A origem e função do Estado - H. Henry Meeter

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CAPÍTULO 9
A origem e função do Estado

Escrito por H. Henry Meeter



Pode-se definir o Estado como sendo uma comunidade política que radica num determinado território, e que se organiza segundo uma forma de governo específico e, que é reconhecido como supremo pelo povo. O Estado difere da sociedade pelo fato de pressupor um governo. Além do mais, tendo o seu próprio governo, a sociedade deve morar num determinado território. Um grupo de ciganos, ainda que venham a ter o seu líder, não constituí um Estado; o Estado precisa sempre ter um domínio territorial próprio.

A ORIGEM DO ESTADO
Como se originam os Estados? A abordagem desta pergunta lançará muita luz sobre a origem sobre o assunto. É evidente, como prova a história, que os diferentes estados não surgiram de um modo idêntico. O Estados Unidos da América surgiu de uma maneira, enquanto a Inglaterra de outra, como também a Alemanha, França, Holanda e todos os demais países. Talvez, não poderíamos encontrar sequer dois estados que tenham surgido do mesmo modo. Mas, ainda dizendo que os diferentes estados não têm uma origem comum, podemos chegar a solucionar o problema. A pergunta continua de pé: Por que as diferentes sociedades e, seguindo os moldes e caminhos distintos, chegaram a organizar-se em estados?
Várias são as explicações que se tem dado. Alguns atribuem a formação do Estado à mera tradição antiga. Ao evoluir a raça, dizem, surgiu o Estado como uma mera tradição ou costume tribal. Mas, se o Estado deve a isto a sua origem, o seu funcionamento moral é muito pobre; qualquer grupo, com força suficiente, ao seu capricho, poderia derrubar a autoridade estatal. Segundo outros, o Estado surgiu como resultado de um acordo obtido pelo homem em tempos primitivos. Originalmente, dizem, cada homem era como um lobo para o seu próximo, de modo que para proteger-se reciprocamente decidiram constituir o Estado. A formação do Estado, segundo outros, se deveu ao desenvolvimento adquirido por uma sociedade mais complexa. Em tempos primitivos, argumentaram, o homem era lei e deste modo, atuava segundo o seu capricho; mas, ao aumentar a problemática social, os homens já não podiam afrontar separadamente as dificuldades da vida, e compreenderam a necessidade de se unirem e firmar acordos para conseguir metas comuns. Estes contratos sociais exigiam a formação de um Estado com leis e governo, pois, as necessidades de uma sociedade organizada exigiam que alguns homens ocupassem uma posição de autoridade sobre os demais. Segundo estas opiniões e teorias, na origem do Estado não se reconhecem um elemento providencial, ou uma causa natural inerente, sem que se atribua tudo ao mero costume, ou mútuo acordo, que facilmente houvesse quebrado, a não ser pelo fato de que redundava em benefício dos fins práticos que o homem buscava.
Para o Calvinismo o Estado é uma consequência natural. Surge de um impulso social implantado por Deus no homem. O calvinista em defesa desta concepção não está só. Desde Aristóteles, o filósofo pagão, reconhecia que no homem, e acima de sua individualidade, se dava um impulso social. É como resultado do chamado "instinto gregário" que o homem se agrupa em famílias, tribos e clãs. O calvinista crê que este "instinto gregário" foi implantado no homem por seu Criador. Todavia, e por si somente, este instinto de coesão social não pode explicar a origem do Estado, sendo que o Estado é mais do que mera sociedade: é uma sociedade com um governo organizado para conseguir alcançar metas definidas. No momento em que um grupo de pessoas, num território independente, se associam em busca do bem-estar geral e a realização de fins comuns, necessitarão da máquina governamental, de magistrados, leis, judiciário, polícia, exército e frota para dar vigência e cumprimento a suas leis. A formação do estado, com a designação de governantes para a promoção dos interesses comuns e o bem-estar do grupo e a administração da justiça é, também, uma disposição providencial de Deus com respeito ao homem.
Na premissa de que se o mundo não houvesse caído em pecado, ainda assim seria dado um estado, ou seja, uma sociedade humana sob um governo reconhecido pelo povo como supremo. Assim, na realidade aconteceria um estado perfeito: o Reino de Deus. Neste estado alguns dos homens exerceriam autoridade sobre os demais. Como evidência disto pode-se mencionar o fato de que no mundo celestial sem pecado, além do arcanjo Miguel, alguns dos anjos são chamados "tronos, domínios, principados e potestades", o que prova a existência de um poder hierárquico. Na nova terra onde residirá a justiça, alguns homens ocuparão cargos de governo: os doze apóstolos do Cordeiro serão juízos que governarão as doze tribos de Israel. Na parábola dos talentos nos diz que quem ganhou dez talentos terá poder sobre dez cidades (Lc 19:12-17).

AS FUNÇÕES DO ESTADO NUM MUNDO SEM PECADO
Qual será a tarefa destes governantes num mundo sem pecado? Não haverá a necessidade de formular leis, nem de exigir o seu cumprimento, pois todos saberão e farão o que é correto, qual será a função do estado? A resposta vem implícita na tarefa cultural que Deus confiou ao homem na criação, e que temos desenvolvido com certos detalhes no capítulo sobre a cultura. No mundo sem pecado o homem terá a obrigação de desenvolver em sua plenitude a imagem de Deus, e ao mesmo tempo incrementar a um grau máximo a sua tarefa cultural. Também das tarefas individuais terão as atividades de associação e de família. A humanidade terá diante de si uma missão única para desenvolver – missão que englobará a totalidade da tarefa cultural -. As atividades implícitas deste único trabalho requererão que alguns homens atuem para o grupo a partir duma posição de liderados; pois, ainda que, a vontade do indivíduo seja perfeita, para alcançar uma unidade de propósito comum se requererá uma submissão a estes líderes. A direção dos assuntos do grupo por estes líderes irá investida de autoridade. Se não houvesse caído o mundo em pecado, como cabeça deste vasto império – pois foi organicamente um império – seria Adão, a cabeça física e federal da raça humana. Não existiria a necessidade de leis, tribunais, polícia, exército ou navios de guerra, porque uma paz perfeita e harmônica prevaleceria. Consequentemente, este aspecto da tarefa governamental não seria necessário.

A FUNÇÃO DO ESTADO NUM MUNDO DE PECADO
Como resultado da entrada do pecado no mundo o tipo de governo que descrevemos precisa ser modificado, levando em conta as condições que mudaram. Agora o governo precisa de autoridade para criar leis sobre os delinquentes, e requer de tribunais para expor e aplicar a lei, e polícia para requerer o cumprimento dos códigos. Deus confiou esta autoridade aos governos. Em Rm 13:1-4, nos diz que os governos foram estabelecidos para castigar o mal e recompensar ao que faz o bem.
Todavia, seria errôneo supor que o perfeito Reino de Deus, que descrevemos anteriormente pode ser continuado ou conseguido através das formas de governo que conhecemos. Bem demonstra a história que o reino de Deus, ou as condições sociais ideais não podem se alcançar através de um mero desenvolvimento natural, ou seja, através de formas de governo e outros meios naturais. Este grande ideal, o Reino de Deus, o estado perfeito, somente poderá se realizar através de Jesus Cristo, e não por meios naturais, senão que pela graça sobrenatural. Este reino foi inaugurado no mundo; começa na regeneração, e continua na santificação. Na dispensação presente consiste somente de realidades espirituais; mas, chegará o dia em que será realidade espiritual e material por sua vez: como resultado da Sua redenção, das cinzas do velho mundo surgirá uma nova terra, donde morará a justiça. Neste reino de Deus, que será a continuação do poder real de Deus sobre toda a criação, Cristo, o posterior a Adão – e não a autoridade de nenhum estado – exercerá a mais alta supremacia. Contudo, esta missão de Cristo entra dentro da esfera da graça especial e vem delimitada pela Igreja e não por estado.

Então qual é a tarefa do estado se não é a continuação do Reino de Deus na história? A resposta que se encontra em Rm 13, é de que o governo é um instrumento ordenado por Deus, em sua graça comum, para o castigo dos transgressores da lei e para a recompensa dos que fazem o bem. Este "bem" não pode se limitar as meras tarefas humanas para desenvolver o indivíduo, mas, ele também envolve a sua atividade na tarefa comum do grupo. O fato de que o homem não pode obter ideais da criação, não lhe exime de sua responsabilidade individual e cooperativa com o resto da humanidade. Sobre o homem pesa a obrigação de se unir sob o estado para alcançar estas metas comuns. Calvino nos adverte sobre dois perigos, ao falar sobre a função dos governos. Primeiramente, nos previne do perigo de identificar o estado com o Reino de Deus; e, em segundo lugar, contra aquela noção que supõe que entre ambos não ocorre uma relação mútua. Disse Calvino: "ainda que esta classe de governo seja distinta daquele reino inteiro e espiritual de Cristo, contudo, sob nenhum aspecto podemos considera-lo como totalmente independentes um do outro." Em seguida Calvino enumera uma série de atribuições que numa ampla esfera concernem ao estado: 1. O apoio à Igreja. 2. "A regulamentação de nossas vidas segundo uma norma apropriada para a sociedade." 3. A administração da justiça civil. Calvino em outros escritos faz referência à obrigação que pesa sobre o governo de promover o bem-estar geral da sociedade. O Dr Abraham Kuyper enfatiza a obrigação do governo – como instrumento da graça comum de Deus – na administração da justiça; mas também afirma que este tem a responsabilidade de conseguir aqueles fins que exige a cooperação de todos, redundando no bem-estar geral e assegurando a unidade em meio à diversidade.
Do que foi declarado pode-se inferir que a autoridade do estado não é absoluta – não cobre a totalidade da vida -, senão que é limitada. Inclusive seria assim num mundo sem pecado, pois o indivíduo e a família, ou qualquer outra esfera poderia surgir destas, teriam diante de si uma tarefa cultural própria e independente do estado. Mas num mundo de pecado estas esferas, independentes do estado, chegam a ser mais numerosas. Algumas vezes em sua totalidade – como acontece com as escolas científicas -, estes organismos devem a sua existência à graça de Deus manifesta após a queda. Estes grupos estão enraizados em princípios próprios e, independentemente do estado, têm uma meta própria para realizar. Consequentemente, a tarefa social do estado circunscreve à promoção daqueles interesses culturais que concernem ao grupo em sua totalidade, ou seja, ao bem-estar público, ao bonum commune naturale. Além do mais, desta tarefa cultural, após a queda o estado também tem a missão de administrar a justiça entre os membros da sociedade.


Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 103-110. Este livro originalmente foi publicado sob o título de THE BASIC IDEAS OF CALVINISM.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
13 de Janeiro de 2016.
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H. Henry Meeter, Doutor em Teologia, foi presidente durante 30 anos do Departamento Bíblico do Calvin College, Grand Rapids, MI. Nota do tradutor.
A existência de uma hierarquia entre anjos ou demônios é uma interpretação em que não há consenso entre os teólogos reformados. Nota do tradutor.
Calvino, Institutas, IV.20.2.
Smeenck, C., Christelijk-Sociale Beginselen (Kampen, J.H. Kok, 1934), pp. 36, 42, 50



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