996, sob a designação de ‘os Cinco de Xangai’, e nos seus membros se incluíam a Rússia, China, Cazaquistão, Tajiquistão e Quirguistão. O seu trabalho era desenvolvido através de uma lógica de cimeiras, sendo que seria apenas após a entrada do Uzbequistão, no ano de 2001, que seria institucionalizada de forma legal, passando para o actual formato de ‘Organização para a Cooperação de Xangai’ (doravante designada por ‘OCX’). Porém, apesar do seu lento desenvolvimento, tem tomado passos cada vez mais seguros no aprofundamento das relações entre os seus membros e também com a sua vizinhança. O enquadramento desta organização dentro da temática dos complexos de segurança, prende-se com a relação que esta organização desenvolve entre dois dos complexos de segurança apontados por Buzan, a saber o complexo de segurança regional do espaço pós-soviético e o complexo de segurança regional do Nordeste Asiático, englobando as duas maiores potências de cada um destes complexos de segurança: a Federação Russa e a República Popular da China, respectivamente. Aquilo que começou com uma mera cimeira cujos principais objectivos eram essencialmente aprofundar laços militares, reduzir o número de tropas nas fronteiras dos seus membros e também para definir as fronteiras entre os antigos países da União Soviética e a China, tem vindo a ser objecto de uma cada vez maior cooperação em muitos outros níveis, 1

como o combate ao terrorismo, separatismo e extremismo, cooperação económica e cultural, e com sérias pretensões de abranger as suas áreas de cooperação para as vertentes financeiras, ambientais, informativas, desportivas, entre outros. Porém aqui apenas será abrangida a sua vertente securitária do ponto de vista militar. Sendo assim, as razões que nos trouxeram à elaboração desta investigação, prendem-se com a relativa falta de debate acerca desta organização na actualidade e da sua crescente importância. Como o debate acerca do tema se considera estar aquém da sua importância, procura-se aqui investigar e aprofundar o seu funcionamento e impacto, não só nos membros que a formam, mas também ao nível regional, incluindose aqui não só os países observadores ou parceiros de diálogo, mas também países e organizações internacionais que estejam directamente envolvidas. Esperando-se que isso ajude a compreender os objectivos da organização e das suas formas de actuar, tal como dos dois grandes actores que dela fazem parte. Tendo isto em conta, propõe-se uma interpelação às perspectivas meramente securitárias da organização, e em particular as relacionadas com o conceito de complexos de segurança, colocando de lado as áreas económicas e culturais, que mesmo tendo o seu impacto e importância no cumprimento das questões securitárias, não serão aqui consideradas de forma aprofundada. O objectivo essencial desta análise será compreender a relevância da organização de uma forma generalizada e como um todo, isto é, quer para os seus Estados- membro efectivos, quer para a região envolvente da organização. Uma das razões que demonstra a crescente relevância da organização na região, é a quantidade de países observadores que ela engloba. Países como a Mongólia, como o Irão ou Afeganistão – possuindo estes dois últimos sérias questões securitárias , ou ainda a Índia e Paquistão, o que faz alargar a sua área de influência para outros dois complexos de segurança: o complexo de segurança do Médio Oriente e o complexo de 2

segurança Sul Asiático. Também os seus parceiros de diálogo oferecem uma melhor perspectiva do alcance da organização, e nestes encontram-se a Bielorrússia, Sri Lanka e Turquia. Demonstrando assim o impacto e abrangência que a organização possui, em particular no continente asiático, enquanto plataforma de diálogo entre Estados, que de outra forma veriam as suas relações mais condicionadas. Por conseguinte, a questão central a ser abordada ao longo do trabalho será: 

Qual a importância da OCX ao nível regional?

Tendo em conta esta questão de partida, a hipótese que se procurara investigar e averiguar, será a importância que esta organização possui para o quadro asiático, enquanto plataforma de diálogo, cooperação e resolução de problemas e conflitos. Situar- nos-emos não apenas num plano interno, mas também nas suas relações exteriores; e não apenas entre os seus membro s, mas também com agentes externos à organização, sejam eles países ou organizações internacionais; tal como apontado nos seus estatutos. Sabendo que esta organização ainda tem um longo caminho a percorrer, e atendendo ao facto de que a sua evolução foi até aqui relativamente demorada, os últimos acontecimentos parecem demonstrar que a organização se encontra numa nova etapa, que deverá acelerar o seu processo evolutivo. Porém ainda necessita de demonstrar e comprovar, em termos práticos e com algo de significativo, a sua real capacidade em lidar com os problemas regionais. Interessante será também entender se estamos na presença do processo de formação de uma super região asiática, dentro das teorias dos complexos de segurança, como Buzan (2011, 2, 11, 16) afirma ser possível, mas aplicando o seu nível de análise apenas à região do Sul da Ásia e Leste asiático. A metodologia a aplicar na elaboração do presente trabalho, passará pelo método qualitativo, usando fontes primárias e secundárias que nos permitam um olhar 3

abrangente sobre o funcionamento e organização da OCX. Considera-se importante não só a descrição da organização e das suas tarefas, através de fontes oficiais, mas também através de outras fontes que analisam a problemática, como por exemplo de gabinetes de estudos aplicados à área em questão, que demonstrem aspectos relevantes para a hipótese que se pretende desenvolver neste trabalho e para nos permitir observar esta organização de uma forma mais abrangente e menos obscura. Sendo assim, o primeiro capítulo desta investigação passará inicialmente por uma abordagem teórico-conceptual das questões de segurança de uma forma geral, posteriormente particularizando esta análise no conceito de ‘complexos de segurança’, para assim formar as bases que servirão à análise do estudo de caso que aqui é proposto. O segundo capítulo será uma rápida abordagem das bases da organização, para que se possa ter uma percepção mais clara dos seus objectivos e de alguns mecanismos de funcionamento. Por fim, será o tratamento das questões relativas à nossa hipótese acima colocada, procurando, através das fontes utilizadas, encontrar os argumentos que nos permitam esclarecer o impacto que a organização possui no seu quadro regional.

Enquadramento teórico-conceptual

O que é então a ‘segurança’? Esta resposta não é tão directa como à primeira vista poderia parecer, não existindo uma definição de segurança que seja consensual à comunidade académica, existindo apenas diversas teorias que tomam uma abordagem diferente àquilo que consideram ser a segurança. Os próprios conceitos propostos têm sofrido uma constante evolução ao longo do tempo, sendo que aquilo que anteriormente

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era uma noção mais uniforme do conceito de segurança, se foi tornando cada vez mais difuso, dando até lugar a um debate entre aqueles que defendem o alargamento do conceito de segurança e aqueles que defendem que este deve ser mais restrito, e que será aqui tratado mais à frente. A tudo isto influencia a orientação que cada um pretende dar ao próprio conceito, significando isto então que o conceito é manipulado para atingir diversos fins. Porém faremos aqui uma abordagem ao percurso que o conceito de ‘segurança’ sofreu ao longo do tempo, tal como o resultado que isso teve nos próprios ‘estudos de segurança’, para concluir este capítulo analisando o conceito de ‘complexos de segurança’. O tratamento destas questões remonta ao período da Antiguidade Clássica, mais propriamente a Tucídides, que na sua obra ‘História da Guerra do Peloponeso’, aborda as questões do dilema de segurança enfrentado pelas ligas de aliados dos Espartanos e dos Atenienses, na sua guerra pela disputa de poder na Grécia Clássica (Kolodziej 2007, 61). Mas também Maquiavel, Thomas Hobbes, Rousseau, Clausewitz, entre outros, foram autores que abordaram esta temática. As teorias de segurança começaram por ser algo pertencente apenas aos estudos de segurança e não às teorias gerais das RI, contudo esse paradigma alterou-se. A evolução e desenvolvimento destas áreas de estudo colocou as teorias da segurança como um ramo dos estudos de segurança, pois nem todo trabalho destes é referente a questões teóricas (Waever e Buzan 2007, 385). De igual modo, aquilo que começou por ser uma área de estudo circunscrita ao campo militar, paulatinamente estendeu-se às áreas civis e académicas. Para tal foi fulcral o surgimento das armas nucleares e com elas a necessidade de uma abordagem diversa da puramente militar, que se temia poder trazer uma mera maximização do poder e assim criando instabilidade no sistema internacional. A destruição provocada por estas armas era tal, que a guerra devia ser evitada a todo o custo e para isso o planeamento político5

estratégico a longo prazo era essencial. Será mesmo o fim da Segunda Guerra Mundial e o surgimento das armas nucleares que darão origem aos estudos de segurança, nos anos 40 nos EUA (Waever e Buzan 2007, 386-387). Sendo assim, aquilo que é considerado como a ‘Era de Ouro’ dos estudos de segurança, decorreu entre os anos 50 e 60 do século XX e baseava-se na teoria dos jogos e na estratégia nuclear. Contudo esta viragem dos estudos de segurança para o campo civil e político, faria com que surgissem interesses paralelos, que pretendiam manipular estes mesmos estudos, e as RI em geral, em seu favor e em favor da ideologia subjacente. Desta forma a ciência política ganha destaque nas análises dos estudos de segurança e passa a haver um afunilamento disciplinar (Waever e Buzan 2007, 389-391; Booth 2005, 29). Este período de viragem seria designado de ‘período de estagnação’ e estender-se-ia de 1965 a 1980. A chegada dos estudos de segurança à Europa durante este período, traria uma mudança radical na sua forma de pensar. Apesar de inicialmente a sua orientação ter sido em regra bastante semelhante à norte-americana, o pensamento acerca do conceito de ‘segurança’ na Europa iria sofrer grandes alterações. Na base desta mudança encontra-se a própria forma de estar e de pensar a sua posição no mundo, e enquanto os EUA viam as questões da segurança como uma forma de fazer valer os seus interesses além- fronteiras, na Europa a segurança era vista como uma forma de lidar com os outros, incluindo os EUA. Por conseguinte o próprio conceito de segurança deixa de estar estritamente associado às questões militares, passando a abordar uma série de questões anteriormente não consideradas, uma mudança de um pensamento mais racionalista para um mais reflectivista (Waever e Buzan 2007, 394). Para esta alteração radical foram fundamentais os estudos de segurança críticos – como por exemplo os ‘movimentos para a investigação da paz’-, e a sua diferente forma de ver o mundo 6

foram fundamentais. Assim os anos 90 deram origem a um novo período de investigação e teorização dentro de novas lógicas de pensamento, até então não consideradas. Comecemos então por tentar definir o conceito de ‘segurança’, tendo por base os debates que o abordam e as suas perspectivas. O conceito em si mesmo não é mensurável, pertencendo ao abstracto e não ao factual, como tal tem vindo a sofrer uma constante evolução. Buzan (in Sheenan 2005, 52), por exemplo, define segurança como ‘a busca de liberdade das ameaças, e é sobretudo sobre o destino das colectividades humanas’. Por seu turno, Smith (2005, 55) considera que actualmente o conceito de segurança não é unânime, mas que é indispensável para a sua definição a conjugação com outros conceitos como Estado, comunidade, emancipação, relações (como as do indivíduo e a sociedade), não obstante estes também não serem consensuais entre a comunidade académica. Mas mesmo sendo um conceito disputado, muitos analistas concordam que segurança é ‘a ameaça de usar, ou o real uso, de força que essencialmente demarca o estudo da prática da segurança como uma disciplina distinta do estudo geral e da prática das relações internacionais’ (Terrif in Aldis e Herd 2004, 170). Existindo contudo um consenso, numa parte significativa da comunidade académica, na necessidade de reconceptualizar a segurança (Rosenau e Aydinli 2005). Passemos então à análise das principais teorias que abordam a temática da segurança, para posteriormente observar algumas teorias menos mediáticas. As três principais teorias são a Realista, Liberal e Marxista. Atentemos, primeiramente, à teoria Realista. Esta tem o seu objecto de análise centrado no Estado e o seu foco está na sua segurança e autonomia, tratando o ‘desenvolvimento nacional principalmente como um meio, que ajuda a suster e fortalecer a autonomia e segurança do Estado’ e tem o governo como instrumento fundamental (Morgan 2003, 16). Aceitando o Estado como 7

objecto central, consideram então a ‘anarquia’ como fundamento do sistema internacional, em que não havendo uma autoridade superiror à do Estado, estes se relacionam entre si numa lógica de poder e autonomia, sendo esta relação uma estrutura diferente daquela que orienta as políticas internas de cada um destes. Assim o Estado existe ‘à parte da sociedade’ e ‘possuindo a sua própria identidade e interesses’. Tal como uma sociedade sem Estado se comportaria de forma egoísta, criminosa e violenta, assim se comportam os Estados na política internacional, na ausência de um governo global que sustentaria a comunidade global (Morgan 2003, 17). Isto significa que a distribuição de poder é feita de forma desigual, havendo aqui um ‘dilema de segurança’, e todos os Estados competem entre si para manter a sua segurança e autonomia, gerando assim insegurança no sistema internacional; no entanto, para os realistas trata-se de uma lógica de ‘balança de poder’, a forma segundo a qual os Estados encontram a segurança nas suas relações com o exterior (Hough 2004, 3). Todavia os realistas afirmam que, apesar de toda esta anarquia, é possível haver cooperação entre os Estados, ainda que seja rara e que em muitos casos estes enganem os seus parceiros, em prol dos seus interesses. As divergências dentro da perspectiva Realista dividem-se entre os ‘realistas ofensivos’ e os ‘realistas defensivos’. Os primeiros afirmam que no sistema anárquico internacional, as disputas entre os Estados, fazem com que os mais poderosos sejam sempre mais agressivos, procurando serem ‘o mais poderoso do sistema’ (Morgan 2003, 22). Os últimos advogam que nas relações anárquicas internacionais, os Estados apenas se preocupam com a sobrevivência e com ganhos na área da segurança. Estando focados na dissuasão e defesa de ameaças externas, enquanto defendem a sua posição relativa no sistema e não tomando riscos para a melhorar. (Morgan 2003, 22).

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As principais críticas apontadas a esta teoria relacionam-se com o fim da ordem global que a suportou ao longo de várias décadas, baseando-se no conflito bipolar da Guerra Fria. Os novos desafios surgidos nas relações internacionais, tornaram difíceis as abordagens baseadas na teoria realista. Em particular porque as principais ameaças que os Estados hoje enfrentam já não têm origem externa, mas sim interna. Da mesma forma, um mundo unipolar e as relações de cooperação entre os vários Estados, torna-se difícil de explicar através do uso desta teoria (Morgan 2003, 25-26). A teoria Liberal, tal como a Realista, afirma que os Estados são os principais actores num sistema internacional anárquico, contudo considera a existência de outros actores com relevo. Todavia, a teoria considera o Estado menos importante em si mesmo, já que este é fruto das relações dos agentes domésticos que o compõem, ou seja, as elites que detêm o poder. Assim, os interesses do Estado são definidos por essas elites, bem como o comportamento do primeiro no sistema internacional é condicionado pelos interesses destes últimos (Morgan 2003, 25). Apesar da teoria considerar também a sobrevivência do Estado como um aspecto central, a sua autonomia já não é vista como

algo

tão

elementar,

dando

maior

ênfase ao desenvolvimento. E no que toca à importância da anarquia no sistema internacional, os liberais dividem-se, havendo uns que não consideram que esta tem como consequência um estado de competição permanente e que condiciona a segurança; e havendo outros que afirmam que apesar de a anarquia forçar os Estados à competição, estes, através de cooperação entre eles, conseguem evitar que existam condicionantes à segurança (Morgan 2003, 26). Os liberais acreditam no fundamento de que ‘a guerra é má para o negócio, e a expansão capitalista estava a demonstrar que a guerra não era mais necessária para o desenvolvimento nacional’ (Morgan 2003, 27). E por isso a autonomia foi relegada para segundo plano, quando comparada com o desenvolvimento, 9

gerando ao invés um ambiente de interdependência entre os diversos Estados, e tendo como consequência uma diminuição do conflito e da insegurança. A teoria da paz democrática assume aqui um papel muito importante, ao afirmar que os Estados democráticos não entram em guerra entre si. Para os liberais esta teoria é apontada como a solução para a paz no mundo (Terrif 1999, 25). As limitações apontadas à teoria liberal focam-se em vários factores, nomeadamente quando existe a necessidade de usar a força de uma forma ‘justificada, necessária e legítima’ (Morgan 2003, 31), tal como existem muitas dúvidas acerca da teoria da paz democrática, sendo afirmado que talvez exista aqui um factor que ainda não é claro e que explique melhor a ausência de guerra entre democracias, apontado os interesses comuns e uma visão do mundo semelhante como os principais elementos. Outra das críticas feitas à teoria é que a tentativa de imposição da visão liberal ao resto do mundo é tida como uma prática imperialista sobre este, e à medida que o domínio do ocidente se vai desvanecendo, a própria teoria perderá força (Morgan 2003, 31-32). Por fim temos a teoria Marxista, esta rejeita os Estados como principais actores no plano internacional, apontando as classes, e nomeadame nte as classes mais ricas, como o elemento que determina a vontade e comportamento do Estado. Assim o processo à escala global desenvolve-se através das classes mais ricas dos países mais desenvolvidos a exercerem a sua influência e poder sobre as classes mais baixas, não só do seu país, mas de outros diferentes do seu, onde exploram os recursos com valor e a sua mão-de-obra mais barata. Esta disputa por novos mercados é o principal factor para o surgimento de conflitos entre Estados. E, tal como com os realistas, a autonomia e sobrevivência dos Estados são essenciais, pois estes são os factores que asseguram a própria sobrevivência e autonomia da classe dominante. Mas isto significa também que o comportamento dos Estados depende sempre da elite que detém o poder e não do 10

sistema internacional em si mesmo. O processo de expansão dos valores ocidentais e do liberalismo, tendo como consequência também o próprio processo de expansão da globalização, são factores que contribuem para apoiar esta teoria (Morgan 2003, 16). Tal como para os estruturalistas (que derivam dos marxistas), a tese sobre o imperialismo é a síntese que condensa a sua teoria, sendo a globalização o processo utilizado para esse fim. Uma das novas tendências nos estudos de segurança tem sido o alargamento e aprofundamento do termo, que teve como consequências desembocar no debate acerca do objecto de segurança (Smith 2005, 28-29). Se anteriormente era indiscutivelmente o Estado, o fim da Guerra Fria e o protagonismo de actores não-estatais na ordem global fez alterar por completo esta concepção. Dentro destas perspectivas o trabalho de Buzan e Waever, a designada de ‘Escola de Copenhaga’, tem sido fundamental. Aqui o nível de análise passa também a considerar o indivíduo, apesar de manter como objecto central de estudo o Estado. Nesta lógica o Estado faria a ligação entre a sociedade (subestado) e o internacional, mantendo-se como elemento dominante nesta relação. Todavia Buzan propõe alargar a área de estudo da segurança para cinco sectores (o militar, político, societal, económico e ambiental (Booth 2005, 32-35)) e abrangendo três níveis (Smith 2005, 32), os já enunciados anteriormente do subestado, Estado e internacional. Esta perspectiva foi no entanto considerada insuficiente por alguns autores, como Ken Booth, que considerou que o Estado não era o elemento essencial no que toca à segurança por três razões: ‘os Estados não são seguros enquanto referência primária porque enquanto uns estão no negócio da segurança (interna e externa) outros não’; ‘até aqueles que são produtores de segurança (interna e externa) representam os meios e não os fins’; e ‘os Estados são demasiado diversos no seu carácter para servir como base de uma teoria compreensiva da segurança’ (Booth in Smith 2005, 33). De 11

acordo com Booth, a emancipação deveria ser o enfoque dos estudos de segurança, colocando as pessoas como elemento central, em vez do Estado, e como receptores finais de segurança. Buzan e Waever desenvolveram o conceito de ‘segurança societal’, focada na identidade, em detrimento da soberania do Estado, porém sem substituir o seu papel nos estudos de segurança. Contudo também esta perspectiva foi alvo de críticas. A este respeito McSweeney aponta que o próprio conceito de sociedade é tratado de uma forma objectivista e positivista, considerando a identidade como algo real. Segundo este autor, se considerarmos a sociedade, definida enquanto identidade, como o único objecto vulnerável de relevância, teremos como consequência a associação do conceito de identidade a determinadas sociedades e, portanto, fechado à crítica. Também Eriksson criticou as perspectivas de Buzan, afirmando que se a natureza da segurança é uma construção social, então não existem ameaças objectivas, mas apenas tentativas de colar perspectivas de segurança a determinadas questões (Smith 2005, 35). É da segurança societal que nasce o conceito de ‘securitização’, trabalhado por Waever, em que a segurança é tratada como um processo dependente do discurso, à semelhança das perspectivas construtivistas. Isto significa que algo apenas é considerado como um assunto do foro da segurança, se para tal houver uma intensão e um acto discursivo que construa essa percepção (Smith 2005, 34). Buzam, Waever e Wilde consideram que os ‘estudos de securitização estão orientados para aumentar a compreensão de quem securitiza, em que questões (ameaças), para quem (objectos de referência), porquê, com que resultados, e, não menos importante, sobre que co ndições (por exemplo, o que explica quando a securitização tem sucesso)’ (Buzan et al in Smith 2005, 34). Urge ainda referir o conceito de ‘dessecuritização’, apontado por Waever (in

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Sheenan 2005, 54), como forma de remover determinadas questões do âmbito da sobrevivência e possibilitando uma solução cooperativa para o problema. A definição que nos surge de segurança, assente nos estudos construtivistas, parte do pressuposto de que a segurança é uma construção social e que portanto pode ser construída, nas palavras de Smith (2005, 38) ‘a segurança é o que os Estados fazem dela’. Por conseguinte aquilo que são considerados interesses de segurança nacional, são construções de outros actores que não o Estado, mas sim a sociedade e os indivíduos que a compõem (Smith 2005, 38). Não obstante, esta linha de pensamento é tida por alguns académicos como acrescentando pouco ao debate que até aqui já tinha sido desenvolvido, servindo apenas para ajudar as teorias realistas a explicar as transformações entre a mudança estrutural e as políticas dos Estados. Uma das contribuições mais importantes talvez parta dos estudos de segurança críticos, que ao defender o alargamento do enfoque dos estudos de segurança, propõem uma mudança de uma óptica na dimensão militar para uma direccionada para os indivíduos, para a comunidade e identidade (Smith 2005, 40-41). Esta mudança de paradigma traz uma miríade de novas abordagens aos estudos de segurança, porém o alargamento do estudo, traz também uma série de críticas que serão abordadas mais à frente. Nesta linha de pensamento o conceito de emancipação é central, não enquanto um conceito universal e intemporal, mas sim em constante mutação. Booth (in Smith 2005, 42-43) define emancipação como: ‘a libertação das pessoas (indivíduos ou grupos) de constrangimentos físicos e humanos que possam pará- los de levarem a cabo o que eles escolheriam livremente fazer. A guerra e a ameaça de guerra é um desses constrangimentos, juntamente com a pobreza, fraca educação, opressão política, entre outros. Segurança e emancipação são dois lados da mesma moeda. É a emancipação, e não o poder ou a ordem, que produz a verdadeira segurança. Emancipação teoricamente 13

é segurança.’ Esta perspectiva surge como uma transformação radical no paradigma dos estudos de segurança, alterando por completo o objecto de segurança do Estado para o indivíduo, contudo não constitui uma teoria, mas apenas uma linha de pensamento alternativa às dominantes. Os estudos de segurança pós-estruturalistas surgem também como uma crítica importante às teorias dominantes. Muitos consideram-nos como a alternativa mais radical ao pensamento tradicional, seja epistemologicamente, metodologicamente ou ontologicamente (Smith 2005, 49). À semelhança do pensamento crítico, aqui a identidade também assume um papel relevante, mas também a narrativa e o discurso desempenham tal papel. A própria natureza dos estudos estratégicos é colocada em causa, sendo afirmado que estes apenas servem para defender o Estado e somente o Estado, em detrimento dos indivíduos e comunidades dentro dele (Smith 2005, 50). Outras linhas de pensamento estão orientadas para os estudos de segurança feministas, que afirmam que o Estado não é um elemento neutro de género, mas sim tendencialmente masculinizado e o resultado disso é o militarismo e a violência, se ndo esta geralmente sobre as mulheres (Smith 2005, 46-48). Outras ainda centram-se na segurança humana, que se baseia no princípio de ‘liberdade do medo, liberdade de necessitar’ (Smith 2005, 52). Esta linha de pensamento surgiu em debate após o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas de 1994, que deu um enfoque central na segurança humana. Para isso traçou sete áreas fundamentais para a segurança humana: segurança económica, segurança alimentar, segurança na saúde, segurança ambiental, segurança pessoal, segurança comunitária e segurança política. Identificando também seis ameaças: crescimento populacional descontrolado, disparidade de oportunidades económicas, pressões migratórias, degradação ambiental, tráfico de droga e terrorismo internacional (Smith 2005, 52-53). 14

Como vimos até aqui a questão do alargamento versus a questão do estreitamento, do enfoque no objecto da segurança, é um tema de conturbado debate na comunidade académica dos estudos de segurança. Analisemos então algumas das perspectivas acerca desta temática. Quais as razões que levam a comunidade académica a querer alargar o conceito de segurança? Buzan (in Sheenan 2005, 47-48) afirma que existem três razões essenciais para tal: em primeiro lugar um alargamento é necessário, tendo em conta as novas dinâmicas globais; em segundo, o conceito original era usado com fins políticos e possuía por isso qualidades políticas, servindo para proteger interesses específicos e não gerais da sociedade; por fim, as dinâmicas da globalização conferiam ao conceito de segurança qualidades integrativas nas relações internacionais, fruto da interdependência. Por isso o autor apontou os cinco sectores, já anteriormente mencionados (militar, político, económico, societal e ambiental), sendo que estes actuam de forma integrada entre si e não isolada. Estes cinco sectores demonstram a diferença que existe entre os ‘narrowers’ e os ‘wideners’, isto é, enquanto que os primeiros defendem que o conceito e o estudo da segurança, deve estar focado nos elementos puramente militares e do uso da força; os segundos questionam a preferência pelos elementos militares (Aldis e Herd 2004, 170-171). As principais críticas ao alargamento partem daqueles que afirmam que tal provocará uma perda de enfoque e uma incoerência intelectual. Quer isto dizer que não deve haver um desvio da sua orientação original, ou seja, dever servir somente para estudar as ‘condições que tornam o uso da força mais provável, as maneiras que o uso da força afectam os indivíduos, Estados e sociedades, e as políticas específicas que os Estados adoptam para se prepararem para, prevenir, ou entrar em guerra’ (Walt in Sheenan 2005, 60). A segurança surge-nos assim dentro de uma perspectiva totalmente

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vocacionada para a guerra ou a temática militar, parecendo bastante reducionista, e como tal muitos dos novos autores questionam esta orientação (Sheenan 2005, 49). Para nos posicionarmos neste debate é necessário entender a importância da globalização e o impacto que esta teve nas relações internacionais. O surgimento dos actores não estatais foi fulcral para esta mudança radical e operou-se especialmente após o 11 de Setembro de 2001. Os movimentos terroristas transnacionais levantavam sérias ameaças à segurança dos Estados, tal como o tráfico de droga, por exemplo. Isto levou a um processo de securitização interno, levando assuntos militares a operar dentro das fronteiras do próprio Estado (Williams e Caldwell 2007, 183). Da mesma forma as diferenças de desenvolvimento, que se agravam com este mesmo processo, tornam-se objecto de cada vez maior preocupação (Aydinli 2005, 232). A pobreza torna-se uma ameaça à segurança em diferentes níveis, como a imigração, vários tipos de tráfico, saúde, fome, extremismos, entre outros 1 . Porém diferentes abordagens à globalização partem de Estados diferentes. Sorensen (2005, 84-93), ao identificar diferentes formas de actuar por parte dos Estados pós-modernos e dos Estados pós-coloniais, afirma a necessidade dos últimos necessitarem de passar por um processo de consolidação. O autor questiona-se como é que eles podem tornar-se um Estado pós-moderno, quando nunca passaram pela fase de Estado ‘moderno’ (Sorensen 2005, 87-88). Isto coloca a tónica da questão de o próprio Estado ser uma ameaça à sua população, em vez de p rovidenciar segurança (Sorensen 2005, 96). Já Ayoob (2005) considera haver uma permanente necessidade de o Estado defender o Homem, em particular nos Estados que se encaixam na definição de pós-

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Booth (2005: 32-37) examina de forma mais extensiva os impactos da globalização nos diferentes

sectores da segurança.

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coloniais, ainda à procura de se constituírem como Estados modernos. Falhar neste aspecto significa correr sérios riscos de emergirem enquanto Estados falhados, tornando-se numa realidade para a vida humana que Hobbes (in Kolodziej 2007, 56) descreve como ‘solitária, pobre, suja, brutal e curta’. A segurança é então uma precondição para a sobrevivência das sociedades e esta só pode ser conferida pelo Estado. Neste capítulo a soberania dos Estados revela-se fundamental, mesmo quando esta tenta ser contornada pelos Estados mais desenvolvidos em nome de certos valores, que mais não são do que ferramentas para manter o domínio destes sobre os mais fracos. Mas também no próprio Estado pós- moderno, caracterizado por sociedades abertas, um dilema se coloca: como proteger a sociedade sem colocar em r isco a sua liberdade? Aqui a frase de Kenneth Waltz (in Williams e Caldwell 2007, 186) talvez seja uma boa descrição para este dilema: ‘Os Estados, como as pessoas, são inseguros em proporção à sua liberdade. Se a liberdade é pretendida, a insegurança tem de ser aceite.’ Isto traz- nos portanto, às questões da segurança regional, tema em que incide este trabalho, mais concretamente num dos níveis que passaremos agora a abordar. Como é que os Estados interagem entre si para resolver os seus problemas securitários? Três níveis são apontados por diversos autores: Complexos de segurança, regimes de segurança e comunidades de segurança. O nosso enfoque aqui centrar-se-á nos complexos de segurança, mas também serão feitas referências aos outros regimes. O que é então um complexo de segurança? Buzan et al (1998, 10) afirmam que ‘a segurança internacional é essencialmente como as colectividades humanas se relacionam entre elas em termos de ameaças e vulnerabilidades’, derivando daqui a lógica da segurança regional. Dividindo as relações à escala global, para relações à escala regional, definemse subsistemas enquanto objectos de análise, tendo como objecto de estudo os Estados e 17

em que o conceito de balança de poder se torna essencial para o entendimento dessas relações. Como as ameaças viajam mais facilmente em distâncias curtas, mesmo numa era de globalização, a insegurança está associada com a proximidade (Buzan et al 1998, 11). Assim Buzan et al (1998, 12) definem os complexos de segurança como: ‘um conjunto de Estados cujas maiores percepções de segurança e preocupações estão tão interligadas que os seus problemas de segurança nacionais não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos aparte uns dos outros’. Diferente das comunidades de segurança (Adler e Barnett 1998b, 31, 37-48; Möller 2003, 317-319; Tusicisny 2007, 426), o complexo de segurança surge- nos sem a necessidade de ‘identidades, valores e significados partilhados’ (Tusicisny 2007, 427). Todavia podem evoluir para comunidades de segurança com as condições, interesse e tempo para tal. Duas condições são apontadas por Buzan et al (1998, 12) para a existência de complexos de segurança: a primeira é a existência de Estados com capacidade de projectar poder para fora das fronteiras, de forma a poderem interagir com outros ao nível securitário; a segunda é quando existem potências externas à região e que impedem as dinâmicas de segurança regionais. Sendo assim estamos a falar da necessidade da existência de grandes potências nas regiões, para que possam e xistir complexos de segurança. Este ponto será central na nossa análise ao estudo de caso mais à frente. Para um estudo às dinâmicas de segurança dos complexos regionais Buzan (2003, 145) define quatro níveis de análise: doméstico, regional, inter-regional e global. Da mesma forma Buzan et al (1998, 13-14) afirmam que os próprios complexos de segurança são subsistemas do sistema internacional, sendo eles próprios anárquicos dentro deles e que existem quatro opções estruturais que podem seguir: a manutenção do status quo; a transformação interna; a transformação externa; e a sobreposição de poderes externos sobre os internos ao complexo. No processo de evolução relativo à 18

teoria clássica, Buzan et al (1998, 15-16) declaram a necessidade de os complexos de segurança se formarem de dentro para fora e que grande parte dos complexos existe à escala subcontinental ou continental, podendo ser homogéneos ou heterogéneos, relativamente à sua óptica em determinados sectores. Concluindo aqui a nossa análise teórico-conceptual, passemos então à análise do estudo de caso.

Os fundamentos da Organização para a Cooperação de Xangai A Organização para a Cooperação de Xangai teve os seus inícios num conjunto de cimeiras designadas de ‘Os Cinco de Xangai’ em 1996. Fruto do processo de desintegração da URSS, surgiu a necessidade de redefinir fronteiras ou reafirmá- las entre a China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. A partir da cimeira de 2001 o Uzbequistão passa a cooperar com os cinco elementos anteriores e surge a necessidade de declarar o estabelecimento da Organização para a Cooperação de Xangai, através do documento designado por ‘Declaração’ (Rozanov 2013, 5-6). Os principais objectivos desta organização são definidos como: ‘fortalecimento da confiança mútua, amizade e boa vizinhança entre os Estados membros; promoção de cooperação efectiva entre eles nas áreas políticas, comerciais e económicas, científicas e técnicas, culturais, educacionais, energéticas, transportes, ambientais, entre outras; esforços conjuntos para manter e assegurar a paz, segurança e estabilidade na região, a construção de uma nova ordem política e económica internacional, democrática, justa e racional.’ Em termos práticos isto tem-se traduzido como manutenção da paz e segurança internacionais e no combate a ameaças e desafios contemporâneos, nomeadamente contra o terrorismo, separatismo e extremismo (Rozanov 2013, 7). Fruto disto é a Convenção para o combate ao terrorismo, separatismo e extremismo, assinada 19

em 15 de Junho de 2001, logo no momento de fundação da organização, tal como outros acordos assinados posteriormente a regular outros aspectos do combate a estas ameaças, assim como outras a elas associadas. Da mesma forma, diversos exercícios militares conjuntos têm sido realizados entre os membros, para a operacionalização destes esforços. Para além dos membros a organização possui vários Estados observadores (Afeganistão, Índia, Irão, Mongólia e Paquistão), tal como parceiros de diálogo (Bielorrússia, Sri Lanka e Turquia) (SCO 2015b). Todavia a organização é aberta à entrada de novos membros. A organização é considerada como uma ‘organização regional para a segurança colectiva’ dentro dos requisitos considerados pelo Art. 52-54 da Carta das Nações Unidas (Rozanov 2013, 13), tendo como prioridades a segurança e a paz, no entanto não é considerada uma aliança militar tradicional, pois não existe um mecanismo de acção conjunto e unido. O seu processo de evolução tem sido lento, mas constante e seguro (Boland 2011, 8).

Estudo de caso

Relembremos então a nossa hipótese inicial: qual a importância que esta organização possui para o quadro asiático, enquanto plataforma de diálogo, cooperação e resolução de problemas e conflitos? Um dos princípios essenciais da organização é a soberania dos seus membros, como estipulado no Art. 2 da própria Carta da OCX (SCO 2015) e esse objecto tem sido cumprido até aqui, colocando de parte as suas disputas fronteiriças e evitando o confronto entre as partes. Apesar de possuírem etnias, valores e culturas diferentes, a

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partilha de interesses, no que toca aos elementos base desta organização, é o elo de união entre os membros, mesmo quando dois deles são potências globais com interesses, visões e objectivos distintos nos mais variados níveis. A definição de salvaguardas, através da criação de regras e de actividades, foi e é essencial para que esta união aconteça a estes níveis, conseguindo uma intersecção de interesses, que anteriormente não era possível (Bailes e Dunay 2007, 9). Este aspecto é reconhecido pela própria organização, como evidenciado pela Declaração do Décimo Aniversário (SCO 2015c), afirmando que ‘na passada década a OCX tornou-se geralmente reconhecida e uma associação multilateral influente que activamente promove a paz e o desenvolvimento na região e confronta os desafios e ameaças modernos’. Não obstante o principal sucesso desta organização encontra-se no combate às ‘novas ameaças’, isto é, o terrorismo transnacional, insurgência e tráfico de drogas, fruto do efeito de ‘spillover’ na região após a Guerra no Afeganistão em 2001 e das fragilidades dos Estados da Ásia Central, inerentes do processo de desintegração da URSS. Esta organização possibilitou a entreajuda entre os seus membros ao nível de treino e partilha de conhecimentos na área da segurança, quer ao nível militar quer de serviços de segurança e informação, com enfoque em ‘tácticas e manuseamento de armas, tal como no aperfeiçoamento de planeamento, comando e controlo, logística e manobra’ (Boland 2011, 11), pois quer os Estados da Ásia Central, quer a Rússia e a China possuem os seus próprios problemas com o terrorismo, mas com o objectivo de conter quaisquer ameaças à sua integridade territorial. Esta ajuda deu-se não só ao nível técnico e material, como a OCX ajudou também na resolução dos problemas bilaterais entre os Estados centro-asiáticos, providenciando um enquadramento estratégico harmonizado e multilateral, para dar resposta a estes problemas (Bailes e Dunay 2007, 15-16; Boland 2011, 18).

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A própria análise que pode ser feita em relação aos Estados observadores, levanos a identificar razões bastante semelhantes com as anteriores. A OCX é vista como uma alternativa multilateral, que agrada a países que não pretendem ver a sua soberania ameaçada de alguma forma ou o seu regime colocado em causa pelos parceiros. Este aspecto, conjugado com a intensão do Irão em combater o terrorismo, o extremismo e o tráfico de droga perto das suas fronteiras, levaram este Estado a tornar-se membro observador. Além destas razões, igualmente o desejo de um maior peso das relações geopolíticas asiáticas, a vontade de participação num grupo de debate que aborde as questões fronteiriças e evite o confronto militar, levaram o Paquistão e a Índia a aderir ao estatuto de observadores. O caso da Mongólia, que ta mbém encontra interesses partilhados nas relações multilaterais, assim como vendo a OCX enquanto garante de soberania e status quo relativamente à China. Por fim o caso do Afeganistão, que é um Estado com bastantes problemas internos, nomeadamente ao nível do terrorismo, extremismo, tráfico de droga, economia, entre outros, e elemento desestabilizador da região, através dos efeitos de ‘spill-over’. Este Estado olha então para a OCX como um possível factor de ajuda à sua estabilização interna, encontrando nesta organização com interesses comuns aos seus e que o possam ajudar a ultrapassar os seus problemas (Bailes e Dunay 2007, 18-19; Boland 2011, 12). Além do mais, esta organização tem servido como plataforma de bloqueio à entrada dos EUA na Ásia Central. Após 2001, bases foram estabelecidas pelos EUA no Uzbequistão e Quirguistão, contudo pressões por parte da Rússia e da China fizeram estes países fechar as bases aos norte-americanos. Da mesma forma foram feitos exercícios militares conjuntos entre a Rússia e a China, em proporções bastante superiores às características de operações de contra- insurgência. Curiosamente estes exercícios tiveram lugar após a cimeira da OCX em Astana, em que foram feitas críticas 22

à presença norte-americana na Ásia Central e nos seus assuntos, levando a querer que a própria organização procura estabelecer uma barreira à entrada de interesses exteriores e em particular os dos EUA (Bailes e Dunay 2007, 22-23). Os sectores da economia e da segurança surgem nesta organização de forma bastante interligada e interdependente. Para todos os membros o desenvolvimento económico e o elevar das condições sociais das suas populações, é um elemento essencial para prevenir os problemas do terrorismo, extremismo e separatismo. Isto acontece de uma forma ainda mais relevante para os países centro-asiáticos. No caso da Rússia a organização ajuda ao controlo dos recursos energéticos, como o petróleo e o gás natural. Quanto à China ajuda a penetrar em mercados novos e a enquanto elemento de afirmação económica na região. Apesar disto, os elementos económicos surgiram já numa fase avançada da organização, em particular a partir de 2005 (Bailes e Dunay 2007, 25). Conquanto não se pretende fazer aqui um aprofundamento dos elementos económicos da organização. No que toca à interacção entre a OCX e outras organização internacionais, a cooperação e trabalho com a ONU é visto como essencial para fazer frente aos desafios que a organização defronta (SCO 2015c, 2). Talvez isto não seja surpresa, quando dois dos membros da OCX são igualmente membros do Conselho de Segurança da ONU, daí o reconhecimento desta importância. A necessidade desta cooperação é essencialmente orientada para aquelas que são vistas como as principais prioridades da organização, isto é, o combate ao terrorismo, separatismo e extremismo. Para isso é proposto um reforço da autoridade e da eficácia da ONU, através de uma reforma gradual, de forma a fazer face a estas questões (SCO 2015c, 2).

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Até agora vimos aqui os aspectos positivos da organização, todavia existem factores que são normalmente apontados como elementos menos positivos, ou até negativos, relativamente ao funcionamento ou operação da organização ou dos seus membros. O aspecto mais comentado passa pela fragilidade democrática, ou até mesmo a ausência de democracia, nos Estados que compõem a organização. Muitos dos regimes aproximam-se mais de sistemas autocráticos do que da noção que preservamos de democracias. Talvez isto ajude a compreender o enfoque dado pela organização relativamente à soberania e ao princípio fundamental de não intervenção em assuntos internos dos Estados membros (Bailes e Dunay 2007, 9). Aparenta- nos difícil, porém, relacionar este aspecto com os princípios chave que orientam a organização e com o impacto no seu cumprimento. Tudo isto leva- nos à questão do alargamento da organização a mais membros de pleno direito. Esta é uma questão que suscita bastantes dúvidas, inclusive aos próprios membros da organização. Se o alargamento pode à primeira vista parecer importante para um aumento da relevância da organização, as divergências de interesses entre os vários países, mas em particular da Rússia e da China têm travado esse processo (Bailes e Dunay 2007, 20; Boland 2011, 22). A solução encontrada para esta questão, e dada a existência de pedidos por parte de alguns países para de alguma forma se associarem à OCX, foi a criação um novo estatuto, definido como ‘parceiros de diálogo’, nos quais se incluem a Bielorrússia, Sri Lanka e Turquia (SCO 2015b). Isto traz-nos à questão da importância da organização na região asiática e dos complexos de segurança que aqui se interligam. Neste momento, como vimos, as suas acções são ainda limitadas. Porém existe intenção de cooperar noutras áreas, com vista a uma integração multilateral maior (Rozanov 2013, 7). A integração regional é um processo fruto do descontentamento com as organizações de governança global, como 24

tal a tendência parece ser de que se continue a aprofundar (Boland 2011, 23). A OCX surge aqui como elemento agregador de dois complexos de segurança na região asiática (pós-URSS e o Nordeste Asiático) e com os seus observadores estende a sua influência a outros dois (Sul Asiático e parte do Médio Oriente), trazendo bastantes semelhanças com a ideia de Buzan (2003; 2011) da formação de um super-complexo de segurança asiático. No entanto é ainda bastante cedo para se poder afirmar que tal acontecerá, pois isso advém do processo evolutivo da organização e do já abordado processo de alargamento. Ainda assim algumas semelhanças podem ser traçadas entre a organização e um complexo de segurança per se. Tal como num complexo de segurança, os membros desta organização constataram que existia uma interligação entre os seus problemas de segurança e que estes não podiam ser analisados nem resolvidos aparte uns dos outros (Buzan et al 1998, 12). Similarmente também nesta região existem potências com capacidade de projecção de poder além- fronteiras e que conseguem interagir com outros ao nível securitário e é uma organização formada por países da região, fruto da sua própria vontade e sem interferência externa. Conquanto o desenrolar dos acontecimentos trar-nos-á maior clarividência acerca das dinâmicas que esta organização poderá tomar na região asiática e como elemento agregador dos vários complexos de segurança que a integram.

Conclusão

Neste trabalho abordámos a importância que a Organização para a Cooperação de Xangai possui no quadro asiático, procurando demonstrar a nossa hipótese acerca do papel que esta organização tem enquanto plataforma de diálogo, cooperação e resolução 25

de problemas e conflitos. Para isso fizemos uso da vertente dos complexos de segurança analisada pelos estudos de segurança. Esta é uma organização que permite cruzar dentro de si dois complexos de segurança identificados por Buzan, nomeadamente o complexo de segurança do espaço pós-soviético e o complexo de segurança do Nordeste Asiático. Para além disso cruza outros dois ainda, se contarmos com os Estados observadores existentes na organização. O que é que leva estes Estados com etnias, valores e culturas tão diferentes a partilharem interesses em comum e os leva a cooperar dentro das estruturas da OCX? Um dos elementos essenciais evidenciados ao longo da nossa análise demonstrou ser o princípio fundamental da preservação da soberania e da não ingerência nos assuntos internos de cada Estado participante. Outro dos elementos essenciais encontrados foi a ameaça terrorista, extremista e separatista que condiciona estes Estados, em particular desde 2001. Existe um real interesse em combater estas ameaças e é isto que explica que Estados tão diferentes encontram interesses em comum e que os leva a unirem-se, afirmando também a importância da ONU no cumprimento desse papel. Todavia também o elemento EUA, considerado intrusivo na Ásia Central, é algo a considerar quando a China e a Rússia se juntam fazendo pressão para que tal não aconteça. Vimos igualmente que esta organização não se desenvolve meramente dentro de parâmetros militares, estendendo a sua cooperação às áreas económicas e comerciais, políticas, científicas e técnicas, culturais, educacionais, energéticas, transportes, ambientais, entre outras. Demonstrando a importância que a organização reconhece a estes sectores para a manutenção da própria segurança na região, através do desenvolvimento desta. Contudo aqui apenas se desenvolvem os primeiros passos, sendo ainda cedo para traçar conclusões acerca das medidas tomadas, ficando isso para um estudo futuro. 26

Observámos ademais que à organização é apontada a sua fragilidade democrática, tal como aos seus membros. Conquanto talvez esta seja uma das suas forças, ao permitir unir muitos Estados que de outra forma ficariam excluídos destas relações multilaterais, e que desta forma unem esforços entre si para combater as ameaças que são transversais a todos naquela região. Mesmo quando as questões acerca do caminho a tomar no futuro, relativo ao alargamento, são ainda divergentes dentro do grupo, mas o estabelecimento de Estados observadores e parceiros de diálogo já vem trazer algum tipo de inclusão de outros Estados não-membros às estruturas da organização e aos objectivos que pretende ver cumpridos. Desta forma concluímos que de facto esta organização possui um impacto positivo, ainda que ténue e com muito caminho para trilhar. As ameaças que a organização toma como essenciais à sobrevivência dos seus Estados têm sido contidas e a cooperação desenvolvida tem sido importante para que tal objectivo seja cumprido. Similarmente esta organização tem permitido uma a existência de uma plataforma de diálogo a países que de outra forma veriam o seu acesso ao diálogo com outros restringido. Talvez os futuros passos e prioridades traçadas pela organização e os seus membros venham a ajudar neste capítulo. E de facto a organização tem vindo desenvolver um processo de evolução lento, mas contínuo e seguro, dando boas perspectivas de providenciar um contributo cada vez maior na região. Porventura será ainda cedo para afirmar que se trata da formação de um super-complexo de segurança asiático, não obstante a região englobada começar a evidenciar alguns traços que tal possa vir a acontecer, caso a organização evolua nesse sentido. Desta forma a organização seria o próprio símbolo deste mesmo super-complexo asiático e serviria como elemento agregador de interesses em várias áreas, ajudando no desenvolvimento da cooperação, diálogo e resolução de problemas e conflitos entre os seus membros. 27

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