A oxidação lipídica em carne de frango eo impacto da adição de sálvia (Salvia officinalis, L.) e de alho (Allium sativum, L.) como antioxidantes naturais

June 6, 2017 | Autor: Lilian Mariutti | Categoria: Microbiology, Medical Microbiology
Share Embed


Descrição do Produto

ARTIGO DE REVISÃO/ REVIEW ARTICLE

A oxidação lipídica em carne de frango e o impacto da adição de sálvia (Salvia officinalis, L.) e de alho (Allium sativum, L.) como antioxidantes naturais Lipid oxidation of chicken meat and the impact of the addition of sage (Salvia officinalis, L.) and garlic (Allium sativum, L.) as natural antioxidants RIALA6/1183

Lilian Regina Barros MARIUTTI1, Neura BRAGAGNOLO1* *Endereço para correspondência: 1Departamento de Ciência de Alimentos, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, C.P. 6121, CEP 13083-862, Campinas, SP, Brasil. Tel.: +55 19 35212160, Fax: +55 19 3521-2153, e-mail: [email protected] Recebido: 19.01.2009 – Aceito para publicação: 30.04.2009

RESUMO A manutenção da qualidade de um alimento por um período prolongado requer o uso de antioxidantes. Porém, devido a crescente preocupação em adquirir hábitos alimentares saudáveis e ao interesse em consumir produtos alimentícios sem aditivos sintéticos, torna-se necessária a pesquisa de fontes de antioxidantes naturais, como a sálvia e o alho, para minimizar a oxidação lipídica. A carne de frango é um alimento altamente susceptível à oxidação lipídica em função do elevado teor de ácidos graxos insaturados na sua composição. A formação de óxidos de colesterol e a degradação de ácidos graxos, principalmente dos poli-insaturados, somada a formação de compostos voláteis secundários oriundos da oxidação lipídica, possuem um papel de destaque entre os fatores responsáveis pela perda de qualidade e das características nutricionais causadas tanto pelo processamento térmico ou sob alta pressão quanto pelas alterações decorrentes do armazenamento da carne de frango. Além disso, o consumo de lipídios, principalmente de lipídios oxidados, tem sido alvo de constante investigação pela área da saúde em vista da alta correlação entre a ingestão destes compostos e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e de outras doenças crônicas não transmissíveis. Palavras-chave. ácidos graxos, alta pressão, doenças cardiovasculares, óxidos de colesterol, qualidade nutricional. ABSTRACT Preserving food quality for long periods requires the use of antioxidants and nowadays, the trend toward consuming foodstuff free from synthetic additives led to the research of natural sources of food preservatives, such as sage and garlic. Chicken meat has a high content of polyunsaturated fatty acids (PUFA) being quite prone to lipid oxidation. The cholesterol oxidation, the changes in fatty acid profile, specially the degradation PUFA, and the formation volatile aldehydes derived from lipid oxidation could be considered as the main factors responsible for the quality and nutritional losses during processing and storage in chicken meat. In addition, dietary intake of oxidised lipids has been constantly investigated by the medical area due to the high correlations between the consumption of these lipids and the development of cardiovascular and other degenerative diseases. Key words. fatty acids, high pressure, cardiovascular diseases, cholesterol oxides, nutritional quality.

Rev Inst Adolfo Lutz, 68(1):1-11, 2009

1

Mariutti LRB, Bragagnolo N. A oxidação lipídica em carne de frango e o impacto da adição de sálvia (Salvia officinalis, L.) e de alho (Allium sativum, L.) como antioxidantes naturais. Rev Inst Adolfo Lutz, São Paulo, 68(1):1-11, 2009.

INTRODUÇÃO

A avicultura brasileira tem se destacado nos últimos anos pelo aumento da exportação de produtos com maior valor agregado, ou seja, produtos embalados e prontos para o consumo, um conceito de alimentos saudáveis com rápido preparo e cada vez mais procurado no exterior. A carne de frango é um alimento altamente susceptível a oxidação lipídica em função do elevado teor de ácidos graxos insaturados na sua composição. A formação de óxidos de colesterol, as alterações na composição de ácidos graxos e a consequente formação de compostos voláteis provenientes da oxidação lipídica possuem um papel de destaque dentre os fatores responsáveis pela perda de qualidade e das características nutricionais durante o processamento e o armazenamento da carne de frango. A adição de condimentos a carne de frango, além de conferir as características organolépticas desejadas, também pode auxiliar na sua preservação, prevenindo ou retardando sua deterioração durante o processamento ou armazenamento. Os produtos de oxidação do colesterol formam um grupo com mais de 80 compostos conhecidos que são formados a partir do colesterol durante o processamento e armazenamento dos alimentos, podendo também ser 1,2 formados enzimaticamente . A formação dos óxidos de colesterol é influenciada pela presença de ácidos graxos insaturados, teor de colesterol, atividade de água, presença de oxigênio, de radicais livres e de íons metálicos, além da exposição à luz, ao calor e à irradiação, dentre outros 1,3 fatores . O colesterol é um composto presente em todos os alimentos de origem animal e, entre esses, aqueles que contêm teores significativos deste lipídio são fontes potenciais de óxidos de colesterol na dieta. Embora os níveis seguros de ingestão de óxidos de colesterol ainda não estejam estabelecidos, estes compostos podem ser absorvidos a partir da dieta numa proporção de 6 a 4 crônica pode constituir um risco 90% e a exposição 5 à saúde humana , devido aos efeitos potencialmente 6-9 10-14 aterogênicos , citotóxicos , mutagênicos e possivelmente 10,15-17 . Estudos epidemiológicos também carcinogênicos indicam a existência de correlação entre a presença de óxidos de colesterol nos tecidos e o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis como a doença de 18,19 20 Alzheimer e a catarata . Alguns óxidos de colesterol, como o 7-cetocolesterol, o 7β-hidroxicolesterol, o 7α-hidroxicolesterol, o 5,6α-epoxicolesterol e o 5,6β2

epoxicolesterol, atualmente estão sendo usados como indicadores biológicos de danos oxidativos em pacientes com diabetes mellitus21,22. Os óxidos de colesterol mais comumente encontrados nos alimentos são os derivados do anel B da cadeia principal do colesterol, como o 5,6α-epoxicolesterol, o 5,6βepoxicolesterol, o 7-cetocolesterol, o 7β-hidroxicolesterol e o 7α-hidroxicolesterol e, em menores concentrações, os derivados da cadeia lateral, como o 20α-hidroxicolesterol 23 e o 25-hidroxicolesterol . Os ácidos graxos possuem uma grande variedade de funções metabólicas importantes para todas as formas de vida, e constituem uma fonte rica de energia e de carbono, sendo, portanto, uma forma conveniente de armazenamento de energia. Entretanto, a importância dos ácidos graxos na nutrição humana vai além de seu papel como fonte de calorias, sua estrutura e hidrofobicidade são cruciais para a modulação da estrutura da membrana celular, além de serem precursores da ativação de moléculas 24 sinalizadoras . Além disso, os ácidos graxos provenientes da dieta têm sido correlacionados com diversas alterações metabólicas e fisiológicas ligadas ao desenvolvimento ou prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, diabetes 25−28 mellitus, entre outras . Os ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) e os poli-insaturados (PUFA) estimulam a redução dos níveis plasmáticos de LDL-colesterol; no entanto, os ácidos graxos saturados (SFA) com menos de 18 carbonos na cadeia causam o aumento dos níveis sanguíneos de LDL-colesterol, elevando o risco de arteriosclerose e de 29,30 doenças cardiovasculares no homem . Desta forma, foram preconizados alguns guias dietéticos para a orientação sobre a composição e o consumo adequado de ácidos graxos na dieta humana visando à promoção e manutenção de uma vida saudável. A Organização 31 Mundial de Saúde preconiza que o total de lipídios não deve exceder de 15 a 30% do valor calórico total da dieta, cuja composição de ácidos graxos deve ser aproximadamente de 10% de SFA, 5 a 8% de PUFA n-6 e 1 a 2% de PUFA n-3. O Departamento de Saúde do Reino 32 Unido recomenda que as razões entre os grupos de ácidos graxos deveriam ser maiores que 0,4 para PUFA/SFA e menores que 4 para PUFA n-6/PUFA n-3. Os ácidos graxos n-6 mais consumidos na dieta humana são o ácido araquidônico (AA), encontrado em carnes, e o ácido linoleico, encontrado em óleos vegetais, sementes e nozes, o qual pode ser convertido a AA pela enzima dessaturase. Já as principais fontes de ácidos graxos

Mariutti LRB, Bragagnolo N. A oxidação lipídica em carne de frango e o impacto da adição de sálvia (Salvia officinalis, L.) e de alho (Allium sativum, L.) como antioxidantes naturais. Rev Inst Adolfo Lutz, São Paulo, 68(1):1-11, 2009.

n-3 são os peixes, que contêm os ácidos eicosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA), além de nozes, sementes e óleos vegetais, que contêm o ácido α-linolênico, que pode ser convertido a EPA e depois a DHA pela mesma enzima dessaturase que converte o ácido linoleico a AA28. Como a conversão dos ácidos graxos n-3 e n-6 depende da mesma série de enzimas, ocorre uma competição entre as famílias n-6 e n-3 pelas enzimas para seu metabolismo, onde o excesso de uma família causa um decréscimo significativo 24 na conversão da outra . Os eicosanóides derivados dos ácidos graxos n-6 são geralmente pró-inflamatórios e pró-agregatórios, enquanto os derivados de n-3 são predominantemente anti-inflamatórios e inibidores da 24,26 agregação de plaquetas . Os níveis de PUFA n-3 na dieta ocidental são muito baixos, a relação da ingestão de ácidos graxos n-6:n-3 é 26,27 estimada em 15-20:1 . Estes ácidos graxos reduzem o 29,30 risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares , além de serem necessários para o desenvolvimento 33 adequado do sistema nervoso e visual em fetos e crianças . Estudos epidemiológicos ainda sugerem que o consumo de altos teores de DHA estariam correlacionados com a redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis 34 como a doença de Alzheimer . Efeito do processamento e do armazenamento sobre a oxidação lipídica em carne de frango A oxidação dos constituintes lipídicos é uma reação importante que limita a vida de prateleira de vários alimentos, sendo um dos mecanismos primários da deterioração da qualidade em produtos alimentícios, especialmente de carnes. As alterações na qualidade podem ser percebidas pelas mudanças de sabor, de cor, de textura, de valor nutricional e pela produção de compostos potencialmente tóxicos. Dentre os fatores extrínsecos que contribuem para o desenvolvimento da oxidação lipídica em carnes estão as condições de processamento, como a moagem, o tratamento térmico, a aplicação de alta pressão, a adição de outros ingredientes a formulação do produto, a temperatura de armazenamento, o tipo de embalagem e a exposição à luz.

„

Influência do tratamento térmico O efeito pró-oxidante do tratamento térmico em carne de 35-43 frango tem sido descrito na literatura e atribuído a vários fatores. Dentre eles estão a desnaturação proteica, que pode causar a perda de atividade de enzimas antioxidantes como a catalase, a glutationa peroxidase e a superóxido „

desmutase; a ruptura das membranas celulares, que coloca os ácidos graxos insaturados e o colesterol em contato com espécies pró-oxidantes como os radicais alcoxila e hidroxila e a liberação de ferro pelas metaloproteínas, principalmente pela mioglobina44-47. O decréscimo no teor de ferro-heme, e consequente aumento no teor de ferro livre, em decorrência do processo de cozimento varia em função do corte do frango, sendo de 7 % no peito, 24 % a 48 27 % na coxa e 43 % na asa de frango . A cocção pode aumentar significativamente a oxidação do colesterol, aumentando o conteúdo total 43,49-52 , além de também modificar dos óxidos de colesterol o valor nutricional em relação ao produto original, pela 50,52-54 . modificação de seu perfil de ácidos graxos A Tabela 1 apresenta o efeito do tratamento térmico e do armazenamento na oxidação do colesterol em carne de frango observado por diferentes autores. Os resultados são apresentados individualmente para cada óxido estudado; entretanto, a maioria dos trabalhos encontrados na literatura analisa apenas os resultados para os óxidos de colesterol totais. Geralmente, os principais óxidos de colesterol encontrados em carne de frango crua são os mesmos encontrados após o tratamento térmico e posterior armazenamento, sendo que o 7β-hidroxicolesterol e o 5,6-β-epoxicolesterol são os óxidos que, em geral, apresentam as maiores 35,37,49-51 . No frango cozido e concentrações no frango cru após o armazenamento, além destes dois óxidos, há um 35,37,49-51,55 .A aumento na concentração do 7-cetocolesterol presença de 20α-hidroxicolesterol foi verificada apenas em cortes de coxas de frango35 e o 25-hidroxicolesterol e o colestanotriol, que são os óxidos considerados com maior potencial de toxicidade, foram encontrados na maioria das 35,37,51,55 . amostras, porém, em baixas concentrações Embora a composição de ácidos graxos não seja o parâmetro mais importante para detectar o desenvolvimento da oxidação lipídica, estes lipídios, principalmente os poli-insaturados, podem sofrer alterações decorrentes da oxidação. O teor de lipídios totais em cortes de peito de frango sem pele é de aproximadamente 1,7%, sendo constituído por 36,6% de SFA, 32,5% MUFA e 30,8% PUFA. Os ácidos graxos saturados mais abundantes são o palmítico, seguido do esteárico. Entre os monoinsaturados os maiores percentuais observados são do ácido palmitoleico e do ácido oleico; e os principais poli-insaturados são o linoleico, o AA e o 56 DHA . O teor de lipídios totais da carne cozida é afetado pelo método de cocção e pode aumentar cerca de 2 a 3 3

4

Cocção em sacos de polietileno em banho de água a 85 ºC / 50min Temperatura interna: 80ºC

frito com 10 mL de azeite de oliva 180 ºC/ 3 min. de cada lado Temperatura interna: 85-90ºC

microondas 3 min/900 W Temperatura interna: 100ºC

forno convencional 160 ºC/40 min.

Tratamento Térmico

não realizado

não realizado

4 ºC , luz fluoresecente, 12 dias

Armazenamento

7α-OH (0,01-0,21) 7β-OH (0-0,11) 7-ceto (0-0,13) α-EP (0-0,05) β-EP (0-0,15) 20α-OH (0-0,05)

7β-OH (2,14) 7-ceto (1,87)

não realizado

não realizado

Cru

7α-OH (0,14-1,41) 7β-OH (0,12-1,50) 7-ceto (0,15-1,01) α-EP (0,03-0,51) β-EP (0,21-0,84) 20α-OH (0-0,14) 25-OH (0-0,01) triol (0-0,06)

7α-OH (2,93) 7β-OH (2,25) 7-ceto (2,53) α-EP (0,65) triol (2,39)

7α-OH (12,67) 7β-OH (6,43) 7-ceto (4) α-EP (1,53)

25-OH (0,23-0,56)

25-OH (0,10–0,14)

Cozida (início)

Óxidos de colesterol

não realizado

não realizado

25-OH (0,74-3,47 7-ceto (0,45-0,73)

25-OH (0,27-1,04) 7-ceto (0,17-0,39)

Cozida (final)

Referência

Maraschiello et al.35

Echarte et al.50

Galvin et al.55

a óxidos de colesterol expressos em µg/g; b óxidos de colesterol expressos em µg/g de lipídio. 7-ceto = 7-cetocolesterol, 7β-OH = 7β-hidroxicolesterol, 7α-OH = 7α-hidroxicolesterol, α-EP = 5,6α-epoxicolesterol, 25-OH = 25-hidroxicolesterol, triol = colestanotriol.

Coxa (variação no teor de α-tocoferol e β-caroteno e na fonte de gordura na dieta)

a

Hambúrguer b (comercial)

Coxa + 1% sal + 5 % água a (variação do teor de (α-tocoferol na dieta)

Peito + 1% sal + 5 % água a (variação do teor de (α-tocoferol na dieta)

Produto

Tabela 1. Efeito do tratamento térmico e da estocagem na formação de óxidos de colesterol em frango e produtos de frango Mariutti LRB, Bragagnolo N. A oxidação lipídica em carne de frango e o impacto da adição de sálvia (Salvia officinalis, L.) e de alho (Allium sativum, L.) como antioxidantes naturais. Rev Inst Adolfo Lutz, São Paulo, 68(1):1-11, 2009.

assada 220 ºC / 10 min. de cada lado Temperatura interna: 95-100ºC

grelhada 180 ºC / 1,5 min. de cada lado Temperatura interna: 85-90 ºC

forno elétrico, irradiado Temperatura interna 70ºC

assada 220 ºC / 10 min. de cada lado Temperatura interna: 95-100ºC

grelhada 180 ºC / 1,5 min. de cada lado com 9mL de óleo de girassol Temperatura interna: 85-90 ºC

Tratamento Térmico

4 ºC, 6 dias

4 ºC, 14 dias aerobiose

-18 ºC, 13 meses aerobiose

Armazenamento

7α-OH (0,22) 7β-OH (0,39) 7-ceto (0,06) β-EP (1,33) 25-OH (0,19) triol (0,67 )

7α-OH (0,83-1,05) 7β-OH (3,47-20,35) 7-ceto (0-2,78) β-EP (
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.