A Origem da Vida no ensino de Biologia: revisando as pesquisas e revendo a prática

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Descrição do Produto

Nilson de Souza Cardoso Antonia Dalva França-Carvalho (Organizadores)

ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

EDUFPI

2014

Copyright© Isabel Maria Sabino de Farias e Nilson de Souza Cardoso, Teresina, 2014. Ensino e pesquisa em Ciências e Biologia na Educação Básica De acordo com a lei nº 9.610, de 19/02/1998, nenhuma parte deste livro pode ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada num sistema de recuperação de informações ou transmitida sob qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico sem prévio consentimento do detentor dos direitos autorais.

Universidade Federal do Piauí Reitor Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos Júnior Vice-reitor Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco Conselho Editorial Prof. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidente) Des. Tomás Gomes Campelo Profª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Profª. Francisca Maria Soares Mendes Prof. João Renor Ferreira de Carvalho Prof. José Renato de Sousa Produção Editorial Isabel Maria Sabino de Farias Nilson de Souza Cardoso Arte da Capa Isabel Maria Sabino de Farias Nilson de Souza Cardoso Ronaldo de Castro Cruz Diagramação André Rodger Revisão de Texto Vianney Mesquita (Registro Profissional – CE 00489 JP) FICHA CATALOGRÁFICA Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco E56b

Ensino e pesquisa em ciências e biologia na educação básica / organizadores, Nilson de Souza Cardoso, Antonia Dalva FrançaCarvalho. – Teresina : EDUFPI, 2014. 120p. ISBN 978-85-7463-767-9 1. Ciências - Ensino. 2. Ciências. 3. Biologia. 4. Educação Básica. I. Cardoso, Nilson de Souza. II. França-Carvalho, Antonia Dalva. CDD 507

SOBRE OS AUTORES Alexsandra de Sales Araújo Licenciada em Ciências Biológicas. Egressa do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES no Subprojeto Biologia/Campus Itapipoca, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente, é professora da Educação Básica no Município de Uruburetama/CE. E-mail: [email protected] Ana Vérica de Araújo Licenciada em Ciências Biológicas. Egressa do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES no Subprojeto Biologia/Campus Itapipoca, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (UFC), vinculada ao eixo temático de Ensino de Ciências. E-mail: [email protected] Antonia Dalva França-Carvalho Pedagoga. Doutora em Educação Brasileira (UFC). Professora do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Líder do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Epistemologia da Prática Profissional (NIPEPP). Coordenadora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/ CAPES e do Programa de Fortalecimento das Licenciaturas - PRODOCÊNCIA/CAPES (2009/2013) na Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected] Cristiana de Paula Santos Licenciada em Ciências Biológicas, especialista em Ensino de Biologia (UVA). Professora de Biologia da SEDUC/CE. Professora Supervisora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES, no Subprojeto Biologia/Campus Crateús, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] Enoe Cristina Barreto da Silva Licenciada e bacharela em Geografia (UECE). Especialista em Zoneamento Ambiental (UFC). Professora de Geografia da SEDUC/CE. E-mail: [email protected] Fabrício Bonfim Sudério Licenciado e bacharel em Ciências Biológicas. Mestre e doutor em Bioquímica (UFC). Professor adjunto do Curso de Ciências Biológicas da FAEC/Campus Crateús, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenador Institucional do Programa de Licenciaturas Internacionais – PLI/UECE (2013/2015 – Biologia e Química) e Coordenador de Área do PIBID/UECE - Subprojeto de Biologia-Crateús (2011/2018). E-mail: [email protected]

Francisco Ubiraju Ferreira de Souza Licenciado em Ciências. Professor de Biologia da SEDUC/CE e professor de Ciências e Matemática da Rede Pública Municipal de Ensino de Fortaleza. Professor Supervisor do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/ CAPES, no Subprojeto Biologia/UFC – Campus do Pici. E-mail: [email protected] Isabel Cristina Higino Santana Licenciada em Ciências Biológicas. Mestra em Ciências do Mar (UFC), doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira (UFC), vinculada ao eixo temático de Ensino de Ciências. Professora assistente na UECE/Campus Itapipoca. Atuou como Coordenadora de Área do PIBID/UECE - Subprojeto de Biologia (2010/2012). E-mail: [email protected] Isabel Maria Sabino de Farias Pedagoga. Doutora em Educação Brasileira (UFC), com Estágio Pós-doutoral pela Universidade de Brasília (UNB). Professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenou, na UECE, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES (2009/2013) e o Programa de Fortalecimento das Licenciaturas - PRODOCÊNCIA/CAPES (2010/2014). Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS) e Coordenadora do Observatório sobre Desenvolvimento Profissional Docente e Inovação Pedagógica (2013 a 2017). E-mail: [email protected] Maria Elane de Carvalho Guerra Bacharela em Ciências Biológicas. Doutora em Agronomia/Fitotecnia (UFC). Professora adjunta do Curso de Ciências Biológicas do CECITEC/ Campus Tauá, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenadora de Área do PIBID/ CAPES – Subprojetos de Biologia-Tauá (2011/2014) e Biologia-Itaperi (2014/2018). E-mail: [email protected] Maria Márcia Melo de Castro Martins Licenciada e bacharela em Ciências Biológicas. Especialista em Ensino de Ciências (FFB) e em Formação de Formadores pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestra em Ensino de Ciências e Matemática (UFC) e em Educação (UECE/PPGE). Membro da Rede de Pesquisa em Educação em Ciências da UECE (REPENCI). Professora do Ensino Fundamental II e Médio da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará (2004 – 2013). Atualmente, é professora assistente e coordenadora de área do PIBID/CAPES – Subprojeto de Biologia da UECE/Campus Iguatu. E-mail: [email protected]

Maria Rodrigues de Oliveira Licenciada em Ciências com habilitação em Química e Biologia (UECE). Professora de Biologia da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará. Professora Supervisora do PIBID/UECE - Subprojeto Biologia/Campus Tauá (2011/2013). E-mail: [email protected] Mário Cézar Amorim de Oliveira Licenciado em Ciências Biológicas, Especialista em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio (UVA). Mestre em Educação Científica e Tecnológica (UFSC). Professor assistente do Curso de Ciências Biológicas da UECE/Campus Itapipoca. Membro da Rede de Pesquisa em Educação em Ciências da UECE (REPENCI), da Associação Brasileira de Ensino de Biologia - Regional Nordeste (SBEnBio) e da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC). Atualmente, atuando como Coordenador de Área do PIBID/CAPES – Subprojeto de Biologia/ Campus Itapipoca. E-mail: [email protected] Nilson de Souza Cardoso Licenciado em Ciências Biológicas. Mestre em Educação (PPGE/UECE). Professor assistente do Curso de Ciências Biológicas da UECE/Campus Crateús, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS) e da Rede de Pesquisa em Educação em Ciências da UECE (REPENCI). Coordenador, na UECE, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES (2014 a 2018) e do Programa de Fortalecimento das Licenciaturas - PRODOCÊNCIA/CAPES (2010 a 2014). E-mail: [email protected] Rafael Bezerra e Silva Licenciado em Ciências Biológicas, especialista em Ensino de Biologia (UVA). Atualmente, cursando o Mestrado Profissional no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (UFC). Professor da área de Ciências da Natureza na rede pública municipal de Crateús; e de Biologia, da rede pública estadual (SEDUC/CE). Professor Supervisor do PIBID/UECE - Subprojeto de Biologia Campus Crateús. E-mail: [email protected] Raquel Crosara Maia Leite Licenciada em Ciências Biológicas. Mestra em Educação (UFC) e doutora em Educação (UFSC). Professora adjunta da UFC, vinculada ao Programa de PósGraduação em Educação Brasileira (UFC) e ao Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática (UFC). E-mail: [email protected] Pedro Siqueira Lima Licenciado em Ciências Biológicas, Especialista em Ensino de Biologia e Química (URCA). Professor de Biologia da SEDUC/CE. Professor Supervisor do PIBID/UECE – Subprojeto de Biologia - Campus Tauá. E-mail: [email protected]

SUMÁRIO

Capítulo 1 Educação em Ciências e Biologia: das origens à integração ensino e pesquisa .............................................................................. 09 Nilson de Souza Cardoso Isabel Maria Sabino de Farias Antonia Dalva França Carvalho Capítulo 2 A pesquisa como fundamentação teórica na prática docente e suas contribuições para a proposição de metodologias de ensino de Ciências/Biologia .............................................................. 18 Maria Márcia Melo de Castro Martins Francisco Ubiraju Ferreira de Souza Raquel Crosara Maia Leite Capítulo 3 Pesquisa e ensino na Educação Básica: dilemas e conflitos na formação do professor pesquisador ................................................ 34 Alexsandra de Sales Araújo Ana Vérica de Araújo Isabel Cristina Higino Santana Capítulo 4 Conectando pesquisa e prática docente: relato de experiência vivida por professores de Biologia em Tauá-CE .............................. 46 Maria Elane de Carvalho Guerra Pedro Siqueira Lima Maria Rodrigues de Oliveira Capítulo 5 Iniciação científica no Ensino Médio: relato de experiência .......... 56 Maria Márcia Melo de Castro Martins Enoe Cristina Barreto da Silva

Capítulo 6 A origem da vida no ensino de Biologia: revisando as pesquisas e revendo a prática .......................................................... 74 Mário Cézar Amorim de Oliveira Capitulo 7 Formação do professor e o ensino de Ciências: investigações sobre a importância da contextualização e experiências didáticas na área de Biologia ............................................................ 96 Fabrício Bonfim Sudério Cristiana de Paula Santos Rafael Bezerra e Silva

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA: DAS ORIGENS À INTEGRAÇÃO ENSINO E PESQUISA Nilson de Souza Cardoso Isabel Maria Sabino de Farias Antonia Dalva França Carvalho

1. Introdução O nosso cotidiano está repleto de manifestações de fenômenos naturais, ocorrendo a olhos vistos por nós. Interpretá-los faz parte do nosso dia a dia, de onde partimos da nossa observação, experimentação ou por difusão cultural e familiar, fazendo-nos aceitá-las como explicações plausíveis para estes fenômenos. Certamente o conceito de Biologia, seus conteúdos e sua área de abrangência devem ser algo sedimentando entre os licenciandos e professores de Ciências e Biologia. Pensar, entretanto, o que, como e por que ensinar Ciências e Biologia parece-nos algo pouco discutido nos cursos de formação inicial. Na direção desta pergunta, a Profa. Myriam Krasilchik (2003) esclarece: Admite-se que a formação biológica contribua para que cada indivíduo seja capaz de compreender e aprofundar as explicações atualizadas de processos e de conceitos biológicos, a importância da Ciência e da tecnologia na vida moderna, enfim, o interesse pelo mundo dos seres vivos. Esses conhecimentos devem contribuir, também, para que o cidadão seja capaz de usar o que aprendeu ao tomar decisões de interesse individual e coletivo, no contexto de um quadro ético de responsabilidade e respeito que leve em conta o papel do homem na biosfera (KRASILCHIK, 2003, p. 11).

A Biologia entra no nosso cotidiano por meio da mídia, estereotipada, com um campo das Ciências onde a sua atuação se baseia na busca por descobertas científicas que garantirão o nosso bem-estar, no desenvolvimento de tecnologias revolucionárias ou mesmo na conservação de espécies ameaçadas de extinção, sendo o biólogo trajado de jaleco ou de coletes e boinas. Tais arquétipos vêm a contribuir para o fato de muitos estudantes buscarem o curso de Biologia, sobretudo a licenciatura, sem o interesse pela docência e, neste caso, pela Didática. Dificilmente, o biólogo é retratado como um professor, atuando na sala de aula, tratando das formas diversas de manifestação de vida, esclarecendo sobre o papel do cidadão ante as questões da atualidade ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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como posicionamento ao apoio à utilização de biotecnologias – transgênicos, pesquisas com células-tronco, clonagem; estímulo à conservação ambiental e combate à poluição; conscientização e prevenção de doenças ou quem torna acessível a compreensão dos avanços da Ciências, enfim, uma diversidade de assuntos que tornam esta “prática biológica” incrivelmente instigante. Não é incomum, como mencionado antes, os alunos caracterizarem e qualificarem um professor como não tendo didática, mesmo quando ele apresenta notório domínio do conteúdo. Considerando a futura atuação como professor de Ciências e Biologia, tal constatação nos leva a questionar sobre o que “deveríamos conhecer – em um sentido mais amplo de ‘saber’ e ‘saber fazer’ – para podermos desempenhar de forma satisfatória os problemas que esta nos propõe?” (CARVALHO, GIL-PÉREZ; 2001, p. 14). Esta reflexão é pertinente para compreensão do como o ensino de Ciências e Biologia se transformou ao longo da história e o quanto permanece com práticas tão tradicionais e, desse modo, traçamos perspectivas de avanço e superação. As práticas pedagógicas presentes no cotidiano escolar e investimentos no aprendizado do aluno são fatores determinantes da maneira de conceber o ensino. Relativo à área de Biologia e Ciências, aprendizagem é reflexo de como a sociedade também concebe este campo do saber e suas transformações (KRASILCHIK, 2000). Desta feita, é importante destacar a importância e o reconhecimento dado à Ciência e à Tecnologia, tendo, portanto, relação direta com o modo de ensinar tais disciplinas, mesmo compreendendo que ambas possuem caráter específico, tendo as Ciências Biológicas desenvolvido processos especializados, “mobilizando determinados objetivos sociais em favor de sua própria institucionalização”, o ensino de Ciências e Biologia direciona para o trabalho com “conhecimentos organizados e transformados para os fins de ensino” (FERREIRA; SELLES, 2008, p. 44). Destacamos agora como essa concepção mudou ao longo da história, bem como certa sintonia, em alguns momentos, com as ideias pedagógicas então hegemônicas. Utilizaremos a tipologia formulada por Saviani (2007), que demarcou a história do ensino, partindo do surgimento da educação formal no Brasil, em quatro períodos: monopólio da vertente religiosa da Pedagogia tradicional (1559 a 1759); coexistência entre as vertentes religiosa e leigas da Pedagogia tradicional (1759 a 1932); predominância da Pedagogia nova (1932 a 1969) e, por fim, configuração da concepção pedagógica produtivista (1969 a 2001). Este é o caminho 10

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do remonte histórico da educação em Ciências e Biologia, feitos a seguir. 2. Breve histórico do ensino de Ciências e Biologia O início da educação brasileira foi marcado pela presença dos padres Jesuítas que implantaram os primeiros colégios na Colônia brasileira, a partir de 1549. O domínio da igreja dava a tônica da Pedagogia, denominada de brasílica, formulada e praticada sob medida para as condições encontradas por aqui. A Pedagogia brasílica perdurou hegemônica até a expulsão dos padres Jesuítas em meados do século XVIII. A Pedagogia tradicional católica, de base essencialista, pauta-se na teoria, disciplina e punição e tem a figura do professor o mais alto poder. O homem como ser imutável, leva a considerar a homogenia entre todos os alunos, deixando de lado as peculiaridades pessoais, tendo a educação o papel de moldar a pessoa para a perfeição divina no sentido de merecer a dádiva da vida eterna. Nestes termos, percebemos que os conteúdos relativos à Biologia; ou História Natural à época, ou em disciplinas como Zoologia, Botânica e Geologia1, recebiam a influência do fixismo e nela a compreensão de Ciência. Portanto, todo o ambiente natural e os integrantes deste eram considerados a mais pura expressão da perfeita obra divina, restando apenas observar e, em seguida, repetir e memorizar. Neste período é possível recuperar diversos estudos de naturalistas que vinham ao Brasil com o intuito de pesquisar e descrever as riquezas naturais, além de proferir cursos que tratavam da nossa fauna e flora. Com raízes no positivismo, o ensino de Ciências estava muito ligado à prática e ao ambiente natural. Interessante é observar que os primeiros conceitos propostos por Darwin foram introduzidos nesta época, porém, conforme assinala Guimarães (2010), não há estudos que revelem o impacto deles no ensino. A expulsão dos Jesuítas, no final do século XVIII, e a influência das ideias iluministas marcaram a “coexistências entre as vertentes religiosas e leigas da Pedagogia tradicional”, trazendo consigo a “separação entre a fé a razão” e o “incremento das Ciências naturais, como a física, a química, a biologia” (GUIMARÃES, 2010, p. 9), estes foram os primeiros passos para consolidar da compreensão do que hoje possuímos sobre Ciências. Com a perda do prestígio da igreja no poder, a Pedagogia católica dá a vez à Pedagogia tradicional leiga. As reformas educacionais 1 A disciplina Biologia surgiu na década de 50 do século XX, resultado do amalgama de diversos campos do saber das Ciências Biológicas (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009).

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instituídas pelo Marquês de Pombal, ainda que formulada por padres de outras ordens religiosas, tinha diminuto o peso da religião católica. Este período foi marcado, como aponta Guimarães (2010), pela superação dos métodos memorísticos em prol da experimentação, pela implantação da disciplina História Natural e, com a vinda da Família Real, pela criação de museus, academias de Ciências e pela criação de laboratórios de pesquisa, refletindo na criação de espaços de ensino não formal de Ciências, a exemplo do Museu Nacional e do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, mesmo que à época não se possuísse esta compreensão de locus de aprendizagem. O Colégio Pedro II, outra instituição oriunda da presença da Família Real, de grande relevância para o ensino e, obviamente, para divulgação da Ciência, estabelecia o currículo-padrão, devendo ser seguido por escolas secundárias em diversos estados brasileiros. O ensino oitocentista, cuja ênfase residia nos estudos humanísticos, tinha base nos modelos franceses, o que de certa maneira repercutiu no ensino das Ciências Naturais, abarcando disciplinas de Zoologia, Botânica, Mineralogia, Cosmologia, Higiene, Ciências Físicas e Geologia (FERREIRA; SELLES, 2008). A transição da influência do fixismo para a compreensão de uma vida que se molda às pressões do ambiente (lamarkismo) preponderaram nos currículos da época. Atreladas às discussões iniciais sobre o que atualmente nos referimos à Biologia evolutiva, a disciplina chamada Zoologia filosófica inseria-se nesse cenário educacional, tratando teoricamente do desenvolvimento embrionário (epigênese e ovogênese) (LORENZ, 2010). O ensino, logo no início da República, fora marcado pela “coexistência de vertentes pedagógicas”, a exemplo da tradicional – centrada no professor, da liberal – dedicada à preparação para a vida e científica – buscando desvendar os fenômenos naturais mediante observações empíricas, ambas convictas “de que a Ciência e a técnica poderiam resolver os problemas básicos da humanidade” (GUIMARÃES, 2010, p. 12), visão que influencia a próxima demarcação temporal da História da Educação no Brasil. O terceiro período, de 1932 a 1969, caracterizado por vertente escolanovista, é marcado pela renovação do ensino de Ciências e Biologia, graças ao status que Ciências e Tecnologia alcançaram por conta de eventos ocorridos, a exemplo do pós-guerra, do lançamento do satélite Sputnik 1 e da guerra fria, os quais estavam diretamente ligados ao conhecimento gerado por estes campos do saber e, portanto, se tornaram 12

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essenciais ao desenvolvimento socioeconômico e à cultura, imprimindo grande importância nos currículos. No cenário mundial e nacional, viram o surgimento e a intensa participação de sociedades científicas, a exemplo do Instituto Brasileiro de Ciência e Cultura (IBECC), cujo objetivo era difundir os avanços da área e estimular o ingresso de jovens talentos nas carreiras científicas (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009). Este período, em que o ensino de Ciência é destacado como fundamental e acessível a todos, o objetivo era o de permitir que estudantes e, em sentido amplo, a sociedade pudessem pensar lógica e criticamente, capazes de tomar decisões com base nesses conhecimentos, tendo clamor pela cidadania. A este respeito, Krasilchik (1987), mais uma vez, nos esclarece: Começava-se, assim, a se pensar na democratização do ensino destinado ao homem comum, que tinha que conviver com o produto da Ciência e da Tecnologia e do qual se requeria conhecimento, não apenas como especialistas, mas também como futuro político, profissional liberal, operário, cidadão enfim (Krasilchik,1987, p. 10).

O reflexo dessa mudança de percepção deu-se no aumento da carga horária para as disciplinas “científicas” – Química, Física e Biologia – além da inclusão de aulas práticas. Ainda hoje, muito dos materiais utilizados em aulas práticas de Biologia tiveram suas primeiras versões produzidas nesta época, em decorrência da tradução e adaptação dos primeiros livros didáticos da área – os BSCS (Biological Sciences Curriculum Studies). Ainda segundo Guimarães (2010, p. 13), estes materiais primavam pela experimentação e, seguindo a tendência pedagógica escolanovista, buscavam “motivar o aluno a aprender”. Ferreira e Selles (2008) afirmam que os BSCS deram início à “unificação e automatização” das Ciências Biológicas, e, por conseguinte, na disciplina Biologia. A inserção de temas como a síntese evolutiva/ teoria sintética da evolução, o darwinismo e a Biologia Molecular, fruto da recém-descoberta molécula de DNA, além do reforço ao trabalho experimental, tentativa de aproximação ao fazer científico (vivência ao método científico) e da diversidade biológica, marcaram o currículo e a visão dessa Ciência nessa época. Data deste período a constituição da Biologia como disciplina curricular, apesar do forte embate na unificação das Ciências Biológicas. Apesar do sopro renovador do escolonovismo, a Pedagogia tradicional continuava presente em muitos meios educacionais. Em virtude ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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da pressão da competitividade os grupos educacionais ligados à religião católica, responsáveis por grandes escolas particulares, propuseram o que chamaram de Pedagogia integral, que situa a criança no centro das atenções da escola. Importante é destacar a continuidade da influência positivista, sobretudo a valorização do “método científico” (pergunta, hipóteses, teste – experimentação, resultados, análises e conclusões). O quarto período demarcado por Saviani (2007), de 1969 à 2001, iniciou sobre as influências do novo regime, imposto pela ditadura militar, que passou a incentivar a formação de mão de obra qualificada em detrimento de valorização da cidadania e do pensamento crítico, tendo, com isso, influenciado o modo de conceber Ciências, vista como imparcial neutra. O ensino dessa área passou a ter um caráter profissionalizante em um sistema que formava para o mundo do trabalho e da prática social, seguindo a tendência que estreitava o desenvolvimento econômico do País com a educação. Na década de 1970, em decorrência da expansão da oferta de trabalho, consequência da exploração do petróleo e do desenvolvimento industrial no País (o chamado “milagre econômico”), a educação tomou um viés produtivista, configurando a Pedagogia tecnicista, perspectiva que se ancorava no princípio da neutralidade científica, da racionalidade, da eficiência e da produtividade. Seu foco é a objetividade e a operacionalidade em todos os âmbitos educacionais. Apesar do discurso que promulgava importância ao ensino de Ciências e Biologia, o que ocorria, de fato, era um treinamento ligando o aluno ao mundo do trabalho, com Disciplinas de Zootecnia, Agricultura, Técnica de Laboratório (KRASILCHIK, 2003), consideradas de restrita aplicabilidade ao cotidiano e à tomada de decisões – reclamos sempre presentes na justificativa do ensino de Ciências e Biologia, com reflexos na cidadania. A impessoalidade, característica da concepção tecnicista, trouxe a perda da especificidade da evolução do aluno, ignorou a inter-relação escola-professor-aluno. Excessos de rotinas causaram um desânimo no professorado, refletindo num ensino ainda mais rarefeito. A década de 1980 ascende a novos horizontes, pressões de movimentos sociais requerendo a democratização, a crise econômica mundial associada à visualização dos impactos ambientais agravados pelo avanço da industrialização, o ensino de Ciências e Biologia retorna ao patamar de importância, neste momento como fator de conscientização para o papel do homem, a importância da tecnologia e da preservação ambiental, reclamos ainda mais presentes nos dias atuais. 14

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Iniciam-se mudanças no ensino-aprendizagem sob o ponto de vista da compreensão de Ciências e Biologia, as quais continuam presentes. Emerge a concepção de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), a qual passa a ser difundida na abordagem dos conteúdos de Ciências e Biologia, buscando despertar nos estudantes uma formação cidadã, refletindo na compreensão de que estes conhecimentos científicos deverão ser integrados à tomada de decisões e, sobremaneira, na sua atuação social, política e econômica. Na década subsequente, o construtivismo apareceu como uma vertente virtuosa e, de certo modo, impositiva para o processo de ensino-aprendizagem, o que não excluiu as áreas de Ciências e Biologia, porém com poucas alterações curriculares. A materialização deste momento deu-se por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que, no sentido de atender a influência cognitivista, requer um ensino “contextualizado” e traz entre seus elementos os “temas transversais”, temáticas que poderiam ser tratadas em sala de aula associadas aos conteúdos curriculares. A orientação é partir das preconcepções de fenômenos naturais trazidos pelos estudantes, o que requer atenção para não tratar os conteúdos de forma superficial. O construtivismo é alvo, nesse momento, de críticas, entre as quais a de ter sido inserido de forma acrítica como proposta pedagógica no “universo do ensino de Ciências” (TEIXEIRA, 2003). É crescente a preocupação com questões ambientais, ênfase que evidenciou a necessidade de uma Educação Ambiental, o que propiciou a renovação do movimento CTS, hoje identificado pela sigla – CTSA, esta última letra referindo-se a “ambiente”. A Biologia, portanto, além de privilegiar os novos conteúdos relacionados às biotecnologias, vê-se imbuída da missão de conscientizar para as questões ambientais. Com efeito, Teixeira (2003, p. 12) advoga a transformação do perfil de ensino de Ciências e Biologia hoje, alertando para recomendações em torno da necessidade de uso “de uma multiplicidade de técnicas de ensino e estratégias didáticas”, de modo a favorecer aos educandos o “mergulho nas questões sociais de relevância e interesse científico”. Também assinala as “postulações sobre a necessidade de alterações no perfil docente”, para o que se faz necessário uma revisão dos processos de formação inicial e continuada de professores pautado em “um programa sistemático de formação em serviço, que além de capacitar permanentemente os professores, ofereça a oportunidade de interação entre ensino” (IBID.). ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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O ensino de Ciências e Biologia, apesar de marcadas mudanças, na prática, oscilou entre duas vertentes pedagógicas: tradicionalcomportamentalista e cognitivista-construtivista; ambas sem superar no todo um ensino conteudista. É notória a necessidade de mudança para a superação do modelo hegemônico de ensino centrado nos conteúdos, em face de um modo que possa despertar autonomia nos educadores e educandos. 3. Segmento conclusivo Concluímos, questionando: por que as práticas docentes, concepções e modelos didáticos permanecem ancorados numa Pedagogia que ainda privilegia ensino centrado nos conteúdos? Razão possível reside na ideia de formação de professores, característica das “universidades modernas”, particularizada por dicotomia entre teoria e prática, espaço de formação e local de atuação profissional. Apoia-se na compreensão de um profissional capaz de solucionar “problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósito específico” (SCHÖN, 2000, p. 15). Dito de outra forma, os cursos de licenciatura ainda privilegiam os conhecimentos específico dissociados das questões pedagógicas, fato que reflete na prática dos docentes da Educação Básica. As mudanças sociais traduzidas em avanços tecnológicos, estreitamento entre as formas de comunicação e de interligação das relações econômicas, incidem em novas exigências sobre a qualidade da escola e, por conseguinte, nos professores, sobretudo em sua formação. É neste contexto de redefinições, no qual a dissociação entre teoria e prática permeia os debates acerca dos problemas recorrentes nos processos formativos, que a pesquisa é postulada como componente curricular necessário à formação profissional e com as condições de responder aos enfrentamentos de um mundo em transformação. A importância da pesquisa no processo de formação profissional reside, principalmente, no seu potencial que possibilita ao docente o desenvolvimento da reflexão, tornando-o capaz de avaliar e analisar sua prática, desenvolvendo a sua autonomia intelectual e o capacitando para buscar conhecimentos, habilidades, atitudes que melhorem o seu trabalho e, consequentemente, despertando tal autonomia em seus educandos. Vivemos em momento de rompimento de paradigmas, quando trabalhar as diversidades e incertezas, inovações didáticas em uma sociedade interligada-global implique novas orientações para a formação 16

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do professor fortemente influenciada pelos mitos culturais do professor de Ciência e Biologia, a saber: a transmissão do conhecimento, eficácia e rigor e preparação para exames e escassez de materiais curriculares adaptados às novas estratégias ao mundo contemporâneo, muito embora, se observe que não houve mudanças no seu processo de formação inicial e continuada que proporcionassem superação dessa racionalidade técnica, cujas raízes epistemológicas ancoram-se nessa perspectiva. Para os novos professores, fica o desafio de assumir um posicionamento frente os reclamos da sociedade contemporânea, adotando uma concepção pedagógica que fomente a formação de cidadãos críticos e socialmente atuantes. Aos em exercício, cabe pensar como iniciar/transformar sua participação neste movimento. 4. Referências BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. BRASÍLIA: MEC, 1997. CARVALHO, A. M. P.; GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências: tendências e inovações. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. FERREIRA, M. S., SELLES, S. E. Entrelaçamentos históricos das Ciências Biológicas com a disciplina escolar Biologia: investigando a versão azul do BSCS in: Pereira, M. G.; AMORIM, A. C. R. Ensino de Biologia: fios e desafios na construção de Saberes. João Pessoa. Editora Universitária UFPB: 2008, p. 37-61. KRASILCHIK, M. O Professor e o Currículo das Ciências. São Paulo: E.P.U, 1987. KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: EDUSP, 2003. KRASILCHIK, M. Reforma e Realidade: o caso do ensino das Ciências. São Paulo em Perspectiva, vol. 14, n.1, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/ v14n1/9805.pdf LORENZ, K. M. Ciência, Educação e Livros Didáticos do Século XIX. Os compêndios das Ciências naturais do Colégio Pedro II. Uberlândia: EDUFU, 2010. MARANDINO, M., SELLES, S. E., FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009, p.215. SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007. TEIXEIRA, P. M. M. Educação Científica e Movimento C.T.S. no quadro das tendências pedagógicas no Brasil. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, ABRAPEC: Porto Alegre, v. 3 (1), n. 1, p. 88-102, 2003. Disponível em: http://www.fae.ufmg.br/abrapec/revistas/V3N1/v3n1a7.pdf

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A PESQUISA COMO FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA NA PRÁTICA DOCENTE E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PROPOSIÇÃO DE METODOLOGIAS DE ENSINO DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA. Maria Márcia Melo de Castro Martins Francisco Ubiraju Ferreira de Souza Raquel Crosara Maia Leite

1. Introdução Sejam quais forem os objetivos estabelecidos, o próximo passo será definir o caminho ou estratégia a seguir para facilitar a passagem dos alunos da situação em que se encontram até alcançarem os objetivos fixados, tanto os de natureza técnicoprofissional como os de desenvolvimento individual como pessoa humana e como agente transformador de sua sociedade (BORDENAVE; PEREIRA, 1999, p. 83).

Iniciamos este capítulo com esta citação, no intuito de abrir um diálogo sobre a necessidade de refletir sobre as metodologias no ensino de Ciências/Biologia, uma vez que o ensino dessas áreas do conhecimento, suscitam, há décadas, questionamentos quanto ao seu alcance em relação à aprendizagem dos discentes na escola básica. Inserido no currículo escolar desde o estabelecimento do ensino secundário no Brasil, o ensino de Ciências se caracteriza como enciclopédico, memorístico e voltado ao acesso aos estudos superiores. Ao longo de sua história, o ensino de Ciências/Biologia na escola básica trouxe questionamentos quanto à sua finalidade, o que instigou proposições de tendências distintas. Em meados do século XX, esteve voltado para a reprodução do conhecimento científico por meio da repetição de experimentos, particularmente na década de 1960, por via de projetos estadunidenses aplicados no Brasil, como Biological Sciences Curriculum Study – BSCS e o Physical Science Study Committee – PSSC. Esses projetos tinham o objetivo de favorecer a experimentação, a comprovação do que teoricamente se verificava nos livros didáticos. Para tanto, voltavam-se para a produção de materiais didáticos inovadores. No Brasil, foram acompanhados pela produção de equipamentos de laboratórios sugeridos nos livros-texto e pelo treinamento de professores (KRASILCHIK, 1987). Nas décadas seguintes, passou-se a questionar os impactos do desenvolvimento científico e tecnológico no meio ambiente e a relação 18

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do homem com o conhecimento científico, suscitando questionamentos sobre os fins do ensino de Ciências. Em meados da década de 1990, o Brasil lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997) para o ensino dessas áreas do conhecimento, logo após a promulgação da LDB 9394/96. Os PCN foram elaborados com a finalidade de orientar o ensino de Ciências em todo o País. Além dos PCN, a própria legislação se posicionava sobre questões relacionadas à formação de professores, fato que trouxe expectativas sobre a melhoria do ensino de Ciências, uma vez que passou a se priorizar a formação docente em cursos de licenciaturas em áreas específicas. As orientações apontam para um ensino de Ciências/ Biologia contextualizado, interdisciplinar, voltado para elaboração do conhecimento de forma crítica, com a valorização dos conhecimentos prévios dos aprendizes. Essa nova proposta de ensino de Ciências/Biologia trouxe grandes desafios à formação e à prática docente. Desde então, os professores são desafiados a desenvolver um ensino de Ciências mais integrado às questões sociais em um contexto de acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, vivenciado pela sociedade, mais acentuadamente a partir da última década do século passado. Embora os PCN orientem quanto ao desenvolvimento das distintas áreas do conhecimento na educação básica, essa é uma questão complexa, uma vez que os professores não costumam vivenciar em seus cursos de formação experiências que os preparem para desenvolver os conteúdos científicos na perspectiva apontada pelos PCN. Desse modo, o desenvolvimento de metodologias de ensino de Ciências e Biologia que visem a uma participação ativa dos alunos, que os despertem para o aprendizado da Ciência numa perspectiva construtiva e crítica do conhecimento, perpassa as limitações que permeiam a prática docente, desde a formação do professor, condições de trabalho nas escolas, sobretudo em relação ao tempo de planejamento de atividades no sentido de propiciar aos alunos uma aprendizagem significativa. Segundo Ausubel (apud MOREIRA, 1999, p. 9), esta ocorre quando “o significado lógico do material se transforma em significado psicológico para o aprendiz”. Esse desafio é particularmente importante, uma vez que, historicamente, o ensino e a prática do professor em relação ao ensino de Ciências e Biologia esteve engessado no livro didático. Este, via de regra,

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apresentava/apresenta os conteúdos de forma estanque, fragmentada, linear e descontextualizada, embora venha sendo modificado com o lançamento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC, um Programa de distribuição de livros didáticos nas escolas. Desde então os livros buscaram se aproximar dos conteúdos e perspectivas de abordagens sugeridos pelos PCN. Tal esforço está relacionado ao fato de a seleção e compra dos livros didáticos pelo Governo Federal para a distribuição nas escolas estarem vinculadas às orientações dos referidos Parâmetros. Ainda que a demanda por livros didáticos venha sendo atendida pelo Governo, e que se tenha feito um esforço para melhorar sua qualidade, esse é um caminho longo a percorrer, pois, além do livro didático, faz-se necessário ao docente experimentar situações de ensino em que possa vivenciar metodologias mais adequadas aos contextos escolares. Nesse sentido, não basta estar munido das orientações curriculares para que tenha condições de desenvolver um trabalho efetivo junto aos estudantes, pois é imprescindível uma reflexão sobre as práticas pedagógicas para o ensino de Ciências e quais metodologias poderiam ser pensadas e desenvolvidas para aproximar o aluno do conhecimento científico, de forma que dele se aproprie e o ressignifique com suporte em suas vivências. As metodologias de ensino, contudo, não se restringem à operacionalização de determinadas técnicas com fim em si mesmas; antes, se fundamenta em pressupostos teóricos e epistemológicos e ocupam um lugar imprescindível para a transformação do saber científico em saber escolar. Assim, a transposição didática dos conteúdos é mediada pela prática pedagógica do professor e utilização de metodologias potencialmente mais favoráveis ao aprendizado do que as experimentadas no modelo de transmissão-recepção do conhecimento, ou no modelo de educação bancária, criticado por Freire (1987). E considerando, ainda, a proposta dos PCN para o ensino de Ciências, numa perspectiva interdisciplinar, podemos apontar que a efetivação das metodologias com esse fim é dificultada pela tímida compreensão dos docentes sobre o que constituem uma proposta e um planejamento de ensino dessa natureza. São diversos os fatores que interferem negativamente na

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consolidação dessa proposta, a exemplo do tempo de aula e da forma como o conhecimento científico se encontra distribuído entre as disciplinas no currículo escolar, o tempo de planejamento docente, as fronteiras estabelecidas na formação dos professores, inicialmente como alunos da educação básica e posteriormente como estudantes do ensino superior, em cursos de licenciatura. Nesse sentido, o professor carrega impresso em si os modelos a que esteve sujeito em todo esse tempo. Como avançar e superar essas questões? Embora as Ciências não estejam isoladas das demais áreas do conhecimento, antes se encontram imbricadas e tenham se constituído nas interações dos distintos campos do saber, ao professor, relacionar esses elementos se constitui um grande desafio no sentido de superação de suas limitações e necessidades formativas. Avançar nessas questões precisa se constituir um desejo e uma busca dos sujeitos envolvidos no fenômeno educativo, e, no caso deste estudo, os que estão direta e indiretamente envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências/Biologia na escola básica. Este estudo aponta a pesquisa como um caminho, uma possibilidade no tocante à constituição e desenvolvimento de metodologias de ensino de Ciências e Biologia mais favoráveis à aprendizagem discente. 2. Metodologia Desse modo, este estudo parte de uma reflexão teórico-empírica acerca da importância da pesquisa para fundamentação de propostas para o ensino de Biologia. Surgiu do contexto da prática docente dos autores, onde se observam dificuldades várias no ensino/aprendizagem dessa área do conhecimento na escola e na universidade. Emerge também da experiência vivenciada por dois licenciandos de Ciências Biológicas/UFC, quando de sua inserção na escola pública como bolsistas de Iniciação Científica - IC em 2010, quando acompanhavam atividades desenvolvidas por um grupo de outros bolsistas, também licenciandos da mesma área, vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, os quais atuavam em duas escolas públicas estaduais no município de Fortaleza, contempladas pelo Programa: o Liceu de Messejana e o Liceu do Conjunto Ceará. Um dos objetivos do referido Programa é o desenvolvimento de metodologias de ensino de Biologia na escola. Assim, essa investigação trata das impressões de dois ex-bolsistas de Iniciação científica - IC,

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hoje bolsistas do PIBID, sobre o desenvolvimento de tais metodologias na escola e do papel da pesquisa no processo de seleção, elaboração, adequação e execução em sala de aula. As propostas de ensino tinham como orientação o Projeto do PIBID na área de Biologia, o qual privilegia a interdisciplinaridade como eixo das ações desenvolvidas no Programa. O estudo insere-se, ainda, na abordagem qualitativa e utilizouse da entrevista semiestruturada como técnica de coleta de dados. Os dados obtidos são apresentados à luz das ideias de Krasilchik (1987, 2008), Bordenave (1999), Demo (2011) e Veiga (2006). 3. A pesquisa na fundamentação teórica e proposição de metodologias de ensino de Biologia. Como expresso na introdução deste estudo, as metodologias exercem importante papel na transposição didática dos conteúdos e na transformação do saber do cientista em saber escolar. Assim, buscamos trazer as percepções de futuros professores de Biologia e que acompanharam a proposição de metodologias de ensino guiados por uma proposta interdisciplinar. A análise está organizada sob cinco aspectos: o papel da metodologia no ensino de Biologia e o que se deve considerar na sua proposição; as dificuldades na proposição de metodologias de ensino; as metodologias no processo formativo docente; a percepção da pesquisa na orientação e na proposição de novas metodologias para o ensino de Biologia; a proposta metodológica interdisciplinar do PIBID/Biologia/UFC. 3.1 Sobre o papel da metodologia no ensino de Biologia e do que se deve considerar na sua proposição Os sujeitos reconhecem a importância das metodologias no ensino de Biologia no tocante ao direcionamento e organização do conteúdo a ser abordado, de forma a permitir a apropriação dos conhecimentos pelos estudantes, contudo consideram que esse é um processo complexo que envolve aspectos diversos, como o reconhecimento dos estudantes, de suas demandas, das especificidades de cada turma e do contexto escolar. Embora no âmbito universitário as metodologias de ensino sejam discutidas, há necessidade de aproximar essa discussão da realidade das salas de aula das escolas púbicas, do que, de fato, pode ser efetivado:

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Eu acho que a metodologia no ensino ou em qualquer área é algo muito importante porque é um direcionamento pra sua organização, de como você vai agir. Mas para o ensino de Biologia eu acho que a gente não conseguiu... e acho que talvez nem exista, não sei, uma metodologia eficaz, existem várias metodologias pra situações diferentes e que a gente tenta alcançar alguma coisa e mesmo assim a gente não consegue... a gente tem algumas áreas, algumas disciplinas que tentam trabalhar isso, mas ainda acho que é muito falho, porque ainda tá muito longe da realidade, da conjuntura das escolas que a gente atua, principalmente as escolas públicas, né? E aí fica meio aquém do que realmente precisa, a gente não tem assim, uma ligação com aquele local que a gente vai trabalhar, com as pessoas, com as vivências e com o que elas são pra gente sair aplicando algo, e muita gente atropela o processo e aplica alguma coisa... (Sujeito A). A gente aplica muito pelo que a gente vive aqui (universidade), até no PIBID, na última atividade que a gente fez atividade prática, a gente fez uma avaliação e a gente percebeu algumas falhas durante a aplicação da atividade, porque a gente falava com os meninos de uma forma como se a gente tivesse falando com o pessoal daqui, da universidade, e a gente não entendia e achava que tinha sido tão claro... não entendia porque eles tinham tanta dificuldade... mas acho que é porque falta isso, também, da gente... é porque eu acho que a metodologia reflete tanto um pouco de como você é mesmo como professor... se você quer uma participação maior dos estudantes, se você se sente, sei lá, mais à vontade pra dominar um pouco mais a aula... mas é também de conhecer aquele espaço, né, conhecer os estudantes, conhecer a turma... tem muita diferença nas turmas, então eu acho que ... (Sujeito B).

As metodologias de ensino configuram-se como elementos fundamentais ao trabalho do professor. A complexidade dos conteúdos requer estratégias adequadas para a consecução do processo de transposição didática. Geralmente, não costumamos refletir sobre a fundamentação teórica que embasa nossas escolhas metodológicas. O que guia nosso olhar metodológico quando abordamos determinados conteúdos? A esse respeito, um dos sujeitos assim se posiciona: Hoje a gente tava discutindo o planejamento das atividades, a gente ia fazer uma avaliação em cima disso tudo, e aí num ponto do planejamento se colocou que a gente falhou muito na questão do embasamento. Que a gente fazia as atividades, elaborava as metodologias, até a questão dos conteúdos... mas muito na prática

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que a gente tem... pegava pouco um livro, e discutia muito pouco sobre qual a melhor metodologia...se essa... se aquela... a gente escolhe qual? Qual a importância de tratar esse ou aquele? (Sujeito B).

As falas dos sujeitos sinalizam que, além do conhecimento que fundamenta a metodologia selecionada, essa escolha precisa considerar o universo dos alunos e cuidados no tocante à adequação da linguagem utilizada, evidenciando a compreensão de que as metodologias não têm um fim em si mesmas, antes precisam atender demandas específicas de um contexto que se faz necessário reconhecer e sobre ele atuar. Requer do docente um conhecimento específico, como destacam Bordenave e Pereira (1999): Assim como a competência profissional do engenheiro se manifesta na escolha acertada de materiais e métodos de construção, a idoneidade profissional do professor se manifesta na escolha de atividades de ensino adequadas aos objetivos educacionais, aos conteúdos de matéria e aos alunos (Bordenave; Pereira,1999, p.121).

Para os referidos autores, a forma de o professor oferecer ao aluno a oportunidade para viver as experiências desejadas é “estruturar atividades, isto é, estabelecer ou promover situações de ensino aprendizagem, em que haja uma alta probabilidade de que ditas experiências aconteçam [...] (p. 83, 84). É nesse sentido que advogamos um maior espaço para discussão sobre as metodologias de ensino nos cursos de formação de professores, incluindo o reconhecimento das dificuldades que se apresentam a esse processo nos contextos escolares. 3.2 Das dificuldades na proposição de metodologias de ensino Uma vez reconhecendo a importância das metodologias para o ensino de Biologia e as demandas que precisam ser atendidas em sua proposição, os sujeitos apontam dificuldades nesse processo. Dentre estas, o sujeito A destaca o fato de as metodologias serem concebidas para um contexto, sem considerar a multiculturadlidade: [...] e assim... complementando, eu gosto muito de viajar um pouquinho pra perceber o que tá bem além, porque eu acho que a metodologia no ensino de biologia e as outras metodologias são falhas, porque elas não são feitas pra... elas são feitas pra uma massa, pra um contexto homogêneo, e não existe esse contexto

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homogêneo na escola... eu vendo uma palestra do professor João Figueiredo, ele é daqui, que ele fala em uma educação intercultural, que a gente não tem aqui... o que a gente faz é uma educação como se todas as pessoas vivessem as mesmas coisas, os mesmos processos e ... e passa aquilo pra ela daquela forma, e não é daquela forma, porque cada uma tem um processo, vem de um processo diferente... porque da onde eu venho, do que eu vivi, dá forma que eu vejo o mundo, e como eu penso ele, como eu vou absorver aquilo, e aquela metodologia vai ser diferente pra mim e diferente pras outras pessoas, ela pode ser muito mais difícil pra mim e muito mais fácil pra outros... e aí é um problema bem maior assim... e aí a gente tem um projeto como o PIBID... que é uma tentativa de trazer as novas metodologias e tentar perceber essas falhas e agir sobre elas, né? Então, não é tão fácil assim como a gente imagina, a gente tem assim uma ideia romântica, mas não é tão romântico assim. A realidade da escola é bem complicada, a gente já sabe e tem que bater nesse ponto diariamente. (Sujeito A).

Entende que, no âmbito do PIBID, as metodologias foram pensadas atentando para o significado das propostas de ensino para os alunos, e destaca que não podem ser concebidas numa perspectiva romantizada da escola, pois a realidade desse contexto é complexa, necessitando de constante reflexão sobre o que se propõe na ação docente. Estendemos essas considerações para o universo da formação dos futuros professores, de forma geral, pois, não raro, se atribuem às metodologias a solução para os problemas do ensino. A realidade, contudo, por ser complexa, não pode ser apreendida por uma metodologia, tampouco por uma proposta de ensino gestada distante do contexto onde será vivenciada. Essas ponderações nos ajudam a refletir sobre o que temos discutido a respeito das metodologias de ensino nos cursos de licenciatura, uma vez que o ensino pressupõe, além do conhecimento pedagógico da matéria a ser ensinada, o conhecimento dos sujeitos da ação docente e de seu contexto. Assim, as metodologias precisam ser concebidas como importante aspecto do processo formativo, de preferência, vivenciadas nos contextos escolares onde atuarão os futuros professores. A esse respeito nos informa Veiga (2006): O ensino é a busca de interfaces no conhecimento curricular e no mundo de conhecimentos e práticas vivenciadas no cotidiano

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sociocultural dos alunos. A construção do conhecimento é sempre do sujeito, mas não é só dele; o conhecimento se constrói por uma mediação social que pode estar mais ou menos presente. Na situação de ensino há necessidade da mediação do professor para [...] propor atividades e estratégias didáticas necessárias à construção do conhecimento, acompanhar e avaliar o processo de construção /assimilação do conhecimento realizado pelo aluno (Veiga, 2006, p. 25).

3.3 As metodologias de ensino no processo formativo de professores de Biologia. Ante a necessidade de tornar os conteúdos escolares acessíveis aos alunos, as metodologias assumem centralidade no trabalho do professor. Em se tratando de conteúdos biológicos, destacamos a abstração inerente aos conhecimentos dessa área, o que resulta em dificuldade de compreensão entre alunos, sobretudo os de Citologia e Botânica (COSTA, 2013). A respeito da referida dificuldade, informa-nos Krasilchik (2008): [...] nas aulas de citologia o número de termos novos passa de seis para onze por aula, o que indica ênfase na nomenclatura em lugar em destaque da análise dos processos metabólicos. Esse dado parece indicar também que o lugar da anatomia como fonte de sofrimento para os alunos, que tinham que decorar os nomes das estruturas, é ocupado agora pela citologia e a minuciosa descrição das organelas e dos mapas metabólicos que os alunos acabam memorizando sem entender o que representam (Krasilchik, 2008, p.17).

Além da necessidade de pensarmos sobre as questões que envolvem as metodologias de ensino durante o processo formativo do professor de Biologia, não podemos deixar de considerar as dificuldades relacionadas às condições de trabalho no ambiente escolar, como aponta um dos sujeitos entrevistados: [...] e pensar também nas limitações mencionadas, numa sala de 40 alunos, tem gente que, de fato, não vai conseguir... não consegue se colocar dentro daquela metodologia que você colocou pra aula. Na última aula que a gente fez do estágio, a gente fez uma elaboração de fanzine, tinha o projeto e no último dia era o fanzine e tinham várias pessoas interessadas e tinham outras que não tava nem aí... (Sujeito B)

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Em razão dessas dificuldades, faz-se imprescindível pensar as metodologias com base nos contextos onde serão desenvolvidas, a fim de diminuirmos a distância entre o que é vivenciado nos cursos de formação e as demandas dos sujeitos na escola. Além disso, apontam a necessidade da vigilância para não reproduzirmos, na Educação Básica, concepções metodológicas as quais consideram inadequadas. Destacam, ainda, que as metodologias estão além das técnicas: [...] porque eu tenho muito problema com a metodologia que é dada pra gente de forma geral, até o ensino da gente, da própria faculdade, daquele velho e básico ... do professor fala a gente escuta, o ensino bancário, etc. E eu tenho muita dificuldade de ganhar atenção daquilo, daquela forma[...] na parte que a gente tratou da genética bem no início... foi muito interessante de pegar esses assuntos no Ensino Médio e que são totalmente abstratos... a forma que é passado nos livros didáticos é uma forma totalmente abstrata, de imagens, enfim... a quantidade enorme de palavras que eles não sabem e a gente vai normalizando aquilo... pra gente aqui na academia, na faculdade... e a gente normaliza, é assim, tá dado... a gente tem que aceitar, passar pelas disciplinas e se formar. Só que a gente acaba reproduzindo isso na escola, aí normaliza a situação e o aluno vai ter que aceitar aquilo. [...] E a forma de agir na sala reflete a metodologia que aplicaram nele, ele reforça querendo ou não... Eu acabo... quando eu comecei a atuar diretamente assim no PIBID com os alunos, mesmo assim sendo em menor quantidade, eu reforçava coisas que eu critiquei, entendeu? Eu tava tentando só falar do conteúdo, sem ao menos escutar e perceber como ele tava reagindo àquilo, eu só tava querendo encerrar aquele assunto, né, e você percebe muito bem que você vai reforçando aquilo sem se dar conta e isso reflete a metodologia que aplicaram em você. [...] a metodologia não é só uma técnica... essa formulazinha que você vai aplicar, ela vai além disso. (Sujeito A)

Assim, uma concepção das metodologias além da aplicação de técnicas de ensino aponta para o que nos adverte Araújo (1991): Embora estejam subordinados às finalidades, os processos metodológicos traduzem certamente as finalidades educativas mais amplas. Se assim não fosse, as técnicas estariam sendo objetos em si mesmas ou de si mesmas. Por isso, procurar algo contido nos processos metodológicos significa também investigar as finalidades sociais da educação (Araújo, 1991, p. 28).

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Até o momento, os sujeitos destacaram a importância das metodologias no fazer docente, suas especificidades, apontaram a necessidade de debatê-las mais nos cursos de formação de professores e de aproximá-las dos contextos escolares onde serão desenvolvidas, não com fim em si mesmas. Queremos, contudo, ainda saber se, transpondo as propostas metodológicas a que tiveram acesso na graduação, os sujeitos entendem a necessidade de vincular a pesquisa e/ou fundamentação teórica na orientação de novas metodologias de ensino de Biologia. 3.4 A percepção da pesquisa na orientação e na proposição de novas metodologias para o ensino de Biologia Os sujeitos, embora reconheçam a necessidade da pesquisa na proposição de metodologias de ensino, reforçam a ideia de que não podem ser transpostas e aplicadas em sala de aula sem as devidas adequações. Eu acho que a pesquisa é necessária, mas não tem como entrar como uma fórmula...assim, entendeu? E mostrar o ensino de biologia através de algumas formas e deixar claro como pode ser trabalhado, mas também perceber que as pessoas são diferentes, os contextos das escolas são diferentes, que não adianta você chegar lá, aplicar aquilo que você leu naquele artigo e nem sempre vai sair da forma como se colocou lá... (Sujeito B).

Essa compreensão revela o caráter dinâmico dos processos de ensino-aprendizagem. Então, indagamos: como promover a apropriação do produto das pesquisas sobre metodologias de ensino pelos docentes, de forma que possam orientar suas propostas metodológicas na escola básica? Os sujeitos apontam um direcionamento sobre essa questão: [...] se a gente for avaliar a nossa produção, daqui que ela chegue na comunidade, ela tem um caminho enorme e assim, uma maneira da gente encurtar esse caminho é produzir com eles, a partir deles, de vivência deles, e a gente já direciona aquele conteúdo pra aquelas pessoas e assim ele já chega ao meio acadêmico pra se difundir entre o meio científico, mas a gente enfrenta hoje esse grande espaçamento, assim, a Universidade não consegue alcançar a comunidade , assim, e a licenciatura cumpre muito esse papel, às vezes, assim... porque ela tá diretamente ligada com a comunidade, com público, com os alunos, né... mas ainda assim eu acredito que há um distanciamento e isso talvez tenha ligação com a metodologia e vários outros fatores... e uma forma de encurtar isso seria a gente tá

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produzindo com eles, e aí direcionando pra pergunta que você fez, a importância das novas metodologias pra o ensino da biologia, a pesquisa é essencial, assim...(Sujeito A).

Dessa forma, as metodologias, embora orientadas por um referencial teórico, produto de pesquisas realizadas no campo das metodologias de ensino, precisariam ser pensadas com os sujeitos aprendentes, no intuito de aproximar a cultura universitária da cultura escolar. Nessa direção, destacamos o papel dos cursos de licenciatura, no sentido de também atuarem promovendo essa aproximação, não a restringindo aos estágios supervisionados, nem ao PIBID ou programas similares, mas como prática formativa durante toda a graduação. Assim, ao pensar as metodologias como esse elemento de aproximação, destacamos o que nos dizem Bordenave e Pereira (1999) sobre as opções metodológicas dos docentes: [...] a opção metodológica feita pelo professor pode ter efeitos decisivos sobre a formação da mentalidade do aluno, de sua cosmovisão, de seu sistema de valores e, finalmente de seu modo de viver. Alguém disse uma vez, que, “enquanto os conteúdos do ensino informam, os métodos de ensino formam”. Efetivamente, dos conteúdos de ensino, o aluno aprende datas, fórmulas, estruturas, classificações, nomenclaturas, cores, pesos, causas, efeitos, etc. Dos métodos, ele aprende a ser livre ou submisso; seguro ou inseguro; disciplinado ou organizado; responsável ou irresponsável; competitivo ou cooperativo. Dependendo de sua metodologia, o professor pode contribuir para gerar uma consciência crítica, ou uma memória fiel, uma visão universalista ou uma visão estreita e unilateral, uma sede de aprender pelo prazer de aprender e resolver problemas, ou uma angústia de aprender apenas para receber um prêmio e evitar um castigo (Bordenave; Pereira,1999, p. 68).

Em razão disso, chamamos atenção para a necessidade de despertar o aluno da licenciatura para a busca da fundamentação teórica que embasa os processos de ensino-aprendizagem como subsídio para a proposição de metodologias de ensino. Entendemos o conhecimento pedagógico da matéria a ser ensinada (SHULMAN,1986) como algo essencial ao fazer docente e que ainda é pouco discutido nos cursos de formação de professores. Desta feita, as chances de insucesso para as propostas de ensino gestadas sem

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esse conhecimento são elevadas. Este, sem dúvida, inclui apropriação de experiências exitosas desenvolvidas pelos pares, em buscar aproximações com as realidades dos diversos contextos escolares, sem, contudo, deixar de apontar as dificuldades percebidas durante esse processo, como destaca um dos sujeitos: E assim tem muito trabalho que faz relatos da questão das metodologias... que apresenta como se fosse uma coisa linda, que não teve trabalho e problema nenhum! Até quando eu leio, eu digo: meu Deus, isso aqui foi um sonho! Porque deu tudo certo, todo mundo ficou ótimo, se interessou, e tal...E aí eu acho importante nesses trabalhos, desde IC, é de deixar claro nesses trabalhos quais foram as dificuldades, as falhas... isso se faz extremamente pertinente, pra gente ver as propostas que se pode fazer em cima disso... (Sujeito B).

O tópico seguinte apresenta as impressões dos sujeitos sobre o desenvolvimento de uma proposta interdisciplinar para o ensino de Biologia no âmbito do PIBID. 3.5 Interdisciplinaridade no ensino de Biologia no âmbito do PIBID: o que dizem os sujeitos da pesquisa Para Fazenda (2001), a interdisciplinaridade constitui nova atitude ante a questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão. Exige, portanto, na prática, na imersão do trabalho cotidiano. É concebida como atitude e nos convoca a refletir sobre as possibilidades de uma ação que promova a integração. No âmbito da formação docente, Fazenda (2008) advoga um saberser interdisciplinar. Para essa autora, no âmbito dos saberes da docência e da formação profissional, a interdisciplinaridade requer competências relativas às formas de intervenção solicitadas e às condições que concorrem para o seu melhor exercício. Neste caso, o desenvolvimento das competências necessárias requer a conjugação de diferentes saberes disciplinares. Entenda-se por saberes disciplinares: saberes da experiência, saberes técnicos e saberes teóricos interagindo de forma dinâmica sem nenhuma linearidade ou hierarquização que subjugue os profissionais participantes (BARBIER, 1996; TARDIF, 1990; GAUTHIER, 1996 apud FAZENDA, 2008, p. 23).

Para os sujeitos da pesquisa, se apresentou como um grande

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desafio, sobretudo na concepção entre os bolsistas de áreas distintas do conhecimento, do que vem a ser interdisciplinaridade e, portanto, das dificuldades de desenvolvimento da proposta: Como a interdisciplinaridade se materializa, é complicado... porque é o ponto principal do PIBID, mas a concretização ela é muito complicada! E por n fatores, assim, e acho que falta muito da gente ter uma concepção, não igual mas com semelhanças sobre o que é a interdisciplinaridade, como ela se dá, e de ver ela se dar...acho que de um referencial teórico de outras ações de interdisciplinaridade, como foi que ela se deu, quais foram as dificuldades... falta um pouco desse estudo pra gente também, assim... e sobre o que ela é... (Sujeito A). Entre os PIBID, entre as áreas, eu acho que existe assim, uma divergência sobre o que seja interdisciplinaridade. Não é algo, assim, muito claro. Assim, ah, o PIBID Biologia acha que interdisciplinaridade é isso, baseado em tal autor, em fulano, em cicrano... Acho que não existe isso. Mas você percebe mesmo uma divergência. Por exemplo, no PIBID passado, sem ser no nosso, tinham alguns projetos que se diziam interdisciplinares, mas pra gente não era interdisciplinar, pra ninguém do PIBID da biologia era, mas pra outros era... pra Física, pra Matemática... e a concepção da própria escola também... (Sujeito A).

A experiência do PIBID/Biologia/UFC acompanhada pelos sujeitos desta pesquisa reafirma a necessidade de fundamentação teórica e pesquisa para a elaboração e proposição de metodologias de ensino, pois, como sinaliza Demo (2011, p. 15): “quem ensina carece pesquisar [...]”. Para esse autor, a pesquisa, sobretudo a busca prática, tem papel fundamental na identificação da necessidade de adequação das teorias à realidade. Ensina ainda: “[...] Quem não pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Quem pesquisa é capaz de produzir instrumentos e procedimentos de comunicação (DEMO, 2011, p. 39). Nessa perspectiva, e assumindo com Demo (2011) a pesquisa como princípio científico e educativo, advogamos a necessidade de os cursos de formação investirem na pesquisa como meio de apropriação da fundamentação teórica que embasa as metodologias e que as práticas de ensino desenvolvidas na escola possam reorientar as referidas metodologias nos diversos contextos onde são propostas, sem, contudo, esquecer de atentar para o que nos diz Martins (2013): [...] nos damos conta de que não existem formas infalíveis de ensino que garantam a aprendizagem dos conteúdos biológicos,

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mas há formas potencialmente mais favoráveis que outras, fundamentadas em um saber pedagógico que não se restringe à dimensão técnica do ensinar, antes assume intencionalidades mais amplas e comprometidas com a construção da emancipação humana (Martins, 2013, p. 133).

4. Notas conclusivas A investigação aponta para a necessidade de fundamentação teórica no desenvolvimento e proposição de novas metodologias de ensino de Biologia, além da urgência em suscitar discursões sobre a aplicação de propostas de ensino concebidas em contextos distintos da realidade escolar na qual os docentes atuam. Deve ainda a pesquisa assumir papel na mediação do conhecimento sobre os sujeitos aprendentes e os contextos sociais nos quais estão inseridos. Desse modo, conclui-se que a pesquisa na seleção e fundamentação da prática do professor, no tocante à seleção, proposição e desenvolvimento de novas metodologias de ensino se apresenta como uma atitude que tende a favorecer a efetivação das propostas de ensino e a apropriação dos conteúdos pelos alunos. O estudo ainda sugere que as metodologias de ensino precisam ser mais bem conhecidas, discutidas e experimentadas no curso de formação de professores, práticas que podem e precisam ser mediadas e potencializadas pela pesquisa. 5. Referências ARAÚJO, J. C. S. Para uma análise das representações sobre as técnicas de ensino. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Técnicas de ensino: por que não? 17. ed. Campinas, SP: Papirus, 1991. BORDENAVE, J. E. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de Ensino-Aprendizagem. 20. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2011. FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: dicionário em construção. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Interdisciplinaridade - transdisciplinaridade: visões culturais e epistemológicas. In: FAZENDA, I. O que é interdisciplinaridade? (Org.). São Paulo: Cortez, 2008. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido, 17. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,. 1987.

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PESQUISA E ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DILEMAS E CONFLITOS NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR Alexsandra de Sales Araújo Ana Vérica de Araújo Isabel Cristina Higino Santana

1. Introdução Para o professor e o aluno a pesquisa é algo bem presente. Quase sempre ao final de cada aula é solicitada aos alunos uma “pesquisa” sobre determinado conteúdo, tema ou situação vivida, onde os alunos recorrem a fontes impressas como o próprio livro didático, à internet ou outro meio de informação. Na maioria das vezes, fazem cópias fiéis do que está escrito em coletâneas impressas ou em sites pesquisados. Considerando as aulas de Matemática ou Física, se faz pesquisa para “solucionar problemas” que se limitam à solução de questões. Pelo que foi descrito, é fácil perceber o verdadeiro equívoco existente entre os profissionais da educação sobre a concepção do que é pesquisa. Não só este, mas outros fatores também causam muita confusão, quando se fala em pesquisa na escola, o que vai sendo incorporado pelos alunos ainda nos seus estudos e permanecendo após esse período. Os docentes também possuem noções equivocadas quanto à pesquisa em sala de aula, acreditando que fazer pesquisa é uma atividade somente da pós-graduação e que deve englobar apenas estudos quantitativos, experiências nos laboratórios. Demo (2009), em seu discurso, já alerta para a tradição brasileira de aula e reprodução, o que não acontece nos centros superiores de formação de profissionais em outros países como, Alemanha, por exemplo. Tal fato provocou-nos inquietação, o que nos levou a relatar experiências vivenciadas como bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da FACEDI/UECE em escolas na rede estadual de ensino no Município de Itapipoca-Ceará. As experiências relatadas aqui estão apoiadas em referenciais teóricos e mostram as discrepâncias entre o que se considera pesquisa na escola e o que realmente ela é. O foco deste capítulo rodeia os dilemas da pesquisa como princípio educacional e científico (DEMO, 2009), o que será feito com um breve esclarecimento dos termos. Dessa forma, pretendemos demonstrar as peculiaridades da pesquisa científica e educacional, relatando as dificuldades dos professores de Biologia em compreender essa modalidade de pesquisa.

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Pesquisa é o ato pelo qual procuramos obter conhecimento sobre alguma coisa. Sendo assim, por esse conceito, tudo o que se faz é pesquisa? Na verdade, não é bem assim. A pesquisa busca produzir um conhecimento que ultrapasse o nosso saber imediato, aquilo que já está estabelecido pelo senso comum. É necessário certo cuidado para que não se caia na própria concepção do senso comum de que tudo é pesquisa e esse fato já foi exposto por diversos autores e estudos, como Demo (2009) e Lüdke (2009). Para compreendermos bem o objetivo deste capítulo, devemos, inicialmente, compreender o que é a pesquisa nos moldes comuns e também opostos destes dois princípios, o científico (no sentido experimental) e o educacional (de cunho interpretativo), assim como nas perspectivas quantitativa e qualitativa, o que se deve fazer situando o leitor no percurso histórico traçado por ela. Pensadores como Francis Bacon e René Descartes foram precursores da tradição cientificista, com heranças relativamente opostas. Para este, somente as Ciências exatas, “com seus princípios atemporais e imutáveis”, poderiam entender e explicar a natureza, remetendo ao racionalismo de Platão. Já para aquele, a experimentação, a indução e a observação representavam a chave para o conhecimento, relembrando o empirismo aristotélico (BORTONI-RICARDO, 2008). A tradição cientificista estruturou-se com o positivismo de Auguste Comte, no século XIX. Esse paradigma, de tradição lógico-empirista, que começou nas Ciências Exatas e privilegia a razão analítica, era a base da Ciência na época e, já em meados do século, para o conhecimento ser considerado legítimo, ele teria que ter sua fundamentação em supostos científicos quantitativos. Dessa forma, o positivismo foi incorporado pelas Ciências Sociais, que logo encontrou barreiras ao desenvolvimento de suas pesquisas em razão do escopo dos seus objetos de estudo. Como lembra Bortoni-Ricardo (2008), Comte propunha que as Ciências Sociais e Humanas deveriam usar os mesmos métodos e princípios epistemológicos que guiam a pesquisa das Ciências Exatas. A reação a essa atitude veio no início do século XX, já que a pesquisa nas áreas social e humana trabalha com algo relativo aos seres humanos ou com eles próprios, envolvendo desde problemas psicológicos a questões de ordem social. Como não se controlam seres humanos como um reagente em laboratório, houve contraposição das metodologias positivistas empregadas na pesquisa social, situando sob avaliação o caráter destes estudos como pesquisa de fato. ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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Assim, na Escola de Frankfurt, em princípios dos anos 1920, vários pensadores reuniram-se para propor alternativa ao modo de se fazer Ciência da época e assim surgiu o paradigma interpretativista, em contraposição ao positivismo. Para eles, a compreensão do conhecimento nas Ciências Sociais não poderia de forma alguma negligenciar o contexto sócio-histórico. Segundo Tauchen (2006, p. 8), “o pesquisador não pode omitir-se da sua condição e dos condicionantes sociais que influenciam a pesquisa científica”. Um trabalho publicado que pôs em dúvida os pressupostos positivistas para a pesquisa nas Ciências Humanas foi o do antropólogo polonês Bronislaw Malinowski, ainda no início do século XX. Esse pesquisador conviveu durante muito tempo com os habitantes da ilha que pesquisava e conseguiu, com riqueza de detalhes, registros escritos da cultura e costumes da população. Sua pesquisa encontrou divergências de opinião entre aqueles que não a consideravam pesquisa científica por não ter a experimentação e rigor dos métodos científicos vigentes na época e os que achavam ser aquela uma forma alternativa ao positivismo de gerar e trabalhar com o conhecimento. O grande ponto levantado pelos adeptos do positivismo foi que o pesquisador não deve ser sistema de referência para a pesquisa, ou seja, os princípios postulados devem ser independentes das crenças e valores, livres de contexto e do senso comum. Para os defensores do interpretativismo, a pesquisa pode sim levar em conta as impressões subjetivas do pesquisador, pois, [...] não há como observar o mundo independentemente das práticas sociais e significados vigentes. Ademais, e principalmente, a capacidade de compreensão do observador está enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um agente ativo (BORTONIRICARDO, 2008, p. 32)

Com suporte nos estudos de Malinowski, outros autores passaram a usar o interpretativismo. Após a Segunda Grande Guerra, os etnógrafos deixaram de pesquisar comunidades isoladas e voltaram-se para ambientes educacionais. No começo dos anos 1980, por exemplo, a interação professor-aluno e a qualidade do processo de aprendizagem ganharam relevância no cenário educacional de países industrializados. Isso motivou os professores a investigarem sua prática pedagógica, a fim de compreenderem melhor a aprendizagem dos alunos, aperfeiçoarem

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métodos de ensino e solucionarem problemas. Os professores investigavam as próprias turmas e trocavam experiências e, à medida que aprofundavam essa atividade, começaram a desenvolver pesquisa científica, surgindo então a figura do professor pesquisador. Como anota Demo (2009), a pesquisa científica é um legado de séculos, bem consolidado, de construção do conhecimento por meio de métodos. O positivismo influenciou toda a atividade científica e cultural, o próprio senso comum e o modo de vida das pessoas, permanecendo ainda arraigado mesmo em quem trabalha com questões sociais como os professores. Isso explica a postura dos docentes ao confundirem a pesquisa em sala de aula com a pesquisa experimental. No Brasil, essa concepção de que pesquisa é somente experimental, é explicada historicamente, já que somente no final dos anos 1930 se desenvolveram estudos educacionais (estatísticos) por causa da criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Nas instituições de ensino superior da época, a produção de pesquisa em educação era rarefeita ou inexistente. Apenas com a implantação de cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, no final da década de 1960, foi que se acelerou o desenvolvimento das pesquisas em educação no País, sendo foco das universidades (GATTI, 2007). Na verdade, estas não tinham tradição de pesquisa, pelo menos em educação, e isso era mais expressivo nas Ciências Exatas e Naturais. As universidades brasileiras, em sua maioria, não nasceram conjugando pesquisa e ensino, eram voltadas apenas para o ensino, reprodução de conhecimento e, com isso, formavam profissionais adaptados a essa forma de atuação. Demo (2009) e outros autores (GATTI, 2007; BORTONI-RICARDO, 2008) defendem a pesquisa na educação como forma de educar e também de entender fenômenos ligados ao campo educacional, pelo fato de educação e pesquisa apresentarem trajetos coincidentes e auxiliarem-se. A pesquisa em sala de aula é uma pesquisa qualitativa, com base interpretativista, que faz uso de métodos como a observação, herdados da tradição etnográfica, para geração e análise de dados. A pesquisa em educação objetiva o desvelamento das entrelinhas das atividades cotidianas pedagógicas, identificando processos que, pela rotina, se tornam imperceptíveis aos que deles fazem parte. Por meio desse breve apanhado histórico e conceitual, esperamos

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situar o leitor no objeto de pesquisa aqui trabalhado e torná-lo interessado nos dilemas a nós surgidos com as observações e vivências de situações do cotidiano escolar e que nos levaram a procurar suas causas, compreendê-las e interpretá-las, na intenção de que o fruto desse estudo, do levantamento bibliográfico realizado, sirva aos professores e licenciandos nas suas diversas atividades educacionais. 2. Procedimentos investigativos A pesquisa em educação constitui prática muito distante da realidade dos professores da educação básica, que os levam a considerála como tarefa complexa de se realizar e, por isso, deixam de bom grado para os alunos e professores da pós-graduação. Estes foram os pressupostos motivadores da pesquisa. Em concordância com as colocações anteriormente apresentadas, Demo (2002) apud, Grilo et al (2006), reforça a ideia de que “pesquisa é ainda um fetiche acadêmico”, sendo vista por muitos como atividade cercada de formalidades e sofisticações metodológicas, teóricas e práticas, exigindo tempo, infraestrutura e formação específica. Nesta lógica, a pesquisa seria reservada a poucos, geralmente doutores com regime de trabalho e dedicação exclusiva a ela destinada. Em decorrência, vários questionamentos puderam ser levantados. Foram eles: que fatores estão implícitos aos conflitos que se fazem entre as tendências metodológicas de pesquisa (educacional e experimental)? São fatores decorrentes da formação inicial e reforçados ao longo da prática profissional desses professores? O que pensam a respeito da prática do professor pesquisador? Para responder de modo mais organizado a esses questionamentos, a investigação foi pautada numa pesquisa bibliográfica com o propósito de encontrar justificativas para as indagações suscintadas. Para Minayo (1994, p.53), “[...] a pesquisa bibliográfica coloca frente a frente os desejos do pesquisador e os autores envolvidos em seu horizonte de interesse [...]”. Ainda na formulação do trabalho, procuramos estabelecer interlocuções com autores e pesquisadores que investigam a referida temática, abordando-a em seus escritos, destacando-se Gressler (1983), Demo (1994; 2002; 2009), Ludke (2009), Bortoni-Ricardo (2008), dentre outros; além, é claro, de procurar respostas e justificativas para nossas inquietações acerca da pesquisa sob relatório. Percebemos a real necessidade dessa investigação, na ocasião

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de uma palestra ministrada aos professores de duas escolas estaduais de Itapipoca. A palestra tinha como enfoque central a integração da pesquisa com a prática docente. O momento crucial se deu quando a palestrante iniciou seu discurso questionando aos professores o que eles entendiam por pesquisa educacional. A maioria, é claro, permaneceu em silêncio; entretanto, alguns professores, apesar de não responderem convicentemente o que é pesquisa educacional, trouxeram como resposta alguns relatos de experiências. Dentre os fatos relatados, podemos destacar as vivências pessoais externadas pelos professores em relação à pesquisa, referentes ao uso, na escola, da experimentação em laboratório ou em campo (externo à escola) na intenção de participar de alguma feira científica. Ficou bem evidente que, para os professores, pesquisa só acontece se for em um laboratório, manipulando experimentos, fórmulas ou em local diferente da escola, como uma mata ou rio. Para eles, usar o ambiente escolar, a sala de aula, com seus acontecimentos, seus problemas, sua rotina, não é fazer pesquisa. A pesquisa em educação, entretanto, que se apropria do espaço educacional para entendê-lo, interpretá-lo, para identificar seus aspectos ainda ocultos, possui o mesmo rigor metodológico, caracterizando-se como pesquisa científica, de fato. Na verdade, existe ainda, no âmbito educacional, a necessidade de desmitificar a ideia de que pesquisar em educação não é fazer Ciência. Com amparo nas considerações feitas, podemos constatar que os professores, em sua maioria, não têm conhecimento de pesquisa em educação e, quando julgam ter, constroem uma concepção de que pesquisa é algo a se desenvolver exclusivamente na universidade e que a escola é somente um ambiente de pura prática. Em consonância, Demo (1994, p. 40) esclarece que “pesquisa não é qualquer coisa” nem o que, muitas vezes, costumeiramente, se denomina como pesquisa, além dessa atividade exigir condições para tornar-se possível e viável, como o tratamento à fundamentação e interpretação da literatura, uma vez que a pesquisa adquire força e valor mediante o apoio de um bom referencial teórico, o que exige requisitos de seleção de material e leitura apurados, além de uma dedicação na medida para isso. Outro aspecto interessante, já mencionado aqui, é a prática experimental. O aluno, durante seu processo de formação, aprende que para fazer Ciência é necessário estar no laboratório, manuseando equipamentos altamente sofisticados ou espécies do mundo vivo. Essa concepção errônea de Ciência acompanha

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o aluno durante sua formação na educação básica e a academia, muitas vezes, não é capaz de transformar ou reorganizar esse pensamento por completo. É com suporte nas experiências vivenciadas pelo futuro professor que se determinarão os parâmetros que sustentarão sua prática. Ou é uma vivência respaldada na lógica do professor pesquisador ou no mero repasse de conhecimentos descontextualizados da realidade sociopolítica do aluno. É bem verdade que o professor não nasce pesquisador, pois ele se faz como pesquisador. Dessa forma, uma das opções para se realizar pesquisa em educação se dá quando o professor passa a refletir sobre suas práticas e, com suporte nessa ação reflexiva, procura mudanças satisfatórias. Assim, essa dinâmica da prática mediada pela pesquisa torna-se uma grande vantagem no trabalho do professor, que resulta em uma “teoria-prática”, ou seja, em conhecimento que pode influenciar as ações práticas do docente, permitindo uma operacionalização do processo ação-reflexão-ação (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 48). A mesma autora complementa, argumentando que: [...] o professor pesquisador não se vê apenas como usuário de conhecimento produzido por outros pesquisadores, mas se propõe também a produzir conhecimentos sobre seus problemas profissionais, de forma a melhorar sua prática. O que distingue um professor pesquisador dos demais professores é seu compromisso de refletir sobre a própria prática, buscando reforçar e desenvolver aspectos positivos e superar as próprias deficiências. Para isso ele se mantém aberto a novas ideias e estratégias (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 46).

Torna-se importante ressaltar que esse processo de apropriação do pesquisador requer o hábito da leitura e da escrita e que, além do mais, o licenciando não sai da universidade um pesquisador. Na verdade, seu aprimoramento como docente pesquisador se dá à medida que vivencia situações próprias de sua profissão e com base nisso, busca respostas para suas indagações. A esse respeito, Gatti (2007, p. 63) argumenta que “o desenvolvimento de habilidades para a pesquisa só se faz no próprio trabalho de pesquisa”. Assim, Demo (2009) frisa que: [...] a pesquisa como atitude cotidiana está presente na vida e constitui a forma de passar por ela criticamente. Pesquisar implica tanto cultivar a consciência crítica quanto saber intervir

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na realidade. Trata-se de ler a realidade de modo questionador e de reconstruí-la como sujeito competente. Formar consciência crítica das situações e contestá-las com iniciativa própria fazem do questionamento um caminho de mudança. Pelo questionamento surge um sujeito que reconstrói-se permanentemente (Demo, 2009, p 21).

É nessa perspectiva que Moreira (1988), de forma um tanto radical, assevera que, se os professores quiserem assumir a responsabilidade de sua prática, devem passar a fazer pesquisa. O hábito da pesquisa propicia aos professores um olhar mais apurado do sistema escolar, dos parâmetros legais que regem o funcionamento da escola, do currículo, da organização do trabalho docente, dentre outros aspectos. Além disso, a pesquisa possibilita aos professores uma característica emancipatória da educação, onde se exige a pesquisa como método formativo, pela razão principal de que somente um ambiente de sujeitos gesta sujeitos (DEMO, 2009, p. 20). Alguns fatores condicionantes, porém, impedem muitas vezes que o professor do ensino básico desenvolva pesquisa em paralelo com sua prática. Essas razões consistem, em geral, nas condições de trabalho em que vivem os que exercem o magistério, isto é, com uma carga de trabalho não correspondente com as atribuições impostas ao professor, bem como a dissociabilidade expressa entre ensinar e pesquisar. De modo contrário, educação e pesquisa possuem trajetos coincidentes, já que valorizam o questionamento, a reconstituição e a confluência entre teoria e prática. (DEMO, 2009) Na verdade, quando os professores ressaltam que as condições de trabalho inerente à profissão docente não permitem a inserção da pesquisa, está implícita, além do fator tempo, a falta de conhecimento suficiente para compreender de fato o que é pesquisa e o seu real papel na educação. Mesmo existindo uma sobrecarga de trabalho, o mito de que pesquisar é algo inalcançável pelo professor da educação básica é ainda a razão principal pela qual docentes resistem à prática da pesquisa em sala de aula, esquivandose, inclusive, da procura por adquirir ou desenvolver modos de realizá-la (MOREIRA, 1988). Alguns professores argumentam que a pesquisa educacional constitui-se numa prática excelente, porém é preciso trabalhar com a realidade da profissão docente hoje, e, infelizmente, o sistema de trabalho ao qual o professor é submetido, muitas vezes, não dá aparato

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aos docentes que se engajam na pesquisa. Para tanto, Bortoni-Ricardo (2008) já alerta para esses problemas de conciliação das atividades de pesquisa com as atividades docentes. Dessa forma, como alternativa, apresenta o diário de pesquisa para o registro de detalhes relevantes. De tal modo, Gressler (1983, p. 15) ressalta que “a aceitação da pesquisa educacional não será automática, mas terá que ser ensinada. O primeiro passo será os educadores aceitarem a pesquisa como um meio de aperfeiçoamento escolar. Ademais, argumenta Güllich (2007) configura-se em um processo de docência com pesquisa, em que prática e teoria estão imbricadas na práxis do ensino e da aprendizagem. Lima (2001) vai além desse conceito, considerando práxis como a teoria e a prática trabalhadas por meio da reflexão, numa perspectiva de redirecionamento e mudança dos pensamentos e atitudes educacionais. Em decorrência do que já foi discutido, complementamos ainda com a colocação reflexiva de Demo (1994 apud, Furlan): “o professor que não constrói conhecimento, como atitude cotidiana, nunca foi. Quem pesquisa, teria o que transmitir. Quem não pesquisa, sequer para transmitir serve, pois não vai além da cópia da cópia”. O docente que consegue associar o trabalho de pesquisa ao seu fazer pedagógico, tornando-se um professor pesquisador de sua prática ou das práticas pedagógicas com as quais convive, estará no caminho de aperfeiçoarse profissionalmente, desenvolvendo uma melhor compreensão de suas ações como mediador de conhecimentos e de seu processo interacional com os educandos. Vai também ter melhor compreensão do processo de ensino e de aprendizagem (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 32). 3. Considerações finais Longe de uma conclusão absoluta, esse trabalho busca algumas considerações feitas ao final da pesquisa e que abre espaços para outras discussões. É notório que existem muitos conflitos entre vertentes que consideram a incompatibilidade entre ensino e pesquisa e as que veem nestes dois campos uma complementaridade que dá significação a ambos. O debate histórico entre os paradigmas quantitativos e qualitativos, abordados no início deste texto, contribuiu e ainda contribui para esses conflitos, mas, de modo positivo, também é responsável por um ganho significativo em termos metodológicos, conceituais e até práticos para a pesquisa em educação. Como nos expressa Moreira (1988), o simples fato de que essas divergências de opiniões existem e

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de que são intensas, já indica que há pensamentos esboçados a respeito e que “o domínio metodológico da pesquisa em ensino está bastante desenvolvido e em evolução” (IBID., p. 43). Demo (2009), exaustivamente, expõe a importância da pesquisa no ensino como uma atividade que certamente levará a uma boa aprendizagem do aluno, colocando, inclusive, o ensino como uma ação secundária, uma vez que “só pode ensinar quem pesquisa” (DEMO, 2009, p. 18). Para ele, “a base da educação escolar é a pesquisa, não a aula. A pesquisa deve ser atitude cotidiana do professor e do aluno” (IBID., p. 20). Em termos ainda mais práticos e que chegam a ultrapassar totalmente o ambiente escolar, a pesquisa desenvolvida na escola, pelo professor, pode e deve oferecer contributos à constituição da igualdade de direitos, do respeito ao ser humano e ao ambiente, e da escola como ambiente social de instrução e educação de pessoas. Na concepção do filósofo Álvaro Vieira Pinto, exposta em trabalho de Tauchen (2006, p. 2), a pesquisa “deve ser mediação e a construção de uma sociedade melhor seu objetivo absoluto”. Ademais, mesmo com as evidências positivas quanto à eficiência do ensino, realizado, interpretado e refletido por via da pesquisa, é pequeno o número de professores que por ela se aventuram. O distanciamento da pesquisa em relação à sala de aula é um dos problemas denunciados por Moreira (1988), já que o pesquisador em ensino é, em praticamente todos os casos e situações, externo à sala de aula, e os resultados e considerações desses estudos são divulgados e discutidos essencialmente no âmbito acadêmico. Essa questão é fruto de uma herança histórica, mencionada anteriormente, onde pesquisa é regalia da pós-graduação. Moreira (1988) acrescenta, ainda, que o problema não está só em fazer chegar ao professor os resultados das pesquisas, mas em considerar o professor um sujeito capaz de conduzir pesquisa e possibilitar-lhe o exercício dessa função. Assim, ele perceberá que não se trata de dominar fórmulas e experimentação em laboratório, mas, por outro lado, verá que a pesquisa em ensino remete à busca de conhecimento das questões subentendidas da realidade educacional, de pôr em questionamento, esclarecer e reelaborar aquilo que já se conhece e de propor novos caminhos ou opções para as problemáticas que surgem. Afinal, o docente está [...] em melhor posição para coletar dados e investigar situações de

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ensino e aprendizagem em sala de aula. (...) Cada dia, em cada aula, eventos de ensino, aprendizagem, avaliação, currículo e contexto acontecem na frente do professor (MOREIRA, 1988, p. 44).

Dessa forma, pesquisar e ensinar remetem a uma reflexão crítica da prática docente exercida, o que deve ser feito, indiscutivelmente, pelo próprio professor. Reiteramos a ideia de que o professor não nasce pesquisador, mas ele se perfaz como pesquisador. Sendo assim, essa elaboração se efetiva no decorrer de vivências teórico-práticas. A leitura e a escrita constituem importantes pressupostos iniciais para fazer o professor entrar no caminho da pesquisa. É pertinente ainda considerar o fato de que uma das formas de superar as dificuldades de uma formação cheia de lacunas, seria a criação de grupos de estudos. Nessa perspectiva, as dificuldades iniciais decerto serão superadas ao mesmo tempo em que o professor passará a entender seu importante papel de atuação em sala de aula. A pesquisa não pode ser encarada como metodologia didática, muito menos como obrigação do fazer docente. Na verdade, a pesquisa precisa fazer parte das atitudes cotidianas do trabalho do professor, haja vista que não são necessárias descobertas mirabolantes para ser um pesquisador, mas é preciso realizar pesquisa para se fazer Ciência, para gerar conhecimento ou reinventá-lo. Fazer o registro de suas considerações, refletindo “sobre o trabalho que realiza – os fundamentos existenciais, os suportes sociais, e materiais e as finalidades culturais que o explicam” (TAUCHEN, 2006, p. 1), torna-se um instrumento valioso na formação do pesquisador. Mediante a percepção e a autorreflexão, o professor repensa sobre o ensino, a aprendizagem, as metodologias, o currículo e outros fatores que permeiam sua prática e, a partir de então, busca o aprimoramento de sua práxis. Finalmente, não podemos deixar de salientar que, uma vez se reconhecendo como pesquisador, o docente enseja possibilidades de mudanças práticas nos pensamentos e nas atitudes educativas, assim como nas sociais. 4. Referências Bortoni-Ricardo, S. M. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. DEMO, P. Educação pela pesquisa. Belo Horizonte: CEDIC, 2009.

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CONECTANDO PESQUISA E PRÁTICA DOCENTE: RELATO DE EXPERIÊNCIA VIVIDA POR PROFESSORES DE BIOLOGIA EM TAUÁ-CE Maria Elane de Carvalho Guerra Pedro Siqueira Lima Maria Rodrigues de Oliveira

1. Introdução O modelo tradicional de ensino, baseado apenas na transmissão do conhecimento, não se sustenta mais em razão das grandes transformações da Ciência e Tecnologia que ocorrem em vários campos do conhecimento, pois essas mudanças alcançam e transformam também a educação escolar. O ensino chamado enciclopédico, no âmbito geral o aluno se limita a memorizar os conteúdos passados pelo professor, não promove a elaboração do saber (LEPIENSKI; PINHO, 2008). Em entrevista ao Portal Ensino de Ciências e Engenharia, o Professor Francisco Cordeiro Filho comenta que esse problema vem desde a formação acadêmica do professor, um modelo de formação que se apresenta fechado em conteúdos, centrado na apreensão quase que exclusiva da memória de fatos e fenômenos. O conteúdo de Ciências, por sua vez, é fragmentado, dividido, “setorizado em conteúdos muitas vezes distantes de séculos entre um tema e outro, tornando-se um conjunto meramente enciclopédico de conhecimentos desconectados, incapazes de se tornar  vivos ou ágeis  o suficiente para motivar os aprendizes” (CORDEIRO FILHO, 2012). Ainda conforme o autor, o professor precisará mais do que isso para ter a base necessária para exercer suas funções no novo contexto que se apresenta. É necessário que o profissional docente redimensione seu papel, tornando-se parceiro na elaboração do conhecimento, atendendo às atuais demandas da sociedade e não se arriscando a ficar à margem desse desenvolvimento. Esse profissional tem uma visão geral, sobre os diferentes problemas que afligem a humanidade, considerando-os numa totalidade. Cabe a educação formar esse profissional e para isso, esta não se sustenta apenas na instrução que o professor passa aos alunos, mas na construção do conhecimento pelo aluno e no desenvolvimento de novas competências, como: capacidade de inovar, criar o novo a partir do conhecido, adaptabilidade ao

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novo, criatividade, autonomia, comunicação (MERCADO, 2000).

Os professores, de modo geral, enfrentam inúmeras dificuldades em sua profissão, entre elas, a extensa carga horária a que são submetidos (LEMES et al., 2011) e a falta de recursos para desenvolverem suas aulas de maneira satisfatória. Dessa forma, além de carecerem de tempo para a elaboração de uma aula mais atraente, ainda falta recurso para tal, sobrando, muitas vezes, apenas a criatividade e a força de vontade do professor em fazer bem feito o seu trabalho. Para qualquer disciplina, a Escola Pública disponibiliza, comumente, uma sala de aula, quadro negro, giz e livro didático. Do ponto de vista de uma educação que busca ser plena, de construção da autonomia do cidadão para a sua inserção adequada em sociedade, esses recursos podem ser classificados como escassos, já que não possibilitam um contato maior com a realidade da construção do conhecimento inerente a cada Ciência, a cada matéria escolar (LEPIENSKI, 2008).

Biologia e Ciências são disciplinas que tratam de assuntos concretos, os quais, na concepção do aluno, perdem o sentido quando observados somente do ponto de vista teórico, nos livros didáticos e exposição dos conteúdos pelo professor, no quadro ou em aulas meramente expositivas (LEPIENSKI, 2008). Na perspectiva de Fernandes (1998), as aulas de Biologia, norteadas pelos livros didáticos, são um amontoado de nomes, ciclos e estruturas e funções; e o que vem na mente de um aluno diante dos conceitos repassados pelo professor, é que tudo se resumirá em decorar, o que provavelmente vai desanimar esse aluno ante uma disciplina, que na verdade, é uma das mais belas e interessantes, pois estuda a vida em todas as suas formas. Por conta desses conteúdos e conceitos muitas vezes desconhecidos e distantes do cotidiano do aluno, ocorrem desinteresse e aversão deles em relação à Biologia. É comum ver estes discentes comentarem que não gostam de estudar esta disciplina ou têm dificuldade de absorver e compreender alguns conteúdos. Nesse instante, cabe ao professor buscar estratégias para tornar o ensino mais significativo e contextualizado, a fim de que o aluno se ache mais participativo. São várias, entretanto, as dificuldades encontradas, partindo desde problemas estruturais encontrados nas escolas até a carga horária exaustiva dos docentes,

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aliadas à desvalorização da profissão, que enseja a desmotivação destes profissionais. Várias estratégias, no entanto, podem ser pensadas e trabalhadas no âmbito escolar buscando-se transformar o ensino, atraindo o aluno para os temas abordados em sala de aula. A pesquisa pode vir a ser um recurso indispensável para o trabalho do professor, e no caso de professores de Biologia, isso não poderia ser diferente. Reúne um conjunto de atividades que objetivam descobrir e criar determinado conhecimento acerca da temática escolhida. Quando bem planejada e relacionada ao contexto de vida do aluno, a pesquisa pode ser capaz de estimular a curiosidade acerca do tema trabalhado, contribuindo para que o conhecimento seja formado pelo aluno. A este respeito, corroboramos com Cordeiro Filho: Não concordo com o ensino enciclopédico, com o  tipo de  formação de professor que só pretende instrumentalizar respostas já programadas. Vislumbro uma nova formação, mais aberta e mais flexível, que leve o professor a uma reflexão constante em torno de suas práticas e em sintonia com as constantes mudanças no mundo. Esta nova forma de enxergar o processo de ensino aprendizagem resultará num professor capaz de  promover  dúvidas e perguntas, que sejam capazes de gerar novas dúvidas,  à medida que o pensamento evolui, levando ao desenvolvimento de uma metodologia científica voltada para pesquisa (CORDEIRO FILHO, 2012).

Ludke (2001), em um estudo realizado com docentes do ensino médio da rede pública, constatou que há professores desenvolvendo pesquisas nas escolas de educação básica, apesar da dificuldade em obter produtos das pesquisas dos entrevistados. Nos estabelecimentos pesquisados, o autor relata que, apesar dos limites constatados e falta de valorização do magistério, há condições para a realização de pesquisas, mas também que é preciso reconhecer a falta de clareza sobre que pesquisa poderia ser considerada indicada, para responder às necessidades sentidas pelos professores e assim contribuir para o desenvolvimento do saber docente. A fim de o leitor conhecer mais de perto a concepção da pesquisa na visão dos professores de Biologia de escolas públicas e suas implicações na prática docente será apresentado o relato de experiência com professores em escolas de ensino médio no Município de Tauá-CE,

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como eles veem, desenvolvem e articulam a pesquisa em seu cotidiano escolar e como transformam a pesquisa em ações para que tragam melhorias no fazer pedagógico. 2. Relato de experiência: Projeto PIBID ECOVIDA - transformando pesquisa em ação Com o título ‘PIBID ECOVIDA: ações ecológicas sustentáveis no âmbito escolar em Tauá-CE’, foi desenvolvido um projeto por professores do ensino médio e licenciandos que fazem parte do PIBID/UECE em Tauá, tendo como objetivo geral desenvolver a conscientização ambiental mediante ações de cunho sustentável e educacional junto aos alunos da educação básica e à comunidade em geral. O que seria, de início, uma atividade do subprojeto de Biologia do PIBID, passou a ser uma série de tarefas que são listadas na sequência na forma de objetivos específicos do projeto com enfoque ecológico: - Identificar ações que podem ser desenvolvidas em nossa comunidade, de acordo com a realidade local. - Construir material didático para divulgação do PIBID ECOVIDA. - Investigar junto à população do município de Tauá a ocorrência de ações sustentáveis com materiais reutilizáveis. - Realizar visitas domiciliares com entrevistas, filmagens e fotografias para conhecer os trabalhos desenvolvidos com materiais reutilizáveis. - Produzir materiais como forma de estimular atitudes e práticas diárias menos poluentes ao meio ambiente. - Realizar oficinas nas escolas para divulgação do projeto e inclusão destes nas ações do PIBID ECOVIDA. - Realizar gincana nas escolas participantes do PIBID para a arrecadação de materiais recicláveis e/ou reutilizáveis. - Doar os materiais arrecadados para pessoas da comunidade que fazem desta ação uma prática sustentável. - Divulgar estas ações sustentáveis nas escolas participantes, bem como nos eventos relacionados a esta temática. De modo geral, conceitos importantes tratados em sala de aula,

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tais como sustentabilidade, Educação Ambiental e reciclagem, se dissipam-se por não terem uma ligação direta e imediata com o cotidiano dos alunos. Muitas vezes esses conceitos parecem estar distantes na visão dos alunos pelo fato de não se conceder ênfase às pequenas ações e atitudes que acontecem na nossa comunidade, nos lares ou por algumas instituições de cunho ambiental, ou mesmo abordar os problemas ambientais causados pelas pessoas ao nosso redor, e que afetam diretamente a biodiversidade local. Muito pode ser dito. Por exemplo, os recursos naturais são utilizados pela espécie humana desde os nossos ancestrais como forma de atender as necessidades básicas da sua sobrevivência. Iniciando-se a utilização destes recursos de modo mais racional e menos destrutiva – já que se retirava da natureza apenas aquilo que era necessário para aquele momento – até a degradação de ambientes e extinção em massa de espécies animais e vegetais. Podemos lembrar que a sustentabilidade parte de ações e atividades humanas que visam a suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem expor as gerações futuras. Que ações e atividades são essas? Como podem elas fazer parte da vida dos alunos e como podem mudar o que está acontecendo ao nosso Planeta, ou mesmo em nossa casa? Como cada um de nós pode dar sua contribuição, mesmo que se pareça insignificante, mas que produza impactos positivos à natureza? Como a natureza está sendo tratada? Talvez como um objeto que o homem tem total direito de utilizar para seus interesses, de tal forma que esta está sendo apropriada para fins de acumulação de riquezas, conforto, demonstração de poder e ascensão social perante a sociedade, principalmente no capitalismo. Hoje em dia, o consumismo está afetando diretamente os recursos naturais, que se tornam cada vez mais escassos. Biomas como a Mata Atlântica, a Caatinga, dentre outros estão sendo grandemente afetados, gerando preocupações e algumas ações de conscientização por parte de ecologistas e órgãos não governamentais. Uma das ideias mais difundidas atualmente é a da sustentabilidade na utilização destes recursos naturais. Quando se fala no termo “sustentável”, estamos nos referindo à forma de exploração da natureza da maneira menos devastadora possível, sem afetar também as pretensões econômicas e as necessidades básicas do homem. Jacobi (2011) define sustentabilidade como a capacidade de resistir, durar, e, na

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Ecologia é descrita como sistemas biológicos que se mantêm diversos e produtivos ao longo do tempo. A ideia da reutilização e reciclagem também está entre os fatores de preservação dos recursos naturais. Enquanto são reaproveitados o papel, o metal, o plástico, o vidro, dentre outros materiais, está se deixando de retirar determinada quantidade de matéria-prima do meio ambiente. As ações sustentáveis estão sendo cada vez mais difundidas em todo o mundo. Busca-se envolver todos os setores da sociedade em torno dessa ideia, de forma a se chegar ao público de maneira ampla e que os resultados sejam a manutenção das condições ambientais mais harmônicas para a existência de toda a biodiversidade. Sabemos que muitos projetos de cunho ambiental estão sendo financiados por empresas privadas. Isso reflete-se no próprio nível de responsabilidade e envolvimento delas com a sociedade onde se encontram. Apesar de não ser tão comum vermos campanhas de reflorestamento de áreas desertificadas, propagandas de reutilização de matéria-prima, campanhas de devolução de embalagens para a reciclagem, sabemos que algo está sendo feito. Para Jacobi (2011, p.27), “novas propostas conceituais que nos instigam à reflexão começam a surgir, tal como o conceito da econologia ou o que se define como a junção entre a economia e a ecologia”. Canais de televisão, emissoras de rádio, jornais, revistas, e a internet também, são fontes para divulgação de ações sustentáveis. Estas, por sua vez, são muito importantes por terem um poder de alcance e transmissão de informação muito grande. A divulgação, por sua vez, é importante para a disseminação destas práticas, já que o conhecimento é que tem o poder de transformar o pensamento e as formas de apropriação do homem aos recursos naturais. A Educação Ambiental se valoriza a cada dia, com o advento das discussões mais aprofundadas das questões ambientais. A escola tem atuação de protagonismo por formar opiniões, desenvolver a criticidade e produzir o conhecimento que é suficiente para a transformação e modificação dos paradigmas no que concerne à interação do homem com a natureza. Com relação ao contexto educacional, [...] a arte de produzir conhecimentos, na perspectiva da sustentabilidade e da educação ambiental, está condicionada aos impactos e alternativas que possibilitam a construção de

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uma sociedade democrática, justa e ecologicamente sustentável (REIGOTA, 2007, p.220).

No campo da Educação Ambiental como mecanismo de propagação das práticas sustentáveis cabe destacar a atuação dos professores das mais diversas áreas do conhecimento. A interdisciplinaridade é uma característica deste estudo, por envolver as diversas formas de abordagem, tanto no tocante às características científicas quanto aos impactos sociais que cercam a todos. Em Tauá, a sustentabilidade encontra um campo fértil para sua abordagem no ambiente escolar, já que este município se encontra em um estado crítico de desertificação, causado pelas atividades econômicas associadas às questões culturais de produzir sem se importar com o meio ambiente. Em todo esse contexto, foi idealizado o projeto PIBID ECOVIDA, visando a incentivar, conscientizar acerca da prática de ações sustentáveis, a reutilização de materiais recicláveis, além de mostrar trabalhos e práticas sustentáveis simples e que podem ser adotadas e realizadas pelos alunos e por todos, de um modo geral. Inicialmente, os bolsistas do PIBID e os supervisores fizeram um levantamento de informações junto à comunidade, relacionando pessoas ou grupos organizados que desenvolviam trabalhos reutilizando ou reciclando materiais, como garrafas PET e óleo de cozinha. Para compreender melhor o trabalho que essas pessoas realizam e o impacto para o meio ambiente, foram realizadas entrevistas, fotografias e filmagens. Para facilitar as ações nestas escolas, o grupo produziu material para divulgação do projeto, como sacolas retornáveis e material para aplicação de oficinas. Foram também realizadas gincanas com o objetivo de arrecadar materiais que foram doados às pessoas ou grupos que desenvolvem ações sustentáveis com materiais reutilizáveis. O fim dessas atividades coincidiu com a exposição dos materiais reciclados e dos resultados das gincanas no Dia Mundial do Meio Ambiente ou no dia em que a escola definir para comemorar esta data. As ações do PIBID ECOVIDA se deram em três frentes: a utilização de sacolas retornáveis; a reciclagem do óleo e, por último, a reciclagem de garrafas PET. Essas temáticas surgiram de uma análise dos problemas ambientais encontrados no município de Tauá, podendo ser trabalhadas e desenvolvidas ações ambientais com base nessas questões por qualquer pessoa no seu cotidiano.

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Na atividade sobre a reutilização do óleo foi desenvolvida uma pesquisa de como esse produto que descartamos, geralmente na pia da cozinha, e que acabam indo para os rios e outros locais contaminando o meio ambiente, podem ser reaproveitado domesticamente. Foram realizadas entrevistas com pessoas que fazem sabão caseiro com óleo de cozinha e o acompanhamento de todo o processo de fabricação desse sabão. Pode-se perceber que, além de contribuir com o meio ambiente esta ação tem o potencial de se tornar economicamente viável, uma vez feita a comercialização destes produtos. Em outra frente de pesquisa, fomos à busca de mostrar como a reciclagem de garrafas PET, plásticos e outros materiais pode ser rentável, contribuindo assim para reduzir a poluição na Cidade. Uma das entrevistadas usa a criatividade para fazer de coisas insignificantes verdadeiras obras de arte. A matéria-prima para a criação destas obras é encontrada nos entulhos das construções e podem ser: pedaços de madeira, telhas, cerâmicas, latas etc. Esses materiais são transformados em porta-chaves, porta-joias e lembrancinhas para casamento. Outra senhora, que nos concedeu entrevista, utiliza garrafas PET e vasilhas de plásticos de várias formas e tamanhos, faz acabamento com restos de tecidos e E.V.A. Uma simples garrafa que iria para o lixo, prejudicar o meio ambiente, ela transforma em um lindo arranjo, ou borboletas, flores, dentre outros enfeites ornamentais belíssimos, sendo também um complemento de sua renda. Falamos também com um morador do Município que possui deficiência visual, adquirida progressivamente durante sua vida, mas aprendeu a utilizar garrafas PET na produção de vassouras, como também sacos plásticos para fazer redes, passando todo esse conhecimento para sua família. Mesmo diante de suas dificuldades, ele sabe da importância de reciclar para o meio ambiente. Pudemos descobrir também que este trabalho de conscientização e ação ambiental é desenvolvido por adolescente do PROJOVEM ADOLESCENTE, que oferece assistência a jovens desfavorecidos socialmente. Estes também reutilizam garrafas PET na transformação em vassouras. Outra proposta do PIBID ECOVIDA foi incentivar as pessoas quanto ao uso de sacolas retornáveis. Para isso, foram confeccionadas algumas sacolas em TNT e doadas algumas delas aos alunos como disseminação da ideia. Durante a semana da Ecologia promovida por uma escola estadual do Município houve também a culminância deste projeto.

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Todas estas ações foram divulgadas com a apresentação de painéis e os produtos coletados junto a essas pessoas mencionadas. Foram também apresentadas oficinas sobre a fabricação de vassouras ecológicas pelos colaboradores do PROJOVEM ADOLESCENTE. Uma turma de alunos do ensino médio pôde acompanhar o passo a passo do processo. Também foram apresentadas oficinas sobre compostagem caseira para reaproveitamento de resíduos sólidos orgânicos e, por fim, realizamos uma gincana com as turmas da escola para a arrecadação de garrafas PET, visando à retirada destas do meio ambiente e à doação à instituição PROJOVEM ADOLESCENTE para a continuidade das suas atividades. Os alunos da turma vencedora, por sua vez, foram comtemplados com um dia de lazer como forma de premiar seu empenho. A realização das atividades do Projeto ECOVIDA teve boa aceitação nas escolas, constituindo-se como um momento importante de conscientizar os alunos e a sociedade, de modo geral, da importância de desenvolverem ações em direção ao cuidado com a natureza, além de ter sido uma oportunidade de trabalhar com temas de ecologia. Dessa forma, a transmissão de conteúdos em aulas expositivas foi substituída por aulas dinâmicas e interativas, associadas ao cotidiano do aluno. 3. Considerações finais Sabemos das dificuldades que os professores da rede pública de ensino enfrentam em seu fazer pedagógico; e que isso repercute na forma de realização de suas aulas e no aprendizado dos seus alunos. A disciplina Biologia, quando repassada pelo professor em uma aula engessada pelo livro didático e usando como recurso apenas quadro e giz, causa nos seus expectadores desinteresse e até mesmo aversão pelo que está sendo posto. O professor pode, no entanto, desenvolver estratégias, mesmo com poucos recursos, e transformar o ensino. É uma questão de querer fazer seu melhor. 4. Referências Cordeiro Filho, F. Portal Ensino de Ciências e Engenharia. UFRJ. Disponível em http://www.latec.ufrj.br/ensinodeciencias/index.php?option=com_content&vie w=article&id=47:entrevista-prof-francisco-cordeiro-filho&catid=20&Itemid=32. Acesso em 27 de setembro de 2012. FERNANDES, H. L. Um naturalista na sala de aula. Ciência & Ensino. Campinas, v. 5, 1998.

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JACOBI, P. R.; RAUFFLET, E.; ARRUDA, M. P. Educação para a sustentabilidade nos cursos de Administração: reflexão sobre paradigmas e práticas. RAM, Rev. Adm. Mackenzie (Online),  São Paulo,  v. 12,  n. 3, jun.  2011.   Disponível em: . Acesso em  15  maio  2012.  LEMES, C. M.; ASSIS, C. C. D.; BRAGA, E. F.; ALMEIDA, G. B. M. A teoria e a prática na formação de professores: desafios e dilemas. In: Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino, 4. 2011, Goiânia. Anais... Goiânia: UEG, maio, 2011. LEPIENSKI, L. M. Discussão e análise sobre os recursos didáticos no ensino de Biologia e Ciências na rede pública estadual do Paraná. Disponível em http://www. diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/400-4.pdf. Acesso em 27 de setembro de 2012. LEPIENSKI, L. M.; PINHO, K. E. P. Recursos didáticos no ensino de Biologia e Ciências. Universidade Federal Tecnológica do Paraná. Editora UTFPR. Curitiba. 13p. 2008. LUDKE, M. O Professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, ano XXII, n. 74, p. 77- 96, abril, 2001. MERCADO, L. P. L.  Novas Tecnologias na Educação: Novos Cenários de Aprendizagem e Formação de Professores. In: OLIVEIRA, M. A. (Org.). Reflexões sobre Conhecimento e Educação. Maceio: EDUFAL, 2000, v. 1, p. 69-138. REIGOTA, M. A. S. Ciência e Sustentabilidade: a contribuição da educação ambiental. Avaliação (Campinas),  Sorocaba,  v. 12,  n. 2, jun.  2007. Disponível em . Acesso em  15  maio  2012.

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA NO ENSINO MÉDIO: RELATO DE EXPERIÊNCIA Maria Márcia Melo de Castro Martins Enoe Cristina Barreto da Silva

1. Introdução A pesquisa, historicamente, constitui atividade desenvolvida no Ensino Superior, embora esse nível de ensino ainda não englobe toda a comunidade acadêmica. Geralmente se encontra restrita aos grupos de pesquisa, onde os estudantes podem participar de iniciação científica. Ao ingressar no Ensino Superior, o aluno recém-egresso se depara com a pesquisa como uma atividade privilegiada dentro da Universidade. Na maioria das vezes, esta se constitui como algo inteiramente novo para o graduando, sobretudo pelo estranhamento às formas de produção do conhecimento. Dada a importância da incorporação da pesquisa na formação dos estudantes como meio de produzir conhecimento e atividade potencializadora de seu desenvolvimento acadêmico, compreendese que essa prática pode ser iniciada ainda no Ensino Médio, de forma que os estudantes tenham contato com o universo da pesquisa e assim possam dar continuidade a essa aprendizagem no Ensino Superior. Quando nos referimos à pesquisa na educação básica como prática escolar, geralmente nos remetemos a uma atividade dirigida aos alunos, onde o docente propõe a exploração de um determinado assunto, no intuito de torná-lo conhecido ou de aprofundar o entendimento sobre o mesmo pelo estudante. Na escola, esse tipo de pesquisa constitui prática recorrente, e entre os alunos é frequente ouvirmos: “tenho um trabalho do professor X para fazer.” Não raro, caracteriza-se como uma livre pesquisa, levantamento de informações sobre determinado conteúdo, sem, contudo, exigir elementos da prática da pesquisa que poderiam inserir melhor o aluno numa ação investigativa, a qual pressupõe a percepção de um problema a ser investigado, perguntas a serem respondidas, objetivos a serem alcançados, a explicitação do caminho metodológico seguido durante a investigação, a apresentação dos resultados e uma discussão sobre estes. Desse modo, tais atividades se restringem apenas à etapa inicial de uma pesquisa: o levantamento de informações sobre o assunto a ser investigado. Nesse momento, costumam copiar longos trechos de livros e revistas, e, nos últimos anos, com maior acesso à internet e a sites de 56

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busca, como o Google, muitos estudantes sequer lêem as informações obtidas dessa ferramenta, o que conduz muitos docentes a rejeitarem trabalhos escolares de pesquisa digitados, exigindo-os manuscritos, no intuito de “forçar” o estudante a ler o que consultou durante o exercício da transcrição das informações. Em razão desse quadro, indagamos: em que a pesquisa, praticada nesses moldes, propicia ao estudante no tocante à uma postura investigativa relativa à produção de conhecimento? E como poderá elaborar sínteses interpretativas com o emprego dessa prática? Falta ao professor o conhecimento na condução da atividade de pesquisa? Como potencializar essa atividade nas salas de aula da educação básica? Esses questionamentos se acentuam, sobretudo, quando a escola promove as Semanas Culturais. No Ceará, estas fazem parte do calendário das escolas estaduais e incluem as chamadas Feiras Científicas. Até o ano de 2011, na escola, locus dessa investigação, essas feiras aconteceram de forma precária, com poucas atividades de campo, restringindo-se a apresentações de cartazes com algumas ilustrações e extensos trechos de informações sobre o assunto pesquisado, quase sempre lidos diante dos avaliadores. Ao participarmos da avaliação dos referidos “trabalhos científicos”, percebíamos, nitidamente, o esforço dos estudantes em memorizar as informações expostas e o receio ante a possibilidade de serem indagados sobre “suas produções”. Percebíamos, ainda, a dificuldade de muitos alunos em informar o objetivo do trabalho realizado e em elaborar uma síntese do estudo. As feiras científicas, nesses moldes, suscitam questionamentos sobre as concepções de pesquisa no meio escolar, entre docentes e alunos, uma vez que os estudantes desenvolvem os referidos trabalhos sob orientação de seus professores. Desde 2011, contudo, a Feira Científica da escola passou a ser denominada Jornada Científica, e pudemos verificar avanços na forma de os alunos produzirem as pesquisas, como a inclusão dos elementos constituintes da busca, tais como levantamento bibliográfico, questões-problema, objetivos, resultados, discussão e referências. Estes, em anos anteriores, em vários trabalhos avaliados, não eram informados. Além disso, os alunos ainda passaram a apresentar as pesquisas em banners, acompanhados da produção e apresentação de um caderno de campo, com registro do passo a passo da pesquisa desenvolvida. Precisamos salientar que as mudanças informadas no tocante à

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produção dos trabalhos de pesquisa apresentados durante a Jornada Científica foram influenciadas pela presença de grupos de pesquisa na escola, experiência iniciada em 2007, quando dois professores da instituição submeteram projetos de pesquisa à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP. Os projetos de pesquisa, inicialmente nas áreas de Educação Matemática e Nutrição, foram acrescidos de três outros, em anos posteriores: Educação Sexual, Educação Alimentar e Educação Ambiental. Podemos destacar essa experiência como uma iniciação à pesquisa científica mais próxima dos requisitos da prática de investigação. Vários alunos do Ensino Fundamental e Médio tiveram a oportunidade de desempenhar o papel de bolsistas dos referidos projetos, e iniciaram-se na produção de artigos científicos baseados em pesquisas realizadas no ambiente escolar e em seu entorno. Passaram também a participar de eventos de propagação científica pelo País. Se, para os alunos, a participação nos projetos de pesquisa trouxe contribuições, para nós, professores, significou o emprego de esforços no sentido de nos aproximarmos da pesquisa no campo educacional, sobretudo das metodologias próprias desta área, uma vez que as propostas de investigação eram/são voltadas para a ensino/educação. Particularmente, para uma das autoras desse artigo, significou a inserção no mundo da pesquisa e o retorno à universidade, o que a estimulou a dar continuidade à prática da pesquisa na pós-graduação stricto sensu – curso concluído em janeiro de 2013. Assim, a intenção de escrever sobre essa experiência tem um significado especial para nós, sobretudo porque contribui para constituir uma cultura de pesquisa entre os estudantes bolsistas e que é compartilhada pelo corpo discente no âmbito da Jornada Científica realizada, anualmente, pela referida escola. O desafio ainda consiste em envolver mais o corpo docente para estender e incorporar essa atitude no cotidiano da sala de aula, como forma de despertar nos alunos a intenção de conhecer o processo de produção do conhecimento, deste fazer parte por meio da atitude investigativa diante do saber historicamente constituído pela humanidade, tarefa que não deve estar restrita aos grupos de pesquisa nem à Jornada Científica. Entendemos que as pesquisas propostas na escola, pelos docentes, precisam explorar o potencial criativo dos estudantes e lhes possibilitar

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a elaboração de sínteses com suporte nos achados dos estudos realizados, uma vez que o assunto a ser investigado não costuma ser problematizado. Se não privilegiar essas dimensões, a pesquisa não tem como se constituir instrumento para desvelar a realidade e se restringe a reproduzir um conhecimento já sistematizado. Cabe aqui discutir: o que é pesquisa na Educação Básica? Que concepção os professores têm de pesquisa? E quando propõem tal atividade, há uma intencionalidade pedagógica? Neste capitulo compartilhamos as experiências de dois grupos de pesquisa nas áreas de Educação Alimentar (2008- 2010) e Educação Ambiental (desde 2008), financiados pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, dos quais participamos na condição de orientadoras junto a alunos do Ensino Médio. Buscamos, com apoio nos relatos de oito ex-bolsistas, conhecer o que o envolvimento com a pesquisa científica significou para eles em termos de formação, com enfoque nas aprendizagens, dificuldades e desafios vivenciados ao longo de sua participação nos grupos, além de verificar a influência dessa experiência sobre a vida acadêmica na escola e, atualmente, na universidade. Para tanto, aportou-se na abordagem qualitativa (LUDKE; ANDRÉ, 1986) e utilizamos a entrevista semiestruturada (MINAYO, 2011) como técnica de coleta de dados. As entrevistas foram realizadas em junho de 2012. 2. A constituição dos grupos de pesquisa na escola: os primeiros passos A proposta da FUNCAP de submissão de projetos de pesquisa despertou nosso interesse em investir nessa atividade, ao mesmo tempo em que se apresentou para nós como um grande desafio. O maior deles foi estar na condição de orientadora, o que nos levou a retornar às leituras sobre metodologia do trabalho científico. E em meio às atividades rotineiras da escola, com nossa carga horária elevada (40h semanais), foi difícil encontrar tempo para nos dedicar à pesquisa como algo mais sistematizado. Para nós, esse foi, talvez, o maior desafio –, conciliar nossas atividades de docência em sala de aula e atuar/ organizar os grupos de pesquisa. Assim iniciamos, em 2008, nossas atividades junto aos alunos – bolsistas, os quais participaram previamente de um processo seletivo, pois os projetos não comportavam toda a comunidade escolar e

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também não era uma atividade compartilhada por todos os professores, mas apenas por um pequeno grupo que se dispôs a investir em tais atividades. Concebida por nossos pares como uma atividade extra, mais trabalho e nenhum retorno financeiro (sim, porque apenas os alunos eram contemplados com bolsas), ainda assim, a víamos como uma oportunidade ímpar de crescimento e amadurecimento profissional, como uma forma de revivermos a esfera universitária, voltarmos a participar de eventos científicos, congressos e publicações, mas, principalmente, por entendermos a pesquisa como prática essencial ao crescimento acadêmico e pessoal dos alunos. Além disso, a atividade de orientação nos desafiava constantemente a superar nossas limitações no que concerne à condução da própria pesquisa. Percebemos o quanto estávamos distantes da pesquisa e, em especial, daquela na esfera educacional. Desconhecíamos os paradigmas que embasam os variados tipos de pesquisa, pois as que conhecíamos eram propriamente nas áreas de Ciências Biológicas e Geografia. Assim, a investigação desenvolvida num contexto educacional foi e é pra nós um desafio. Assim, logo procuramos nos aproximar de metodologias que nos auxiliassem a responder a questões de pesquisa da área educacional. E, aos poucos, os projetos foram sendo executados na escola e em seu entorno. Iam envolvendo, como sujeitos das pesquisas, os alunos da instituição, pais, professores e a comunidade nas proximidades da instituição. Outro desafio que destacamos inclui as relações interpessoais com os bolsistas, pois, embora houvessem sido selecionados entre alunos que manifestaram interesse em participar dos grupos de pesquisa, alguns se envolviam mais com a realização das atividades do que outros. Entendíamos que uma das dificuldades era o fato de os projetos terem surgido com suporte em nossas observações sobre a escola. No primeiro momento, os alunos não participaram, pois as propostas de pesquisa foram pensadas e elaborados apenas por nós, professoras. Com o decorrer do desenvolvimento dos projetos, a maioria dos bolsistas foi se apropriando das ideias, sugerindo modificações, ajustes e, no segundo momento, já estavam integrados à proposta da pesquisa, embora essas não fossem atitudes observadas para 100% dos bolsistas, pois, por mais que buscássemos estimular um maior envolvimento

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desses alunos no grupo, alguns assumiam uma atitude passiva ante o conhecimento que buscávamos formular. As dificuldades nessa produção foram diversas, pois foi o momento da produção de uma escrita mais elaborada, acadêmica, além do desconhecimento, por parte dos bolsistas, na elaboração de resumo, do significado de palavras-chave, dos elementos que devem compor as seções de um artigo, como introdução, desenvolvimento e conclusão. Também sentiam muita dificuldade em relação às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, em como realizar as citações nos textos que produziam, na definição dos objetivos das investigações, na apresentação da metodologia, na realização do trabalho de campo, formulação dos instrumentais, na análise de dados, na elaboração de sínteses, construção de gráficos, apresentação de resultados, conclusões, etc. Outra barreira que precisamos romper foi o pouco hábito da leitura. Tinham que ler bastante para incrementar o referencial teórico da pesquisa e fundamentar os artigos. Foram muitas as idas e vindas nesse processo, mas nosso papel era de orientá-los e não fazer por eles. Essa dinâmica de ler os artigos e fazer considerações, devolvê-los e recebê-los novamente até nos aproximarmos, ao máximo, do que se exige em um artigo científico, foi marcado por momentos de desgaste, mas, sobretudo, por um imenso aprendizado para nós e para eles. Assim, as pesquisas foram sendo desenvolvidas, o conhecimento sobre as realidades que investigávamos passou a nos inquietar sob outros aspectos e os projetos, inicialmente pensados por nós, foram tomando rumos apontados pela própria pesquisa, produto da ação coletiva dos alunos bolsistas e de professores orientadores. Embora cada um dos orientadores estivesse responsável por um projeto de sua área específica, as trocas foram acontecendo entre os grupos, e as dúvidas surgentes eram socializadas com o coletivo. Consideramos que a cooperação marcou nosso trabalho, na qualidade de orientadoras, e, nos momentos difíceis, nos motivou a continuar. Entendemos, pois, a produção dos artigos científicos pelos alunos bolsistas como momento rico de aprendizagens. Inclusive, um dos artigos foi premiado entre os 20 melhores trabalhos apresentados no V Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica - CONNEPI 2010, realizado no Instituto Federal de Alagoas

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(IFAL), intitulado Escola e Família: parceria necessária para a construção de hábitos alimentares saudáveis. Certamente, os ganhos foram diversos e significativos, tanto para nós, que passamos a ter uma visão de indissociabilidade de docência e pesquisa, quanto para os bolsistas, atualmente, alunos universitários e que estão envolvidos em atividades de pesquisa no ensino superior. Particularmente, para nós, a participação em grupos de pesquisa nos conduziu a reflexões importantes sobre nossa prática docente. A principal delas foi sobre nossa relação com o conhecimento, e a forma como o trabalhamos em sala de aula junto aos estudantes. 3. O significado da participação em projeto de pesquisa no Ensino Médio: o que dizem os ex-bolsistas Até aqui trouxemos nossas impressões e observações sobre nossa experiência com pesquisa na educação básica, na condição de professoras orientadoras, contudo, achamos interessante trazer os relatos dos ex-bolsistas sobre o significado da participação em pesquisa para sua formação acadêmica, suas aprendizagens, dificuldades que sentiram e desafios que enfrentaram como bolsistas de Iniciação Científica Júnior. E para os que hoje são universitários, indagamos sobre como essa vivência no Ensino Médio repercute na vida acadêmica no Ensino Superior. Procedemos a uma entrevista semiestruturada com oito exbolsistas, dos quais dois ainda não estavam na Universidade à época em que realizamos a coleta de dados. Escolhemos nomes fictícios para esses sujeitos, aos quais indagamos sobre: as contribuições da prática da pesquisa em seu processo formativo; as dificuldades vivenciadas nesse processo e os desafios enfrentados durante a permanência nos grupos de pesquisa. 3.1 As contribuições da prática da pesquisa no processo formativo dos estudantes Para os sujeitos, a participação no projeto de pesquisa contribuiu para: a) O desenvolvimento da leitura, escrita e comunicação, aplicação prática de conteúdos abordados em sala de aula e aprendizagens além desta, conforme apontam Daniel, Lara, Augusto e Gabriel: E assim em relação à escrita e à leitura.... desses momentos teve bastante sufoco, a gente não tava acostumado a trabalhar com

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prazos, submeter um artigo à organização de evento, o desafio de escrever um artigo... A gente tava acostumado a digitar um trabalho e pronto, não sabia que pra o artigo a gente tinha que escolher a fonte a gente não sabia... Acho que foi bastante aprendizado... participar de pesquisa, apresentar trabalhos... foi uma coisa pra além da sala de aula, você aplicou várias coisas que você vê na sala de aula.. e você não entende porque não vê aplicação...e poder aplicar isso... foi muito importante na minha formação... (DANIEL) (Grifo nosso). A Enoe é muito rígida, a gente mandava o projeto e ela utilizava marca-texto, voltava todo colorido, e na hora de referências..que eu não tenho paciência, tem que colocar em ordem alfabética, tem que ter o sobrenome primeiro...mas eu fazia do jeito que é pra ser porque não adianta fazer errado, né... e também nas referências teóricas... tem que pegar o trecho do autor, aí bota o nome, bota a data e depois eu ia organizar nas referências, botar em ordem, botar os sites, dá um trabalho grande... a gente tinha que ir atrás de revistas, jornais... [...] Me ajudou muito porque eu consegui escrever melhor, ler melhor e desenvolver também a parte de comunicação que a gente vai pra um evento desses... (LARA) (Grifo nosso). Mas também tive aprendizado naquilo ali, que às vezes eu estudava algo que eu não entendia, como o IMC, de tanto a tanto significava algo, e de outro valor significa outra coisa... era algo eu não sabia... questões de nutrição... Me ajudou, poderia até ter atrapalhado os estudos pelo tempo de dedicação à bolsa, mas adquiri mais conhecimento nessa área, não sei se serviu em questão de prova, vestibular, alguma coisa assim, mas serviu pra minha vida (AUGUSTO) (Grifo nosso). Foi muito importante, me ajudou demais nas redações, nos concursos, na FUNCAP mesmo aqui no colégio... Na área de Biologia e Geografia eu me supero mais na sala, porque no meu curso tem que saber muita atualidade... a escrita melhorou bastante porque eu passei a ler muito quando eu entrei no grupo, eu só lia ficção científica, aí eu passei a ler mais sobre meio ambiente, vida... Um aprofundamento maior dos conteúdos, principalmente biologia e geografia... Que eu fiquei mais aberto quando eu entrei no grupo, eu era extremamente fechado, falava com poucas pessoas e eu passei a conversar mais com outras pessoas... Passei a falar mais em sala de aula, que eu não falava nada, eu ficava com dúvida mesmo, porque

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eu tinha vergonha de perguntar, passei a perguntar depois que eu entrei no grupo, perdi essa vergonha. (GABRIEL) (Grifo nosso).

b) A produção de trabalhos acadêmicos, sobretudo pelo conhecimento do método científico e produção de fichamentos, prática pouco presente no ensino médio. Para Denise, Monalisa e Rafael, a participação no projeto aproximou-os bem mais da realidade do Ensino Superior: Foi assim, a gente não conhecia bem o método científico, como era que se fazia trabalho, ainda era muito aquela coisa do colégio, fazia trabalho meio que desorganizado, mas foi muito interessante... nas reuniões que a gente teve, a gente teve a oportunidade de aprender como é que se faz realmente um artigo, toda aquela estrutura, metodologia, e tal... (DENISE) (Grifo nosso). Ai, foram muitas, professora... fazer artigo, esse hábito de pesquisar as coisas pra fazer os trabalhos... e fico com isso até hoje na faculdade, tipo as pessoas fazem resumo e eu demoro dez anos... (risos) porque eu gosto de pesquisar várias coisas pra juntar no trabalho... e o pessoal fica: cadê o trabalho?... e eu fazendo várias pesquisas, juntando várias referências e eu acho que eu fiquei assim por causa desse projeto [...] As aprendizagens, tipo essa questão de trabalhar com artigo científico mesmo no Ensino Médio, porque eu achava que era uma coisa só no Ensino Superior... não fazia ideia... eu achava muito legal, e tal, muito interessante... foi isso.. tá desenvolvendo isso no Ensino Médio... tá lidando com tudo isso que eu falei, fazer pesquisa, fichamento... coisas diferentes que a gente não costuma fazer no Ensino Médio... porque a gente fica muito bitolado, voltado pra o vestibular e a diferença é que quando a gente chega no Ensino Superior já chega com alguma noção... (MONALISA) (Grifo nosso). Das aprendizagens.. eu posso falar que a gente chegou na universidade muito mais bem preparado, e muito mais interessado... por exemplo eu não tô ainda na pesquisa científica na universidade porque agora tô sem tempo por causa do trabalho... mas eu pretendo participar... mas a gente chegou conhecendo esse mundo da universidade, da pesquisa, do que os demais colegas de faculdade porque a gente teve

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esse contato direto com a pesquisa... e é isso... (RAFAEL) (Grifo nosso).

c) Avanço na concepção sobre pesquisa e aprendizagem da prática investigativa como elemento significativo na formação acadêmica escolar e elaboração do conhecimento: Quando a gente tá no Ensino Médio, a gente tá com a cabeça muito voltada, focada só no vestibular, fica limitado ali aos estudos básicos, de Física, Química, Biologia e a gente esquece daquela curiosidade de pesquisar, de procurar, de ir atrás, de buscar mesmo o conhecimento, não só pegar ali no livro aquele conhecimento pronto, mas pesquisar, e pegar tudo aquilo que você pesquisou e transformar no que você entendeu e isso me ajudou muito nos estudos no Ensino Médio, porque depois que eu aprendi a pesquisar, procurar e transformar tudo aquilo que eu pesquisei em conhecimento e não só ler e decorar aquilo me ajudou muito no meu desenvolvimento do Ensino Médio e depois que eu saí do colégio... Os alunos no Ensino Médio e do Fundamental quando fazem um trabalho só copiam e colam, aquilo ali bonitinho, entregam pra o professor... mas você saber definir daquilo ali o corpo, o que é principal, os objetivos, por que aquilo tá ali pra introduzir o assunto, como foi feito aquele trabalho...você não sabe... e quando você chega lá dentro (universidade) você fica perdido... (ÂNGELA) (Grifo nosso).

3.2 As dificuldades vivenciadas pelos grupos de pesquisa durante o processo As principais dificuldades apontadas foram relacionadas ao: a) Tratamento dos dados, apropriação das normas da ABNT e apresentação dos trabalhos produzidos, como sinalizam Daniel, Monalisa, Augusto, Rafael, Gabriel e Denise: Das dificuldades é você trabalhar assim com o público... lidar com aquelas respostas, organizar muitas perguntas,... você tinha que ter uma metodologia pra encaixar aquilo tudo.. e ter um resultado que pudesse mostrar alguma coisa assim... (DANIEL) (Grifo nosso). A dificuldade era juntar todas as informações, a gente fez o trabalho e tinha aquelas questões subjetivas, juntar tudo numa síntese... eu ainda tenho essa lembrança... o trabalho com

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as crianças (trabalho de campo) e tal... eu gostei do projeto e hoje eu faço trabalho social, eu gosto de trabalhar com crianças... achei muito legal... (MONALISA) (Grifo nosso). A gente teve muita dificuldade, a questão de fazer os gráficos, de fazer aquela coisa toda, não foi tão fácil, né, de ir para as salas pra poder aplicar tudo e depois transcrever tudo pra os gráficos... pra mostrar toda a pesquisa... (AUGUSTO) (Grifo nosso). As dificuldades que a gente teve foi o negócio do artigo, a montagem do artigo, porque no caso do projeto da alimentação saudável foi a gente que fez, a gente teve que botar a cabeça pra funcionar, dias e dias... a contagem lá do pessoal, do IMC e a gente enviava pra o orientador e orientador voltava pra gente ir atrás do que tava faltando... eu acho que essa dificuldade é comum em toda pesquisa científica, eu acho que o pior não é nem a sondagem da pesquisa, é montar o trabalho, né, de acordo com as regras da ABNT... (RAFAEL) (Grifo nosso). Sobre a ABNT era muito criterioso, sempre que fazia, pesquisava em algum site, tinha que anotar e no início eu esquecia de anotar e depois pra achar era difícil... eu não lembrava que tinha que anotar as referências... no início é muito difícil escrever, seguir as normas da ABNT mas com o tempo a gente aprende, escrevendo, escrevendo, escrevendo... corrigindo o artigo umas dez vezes consecutivas (risos). (GABRIEL) (Grifo nosso). A gente tá muito acostumado só com o básico, a gente não sabe o que é formatação da ABNT, a gente não sabe muitas vezes o que é um artigo científico, o que é um resumo, o que é uma apresentação, o que é um congresso, aí a gente se depara com um mundo totalmente novo, mas realmente é uma experiência muito boa porque aprende, aprende bastante. [...] No começo foi bem difícil porque foi algo totalmente novo pra gente, essa coisa da formatação, era impossível (risos), meu Deus como é que pode! Mas depois que a gente vai escrevendo, a gente vai aprendendo, vai se adaptando, vai se acostumando, e eu, particularmente, gostei muito, passei a gostar daquilo ali, quanto mais você faz, mais curioso você fica. É apaixonante! (ÂNGELA) (Grifo nosso).

b) Dificuldade relacionada à leitura e escrita, como aponta Lara: A dificuldade é que eu não sou muito de ler... eu não gosto de ler, eu não nego...eu nunca parei pra sentar e ler um livro,

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eu gosto de ler historinhas de amor... essas coisas assim... mas coisa de matéria, coisa mais complexa... eu não tenho paciência, esses livros de José de Alencar... que o pessoal vive comentando dentro da sala que é maravilhoso, eu não sei opinar em nada disso que eu não me ligo muito nessas coisas... Então a minha dificuldade foi mesmo pra escrever, porque quem não lê como é que vai conseguir escrever alguma coisa? Aí eu tive que me acostumar a ler os artigos da internet e ler e formar uma opinião, que tinha um bocado de coisa pra ler...aí eu tive que acostumar com isso pra conseguir escrever... eu tinha que ter uma base, como é que eu escrever tudo da minha cabeça? (LARA)

3.3 Os desafios enfrentados pelos ex-bolsistas na aprendizagem da pesquisa Os desafios mencionados foram relacionados à: a) A prática da pesquisa como elemento novo, desconhecimento dos seus constituintes, da metodologia científica, além do enfrentamento do falar em público, ou seja, da divulgação dos resultados da investigação, como sinalizam Daniel, Monalisa, Rafael, Gabriel e Denise: Dos desafios era porque era algo que a gente nunca tinha feito, assim, no Ensino Médio, não é comum no colégio, trabalhar com pesquisa científica mesmo, você teve que conhecer muitas outras coisas assim, não só a pesquisa em si, mas metodologia, algumas normas, até ética também... acho isso um grande desafio... e apresentar trabalhos também para grandes públicos que a gente não tava acostumado... pessoal mais... num nível maior de conhecimento, aí você ter que debater com eles tal assunto... (DANIEL) (Grifo nosso). Dos desafios... Ah, acho que foi assim fazer parte, porque era algo que não existia antes... É tanto que tinha aqueles textos que a senhora passava pra gente ler, se reunir, fazer fichamentos, que eu nunca tinha feito, a gente nem sabia o que era fazer fichamento... aí foi aprendendo, desenvolvendo, né... no Ensino Médio, aí também a gente desesperado, no 3° ano, pensando no vestibular e fazendo artigo... (risos) (MONALISA). O desafio, né, foi ter esse primeiro contato com a pesquisa científica... porque a gente sabia só por alto, né [...] teve esse primeiro desafio, o contato com artigo, como fazer um artigo e

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tal ... ter realmente a vida de um universitário sem ser, na verdade ... ter um contato antecipado... acho que isso foi um desafio... um aluno no Ensino Médio, não tão maduro... em relação à questão científica, né?... Isso pra mim foi um desafio, esse primeiro contato assim com o mundo da pesquisa, né... (RAFAEL) (grifo nosso). O desafio foi a primeira apresentação, a timidez, foi estranho... (GABRIEL) (Grifo nosso). Foi conhecer a metodologia científica ainda no Ensino Médio.... E as dificuldades, com a ajuda dos professores a gente conseguiu superar. A importância de começar no Ensino Médio, de ter esse engajamento, de já entrar na faculdade sabendo como é esse meio acadêmico, de a gente precisar escrever artigo, né, entrar na vida científica e já ter essa maturidade já no início, facilita muito... (DENISE) (Grifo nosso).

b) Tempo para o desenvolvimento das pesquisas e mostrar a importância da pesquisa científica na comunidade escolar: Mas a dificuldade maior foi o tempo mesmo. E assim como outros alunos, alguns professores não focam na importância da pesquisa, eles dizem ah... tem que fazer isso, aquilo, vir final de semana... isso foi um desafio também, mostrar a importância que tem a pesquisa científica. (ÂNGELA) (Grifo nosso)

O grifo na fala de Ângela nos remete ao que sinaliza Galiazzi (2011, p. 143): “Muitos professores entendem a pesquisa separada do ensino”. Nesse sentido, chamamos atenção para o que nos diz Freire (1996) quanto ao entendimento da pesquisa como atividade constitutiva do professor: Fala-se hoje, com insistência, no professor-pesquisador. No meu modo de entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (Freire, 1996, p. 132).

Assim, os desafios apontados indicam a necessidade de inserção da pesquisa como princípio educativo no espaço escolar, como anota Demo (2011a). Nesse sentido, destacamos dois pressupostos apontados pelo autor para a proposta de educar pela pesquisa: “A

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convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da educação escolar e acadêmica e a necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno” (DEMO, 2011b, p. 7). 4. O ensino mediado pela pesquisa: contribuições e desafios à formação escolar e acadêmica Como já apontamos, autores como Demo (2011b) ensinam que é preciso educar pela pesquisa, e que desenvolver uma atitude investigativa diante da própria formação pode levar a práticas profissionais mais críticas e conscientes. Consoante o autor, “a educação não é só ensinar, instruir, é sobretudo, formar a autonomia crítica e criativa do sujeito histórico competente” (DEMO, 2011b, p. 20). Há um consenso de que se faz necessário incorporá-la ao processo de formação dos sujeitos, tendo em vista os ganhos acadêmicos advindos de sua prática. Essa compreensão se manifesta no Ensino Médio, também, mediante programas de bolsas de Iniciação Científica Júnior - FUNCAP e editais lançados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, com vistas à iniciação científica já nesse nível de ensino. O fato é que, de modo geral, a pesquisa ainda não se configura como uma prática docente, uma vez que muitos professores também não a vivenciaram em seus processos de formação inicial. Nesse sentido, julgamos necessário convidar a escola para dialogar sobre o papel formativo da pesquisa para a comunidade discente e para a prática pedagógica dos professores. Nessa direção, Demo (2011a) destaca a importância de vivenciarmos a pesquisa como princípio científico e educativo. O professor que não pesquisa, segundo o referido autor, tende a reproduzir o conhecimento sistematizado. Desse modo, sua prática fica restrita à transmissão dos conteúdos e pouco poderá inovar metodologicamente em suas aulas, visto que não toma a pesquisa como mediadora na produção dos saberes de sua profissão, e, portanto, não pode dispor desse instrumento como elemento potencialmente valioso nos processos de ensinar e de aprender. Como asseveram Carvalho e Gil-Perez (2005): A atividade de uma professora ou de um professor vai muito além [...] do que ministrar aulas. [...] exige um trabalho coletivo de inovação e pesquisa, sem comparação com o que habitualmente se entende por “preparar uma aula” (Carvalho; Gil-Perez 2005, p.50).

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Concebemos o ensino mediado pela pesquisa como mecanismo de produção da práxis docente e como meio de elevar o aluno de um mero expectador a um agente ativo na produção do conhecimento e em seu processo de formação acadêmica, que se inicia na escola e continua na universidade. À medida que tomamos nossa prática docente como objeto de investigação, também seremos professores mais sensíveis às demandas dos estudantes, sobretudo concernente à construção dos sentidos e significados da aprendizagem dos conteúdos escolares. Com efeito, destacamos ainda as contribuições da prática investigativa para a inserção dos alunos egressos dos grupos de pesquisa na cultura universitária. Apresentamos depoimento de uma de nossas ex-alunas que muito nos anima, quando relata que já no seu primeiro semestre do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará UFC foi convidada para publicar seu trabalho em revista da área: A gente tava fazendo um artigo da faculdade, um artigo pra revista... a gente foi, fez a entrevista com a fisioterapeuta lá do Albert Sabin, e aí cada aluno ficou responsável por fazer uma parte, mas quando a gente recebeu tava tudo errado... essa questão de justamente essa questão de formatação, não sabia o que era uma introdução, o resumo dava duas páginas do artigo, aí eu olhei, ai meu Deus (risos)... aí o que é que eu fiz... eu fui ensinar pra outra menina como fazer, pra gente fazer junto... mas bom foi depois... quando ela mandou o e-mail dizendo que o artigo ia ser publicado numa revista, aí eu... ai meu Deus, eu não acredito!!!! (risos) [...] não ia ter como eu conseguir se não tivesse uma experiência, se eu não soubesse como fazer... porque é como eu falei, as meninas mandaram um resumo de duas páginas, uma metodologia que não era metodologia...assim coisa completamente... (ÂNGELA).

Outros egressos relatam da contribuição da participação no grupo de pesquisa para a produção dos trabalhos acadêmicos das disciplinas dos cursos em que ingressaram: As metodologias... pra mim que hoje faço parte de pesquisa ... e muita coisa eu já sabia quando eu vim pra cá (universidade), me ajudou muito... Essa semana a gente teve que fazer um projeto, redigir um projeto, proposta de melhoramento vegetal e muita coisa eu já sabia, no que diz respeito à metodologia, às normas de produção de um artigo... eu sabia, meus amigos não sabiam... (DANIEL). [...] foi uma experiência, foi até bom pra gente quando chegou na

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faculdade, fazer os trabalhos da faculdade, que eram diferentes... tinha gente na turma desnorteado e eu tinha breve noção do que poderia fazer, eu sabia o que era um fichamento, e a professora chegou e disse: vocês vão fazer um fichamento... e o pessoal disse o que é um fichamento? e eu disse: ah... eu sei, ai que bom... eu fiquei muito feliz. Porque foi um aprendizado pra faculdade, quando chegamos no Ensino Superior saímos do Ensino Médio sabendo mais alguma coisa... quando chegamos nos congressos, aí a gente diz: ah... nós participamos de congressos no Ensino Médio, fizemos artigo... foi tão bom, foi uma experiência diferente... O Projeto pra mim já teve importância até agora... mas creio que vai ter mais... principalmente no TCC (MONALISA). A gente chegou na universidade já com uma bagagem daqui, do trabalho científico, é tanto que na cadeira da metodologia do trabalho científico eu tive uma certa facilidade na hora de produzir o trabalho... [...] Agora eu tô lembrando de uma disciplina (na universidade) onde a professora perguntava, o que é um fichamento? O que é um resumo? O que é uma síntese? O que é uma citação? E a gente tinha que definir cada um e tem as diferenças e tem aquele negócio das aspas... ai meu Deus do céu, aí eu só lembrava da professora Márcia, daquele negócio, ô sofrimento meu Deus!! E fichava e desfichava, não, não tá bom e fazia de novo... (risos) (RAFAEL). Porque assim, eu tava até pensando nessa semana... porque o professor passou um trabalho pra gente dentro do modelo científico... com introdução, desenvolvimento, conclusão.. ele pediu sumário... e assim, beleza, como eu já fazia no projeto e fazia trabalhos maiores... e fiz numa boa... [...] (LARA). [...] tá fazendo a diferença agora na faculdade, eu tô até com um projeto também pra apresentar no congresso de Enfermagem, em agosto, e da minha turma, assim, eu vejo que eu já tenho uma experiência a mais. [...] Os outros, eu vejo que é mais... desconhecem ainda, começaram agora o primeiro semestre, e a minha experiência já foi válida nesse primeiro semestre pra começar a escrever esse artigo... (DENISE).

5. Notas conclusivas: é preciso avançar Os relatos estão de acordo com nossas impressões e observações oriundas da experiência relatada e nos apontam que a pesquisa na educação básica vem exercer importante papel na elaboração do conhecimento, bem como na forma como os professores podem caminhar pela docência, integrando ensino e pesquisa.

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Para os estudantes, constitui experiência ímpar, mediadora de múltiplas aprendizagens e de um encantamento e despertar para a pesquisa. Experiências dessa natureza precisam ser ampliadas e incentivadas na escola, contudo, seria interessante que o professor tivesse algum tipo de incentivo, como bolsa ou mesmo redução de sua carga horária semanal, para orientação e desenvolvimento de atividades de pesquisa. Percebemos que o envolvimento de outros docentes com pesquisa na escola é dificultado pelo fato de não haver um tempo em sua carga horária destinado a esse fim. De fato, a atividade de condução dos projetos de pesquisa bem como a orientação dos alunos bolsistas, constitui-se de horas de trabalho além de nossa jornada (pois, para orientar projeto de pesquisa, o docente proponente deve se comprometer em destinar 12 horas semanais para o desenvolvimento da investigação). E entendemos, contudo, que a prática da pesquisa deveria constituir o fazer docente e permear a produção do conhecimento em sala de aula, independentemente de projetos específicos. Nesse sentido, faz-se necessário que se assegurem condições para que o professor se ache motivado a incorporar a pesquisa em sua prática pedagógica. Em relação aos alunos, podemos, com suporte nos seus relatos, afirmar que a participação nos grupos de pesquisa lhes proporcionou aprendizagens, sobretudo o modo como o conhecimento científico é produzido e socializado, caracterizando-se como um diferencial em sua formação acadêmica e pessoal. Mesmo se afirmando e reafirmando a importância da pesquisa na formação dos professores, estes ainda parecem distantes dessa realidade, seja porque não se sentem motivados a desenvolver essa prática na escola, seja porque não participaram diretamente de processos investigativos no Ensino Superior. Acrescentamos o fato de que nossa experiência nos move para aprendermos mais sobre o que é pesquisa e como se faz. Assim, deixamos o convite para nos constituirmos professores pesquisadores de nossa prática docente, para que possamos, competentemente, orientar os processos formativos de nossos alunos, sobretudo os da Educação Básica, onde a prática investigativa ainda é uma realidade distante, mas que a vislumbramos no horizonte das possibilidades!

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6. Referências CARVALHO, A. M. P de.; GIL-PEREZ, D. Formação de professores de Ciências: tendências e inovações. 6. ed., São Paulo: Cortez, 2001. DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2011a. _________. Educar pela pesquisa. 9.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2011b. (Coleção educação contemporânea). FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GALIAZZI, M. do C. Educar pela pesquisa: ambiente de formação de professores de Ciências. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. LUDKE, M.; ANDRÉ. M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 30. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

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A ORIGEM DA VIDA NO ENSINO DE BIOLOGIA: REVISANDO AS PESQUISAS E REVENDO A PRÁTICA Mário Cézar Amorim de Oliveira

1. Introdução Ensinar os conhecimentos acumulados pelas Ciências Biológicas é uma experiência gratificante, mas que impõe desafios diários para quem se aventura nessa seara. Enfrentar assuntos controversos que expõem nossas visões de mundo e opiniões pessoais é lugar comum na prática educativa do professor de Biologia. A descriminalização do aborto, o consumo de organismos geneticamente modificados (ou transgênicos), as doenças sexualmente transmissíveis e sua relação com as diversas orientações afetivo-sexuais são alguns exemplos de assuntos que sempre surgem nas aulas, produzindo controvérsias e debates, por vezes, acalorados. A origem da vida e a evolução biológica dificilmente passam despercebidas, por serem assuntos que envolvem sentimentos e conhecimentos de natureza religiosa, sempre cara aos estudantes (como também para muitos professores); principalmente nos últimos anos, em que investidas religiosas se fazem cada vez mais presentes em sala de aula, influenciando no ensino e na aprendizagem das ideias científicas nas aulas de Biologia. Martins (2001) ressalta que, ante a um mundo distante do desejado, uma forma de se encará-lo é recorrendo à ideia de um mundo transcendente, para onde todas as boas pessoas irão e onde toda sorte de mazelas, infortúnios e carências será suprimida. As igrejas e denominações religiosas mais legalistas (termo utilizado para distinguir as igrejas e congregações que possuem muitas regras de conduta e comportamento, baseadas, ou não, em interpretações dos livros sagrados) proliferam dentro das comunidades mais carentes da presença do Estado e do Poder Público. Onde não há educação e saúde de qualidade, onde faltam saneamento básico e segurança pública, certamente, encontraremos um grande número de templos, centros espirituais e igrejas. Delimitar o fenômeno religioso a suas relações socioculturais, entretanto, é reduzir um amplo debate, no qual não nos propomos aprofundar nesse momento, a apenas um de seus elementos. Um importante aspecto a ressaltar, contudo, é que, nesse contexto, proliferam as denominações evangélicas que travam guerra contra as ideias científicas acerca da origem da vida e da evolução dos seres 74

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vivos. Muitas religiões não lidam muito bem com as ideias de natureza materialista/naturalista da Ciência, mas como enfatiza Matzke (2010), é no seio do fundamentalismo dos Estados Unidos e do “evangelicanismo” de natureza protestante que nasceram as principais correntes do que se convencionou chamar de “movimento criacionista”. Já se percebe a presença desse movimento há alguns anos no Brasil. A Sociedade Criacionista Brasileira possui sítio na internet, divulgando kits educacionais e uma série de materiais de propaganda da ‘explicação alternativa’ ao darwinismo, a denominada ‘teoria do design inteligente’ (TDI). Esse processo preocupa professores e pesquisadores envolvidos com o ensino de Biologia, visto que “a inclusão das teses criacionistas no currículo de escolas públicas, como vem ocorrendo no Brasil, viola o princípio constitucional da separação entre o Estado e a Igreja no país, é danosa à mente de jovens em formação e abre espaço para o fanatismo e a intolerância” (SALZANO, 2005: 28). Por outro lado, apesar de pesquisas acadêmicas (dissertação de mestrado e tese de doutorado) sobre temas vinculados ao ensino das Ciências Biológicas serem geradas em programas de pós-graduação em educação e, mais recentemente, em programas específicos da área de ensino de Ciências, desde a década de 1970 (SLONGO, 2004; TEIXEIRA, 2008), somente em 1991 surgiram as primeiras investigações sobre o ensino de evolução biológica. Desde então, o número de pesquisas acerca do ensino dos temas ‘Origem da Vida’ e ‘Evolução Biológica’ não parecem crescer com a mesma velocidade que as investigações sobre as demais áreas das Ciências Biológicas, tanto que Teixeira (2008) considerou “modesto o número de estudos identificados retratando problemáticas inerentes ao ensino de evolução, sobretudo porque a Teoria da Evolução representa um importante eixo estruturante, tanto para a Biologia enquanto Ciência, quanto para o ensino de Biologia na escola básica”. Essas constatações deram início a uma série de investigações, cujos resultados apresentamos nesse texto, com o objetivo maior de chamar a atenção a uma de nossas constatações: a pequena quantidade de pesquisas brasileiras sobre o ensino de origem da vida. Em seguida, recobramos uma experiência didática realizada com estudantes do 2º ano do Ensino Médio, quando professor de Biologia da rede estadual, em Fortaleza. Com efeito, é importante trazer algumas considerações a respeito do ensino do tema ‘Origem dos Seres Vivos’ no ensino médio, de como esse assunto traz à tona a relação entre o conhecimento científico e o saber religioso e do nosso posicionamento como educador em Ciências ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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ante essas questões. Em seguida, apresentamos orientações de alguns documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) a respeito do assunto. 2. Da análise da pesquisa brasileira sobre o ensino de origem da vida De modo similar aos trabalhos de Megid Neto (1999), Teixeira (2008), Oliveira (2011), Oliveira e Leyser (2011), foi adotado para a organização e análise dos documentos investigados a metodologia de ‘estado da arte’ desenvolvida pelos pesquisadores do grupo FormarCiências da Faculdade de Educação da Unicamp, na criação e análise do acervo de teses e dissertações sobre ensino de Ciências do CEDOC – Centro de Documentação sobre Ensino de Ciências. A metodologia, adaptada para acolher as especificidades da investigação de trabalhos acerca do ensino de ‘Origem da Vida’, consistiu no preenchimento de uma Ficha Descritiva baseada na leitura e classificação dos documentos segundo um conjunto de descritores, dos quais apresentaremos nesse texto: Nível Escolar, Foco Temático e Gênero de Trabalho Acadêmico. A explicação pormenorizada dos descritores utilizados nesta investigação pode ser encontrada em Oliveira (2011b, p.58). Em relação às dissertações e teses (DT), em trabalho anterior, investigamos a produção acadêmica brasileira em ensino de Ciências e Biologia, no período de 1991 a 2008, que abordava o ensino dos temas ‘Origem da Vida’ e ‘Evolução Biológica’ (OLIVEIRA, 2011; OLIVEIRA e ROSA, 2011a, 2011b). 37 pesquisas foram identificadas para o período investigado, das quais 78,4% trataram exclusivamente do ensino de evolução. Dessa forma, os ensinos de temas relacionados à ‘Origem da Vida’ foram cobertos em oito trabalhos (21,6%), dos quais metade (10,8%) apareceu de forma secundária à abordagem da evolução biológica. Pesquisas a respeito, exclusivamente, do ensino de ‘Origem da Vida’ foram defendidas somente a partir do ano de 2006, todas em dissertações de mestrado. Na dissertação de Sepúlveda (2003), a explicação criacionista para a ‘Origem da Vida’, de licenciandos em Ciências Biológicas de uma universidade pública, foi discutida pela autora no mapeamento das concepções de natureza desses estudantes; enquanto isso Teixeira Leite (2004), por tratar da abordagem docente a assuntos considerados “novidades científicas” para a Biologia, discutiu a introdução de outras 76

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explicações nesse contexto, a respeito da ‘Origem da Vida’, como o ‘Criacionismo Científico’. Nos outros dois documentos em que o ensino do tema ‘Origem da Vida’ é discutido secundariamente, o objetivo central dos estudos foi investigar a relação entre explicações científicas e religiosas nas aulas de Biologia. Trigo (2005) caracterizou, em sua pesquisa, o perfil das crenças religiosas de estudantes cariocas, procurando identificar possíveis influências dessas na aprendizagem de conceitos científicos, relacionados, dentre outros assuntos, à origem e evolução da vida; de forma semelhante, Madeira (2007) identificou concepções e interpretações de estudantes paulistas a respeito da origem da vida e do homem, enfatizando a importância do estudo do conflito de natureza religiosa, quando do ensino-aprendizagem desses tópicos. É importante salientar, como destacamos mais adiante, o fato de que as pesquisas sobre o ensino do tema ‘Origem da Vida’ estão fortemente relacionadas à discussão das implicações religiosas quando de sua abordagem em sala de aula. Dos quatro documentos que abordam exclusivamente o ensino desse tema, metade o faz nessa perspectiva: Nicolini (2006) e Santos (2008) utilizam a mesma metodologia de análise (Discurso do Sujeito Coletivo, aqui classificados no descritor ‘Análise de Conteúdo’) para aprofundar resultados discutidos na dissertação de Trigo (2005). Com a identificação da representação social do tema ‘Origem da Vida’ entre licenciandos em Ciências Biológicas de uma universidade federal, Nicolini (2006) conclui que eles apresentam elementos do senso comum, religiosos e científicos, indicando a possível relação da ausência de abordagem específica do tema, no curso de formação superior dos pesquisados. Nas dissertações de Santos (2006) e Machado (2008), o ensino do tema ‘Origem da Vida’ também é tratado exclusivamente e orientandose a abordagem para outra direção: o livro didático. Nesse sentido, Santos (2006) analisa como a Filosofia da Ciência é abordada e a história da ‘abiogênese x biogênese’ é contada em alguns livros de Biologia do Ensino Médio, enquanto Machado (2008) analisa como o tema é apresentado em livros utilizados em escolas públicas gaúchas de ensino médio, defendendo a partir do que ele denomina de métodos feyrabendianos de pensar ciência, a inserção de ‘outras explicações’ (entenda-se ‘criacionistas’) no ensino do tema ‘Origem da Vida’. Em relação aos artigos apresentados em eventos da área, nas atas disponíveis dos Encontros Perspectivas do Ensino de Biologia, os EPEB (as atas da nona edição, de 2004, não estão disponíveis), identificamos em pesquisa anterior (OLIVEIRA; LEYSER, 2011), que 35 trabalhos, do total de 991 ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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artigos (cerca de 3,5% do total), abordavam o ensino dos temas ‘Origem da Vida’ e ‘Evolução Biológica’. Desses, somente três artigos (8,6% do conjunto de 35 trabalhos) tratam do ensino de temas relacionados à origem da vida, juntamente com a abordagem de evolução biológica; em outras palavras, nenhum artigo tratou exclusivamente do ensino de ‘Origem da Vida’. Com base nos EPEB, houve a formação da Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio) e a organização dos primeiros Encontros Regionais de Ensino de Biologia (EREBIO), culminando, essas iniciativas, no Encontro Nacional de Ensino de Biologia (ENEBIO). Nas três edições dos ENEBIO, identificamos 40 trabalhos, do total de 905 artigos (cerca de 4,4% do total) que tratam do ensino dos temas ‘Origem da Vida’ e ‘Evolução Biológica’, dos quais somente dois artigos (5,0% do conjunto de 40 trabalhos) tratam do tema ‘Origem da Vida’; contudo, diferentemente dos documentos encontrados nas atas dos EPEB, esses abordam exclusivamente questões relacionadas ao ensino de ‘Origem da Vida’. Em pesquisa anterior, investigamos os artigos publicados nas atas das seis primeiras edições dos Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação em Ciências, os ENPEC (OLIVEIRA; LEYSER, 2009). Ampliando essa investigação para a sétima edição do evento, identificamos 51 trabalhos, do total de 2.817 artigos (cerca de 1,8% do total), tratando do ensino dos temas ‘Origem da Vida’ e ‘Evolução Biológica’, dos quais sete artigos, cerca de 13,7% do conjunto de 51 trabalhos, tratam do tema ‘Origem da Vida’. Desses, somente uma investigação abordou exclusivamente o tema.

Gráfico 1: Distribuição dos 20 documentos investigados abordando o ensino de ‘Origem da Vida’, quanto aos níveis escolares privilegiados.

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A partir da análise dos descritores utilizados na investigação, podemos identificar no Gráfico 1 a predominância de pesquisas abordando o assunto no ensino médio (EM: 47,6%), seguido de investigações no ensino superior (ES: 23,8%). No gráfico 2, verificamos que os focos temáticos mais abordados foram: Ciência e Religião (CR: 35%) e Características dos Alunos (AL: 17,5%), seguidos de Características dos Professores (PR: 15%) e Recursos Didáticos (RD: 15%).

Gráfico 2: Distribuição dos 20 documentos investigados abordando o ensino de ‘Origem da Vida’, quanto aos focos temáticos privilegiados (foco principal em azul e foco secundário em vermelho). Os trabalhos possuem apenas um foco principal, mas podem ter um ou mais focos secundários.

A pequena quantidade de investigações sobre a Formação de Professores (FP: 5%) pode indicar uma dificuldade da academia em olhar para os próprios problemas, como sugere o maior número de pesquisas no ensino médio. A escassa produção sobre o assunto, entretanto, traz à tona realidades intuitivamente conhecidas por muitos professores e alguns pesquisadores do ensino de Biologia, relacionadas ao livro didático, à influência da cultura e das crenças religiosas e às representações dos estudantes acerca de assuntos ligados a ‘Origem da Vida’.

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Gráfico 3: Distribuição dos 20 documentos investigados abordando o ensino de ‘Origem da Vida’, quanto aos gêneros de trabalho acadêmico privilegiados. As investigações podem ter sido classificadas em mais de um gênero de trabalho (caso de algumas dissertações e artigos dos ENPEC).

A análise do descritor ‘gênero de trabalho acadêmico’ privilegiado nas pesquisas investigadas (Gráfico 3) sugere o caráter exploratório desse conjunto de trabalhos. Cerca de 45,8% foram classificados no indicador ‘análise de conteúdo’ (que consiste em uma diversidade de metodologias relacionadas à análise textual e discursiva), seguido de 37,5% de trabalhos classificados como ‘estudos de caso/etnográficos’. 3. Das explicações acerca da origem dos seres vivos A Biologia é apresentada aos estudantes do ensino médio como a “ciência que estuda os seres vivos”. Dessa forma, a origem dos seres vivos estudados por essa ciência deveria ter um lugar importante como introdução a esse estudo; contudo, o que se percebe, folheando qualquer livro didático de Biologia, é que esse assunto está geralmente restrito a um capítulo ou algumas poucas páginas de um capítulo a respeito da ‘Origem e Evolução dos seres vivos’. O pequeno espaço reservado à apresentação e discussão desse assunto nos livros didáticos leva a simplificações perniciosas. Geralmente, o tema é introduzido por um pequeno resumo da disputa entre defensores das ideias da abiogênese (conhecida como Teoria da Geração Espontânea) e defensores da biogênese, entre eles: Aristóteles,

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Francesco Redi, John Needham, Lazzaro Spallanzani e Louis Pasteur. Louis Pasteur e seus experimentos com “frascos com pescoço de cisne” são frequentemente apresentados como finalizadores do debate entre abiogênese e biogênese, dando ganho de causa ao último e, nesse contexto, levantando a caricatural questão: ‘Se seres vivos só podem surgir a partir de outros seres vivos, então, como surgiu o primeiro ser vivo?’ É nesse momento que surgem as ideias da ‘Hipótese da Evolução Gradual dos Sistemas Químicos’, também conhecida como ‘Hipótese dos Coacervados’ – a explicação científica para a origem dos seres vivos. Esse tratamento tradicional dado pelos autores de livros didáticos de Biologia ao tema ‘origem dos seres vivos’ ignora completamente a diversidade de explicações dadas ao mesmo, limitando a discussão a apresentações simplificadas de construções históricas anacrônicas e questionáveis. Entendemos que o debate acerca das explicações da origem dos seres vivos no nosso Planeta pode ser abordado de duas formas: restrita – em que apenas as disciplinas científicas seriam chamadas a participar e contribuir, ou ampla – em que seriam chamadas a participar toda sorte de conhecimentos e saberes. O que comumente acontece é a abordagem restrita do tema, em que o histórico citado há pouco é apresentado, em seguida as ideias da hipótese mais aceita atualmente entre os pesquisadores – a Hipótese dos Coacervados – é exposta, juntamente com o relato dos experimentos de Miller e Urey que corroboram partes da mesma. Alguns poucos livros também apresentam a hipótese da Panspermia (da origem extraterrestre) como uma explicação alternativa à hipótese dos coacervados. Compreendemos que, entretanto, o receio de tocar em assuntos controversos, cujo domínio os professores não possuem, impede-os de abordar o tema de forma ampla, trazendo a contribuição de outras disciplinas, não científicas, para o debate. São muitas as explicações para a origem dos seres vivos que podem ser encontradas no seio dos folclores locais e regionais ou mesmo das religiões, cabendo ao professor entender e esclarecer aos estudantes as possíveis relações entre essas explicações e qual será a privilegiada em sua aula. Segundo Sepúlveda (2003), especificamente sobre as relações entre os conhecimentos científicos e religiosos, são frequentemente encontradas na literatura três possíveis interpretações: A mais popular delas é a tese de que há um conflito subjacente e inevitável entre as mentalidades científica e religiosa, a primeira lidando com fatos testáveis e a outra desertando a ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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razão pela fé. Na segunda interpretação, a ciência e a religião são vistas como forças culturais complementares, e não competitivas, uma vez que cada uma delas fornece respostas para um conjunto diferente de necessidades humanas. Nesta perspectiva, os discursos científicos e religiosos devem ser empregados em diferentes esferas da vida humana. A terceira visão, contrariamente às duas concepções anteriores, prevê uma relação mais íntima de integração entre religião e ciência. Em lugar de serem conflitantes, concebe-se que as crenças religiosas podem vir a conduzir a atividade científica. Interpretase a integração do conhecimento religioso e do conhecimento científico como sendo vantajosa para ambas as formas de conhecimento (Grifamos) (SEPULVEDA, 2003, p. 22).

As interpretações de conflito, complementaridade e integração comumente são relacionadas ao dilema “Criação x Evolução”; entretanto, é importante esclarecer que essa forma de apresentação abrange e confunde dois fenômenos distintos, para os quais a Ciência – e mesmo disciplinas não científicas – possuem distintas explicações. Explicação Científica

Explicação Não-científica

Origem dos Seres Vivos

Hipótese da Evolução Gradual dos Sistemas Químicos ou Hipótese dos Coacervados

Criacionismo

Evolução dos Seres Vivos

Moderna Síntese da Evolução

Fixismo

Quadro 1: Classificação simplificada das distintas explicações acerca de variados fenômenos biológicos relacionados aos temas “Origem e Evolução dos Seres Vivos”.

O Quadro 1, ao qual retornaremos durante o relato da experiência didática, que será analisada, apesar de simplista, é heuristicamente fundamental para a compreensão de que não há conflito real entre explicações criacionistas e evolucionistas, porque se referem a fenômenos biológicos diferentes. Ressaltamos, com base nesse quadro, que, para a evolução biológica, a ciência conta com uma teoria sólida de mais de 150 anos de acúmulo de evidências que a corroboram, mesmo que ainda exista – algo que não impressiona nenhum conhecedor da epistemologia das ciências – lacunas e questões a serem respondidas. Para a origem da vida, a Ciência conta com uma elaborada explicação, considerada ainda uma hipótese, contudo muito bem 82

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fundamentada, e que atualmente é corroborada pelas mais diversas disciplinas científicas, como Paleontologia, Geologia, Citologia e a Química Pré-Biótica (ZAIA, 2003, 2004 e ZAIA; ZAIA, 2008). Por isso, consideramos que, a respeito da evolução biológica, é preciso deixar claro que não há oposição que não seja fundamentalista, pois a ideia que se opõe à mudança dos seres vivos ao longo do tempo (evolucionismo) é a de que essas mudanças não aconteceram (fixismo), e, como alerta Freire-Maia (1986, p.20), “com exceção de pessoas destituídas de qualquer informação científica, é possível que não haja mais ninguém capaz de adotar essa posição tão extrema”. Da forma como entendem a situação, a questão controversa está no âmbito da discussão a respeito da origem da vida, do primeiro ser vivo. Como? Quando? Onde? São muitas as possíveis explicações. Nossa óptica de educação para a libertação e de ensino de Ciências para o exercício pleno da cidadania nos obrigam a acolher e respeitar todas essas explicações, privilegie a diversidade conceitual e cultural em sala de aula, a criação de oportunidades para entrar em contato com o conhecimento. Mesmo sabendo que não possuem caráter de lei, buscamos nos documentos oficiais que regem a educação brasileira, os PCNEM, PCN+ e OCEM, a fundamentação necessária para decidir a respeito do que e de como abordar as questões envolvendo a origem dos seres vivos na Biologia do ensino médio. 4. Da origem dos seres vivos na biologia do ensino médio: contextualizando a experiência didática realizada A respeito da origem da vida, os PCNEM dão destaque à historicidade e à contextualização da formulação das teorias biológicas, argumentando que há aspectos da Biologia relacionados com o estabelecimento de uma visão de mundo. “Debatem-se, nessa temática, questões existenciais de grande repercussão filosófica, sobre ser a origem da vida um acidente, uma casualidade ou, ao contrário, a realização de uma ordem já inscrita na própria constituição da matéria infinitesimal” (BRASIL, 1999, p.15). Dessa forma, já que “as teorias em Biologia, como nas demais ciências, se constituem em modelos explicativos, construídos em determinados contextos sociais e culturais” (IBID), os PCNEM sugerem que esse tema “deve ser tratado historicamente, mostrando que distintos períodos e escolas de pensamento abrigaram diferentes ideias sobre o surgimento da vida na Terra” (BRASIL, 1999, p.16).

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Os PCN+ enfatizam que um ensino por competências impõe inúmeros desafios aos educadores em Biologia; um deles é a forma de organização do conhecimento, para o qual sugerem a divisão em seis temas estruturadores do ensino. Destacam que uma das principais áreas de interesse da Biologia é a que se volta para a compreensão de como a vida evolui desde sua origem e se transforma, sugerindo que o sexto tema estruturador seja ‘Origem e Evolução da Vida’. Aparentemente, entretanto, em desacordo com o princípio expresso nos PCNEM da evolução biológica como eixo integrador dos demais conteúdos, as OCEM propõem que Um tema de importância central no ensino de Biologia é a ‘origem e evolução da vida’. Conceitos relativos a esse assunto são tão importantes que devem compor não apenas um bloco de conteúdos tratados em algumas aulas, mas constituir uma linha orientadora das discussões de todos os outros temas. O tema 6 dos PCN+ – origem e evolução da vida – contempla especificamente esse assunto, mas é importante assinalar que esse tema deve ser enfocado dentro de outros conteúdos, como a diversidade biológica ou o estudo sobre a identidade e a classificação dos seres vivos, por exemplo. A presença do tema origem e evolução da vida ao longo de diferentes conteúdos não representa a diluição do tema evolução, mas sim a sua articulação com outros assuntos, como elemento central e unificador no estudo da Biologia. (BRASIL, 2006, p.22).

Na apresentação do tema estruturador ‘origem e evolução da vida’, os PCN+ destacam que nele [...] são tratados temas dos mais instigantes para o ser humano, que, desde sempre, tem procurado compreender as origens da vida, da Terra, do Universo e dele próprio. São conteúdos com grande significado científico e, sobretudo, filosófico, pois abrangem questões polêmicas, envolvendo várias interpretações sobre a história da vida, como, por exemplo, a de que seu surgimento foi decorrência de um acidente, ou, de modo oposto, de um projeto inscrito na constituição da própria matéria. Nessa medida, permitem aos alunos confrontar diferentes explicações sobre o assunto, de natureza científica, religiosa ou mitológica, elaboradas em diferentes épocas. No desenvolvimento desse tema, ainda, os alunos têm oportunidade para perceber a transitoriedade dos

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conhecimentos científicos, posicionar-se em relação a questões polêmicas e dimensionar processos vitais em diferentes escalas de tempo, além de se familiarizarem com os mecanismos básicos que propiciam a evolução da vida e do ser humano em particular. Com isso, podem perceber a singularidade do processo evolutivo em que fatores culturais interagem com os biológicos, e as intervenções humanas apoiadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico alteram o curso desse processo. (BRASIL, 2004, p.50).

Os PCN+ propõem que esse tema comece a ser estudado com início na análise das hipóteses sobre a origem da vida e a vida primitiva, sugerindo “identificar diferentes explicações sobre a origem do Universo, da Terra e dos seres vivos, confrontando concepções religiosas, mitológicas e científicas, elaboradas em diferentes momentos” (grifo nosso) (BRASIL, 2004, p.50) Entendemos como inovadora a proposta de se confrontar concepções de natureza científica com algumas de natureza não científica acerca das origens do Universo, do Planeta e da vida. Esse termo confrontando, destacado na citação anterior, pode ser entendido sob dois aspectos: de forma pejorativa/negativa, como que se comparando cada explicação a fim de se chegar à conclusão de que as explicações científicas seriam melhores do que as demais concepções, ou de forma construtiva/positiva, apresentando aos alunos as diversas explicações acerca do mesmo fenômeno; sendo esse, acreditamos, o real sentido da sugestão dos PCN+. Dessa forma, a proposta seria a promoção de um fértil debate com origem no objetivo de se identificar as principais características de cada discurso, principalmente na busca do desenvolvimento nos alunos da capacidade de diferenciação entre a natureza do conhecimento científico e outras formas de pensar e conhecer o mundo que nos cerca. Consoante com essa interpretação, podemos encontrar nas propostas de estratégias dos PCN + para abordagem dos assuntos dos eixos temáticos, os debates, que seriam Uma estratégia que desperta grande interesse nos alunos [...] que envolve uma pesquisa, individual ou em grupos, sobre um tema, e o debate em sala de aula das conclusões a que chegaram os diferentes grupos. Um tema adequado para esse tipo de abordagem é a “Origem e Evolução da Vida”. Os alunos seriam estimulados a pesquisar textos diversos sobre a origem da vida, com explicações científicas atuais; explicações científicas do século 19; lendas indígenas, lendas da cultura oriental, textos

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extraídos da mitologia grega ou da Bíblia. Após a seleção dos textos, seria organizado um fórum de discussão para estabelecer distinção entre as concepções científicas e não-científicas e um debate em que parte dos alunos, baseados em argumentos construídos cientificamente, defenderia o acaso no surgimento da vida, e a outra parte defenderia a existência de um projeto orientando o seu aparecimento. (BRASIL, 2004, p.57).

Baseado nessas orientações, ao tratar da origem dos seres vivos, realizamos, quando professor da rede pública estadual, uma atividade de debate conhecida por ‘júri simulado’, em uma turma de segundo ano do ensino médio do turno vespertino, composto por adolescentes dentro da faixa etária esperada para essa série. Essa atividade teve como principal objetivo a discussão crítica e fundamentada das diversas explicações acerca do assunto abordado, com a finalidade de se entender a diferença epistemológica de cada uma delas e diferenciar aquelas que tratam de origem das que cuidam da evolução dos seres vivos. A atividade foi motivada pela confusão percebida nos estudantes da turma retrocitada, que afirmavam categoricamente serem incompatíveis suas explicações acerca da origem dos seres vivos, de natureza religiosa, com as teorias acerca da evolução dos seres vivos, identificadas como ‘darwinistas’. Inicialmente, a fim de questionar suas certezas e desmistificar essa incompatibilidade, escrevemos na lousa o Quadro 1 apresentado anteriormente. Como já ressaltamos, apesar de reconhecermos a simplificação apresentada no quadro das questões envolvidas no debate, constatamos que essa sistematização facilitou o entendimento dos estudantes de que não há, a priori, ou ao menos não deveria haver, conflito entre o criacionismo e o evolucionismo, por serem explicações de natureza diferentes a fenômenos distintos. A ideia que se opõe à da modificação dos seres vivos ao longo do tempo, o evolucionismo da moderna síntese, é a de que as espécies são imutáveis ao longo das gerações: o fixismo. Baseado em Freire-Maia (1986), é possível afirmar que nenhuma doutrina atual, inteligente e séria, negue as evidências de que espécies diferentes das contemporâneas surgiram e desapareceram ao longo do tempo. Para a Ciência, a evolução biológica é um fato. Situação diferente diz respeito às explicações acerca da origem dos seres vivos. A Ciência tem uma explicação, baseada na sua concepção naturalística de mundo, acerca desse fenômeno, mas não é a única. Os estudantes (como também nós, professores) trazem consigo para a sala

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de aula outras explicações, de variadas naturezas (religiosas, folclóricas, do senso comum etc.), que, não sendo marginalizadas, podem fomentar um rico debate em sala. Como tentativa de esclarecer a riqueza cultural dessas explicações foi que a atividade de ‘júri simulado’, que relataremos a seguir, foi desenvolvida. 5. Do relato da experiência didática: dinâmica do júri simulado Como dito anteriormente, a atividade foi realizada em uma turma de segundo ano do ensino médio, do turno da tarde, de uma escola estadual, situada em Fortaleza, capital do Estado do Ceará. Respeitando, entretanto, as características de faixa etária e desenvolvimento cognitivo e intelectual, acreditamos que ela possa ser reproduzida também em turmas de 7º ano de ensino fundamental, em que, tradicionalmente, os assuntos origem e evolução da vida começam a ser ensinados. O principal objetivo da atividade foi proporcionar um rico debate sobre as ideias científicas e não científicas acerca da origem dos seres vivos, a fim de exercitar a capacidade de argumentação e o respeito às variadas opiniões quando da discussão de um assunto controverso. Contou com 6 horas/aula (h/a) ao todo, divididas em três encontros de mesma carga horária (2 h/a). Com suporte na sugestão encontrada nos PCN+, foi proposta para a turma a realização de um debate no estilo de um “júri simulado”, que consiste na simulação de um ambiente de tribunal de júri, cujo réu seria alguém (um cientista ou um personagem da história) ou algo (um fato ou uma teoria, por exemplo). O julgamento simulado nessa experiência se baseou na seguinte pergunta desencadeadora: Qual a melhor explicação para o fenômeno da origem dos seres vivos: a científica ou a religiosa? A pergunta desencadeadora é claramente tendenciosa e esse aspecto foi proposital, pois um dos objetivos dessa prática foi justamente o de provocar o confronto de variadas explicações acerca do fenômeno – origem dos seres vivos – a fim de evidenciar as diferenças ontológicas e epistemológicas dessas explicações, para que os estudantes pudessem compreender e se posicionar criticamente em relação ao aceite ou não de tais explicações. Na primeira aula (2 h/a), as etapas da atividade foram esclarecidas para os estudantes, que posteriormente foram divididos em três grupos: dois menores (de cinco a sete componentes) de advogados das distintas explicações: um responsável pela explicação científica e o outro pela não

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científica (religiosa), e um grupo maior (restante da turma) para compor o corpo de jurados. Após o primeiro momento, textos complementares ao conteúdo do livro didático foram entregues a cada grupo, para que os estudantes pudessem aprofundar seus conhecimentos acerca de cada explicação dada ao fenômeno, a fim de subsidiar as discussões da aula seguinte.

Figura 1: Organização da sala de aula durante a atividade de ‘júri simulado’.

Na aula seguinte (2h/a), a sala foi reorganizada como indicado na Figura 1, de forma a simular um tribunal de júri. Como professor, assumimos a figura de juiz do processo, não com a função de apresentar o veredicto (responsabilidade que coube à maioria da turma que compunha o corpo de jurados), mas para organizar o debate e não permitir o uso de argumentos não fundamentados, apelos emocionais e proselitismo religioso. O júri simulado ocorreu em etapas que foram denominadas de ‘rodadas’. Ao corpo de jurados foi solicitado que registrassem sinteticamente os argumentos expostos nas rodadas para fundamentar as discussões que ocorreriam na terceira e última aula da atividade. Na primeira rodada, com apoio em questões elaboradas pelo professor, cada grupo de advogados se manifestava, respondendo de acordo com sua vertente explicativa. Na segunda rodada, cada grupo de advogados tinha o direito de fazer duas perguntas para o outro grupo, com direito a réplica dos que haviam feito a pergunta. Na terceira rodada, os jurados puderam fazer duas perguntas para cada grupo de advogados, sem direito a réplica, nem da parte dos jurados nem da parte

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dos advogados, a quem a pergunta não foi dirigida. E, na última rodada, cada grupo de advogados teve dez minutos para fazer sua preleção final acerca das explicações que defendia. A aula terminava com o professor solicitando a todos do corpo de jurados, que registraram o que havia sido dito durante as rodadas, que elaborassem resumos sintéticos dos argumentos expostos, para fundamentar o veredicto que seria apresentado na aula seguinte. Na terceira aula (2h/a), última da sequência da atividade, a sala é reorganizada com as cadeiras formando um grande círculo, no qual todos os participantes, estudantes e professor, podiam se ver. A aula começou com um representante do corpo de jurados apresentando o veredicto; ou seja, a resposta da pergunta desencadeadora da atividade: Qual a melhor explicação para o fenômeno da origem dos seres vivos: a científica ou a religiosa? Os estudantes chegaram ao veredicto de que nenhuma das explicações era melhor do que a outra, de que não havia como comparálas, já que a explicação científica era baseada em hipóteses que poderiam ser questionadas, testadas e experimentadas e que só seriam aceitas se fosse verificada sua plausibilidade. Já a explicação religiosa era baseada em crença e fé, não poderia ser testada, sequer era admitida por suas lideranças que fosse questionada, visto que era fundamentada nos dogmas da instituição que a pregava. Esse veredicto, entretanto, não foi unânime entre os estudantes, o que provocou logo em seguida ao seu anúncio um acalorado, mas respeitoso, debate, com o qual a atividade se encerrou. 6. Considerações finais Com base no que apresentamos nesse texto, é possível verificar a escassez de pesquisas acerca de problemáticas relacionadas ao ensino de ‘Origem da Vida’. Vieyra e Souza-Barros (2000, p. 72) apontam que muitas perguntas a respeito da origem dos seres vivos “só agora começam a ser respondidas”. Sendo assim, como abordar, no âmbito da pesquisa acadêmica em ensino de Ciências e Biologia, questões que ainda não encontram consenso no plano da pesquisa biológica? Apesar dessa situação possivelmente tornar ainda mais complexa a tarefa de investigar o ensino de assuntos ligados à origem da vida, insisto na importância da comunidade de pesquisadores em ensino de Ciências e Biologia dar mais atenção a esse tema.

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Como ainda são poucas investigações abordando problemáticas relacionadas ao ensino de ‘Origem da Vida’, estão pendentes inúmeras questões importantes, como a presença desse assunto na formação dos professores de Biologia; como o assunto poderia ser mais bem abordado nas aulas do ensino fundamental, médio e superior; que metodologias facilitariam o ensino-aprendizagem desse conteúdo para variados níveis de ensino; quais outros recursos didáticos, além do livro didático, poderiam ser utilizados na abordagem desse assunto; e como ele poderia ser mais bem apresentado pelos livros didáticos do ensino fundamental, médio e superior; como esses conceitos se formam nos estudantes e professores e quais relações estabelecem com conhecimentos de outras naturezas que esses sujeitos possuem; de que forma os espaços não formais de ensino poderiam ser utilizados na abordagem desse assunto, dentre inúmeras outras problemáticas. Ou seja, são muitas questões que precisarão ser adequadamente investigadas pela comunidade interessada no ensino de Biologia, pesquisadores e professores. Já defendeu o grande mestre brasileiro Paulo Freire a ideia de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p.52). Se é nesse sentido que muitos pesquisadores de ensino de Ciências entendem que deve ser a educação científica no âmbito dos conhecimentos específicos, foi nessa perspectiva construtivista do conhecimento que nos baseamos para propor e executar a atividade de júri simulado que relatamos nas páginas anteriores, visto termos identificado, na revisão das pesquisas que abordam o tema, que as questões religiosas envolvidas no ensino de origem da vida são o principal, não o único nó que torna esse contexto tão complexo. O estímulo à leitura de textos, além do livro didático, à pesquisa em fontes diversas e à produção de argumentos para a apresentação em público, possibilitou o desenvolvimento de competências e habilidades exigidas no exercício pleno da cidadania. A participação ativa dos estudantes em todas as etapas da experiência didática relatada resultou em rica aprendizagem não somente dos conteúdos específicos relacionados, como também de atitudes que procuramos privilegiar, como: trabalhar em equipe; saber ouvir e compreender os argumentos dos interlocutores; como também aprender a apresentar argumentos de forma coerente e clara.

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Entendemos que o principal ganho dessa experiência foi a importante constatação, por parte dos estudantes, das relações (não necessariamente conflituosas) entre as distintas explicações acerca da origem dos seres vivos, algo de que certamente não conseguiríamos convencê-los com metodologias em que eles não pudessem vivenciar essas questões e refletir a respeito delas; e da possibilidade de aplicação dessa mesma perspectiva na análise de outros temas controversos, como: a descriminalização do aborto, a liberação do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, o uso indevido de drogas lícitas e ilícitas, a evolução dos seres vivos, o uso e o consumo de organismos geneticamente modificados (os OGM ou transgênicos), entre outros. Quanto às questões levantadas pelo assunto em pauta, o corpo de jurados chegou ao veredicto de que ambas as explicações (evolucionista/ científica e criacionista/religiosa) são legítimas, pois provêm de leituras diversificadas da natureza. Esse resultado foi importante, pois, mesmo tendo havido apenas uma breve discussão prévia acerca da natureza do conhecimento científico e do saber religioso, eles chegaram à conclusão de que são ‘explicações diferentes, portanto uma não tem nada a ver com a outra’, em suas palavras. A constituição da ideia de compatibilidade entre o conhecimento científico e os saberes não científicos (principalmente os de origem religiosa) foi significativa, por ter sido uma conclusão a que os estudantes chegaram por terem tido a oportunidade de colocar ideias em arena e discuti-las na dinâmica do ‘júri simulado’. Dessa forma, entendemos que o debate em sala de aula é uma metodologia que poderia ser mais valorizada nas aulas de Biologia, pois oferece um momento pedagógico importante de rica troca de informações e significados entre os estudantes, que, motivados em poder argumentar e discutir, entre si, ideias que eles defendem ou das quais discordam, produzem conhecimentos que contribuirão para constituir sua visão de mundo. Estimulamos para que toda a atividade fosse caracterizada pelo respeito ao momento do outro falar e, principalmente, para com as ideias e argumentos defendidos. Muitos estudantes perceberam e chamaram atenção, na avaliação final, para a necessidade de realmente ouvir e entender o raciocínio dos seus interlocutores de forma não apenas a poder contra argumentar, mas também para acolher verdadeiramente as ideias dos outros.

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7. Referência dos documentos analisados na revisão ARAUJO, E.S.N.N.; CALDEIRA, A.M.A.; CALUZI, J. J.; CARVALHO, G.S. Concepções criacionistas e evolucionistas de professores em formação e em exercício. Atas do VII ENPEC. Florianópolis: ABRAPEC, 2009. BARCELOS, N.N.S. O ensino de “História ecológica da Terra”: Um desafio para os professores de Biologia. Atas do VII EPEB e I SLIOSTE. São Paulo: FEUSP, 2000. CARDOZO, S.A. De onde viemos? Atas do V EPEB. São Paulo: FEUSP, 1994. MACHADO, M.F. Análise dos conceitos sobre Origem da Vida nos livros didáticos do ensino médio, na disciplina de Biologia, de escolas públicas gaúchas. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Porto Alegre: 2008. MADEIRA, A.P.L. Fé e Evolução: A influência de crenças religiosas sobre a criação do homem na aprendizagem da teoria da evolução com alunos do 3º ano do ensino médio. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo: 2007. MARTINS, E.G.; FONSECA, L.C.S. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Religião e Ciência encontram-se nas aulas de Ciências na escola pública. Atas do X EPEB. São Paulo: FEUSP, 2006. NICOLINI, L.B. Origem da Vida: Como os licenciandos em Ciências Biológicas lidam com este tema? Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde). Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro: 2006. PORTO, P.R.A.; CERQUEIRA, A.V.; FALCÃO, E.B.M. As concepções científicas e religiosas de estudantes da 1ª série do ensino médio acerca da origem dos seres vivos e dos seres humanos. Atas do VI ENPEC. Florianópolis: ABRAPEC, 2007. SANTOS, A.G.; FALCÃO, E.B.M. Ciência e crenças religiosas: Desafios da formação científica. Atas do V ENPEC. Bauru: ABRAPEC, 2005. SANTOS, A.G. Religião, Ciência e Mundo Social: Aspectos de uma dinâmica de aprendizagem em uma escola pública do ensino médio. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde). Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro: 2008. SANTOS, A.G.; VALENÇA, C.R.; SOUSA, J.C.F.; FALCÃO, E.B.M. Visão de mundo e conhecimento científico: O ponto de vista dos estudantes para origem e evolução da vida. Atas do VII ENPEC. Florianópolis: ABRAPEC, 2009. SANTOS, C.H.V.; KLEIN, T.A.S. História e a Epistemologia da Ciência no ensino médio: Aplicação do conteúdo “A Origem da Vida”. Atas do III ENEBIO, IV EREBIO-NE e V CIECE. Fortaleza: UFC, 2010. SANTOS, C.H.V. História e Filosofia da Ciência nos livros didáticos de Biologia do ensino médio: Análise do conteúdo sobre Origem da Vida. Dissertação (Mestrado em

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FORMAÇÃO DO PROFESSOR E O ENSINO DE CIÊNCIAS: INVESTIGAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DA CONTEXTUALIZAÇÃO E EXPERIÊNCIAS DIDÁTICAS NA ÁREA DE BIOLOGIA Fabrício Bonfim Sudério Cristiana de Paula Santos Rafael Bezerra e Silva

1. Introdução As transformações ocorridas na sociedade nas últimas décadas impõem à área de educação em geral, e à de ensino de Ciências em particular, a necessidade de reformular constantemente seus pressupostos (PIERSON; NEVES, 2001). No que diz respeito ao ensino de Biologia, é fato que a Ciência e a Tecnologia se fazem presentes em todos os setores da vida contemporânea e estão causando profundas transformações econômicas, sociais e culturais. Com efeito, a Biologia ocupa posição de destaque na História da Ciência. Há uma grande quantidade de informações advindas das descobertas científicas mais recentes e temas polêmicos que passam a ser discutidos dentro e fora da escola (PEDRANCINI et al., 2007). A maioria das escolas, no entanto, ainda adotando um modelo de educação pouco eficiente, não tem conseguido acompanhar e se adequar à evolução das pesquisas. A metodologia adotada no ensino de Ciências ainda é centrada no professor, com a maioria das aulas expositivas, com alguns experimentos geralmente demonstrativos, conduzindo mais à memorização do que ao desenvolvimento do raciocínio lógico e formal. Não se observa o aguçamento da curiosidade nem o despertar para o conhecimento (GIASSI; MORAES, 2008). Apesar do grande debate acerca de temas relacionados ao ensino de Biologia, pesquisas sobre a formação de conceitos demonstram que estudantes da etapa final da educação básica apresentam dificuldades na elaboração do pensamento biológico (PEDRANCINI et al., 2007). Para Pedrancini et al. (2007), parece evidente que o modo como o ensino é organizado e conduzido está sendo pouco eficaz em promover o desenvolvimento conceitual. Portanto, é importante que a escola aborde a Ciência de forma sistêmica, transdisciplinar e contextualizada, promovendo uma educação que possibilite aos cidadãos a apropriação de conhecimentos com base nos quais possam tomar decisões conscientes e esclarecidas.

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Do exposto, é consenso o fato de que um dos principais fatores que merecem destaque em busca da melhoria da qualidade do ensino de Biologia nas escolas é a formação dos professores, seja ela por meio da capacitação – para os que já exercem a profissão – ou por adequação dos cursos de licenciatura no que diz respeito à formação dos licenciandos, criando mecanismos para que esses profissionais tenham a capacidade de abordar os conteúdos de forma contextualizada. Por todas essas questões, neste trabalho realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre as questões relacionadas à formação do professor de Biologia e à contextualização no ensino de Biologia, com os objetivos de: 1) expor os principais motivos que podem ser responsáveis pela má formação dos professores de Biologia; 2) mostrar opções para a melhoria do processo de formação do professor de Biologia; 3) fazer um levantamento acerca do ensino contextualizado de Biologia, dando ênfase à dificuldade na abordagem dos avanços científicos e biotecnológicos por parte dos professores; e 4) dar exemplos de como alguns temas de Biologia podem ser abordados de forma contextualizada. 2. Formação do professor de Biologia Dentre as várias dificuldades enfrentadas na educação atual, a formação de professores talvez seja o maior desafio a ser superado. Fazendo uma análise da formação inicial, Harres et al. (2005) consideram a universidade o local onde a formação deve ser objeto de contínua reflexão e melhoria. As deficiências de aprendizagem, entretanto, o ensino livresco, a avaliação mecânica e a desvinculação teoria-prática são problemas atualmente reconhecidos no ensino superior, sobretudo nas licenciaturas. Estes refletem na atuação do profissional docente na escola, contrapondo-se aos reclamos de uma atuação inovadora e significativa, haja vista que a sua vivência como estudante foi didaticamente inadequada. Harres e Pizzato (2007) acreditam que a necessidade de aperfeiçoar os processos de ensino-aprendizagem defronta-se, além de outras dificuldades, com o fato de as práticas docentes resistirem às mudanças que a investigação educativa e as reformas legais e administrativas tentam pôr em prática. Para os autores, a formação inicial deve propiciar reflexões, ambientes e vivências que potencializem a formação do profissional docente. É muito importante que a universidade possa oferecer todas as condições possíveis para que os futuros professores experimentem e testem ideias e propostas, reforçando seus posicionamentos inovadores, ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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evitando-se, assim, que, ao final da licenciatura, o único referencial prático (ainda que implícito) seja o ensino transmissivo (HARRES; PIZZATO, 2007). O educador em Ciências é historicamente exposto a uma série de desafios, os quais incluem acompanhar as descobertas científicas e tecnológicas, constantemente manipuladas e inseridas no cotidiano. Diante de tais desafios, o professor tem como função tornar os avanços e teorias científicas aceitáveis de bom grado por alunos dos ensinos fundamental e médio, disponibilizando-as de forma acessível. Isto requer profundo conhecimento teórico e metodológico, bem como dedicação para se manter atualizado no desempenho de sua profissão. Para muitos educadores, os desafios são agravados não só em razão do surgimento de novas tecnologias, mas também em virtude da rapidez com que os conceitos se ampliam. Por conta disso, a formação do professor pode ser considerada “obsoleta” poucos anos após a conclusão do curso de graduação (LIMA; VASCONCELOS, 2006). A atualização dos professores depende, ainda, de constante interação de pesquisadores e professores por meio de cursos de atualização que dependem do interesse das escolas e do oferecimento das informações pelas instituições de pesquisa (SILVA, 2008). Para Kinoshita et al. (2006), os resultados de pesquisas acadêmicas dificilmente chegam à população e, principalmente, às escolas. A constituição do pensamento científico por parte do aluno, muitas vezes, é comprometida em razão da dificuldade do professor em fazer uma abordagem contextualizada e interdisciplinar. Para Pierson e Neves (2001), a formação de professores capazes de superar uma visão fragmentada do conhecimento e elaborar projetos de ensino contextualizados e interdisciplinares assume papel estratégico em vista do compromisso destes profissionais com estabelecimento da cidadania e com o preparo para o posicionamento e atuação consciente do cidadão ante os novos problemas que se delineiam. Galiazzi e Moraes (2002) argumentam em favor do educar pela pesquisa como modo, espaço e tempo de qualificação dos cursos de formação de professores. O elemento central desta tese é a ideia de que a qualidade da formação inicial pode ser melhorada com a integração do ensino à pesquisa. O ensino de Biologia requer uma relação constante entre a teoria e a prática, entre conhecimento científico e o senso comum. Tais articulações são de enorme importância, uma vez que esta disciplina se encontra subentendida como uma ciência experimental, de 98

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comprovação científica, articulada a pressupostos teóricos, e, assim, a ideia da realização de experimentos é difundida como grande estratégia didática para seu ensino e aprendizagem (KOVALICZN, 1999). Para Lima e Vasconcelos (2006), a superação das dificuldades enfrentadas na educação brasileira sustenta-se sobre dois alicerces: uma graduação solidamente fincada na constituição de habilidades e competências, e uma oferta de formação permanente/contínua aos graduados, aumentando o contato das instituições de ensino básico com universidades e centros de pesquisa, estabelecendo laços de pesquisa/ conhecimento de interesse comum. Um dos pontos negativos relacionados à má formação do professor é a falta de valorização da profissionalização docente pelos próprios admitidos aos cursos de licenciatura plena. É fato que a finalidade dos cursos de licenciatura plena é a formação de professores. Muitas vezes, no entanto, a procura por esses cursos parece não refletir a compreensão dessa finalidade. Em recente estudo, realizado no Curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC) - Universidade Estadual do Ceará (UECE), Araújo (2011) verificou alto índice de intenção dos alunos em atuar em diversas áreas, menos no magistério. Dentre os entrevistados dos últimos semestres, apenas 23% relataram identificar-se como futuro profissional do magistério. Tal constatação pode estar relacionada à organização curricular, em que se verifica o privilégio da racionalidade técnica, e à ideia de que ser bacharel – pesquisador – parece ser mais nobre. Por todos esses fatores, está claro que há a necessidade de melhoria no modelo de formação de professores. Para isso, vários projetos devem estar voltados para esta finalidade. Projetos que estimulem a contextualização do ensino pelo profissional docente, que possam proporcionar aos licenciandos o contato direto com os fazeres característicos do trabalho docente no cotidiano escolar e que fortaleçam a formação dos futuros professores e a melhoria da qualidade do ensino nas escolas, fazendo com que os alunos se tornem cidadãos conscientes, não alheios às rápidas mudanças científicas e biotecnológicas que ocorrem constantemente. 3. Abordagem contextualizada dos conteúdos de Biologia no Ensino Médio A contextualização é um meio pelo qual se busca um novo sentido ao conhecimento escolar, permitindo uma aprendizagem significativa. ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA

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Ela foi recomendada com o intuito de facilitar o processo de ensinoaprendizagem, contribuindo como meio de valorização das experiências prévias do educando e consequente compreensão dos conceitos (BRASIL, 1999). No que se refere especificamente à disciplina Biologia, os Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Médio (PCNEM) destacam a importância da contextualização para o ensino dessa disciplina quando assinalam que [...]o ponto de partida para a construção do conhecimento é considerar a experiência do aluno, o contexto onde ele está inserido e onde ele vai atuar como um trabalhador cidadão ativo de sua comunidade (BRASIL, 1999).

Em razão das transformações sociais propiciadas pela evolução do conhecimento científico, a Tecnologia tornou-se parte indissociável do fazer humano, constituindo-se de grande relevância, também, nas relações sociais, políticas e econômicas de grande parte da população mundial. Os sujeitos agem e interagem das várias formas possíveis, utilizando-se dos instrumentos tecnológicos produzidos com origem no conhecimento científico que foi constituído no contexto das relações entre os homens e destes com a natureza, respeitadas as características históricas de cada época (OLIVEIRA et al., 2007). Como nos últimos anos registrou-se um rápido progresso científico, houve uma dificuldade natural, por parte dos cursos relacionados à área de Ciências, em manter atualizado o processo de ensino, dificultando a sua contextualização. Desde o advento da tecnologia do DNA recombinante e das possibilidades criadas pela Engenharia Genética, por exemplo, houve um interesse maior pela Genética. Para Razera e Nardi (2007), no entanto, há uma supervalorização dos seus aspectos positivos em detrimento das questões éticas, morais e de riscos, as quais geralmente têm pouco destaque. Apesar da importância da contextualização em aulas de Biologia, nas escolas públicas brasileiras ainda não é visto o uso da contextualização de forma satisfatória. Muitos professores apresentam dificuldades em contextualizar, seja por questões intelectuais ou ambientais (MATIAS et al., 2010). Em decorrência da importância e das dificuldades da abordagem contextualizada no ensino de Biologia, é importante que se conheça como alguns temas de Biologia podem ser abordados de modo mais eficiente. 100 |

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Um dos temas que pode ser abordado contextualmente em aulas de Biologia do ensino médio é o Aquecimento Global. Procurando contribuir para a compreensão dos atuais problemas ambientais, Milazzo e Carvalho (2008) analisaram em seu trabalho como o Aquecimento Global e a Teoria Gaia estão associados e propuseram a utilização destes dois assuntos como parte integrante do processo de ensino de Ciências. A Teoria Gaia propõe um sistema cibernético que mantém o ambiente físico-químico da Terra sempre em ótimas condições para a existência de vida no Planeta. Segundo os autores, um dos principais causadores do desequilíbrio desse sistema é o homem. Como consequências desse desequilíbrio, estão acontecendo fenômenos fora da normalidade em todo o Planeta, e um desses fenômenos é o Aquecimento Global. Portanto, esses assuntos e suas ideias centrais, se transmitidas de forma correta e bem estruturada, podem fazer com que os alunos compreendam melhor o sistema terrestre, e, assim, entendam o que está acontecendo com todo a terra (MILAZZO; CARVALHO, 2008). O tema Células-Tronco é outro exemplo de abordagem contextualizada no ensino de Biologia. Com o objetivo de promover uma aprendizagem integradora, significativa e contextualizada, assinada em conteúdos que envolvem novas tecnologias em Biologia, Marcon e Stange (2008) desenvolveram alguns dos conteúdos da 1ª série do Ensino Médio, utilizando-se de um material didático elaborado com suporte na contextualização do tema em foco. Camargo et al. (2007) avaliaram as principais dificuldades dos professores, tanto de ensino médio como de ensino superior, no entendimento e interligação de conceitos básicos de Biologia Molecular. Além disso, avaliaram de que maneira tópicos relacionados a este tema, como Engenharia Genética, alimentos transgênicos e projetos-genoma estão sendo abordados. Os autores tiveram como finalidade promover uma discussão inicial sobre a formação de professores que ministram conteúdos desta área. Os autores verificaram que os professores de Biologia do ensino médio que participaram da pesquisa desconhecem vários conceitos e técnicas empregadas e apresentam uma visão de Biologia Molecular muito mais morfológica do que funcional. Este fato se verifica pela ênfase muito maior para o conhecimento das estruturas que compõem a célula do que para os processos com os quais estas estruturas estão envolvidas. Verificaram também que os professores de ensino superior avaliados se assemelharam, em vários aspectos, aos

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professores de Ensino Médio, com algumas exceções, tais como: o fato de terem concluído o curso de graduação há mais tempo, por terem realizado um ou mais cursos de pós-graduação, por conhecerem mais conceitos relacionados à Biologia Molecular e por apresentarem uma visão menos morfológica do que os primeiros. Apesar disso, conhecem pouco sobre as técnicas empregadas nesta área, o que pode dificultar, tanto a contextualização, como a oferta de um ambiente propício à reflexão e à discussão que tais assuntos podem proporcionar. Em trabalho que Rodrigues e Scheid (2008) realizaram, foi feita uma identificação de como o professor de Biologia do Ensino Médio aborda o assunto de Orientação Sexual com os adolescentes e como esse profissional trabalha geralmente sozinho um tema que é dever de toda a escola. Os resultados obtidos no trabalho demonstraram que os professores de Biologia pesquisados reconhecem a importância de seu papel na orientação sexual dos adolescentes, mas o tempo que dispensam a esse tema é muito pequeno. Muitos falam sobre sexo, acerca de anticoncepção, a respeito de DST, quando trabalham a anatomia dos órgãos reprodutores, como se sexualidade estivesse relacionada apenas à reprodução. Os autores enfatizam que não se pode esquecer de que a obrigação da escola com a sociedade é trabalhar a sexualidade de forma ampla, envolvendo todos os docentes e pessoas ligadas à educação, inclusive os pais, não delegando apenas ao professor de Biologia essa responsabilidade (RODRIGUES; SCHEID, 2008). De acordo com Silva (2008), são frequentes os textos que consideram a grande dificuldade no processo de ensino e aprendizagem de Botânica, ensejando pouco interesse e baixo rendimento. Segundo a autora, é possível dizer que duas situações contribuem para essa afirmação. Uma é a falta de atualização do professor em relação ao conhecimento botânico, cada vez mais específico. A outra diz respeito à questão metodológica como central no processo de ensino e aprendizagem de Botânica, dificultando o entendimento (SILVA, 2008). Enfatizando a falta de interesse de grande parte de alunos pelas aulas de Botânica, Salatino (2001) ressalta a importância das plantas no que diz respeito a vários aspectos, como o resgate de carbono da atmosfera, as alterações climáticas, a proteção dos rios e nascentes, dentre outros. Para o autor, esses aspectos devem servir de justificativa para recuperar a motivação para o estudo dos vegetais e para a diminuição do distanciamento entre o homem e o ambiente natural.

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Outro fator responsável pela falta de estímulo nas aulas de botânica são as imagens trazidas pelos livros didáticos brasileiros. Há uma presença marcante de paisagens e espécies estrangeiras, substituindo aquelas características do Brasil, ou seja, mais próximas da realidade dos alunos. Os autores acreditam que as imagens devem ser utilizadas em momentos adequados ao contexto trabalhado, considerando-se o próprio conteúdo (PINHEIRO DA SILVA; CAVASSAN, 2005). Apesar da importância de se abordar assuntos científicos relacionados à Biologia e que são comuns no cotidiano dos alunos, por meio das mais variadas fontes, é fato que há uma dificuldade por parte dos professores da disciplina de apresentar os conteúdos de forma contextualizada. 4. Abordagem contextualizada de temas biológicos e relatos de experiências didáticas Após a publicação dos PCN, a tarefa dos professores e da escola passou a envolver outras dimensões, as quais dizem respeito ao desenvolvimento de competências, habilidades, valores e atitudes. Com isso, para que o ensino de Biologia se torne significativo na aprendizagem dos estudantes, é necessário criar conexões com o cotidiano. Uma prática que pode facilmente ser adotada no ensino contextualizado de temas biológicos atuais é o uso de textos de divulgação científica dentro do ambiente escolar. Martins et al. (2004) descreveram uma situação concreta de sala de aula, na qual diferentes tipos de textos sobre clonagem (jornalístico, divulgação e didático) foram utilizados para fins didáticos. Com base na análise da transcrição da aula, os autores demonstraram como textos de divulgação podem funcionar como elementos motivadores ou estruturadores da aula; organizadores de explicações; desencadeadores de debate; e contextos para a aquisição de novas práticas de leitura, estabelecendo relações com o cotidiano dos alunos, ampliando seu universo discursivo e permitindo ressaltar aspectos da natureza da prática científica. O trabalho em questão destaca as reelaborações discursivas realizadas pela professora, tais como: adaptações de textos originais na preparação de escritos para uso em aula, mais curtos e de caráter geral; a introdução de atividades de leitura (livre e dirigida); e a utilização conjunta com textos didáticos. Ressaltando a importância da utilização de textos científicos no auxílio à aprendizagem de conceitos comuns nas Ciências, no incentivo

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à leitura e na introdução de novas linguagens e formas de estudo, Macedo et al. (2012a) pesquisaram textos científicos e utilizaram nas aulas de Biologia das turmas de 1o ano da Escola Estadual de Educação Profissional Manoel Mano (EEEPMM), em Crateús-Ce. Tal atividade foi desenvolvida em forma de grupos de estudo, distribuindo-se os artigos de temas relacionados à Biologia. O estudo e a socialização dos textos se deram com o acompanhamento e a intervenção dos bolsistas do subprojeto PIBID/Biologia/FAEC-UECE e, posteriormente, os textos lidos e interpretados por parte de cada grupo foram apresentados em sala de aula com a presença do professor. Esta atividade promoveu um aumento significativo da participação dos alunos nas aulas, proporcionando a eles novas linguagens e facilitando a aprendizagem (MACEDO et al., 2012a). A utilização de filmes e documentários nas aulas de Biologia pode ser um eficiente instrumento na prática pedagógica, porque fornece imagens e mensagens relacionadas ao cotidiano do aluno, o qual detém um determinado conhecimento científico, mas de forma bastante fragmentada. A adoção desse método pode promover e incentivar a disseminação do conhecimento e da cultura científica por via da linguagem audiovisual. Fatos importantes da Ciência e da Tecnologia (históricos e atuais) podem ser apresentados de modo claro, atraente e até como forma de entretenimento cultural. Os vídeos podem explorar temas transversais relacionados à Biologia e a outras disciplinas, de modo a facilitar a abordagem de forma contextualizada e interdisciplinar. Na reportagem de uma revista semanal, Nogueira (2011) relata como os filmes educativos e científicos estão conquistando cada vez mais espaço na indústria cinematográfica, podendo ser utilizados como um atrativo nas aulas de Biologia. Segundo o autor, os filmes científicos despertam cada vez mais o interesse de adolescentes e adultos, sendo as reservas naturais e a vida marinha os temas preferidos. A rede de cinemas dos EUA emplacou no Brasil o maior sucesso nesse segmento, o documentário “Fundo do Mar 3D”. Além desse, outras grandes produções se destacam, como: o documentário “Oceanos”, que levou mais de 30 mil espectadores ao cinema; “Hubble”, documentário sobre o ciclo das estrelas e os anéis de Saturno; a produção da Disney “Reino dos felinos”, que mostra detalhes da vida de leões, onças e tigres que vivem no Quênia; e “Born to be wild - 3D”, que relata a história de orangotangos e elefantes órfãos criados por instituições voltadas à preservação dessas espécies (NOGUEIRA, 2011).

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Para Sacerdote (2010), o vídeo educacional, entre outras vantagens, pode favorecer não só o desenvolvimento da percepção artística por meio do uso de imagens, textos, sons, movimentos, cores, cenários além de relações espaciais, como também a interação com as tecnologias. Para a autora, o vídeo educacional permite também que se utilizem códigos e signos da cultura local de cada região, favorecendo a identificação do público com o emissor da mensagem, aumentando as chances de que essa seja compreendida pelo receptor e com isso seja enriquecido o entendimento de aspectos naturais, sociais, políticos e dos valores da sociedade brasileira, conforme determina a LDB. Adotando essa metodologia, Maestrelli e Ferrari (2006) relatam uma experiência didática com o uso do filme “O Óleo de Lorenzo”, uma produção estadunidense de 1992, baseada em fatos reais. O filme retrata a história de Lorenzo Odone, um garoto com adrenoleucodistrofia (ALD), uma rara doença genética que causa dano à bainha de mielina dos neurônios e pode levar à morte em poucos anos. O filme pode ser utilizado em aulas de Genética, Bioquímica ou de outras áreas da Biologia no ensino médio. No referido trabalho, os alunos assistiram ao filme em sala apenas depois de ter discutido em aulas anteriores conceitos básicos de Genética clássica e mecanismos de herança. O trabalho teve como objetivo trabalhar esses conceitos, de modo que o aluno pudesse se mobilizar e formar opinião sobre os vários aspectos envolvidos no diagnóstico de uma doença genética. O repositório do MEC “Bancos Internacionais de Objetos Educacionais” possui opções educacionais de acesso público, nas mais diversas áreas, em vários formatos e para todos os níveis e variadas modalidades de ensino.  Este site (http://objetoseducacionais2.mec. gov.br/handle/mec/3841/browse?type=title) dá acesso a uma lista com vídeos e documentários em diversas áreas da Biologia disponíveis para download. Mediante uma ação denominada “CineBio”, os licenciandos do PIBID/UECE, integrantes do subprojeto da área de Biologia da Faculdade de Educação de Crateús – FAEC, fizeram uma pesquisa acerca dos filmes que podem ser utilizados na abordagem de variados temas em aulas de Biologia, os quais são descritos na Tabela 1.

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Tabela 1: Títulos e resumos de filmes que podem ser abordados em aulas de Biologia. TÍTULO

RESUMO

O curandeiro da selva

Conta a história de um cientista enviado para a  floresta amazônica  em busca de plantas que forneçam princípios ativos para medicamentos. O filme ilustra o potencial da biodiversidade das florestas tropicais em relação à pesquisa de princípios ativos para a fabricação de medicamentos. Também é possível aprender algo sobre o processo de extração de princípios ativos e a síntese de substâncias em laboratório e o impacto da extração madeireira sobre a biodiversidade e sobre as comunidades florestais na Amazônia

Uma verdade inconveniente

Documentário no qual o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, apresenta uma série de fatos e dados sobre as condições climáticas e sobre o aquecimento global. Aborda as causas e as consequências do aquecimento global e excelente para refletir sobre que medidas mundiais podem ser tomadas para contornar essa situação.

Osmose Jones

O filme é uma interessante viagem pelo sistema imunológico humano. Tudo começa quando Frank contrai o que a princípio parece ser um simples resfriado. A partir daí, conhecemos o interior de seu organismo. Os glóbulos brancos são representados por policiais responsáveis pela segurança da cidade, tendo como líder um linfócito chamado Osmose Jones. Jones comanda a luta contra o vírus, que entrou no corpo disfarçado de resfriado para despistar o sistema imunológico. Na verdade trata-se de um novo tipo de vírus, chamado Thrax. O plano de Thrax é se multiplicar rapidamente para, desta forma, ficar conhecido pela Medicina como uma nova e terrível doença.

A ilha

Num futuro próximo, no qual a clonagem humana é possível e permitida, as pessoas podem encomendar clones de si mesmas para o caso de um dia precisarem de um transplante. O filme lembra o que é um clone e como é realizado o processo de clonagem. Também é uma oportunidade para se discutir se a clonagem de humanos é possível, se essa seria uma prática moralmente aceitável e quais as questões éticas que entrariam em jogo nesse caso.

E a banda continua a tocar

Conta a história da descoberta da AIDS  no final da década de 1970. Mostra como, a princípio, a doença era vista como exclusiva das comunidades homossexuais e o preconceito existente contra os portadores. Retrata também a dificuldade dos cientistas em estudar a origem da doença e a relutância das instituições em financiar as pesquisas e em falar sobre o tema. O filme, baseado em fatos reais, é uma boa maneira de aprender sobre a origem da AIDS, bem como para conhecer seus sintomas, formas de transmissão e prevenção. Também pode servir como ponto de partida para debates sobre o preconceito e o impacto deste nas políticas públicas direcionadas à doença.

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Nas montanhas dos gorilas

Relata a história real de uma antropóloga estadunidense que vai para a  África  estudar o comportamento dos gorilas. Lá ela acaba por descobrir que esses primatas estão seriamente ameaçados pela caça ilegal, se tornando uma das maiores defensoras dos gorilas e passando a dedicar sua vida a sua preservação. O filme é uma boa oportunidade para conhecer um pouco da atividade dos pesquisadores de campo e os obstáculos que podem surgir no desenvolvimento de uma pesquisa. Também é excelente para refletir sobre as espécies ameaçadas de extinção e sua conservação. Com base nele, pode-se discutir as medidas conservacionistas atualmente postas em prática em nosso País e daquelas que, em sua opinião, seriam necessárias para a conservação de uma espécie ameaçada de extinção.

A ilha das flores

Este curta narra o percurso de um tomate estragado desde o momento de sua compra em um supermercado até seu destino em um  lixão. No lixão os restos orgânicos servem de comida para um criador de porcos. Após a alimentação dos animais, o proprietário libera a entrada de habitantes da ilha, extremamente pobres, para que estes procurem pelos restos de comida. O filme realiza uma crítica ao consumismo e à geração desigual de renda na sociedade contemporânea. Assistindo ao filme, além de refletir sobre questões como pobreza e desigualdade social, também travamos contato com questões socioambientais, como as diferenças entre o consumismo e o consumo responsável ou consciente.

Homo sapiens 1900

Documentário que mostra a pesquisa sobre a eugenia, ou seja, a seleção e a purificação da raça humana, no início do século XX. O filme narra, principalmente, a busca de um embasamento científico e a utilização de ética. Apesar de abordar as leis de hereditariedade, o filme faz refletir principalmente sobre as questões éticas acerca da eugenia. A purificação racial é algo eticamente aceitável? Além da questão moral, quais seriam os riscos de reduzir a variabilidade genética de uma espécie? Outro ponto importante – como as teorias científicas, tidas como verdadeiras num certo período, podem ser utilizadas para embasar políticas públicas e influenciar o comportamento de uma sociedade.

O óleo de Lorenzo

Um garoto levava uma vida normal até que, quando tinha seis anos, estranhas coisas aconteceram, pois ele passou a ter diversos problemas de ordem mental que foram diagnosticados como ALD, uma doença bastante rara que provoca uma incurável degeneração no cérebro, levando o paciente à morte em no máximo dois anos. Os pais do menino ficam frustrados com o fracasso dos médicos e a falta de medicamento para uma doença desta natureza. Assim, começam a estudar e a pesquisar sozinhos, na esperança de descobrir algo que possa deter o avanço da doença.

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Avatar

Tem seu enredo localizado no ano 2154 e é baseado em um conflito em  Pandora, uma das luas de  Polifemo, um dos três  planetas gasosos fictícios que orbitam o sistema Alpha Centauri. Em Pandora, os colonizadores humanos e os Na'vi, nativos humanoides, entram em guerra pelos recursos do planeta e a continuação da existência da espécie nativa.  O título do filme refere-se aos corpos Na'vihumanoshíbridos, criados por um grupo de  cientistas  através de engenharia genética, para interagir com os nativos de Pandora.

Gattaca – A Experiência Genética

A história do filme é a de dois irmãos, um concebido da maneira natural e o outro manipulado geneticamente. Passado em um tempo futuro, Gattaca mostra uma sociedade em que as corporações se tornaram mais poderosas do que o Estado e em que a manipulação genética criou uma nova espécie de preconceito e hierarquia racial, legitimada pela ciência. Aos pais que desejam ter filhos é dada a oportunidade de manipular a interação dos seus DNAs, de modo que gerem filhos com a melhor combinação possível de qualidades genéticas. Este procedimento cria duas categorias diferentes de pessoas: os Válidos, frutos desta combinação genética planejada, que são quase super-homens, com raras doenças genéticas; e os Inválidos, frutos de nossa interação sexual usual. 

Wall-e

A história segue um robô chamado WALL·E, criado para limpar a Terra coberta por lixo em um futuro distante. Ele se apaixona por um outro robô chamado EVA, e a segue para o espaço em uma aventura que irá mudar seu destino e o destino da humanidade. O filme se passa no ano 2805, com a Terra  sendo um planeta abandonado e coberto por lixo como o resultado de décadas de consumismo em massa, processo facilitado pela megacorporação Buy-n-Large (BnL). Desistindo de restaurar o ecossistema, a BNL evacuou a população da Terra em naves estelares totalmente automatizadas, deixando no planeta um exército de robôs compactadores de lixo chamados "WALL·E" para limpeza durante um período de cinco anos. 

Jurassic Park - Parque dos Dinossauros

Um parque construído por um milionário (Richard Attenborough) tem como habitantes dinossauros diversos, extintos há 65 milhões de anos. Isto é possível por ter sido encontrado um inseto fossilizado, que tinha sugado sangue destes dinossauros, de onde se pôde isolar o DNA, o código químico da vida, e, a partir deste ponto, recriálos em laboratório; mas, o que parecia ser um sonho se torna um pesadelo, quando a experiência sai do controle de seus criadores.

Os meninos do Brasil

O ensandecido médico Joseph Mengele (Gregory Peck), que fez milhares de experiências genéticas com judeus (inclusive crianças), vive no Paraguai e planeja o nascimento do 4º Reich. Para obter tal objetivo, faz 94 clones de Hitler quando ele era um garoto. Isto, porem, não basta, pois diversas variáveis necessitam ser criadas para traçar o perfil psicológico de Hitler; entretanto Ezra Lieberman (Laurence Olivier), um judeu que é um caçador de nazistas, descobre a trama e tenta impedir que tal plano se concretize.

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A gripe aviária

É uma produção francesa que mostra a proliferação da gripe aviária pela Europa, desde os possíveis primeiros contatos do vírus com seres humanos. Carregado de um suspense tenso, o filme retrata os primeiros casos, a incrível velocidade com que pode se espalhar pela facilidade de contaminação, a burocracia das autoridades governamentais e o despreparo do sistema de saúde ante situações de tamanhas proporções.

Extermínio

Após invadirem um laboratório de pesquisas em macacos, um grupo de ativistas encontra chimpanzés presos em gaiolas diante de telas que exibem continuamente cenas de extrema violência. Ignorando os avisos de um cientista que trabalha no local de que os macacos estariam infectados, os ativistas decidem libertá-los. Assim que são soltos, os macacos atacam todos aqueles à sua volta, em verdadeiros ataques ensandecidos. 28 dias após este acontecimento desperta do coma, em um hospital de Londres, Jim (Cillian Murphy). Completamente confuso e estranhando a ausência de pessoas nas ruas, Jim nada sabe sobre o ocorrido e se esconde após encontrar diversos cadáveres e seres monstruosos, infectados pelo vírus disseminado. Após uma explosão, Jim encontra outros sobreviventes, Selena (Naomi Harris) e Mark (Noah Huntley), que o levam a um local seguro e lhe explicam a situação atual. Decidido a reencontrar seus pais, Jim decide partir e é acompanhado pela dupla de novos companheiros. Até que, ao se refugiarem em um prédio, ouvem uma transmissão pelo rádio de que um grupo de soldados comandados pelo major Henry West (Christopher Eccleston) está se reunindo e diz ter a solução para a cura da infecção provocada pelo vírus. Sem alternativa, Jim, Selena e Mark decidem se juntar aos soldados em sua batalha.

Os guardiões da Biosfera

Projeto desenvolvido com o objetivo de levar conhecimento sobre as características da fauna e flora brasileiras, sensibilizando educadores e alunos sobre a importância da preservação ambiental e do respeito à natureza. Cada episódio aborda um dos biomas existentes no Brasil, mostrando suas características e apresentando as principais reservas nacionais. Ao todo, são cinco biomas – Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Floresta Amazônica – reconhecidos e monitorados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Lamento

As imagens do filme foram captadas em 35 anos de trabalho pelo fotógrafo e cineasta Kim-Ir-Sem e compõem o “Lamento”, com a degradação do meio ambiente. O som é um choro ritual de um funeral Bororo, gravado na aldeia Córrego Grande, no Mato Grosso, em 1985. A montagem, moderna e ágil, é de responsabilidade de seu filho, Januário Leal. 

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Planeta dos macacos – A origem

Will Rodman (James Franco) é um cientista que trabalha em um laboratório onde são realizadas experiências com macacos. Ele está interessado em descobrir medicamentos para a cura do mal de Alzheimer, já que seu pai, Charles (John Lithgow), sofre da doença. Após um dos macacos escapar e provocar vários estragos, sua pesquisa é cancelada. Will não desiste e leva para casa algumas amostras do medicamento, aplicando-as no próprio pai, e também um filhote de macaco de uma das cobaias do laboratório. Logo Charles não apenas se recupera como tem a memória melhorada, graças ao medicamento. Já o filhote, que recebe o nome de César, demonstra ter inteligência fora do comum, já que recebeu geneticamente os medicamentos aplicados na mãe. O trio leva uma vida tranquila, até que, anos mais tarde, o remédio para de funcionar em Charles e, em uma tentativa de defendê-lo, César ataca um vizinho. O macaco é então engaiolado, onde passa a ter contato com outros símios e, cada vez mais, se revolta com a situação.

Com o objetivo de avaliar o grau de contribuição de um vídeo sobre o reino animal - filo Arthropoda - como metodologia complementar na melhoria da aprendizagem do conteúdo, Cavalcante et al. (2012) apresentaram um documentário sobre a vida e as principais características dos artrópodes nas aulas de Biologia das turmas de 2º ano da Escola Estadual de Educação Profissional Manoel Mano (EEEPMM), em CrateúsCE. Após a apresentação, realizou-se um debate com os alunos sobre o assunto abordado no documentário e, em seguida, um questionário foi aplicado com os alunos para avaliar a eficiência de tal metodologia. A maioria respondeu que a utilização da ferramenta audiovisual como meio de aprendizagem é satisfatória; que o documentário facilitou a compreensão do conteúdo; que a exposição do vídeo é mais eficiente quando apresentada após a aula expositiva; que a linguagem utilizada no documentário foi adequada para a compreensão do conteúdo; e que o professor deve realmente utilizar documentários e/ou filmes sobre as curiosidades da vida dos seres vivos nas aulas de Biologia. Nesse trabalho, o uso do documentário alcançou os objetivos pretendidos, melhorando a compreensão do conteúdo, sendo uma evidência de que essa estratégia metodológica é eficiente e pode tornar o ensino de Biologia mais atraente e interessante para os alunos (CAVALCANTE et al., 2012). A realização de aulas práticas, não somente no laboratório, mas também no campo, também é alternativa eficiente para o ensino contextualizado de Biologia. Por meio dessas aulas, pode-se relacionar

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o ensino à pesquisa, reforçando consideravelmente a aprendizagem. Essa metodologia pode desenvolver nos alunos a capacidade de questionamento sobre processos naturais e fisiológicos, identificando regularidades, apresentando hipóteses e possíveis soluções, aumentando a sua capacidade de raciocinar cientificamente sobre algum problema e proporcionando uma visão mais ampla de como a pesquisa está intimamente relacionada ao ensino. Considerando a importância das aulas práticas em laboratórios como fonte de reforço e assistência na concretização do aprendizado dos conteúdos teóricos de Biologia, Macedo et al. (2012b) fizeram um relato do trabalho realizado por licenciandos do Curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC/UECE) na Escola Estadual de Educação Profissional Manoel Manoel Mano (EEEPMM) e no Colégio Estadual Regina Pácis (CERP). Nesse trabalho, foi elaborado e implantado um conjunto de aulas práticas laboratoriais de Biologia nessas duas instituições de ensino. As práticas foram desenvolvidas mediante pesquisas nas mais diversas fontes, principalmente em sites da internet relacionados ao tema. Algumas dessas atividades foram adaptadas e aperfeiçoadas de acordo com a necessidade, sendo realizadas previamente pelos bolsistas antes da execução com os alunos e apresentadas a eles de acordo com o conteúdo ministrado pelo professor de Biologia (MACEDO et al., 2012b). As práticas pesquisadas e muitas delas desenvolvidas pelos integrantes do PIBID/Biologia da FAEC resultaram na produção de um manual didático com 299 práticas de Biologia e curiosidades da Ciência, no qual se encontram aulas sobre os mais diversos temas, como: Origem da vida; Citologia; Transporte através de membranas biológicas; Microscopia; Morfologia vegetal; Fisiologia vegetal; Zoologia; Histologia; Ecologia; Botânica; Fisiologia animal; Anatomia animal; Fisiologia humana; Sistemática; Microbiologia; Fungos; Biologia molecular; e várias curiosidades da Ciência que envolvem conhecimentos de Biologia, Química e Física. A experiência vivida pelos bolsistas nessa ação, além de ter promovido uma atualização das atividades laboratoriais de Biologia nas escolas envolvidas, resultou em maior facilidade de compreensão dos conteúdos teóricos por parte dos alunos. Esta ação proporcionou aos licenciandos uma visão mais ampla de como a pesquisa está intimamente relacionada ao ensino, desenvolvendo ainda mais a capacidade de raciocinar cientificamente sobre algum problema.

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Fonseca et al. (2012) desenvolveram uma aula prática com o objetivo de mostrar a atividade das leveduras como uma forma de melhorar a aprendizagem do conteúdo de fungos. O trabalho foi desenvolvido com uma turma do 2º ano da Escola Estadual de Educação Profissional Manoel Mano, localizada no Município de Crateús-CE. Essa prática produziu uma discussão sobre o processo de fermentação realizado pelos fungos, promovendo um estímulo e um interesse dos alunos pelo conteúdo abordado, tornando o aprendizado mais eficiente (FONSECA et al., 2012). Nascimento et al. (2012) desenvolveram uma aula prática que envolveu a construção de um herbário. A finalidade desse trabalho foi desenvolver uma metodologia diferenciada e relacionada ao conteúdo de Botânica, visando, mais especificamente, aos conhecimentos de classificação e identificação de espécies de plantas nativas da região Nordeste. O trabalho foi realizado com os alunos das turmas de 2º ano da Escola Estadual de Educação Profissional Manoel Mano, em CrateúsCE, os quais realizaram coletas em diversos ambientes, como no pátio da escola e nas suas comunidades de origem. Após a coleta, o material vegetal foi analisado no Laboratório de Biologia, local onde as exsicatas foram preparadas. Em resumo, essa atividade envolveu as seguintes etapas: 1) coleta, identificação e herborização do material vegetal; 2) confecção do material em álbuns didáticos; e 3) apresentação para o professor de Biologia. Percebeu-se que essa atividade resultou em melhor assimilação do conteúdo, fato constatado durante as avaliações dos alunos, e promoveu maior interação dos alunos, o professor de Biologia e os licenciandos do PIBID (NASCIMENTO et al., 2012). Quanto às aulas de campo, no ensino de Botânica, por exemplo, dentre os vários métodos utilizados, essa é a atividade que mais propicia a vivência do aluno com o conteúdo abordado. A atividade em campo permite a articulação entre a teoria e a prática no sentido de estabelecer a aprendizagem baseada em observações vivenciadas pelo próprio aluno, o qual pode compreender conteúdos e conceitos complexos relacionados à Botânica. Vale ressaltar que o dinamismo e o caráter contextualizado da atividade prática de campo podem estimular o desenvolvimento do processo de aprendizagem, mas depende de como o professor organiza e problematiza os conteúdos. Silva (2008) enfatiza a ideia de que, em atividade de campo,

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vários temas podem complementar ou iniciar o trabalho realizado pelo professor em sala de aula. Para se colocar uma atividade de campo em prática, no entanto, de forma eficiente, algumas medidas essenciais são necessárias, tais como: a presença de guias e/ou monitores qualificados; a utilização de variadas estratégias e instrumentos de coleta de dados, como questionários e diários de campo; elaboração de um guia da trilha antes da realização do percurso (quando necessário); levantamento prévio das concepções do bioma a ser estudado e abertura para discussão específica de temas de interesse do professor; e, no retorno da atividade, discussão dos problemas observados no campo. Souza et al. (2012) relataram as suas experiências de aulas de campo desenvolvidas durante o subprojeto PIBID/Biologia/FAEC, parte integrante do PIBID/UECE. As viagens foram realizadas com os professores do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC/UECE) ou com os professores supervisores do projeto. Como futuros docentes, os bolsistas ressaltaram a importância de anotar todos os detalhes relacionados à preparação e ao planejamento das aulas (hospedagem, transporte, alimentação, vias de acesso, dentre outros), fazendo um levantamento de dados junto aos professores responsáveis por estas e registrando tudo em fotografias e relatório. A participação dos licenciandos em aulas de campo incluiu visitas a reservas ambientais (Reserva Natural Serra das Almas, Parque Nacional de Ubajara e Parque Nacional Sete Cidades), zoológicos, parques ecológicos, projetos com intuito da preservação da biodiversidade (Projeto Tamar), universidades (Laboratório de Biotecnologia da UFC – Sobral), empresas de cultivo hidropônico de flores, museus e sítios arqueológicos. Todas essas participações proporcionaram aos futuros professores a percepção do grau de importância que as aulas de campo têm no aprendizado dos conteúdos de Biologia. Por meio desse tipo de atividade, os licenciandos perceberam a interação dos alunos e as várias possibilidades de conhecimento mediante questionamentos feitos aos professores e aos guias, concluindo que a aula de campo é uma estratégia metodológica eficiente a ser adotada para a melhoria do ensino de Biologia (SOUZA et al., 2012). As atividades lúdicas também são ótima opção de abordagem dos temas biológicos de forma contextualizada. A incorporação de jogos didáticos na prática pedagógica, por exemplo, é uma das opções de desenvolvimento de variadas capacidades que contribuem com o ensino teórico, ampliando uma rede de definições construtivas e

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bem elaboradas. Os jogos podem ser utilizados como promotores da aprendizagem e como elementos motivadores e facilitadores da busca de um conhecimento mais incisivo, possibilitando a aproximação dos alunos ao conhecimento científico. Essa metodologia é uma forma de incentivo à curiosidade e à busca de compreensão de informações biológicas importantes (SOUSA et al., 2012). Em uma das ações do subprojeto PIBID/Biologia/FAEC, Sousa et al. (2012) pesquisaram, confeccionaram e aplicaram jogos didáticos de Biologia com os alunos da Escola Estadual de Educação Profissional Manoel Manoel Mano (EEEPMM) e do Colégio Estadual Regina Pácis (CERP), ambas instituições localizadas no Município de Crateús. O objetivo geral foi fazer com que os alunos compreendessem o conteúdo abordado nas aulas teóricas de uma forma dinâmica e interativa. Nesse trabalho, os autores fizeram um relato da importância dos jogos didáticos como ferramenta metodológica para tornar o ensino de Biologia mais eficiente e da experiência do uso do jogo “Primeira Lei de Mendel”, na disciplina Biologia, com alunos do 3º ano do Colégio Estadual Regina Pacis (CERP). Entre os jogos didáticos de Biologia pesquisados, estão: Jogo primeira lei de Mendel; Baralho animal; Baralho embriológico; Divisão celular em osso; Diferenciação da hemácia; Cara a cara; Biologia molecular – histórico; Diferenciação em protozoário; Hematopoese; Diferenciação muscular; Jogo bioma; Jogo das calorias; Jogo da biodiversidade; Jogo Células-tronco; Jogo genoma casal Silva; Baralho celular; Baralho foliar; Jogo das briófitas; Jogo da palavra cruzada; Jogo de genética – Scoiso; Sequenciamento do DNA; Jogo ponto crítico; Da cor dos olhos; Desvendando a genética e; Dominó dos solos. Dentre esses, o Jogo “Primeira lei de Mendel” foi aplicado com os alunos do CERP e, com base no depoimento dos alunos, a aplicação desse jogo auxiliou na compreensão do mecanismo de determinação genotípica e fenotípica, promovendo a aquisição de competências e consolidando os conteúdos que já dominavam. Os autores concluíram que todos os jogos pesquisados são viáveis, promovem atividades simples e a maioria requer materiais de fácil acesso e baixo custo para as suas confecções, sendo uma importante estratégia metodológica a ser adotada no ensino de Biologia (SOUSA, et al., 2012). Com o desafio de desenvolver uma metodologia que envolvesse competências, habilidades, valores e atitudes no ensino de Biologia, Santos et al. (2012) realizaram algumas atividades na Escola de Estadual

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de Educação Profissional Manoel Mano, localizada no Município de Crateús-CE, durante o primeiro bimestre de 2012. Essas atividades envolveram a construção das moléculas de ácidos nucleicos com materiais diversos, o uso de novas tecnologias de ensino e a produção de jogos didáticos. Para melhor distribuição, as atividades foram divididas em grupos. A 1ª equipe foi responsável pela confecção das moléculas de DNA e RNA com materiais alternativos, mostrando a formação dos nucleotídeos e a dupla hélice. A 2ª equipe foi responsável pela produção de vários jogos didáticos com a mesma temática, mas com nomes e regras diferentes. Os alunos produziram os seguintes jogos: Jogo da pescaria, Jogo da memória, Quebra-cabeça, Jogo das perguntas e o Jogo do DNA. A 3ª equipe foi orientada a preparar uma animação, utilizando um software para a produção das moléculas de DNA. Cada equipe apresentou suas produções nas salas de aula. Todas as práticas resultaram em aumento da interação e melhor rendimento dos alunos em relação ao conteúdo estudado. A produção dos jogos e dos modelos de DNA e RNA resultou na fixação do conteúdo abordado de maneira bastante dinâmica. A produção das moléculas por meio das animações gráficas possibilitou que os alunos mostrassem suas habilidades relacionadas às novas tecnologias educacionais, ao conhecimento dos softwares e ao conhecimento do conteúdo. Esse conjunto de práticas possibilita ao aluno o desenvolvimento de habilidades e competências que se caracterizam como atributos intelectuais e cognitivos aprendidos desde a ação educativa e que tornam o cidadão apto a agir de modo eficiente em qualquer situação da vida (SANTOS et al., 2012). Paiva et al. (2008) desenvolveram uma proposta de atividade que visou, de maneira lúdica, a propiciar às escolas e aos professores melhores condições de trabalhar temas que abordam os conhecimentos de Biologia Molecular. Os autores fizeram isso por intermédio do jogo denominado Banco genômico, um jogo de tabuleiro que pode ser jogado por quatro pessoas e um orientador (no caso, o professor), responsável pela coordenação das atividades. No decorrer do jogo, o jogador entra em contato direto com o processo de formação de genes, conhecimentos de duplicação de DNA, transcrição, tradução, códons, organismos transgênicos, estrutura do DNA, clonagem, extração de DNA, PCR, ética e demais temas da Biologia Molecular. O jogo pode ser aplicado após o professor abordar temas sobre Biologia Molecular e o professor deverá adequar o grau de dificuldade das questões aos

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conteúdos previamente abordados (PAIVA et al., 2008). Em seu trabalho de conclusão do curso de licenciatura em Ciências Biológicas, Machado (2013) procurou avaliar a importância e o nível de eficiência de alguns jogos lúdicos no ensino e na aprendizagem dos conteúdos de Biologia do ensino médio. Para isto, os jogos foram analisados previamente em grupo - com o coordenador de área e com os professores supervisores do subprojeto PIBID/Biologia/FAEC-UECE - e selecionados de acordo com as suas adequações para aplicação no ensino médio. O trabalho foi desenvolvido no Colégio Estadual Regina Pacis, em Crateús-CE, e os jogos foram utilizados na disciplina Biologia, nas turmas de 1º, 2º e 3º ano. Os jogos selecionados tinham os seguintes títulos: Baralho animal, Baralho embriológico, Baralho celular, Cara-a-cara com a célula, Palavra cruzada, Bingo genético e Células-tronco. A aplicação dos jogos favoreceu o entendimento de dificuldades encontradas após a aplicação do conteúdo teórico da disciplina, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e competências mais significativas à aprendizagem dos conteúdos e auxiliando no desenvolvimento do raciocínio e superação da timidez dos alunos. Os jogos facilitaram o processo de ensino e aprendizagem, além de terem sido uma excelente forma de revisar os conteúdos de forma dinâmica e com interatividade em sala de aula. Os aspectos lúdicos e cognitivos presentes nos jogos são importantes estratégias para o ensino e aprendizagem de conceitos, porque favorecem a motivação, o raciocínio, a argumentação e a interação dos alunos e professor (MACHADO et al., 2013). Embora as diversas metodologias adotadas para o ensino contextualizado de Biologia tenham sido apresentadas separadamente, os temas podem ser trabalhados utilizando mais de uma metodologia ao mesmo tempo. 5. Considerações finais Com base nos estudos analisados e nas políticas curriculares oficiais, pode-se perceber que há uma ampla discussão sobre a eficiência do processo de formação e capacitação do professor da educação básica. Um dos pontos de consenso entre os estudiosos da formação docente é que a formação dos profissionais de ensino deve dar subsídios para que eles sejam capazes de trabalhar os conteúdos de forma contextualizada. Os pesquisadores relatam haver várias razões que justificam a dificuldade do professor de Biologia em contextualizar o ensino. Dentre elas, estão: a

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ineficácia da política educacional adotada em grande parte dos cursos de licenciatura; a dificuldade dos professores em acompanhar as constantes descobertas científicas e tecnológicas; a ampliação rápida e constante dos conceitos biológicos; a falta de oferta de formação permanente e contínua aos licenciados; o distanciamento entre as instituições de pesquisa e ensino superior e as instituições de educação básica; e a falta de valorização da profissionalização docente pelos próprios admitidos aos cursos de licenciatura plena. Apesar das dificuldades, os pesquisadores da área de ensino e formação pedagógica procuram cada vez mais contribuir para o diagnóstico e solução de problemas relacionados à falta de contextualização dos conteúdos por professores de Ciências, sobretudo de Biologia. A contribuição dos autores no desenvolvimento de estratégias metodológicas que visam à contextualização dos temas biológicos é ampla. Dentre essas várias opções estão: o uso de textos de divulgação científica durante as aulas; a utilização de filmes e documentários complementares às aulas teóricas; o desenvolvimento de atividades de pesquisa, no laboratório ou no campo; e a realização de atividades lúdicas em sala de aula. O debate sobre a inserção de tópicos da Biologia contemporânea em aulas do ensino médio, no entanto, extrapola a introdução e renovação de conteúdos biológicos atuais. Esta discussão está relacionada à necessidade de se pensar como tais conhecimentos podem ajudar os professores a compreender como a Ciência pode ser impactante no cotidiano dos alunos. 6. Referências ARAÚJO, F. M. V. Identidade docente: pesquisa com estudantes do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Faculdade de Educação de Crateús – FAEC/ UECE. Monografia de Graduação, FAEC/UECE, 2011. BRASIL, Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. CAMARGO, S. S.; INFANTE-MALACHIAS, M. E.; AMABIS, J. M. O ensino de biologia molecular em Faculdades e escolas médias de São Paulo. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular, n. 01, p. A1-A14, 2007. CAVALCANTE, L. L.; SUDÉRIO, F. B.; LIMA JÚNIOR, E. R.; MACEDO, F. V.; NASCIMENTO, M. B.; SANTOS, C. P. O uso de documentário como facilitador da aprendizagem no ensino de biologia. XVII Semana Universitária da UECE: Informação e tecnologia

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