A PAISAGEM DAS EXPERIÊNCIAS COMUNS: Uma análise de um processo fotográfico de temporalização do espaço como forma de potencializar a percepção coletiva e corriqueira da paisagem

May 30, 2017 | Autor: A. Vasconcellos d... | Categoria: Paisagem, Fotografia
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Trabalho apresentado para conclusão da disciplina. PAISAGENS VIVENCIADAS – DA CONTRA-CULTURA A CONTEMPORANEIDADE. Prof. Dr. Euler Sandevile e Prof. Dr. Jorge Bassani, cod. AUP5883-1
Radialista, Bacharel em Direito, Mestre em Comunicação Social, e professor dos cursos de comunicação social da FAPCOM, São Paulo, SP. Email: [email protected].

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano:1. Artes de fazer. 16 ed. Petrópolis, RJ, 2009.

Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Programa de Pós-Graduação









AUP5883-1
Paisagens vivenciadas – Da Contra-Cultura à Contemporaneidade
Prof. Dr. Euler Sandeville
Prof. Dr. Jorge Bassani










ADRIANO MIRANDA VASCONCELLOS DE JESUS





A PAISAGEM DAS EXPERIÊNCIAS COMUNS
Uma análise de um processo fotográfico de temporalização do espaço como
forma de potencializar a percepção coletiva e corriqueira da paisagem

Adriano Miranda Vasconcellos de JESUS



A paisagem vivenciada nos trabalhos de fotografia é estruturada sob a análise, porém aqui propomos uma experiência articulada com a análise acadêmica de como se formatou a produção fotográfica com a paisagem vivenciada. O ponto de convergência entre a experiência urbanística e a fotografia existe desde a invenção do processo de captura de imagens, sendo derivada da experiência da modernidade e o deslumbre das paisagens urbanas. A representação da experiência da paisagem urbana foi uma das forças propulsores para o desenvolvimento da fotografia em escala. Porém, este processo de transposição da experiência espacial urbana por meio da fotografia possui etapas, formando um território vivenciado, que resultam no sentido final da imagem.

Não pretende o presente trabalho mapear cada etapa deste percurso, porém detectar a existência de cada instância, valorizando assim a experiência e a vivência como elementos de produção de sentido, partindo da paisagem urbana atual.

Utilizando a geografia cultural, que atualmente redireciona seus estudos e abordagens de conceitos como paisagem, região, território, lugar e espaço, posicionando-os como elementos simbólicos e subjetivos. Nos interessa como a fotografia articula elementos simbólicos para produzir sensações e percepções do espaço que vão além da ambiência do visual, ligando o leitor à vida real em territórios já conhecidos, porém com outra ótica. E, por isso mesmo, a fotografia se torna uma representação válida para a investigação científica de outra dimensão do espaço e paisagem. (BARBOSA e CORRÊA, 2001, p81)

A mudança perceptiva que as cidades passaram no fim do século XIX é semelhante ao momento atual onde, devido à deteriorização de seus marcos e a falência dos procedimentos que as organizaram, a percepção sobre a paisagem urbana foi alterada (GUNNING, 2001, p40).

Convêm ressaltar que a fotografia nasce com uma certa vocação para reprodução das experiências espaciais e cria uma pulsão escópica capaz de engendrar processos de apropriação de linguagens e de percepção dos espaços públicos e íntimos.

Sendo a imagem fotográfica um recurso capaz de estimular sensorialmente a vivência entre homem, espaço e tempo recriando, assim, novas e sedutoras experiências perceptivas (AUMONT, 1977, p15). As representações do espaço de locais de convivência das grandes cidades, ou dos chamados "pontos turísticos" são recorrentes aos marcos espaciais edificados, porém além da primeira aparência imagética há outros elementos. São recursos óticos, visuais e demais estímulos sensoriais utilizados para proporcionar aos espectadores da imagem uma vivência contínua de um espaço que utiliza uma "enunciação de pedestres". Assim, os espectadores são praticantes ordinários da cidade recriada pela narrativa visual, sendo simultaneamente a forma primária dessa experiência, cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um texto urbano (CERTEAU, 2009, p159).

Vários autores já compararam o caminhar a um ato discursivo. Entre eles, Roland Barthes, em Architecture d´aujourd´hui (1971) "Dizemos nossa cidade (simplesmente) habitando-a, percorrendo, olhando-a". Michel de Certeau não se limita às representações gráficas, mas visa à legibilidade da cidade em seus atos do cotidiano. O ato de caminhar está para o sistema urbano como a enunciação está para a língua ou para os enunciados proferidos. Na poesia de Charles Baudelaire a figura discursiva do flaneur, localizada por Walter Benjamin, amplia a atuação do caminhante em seus significantes. O ato de caminhar na obra Andar a pé, de David Henry Thoreau, é uma força perceptiva paisagística.


A REFERÊNCIA FOTOGRÁFICA

Partindo de um referencial visual de Robert Doisneau na sequência de imagens Tableau de Wagner dans la vitrine de la galerie Romi, rue de Seine, Paris VI – 1948 (imagens abaixo). Onde em uma repetição de imagens de uma vitrine, em diferentes tempos, ele cria uma narrativa de um espaço por meio do tempo. Os personagens e a repetição de situações criam uma narrativa que mostra além do espaço, mas uma experiência. O próprio nome da série de fotos evidencia que o interesse era apresentar um espaço la galerie Romi, rue de Seine, Paris VI, e por meio de seus personagens: o guarda, a senhora, um casal e um jovem.


O fotografo Suíço Ulf Ludi, na série apresentada na gallerimagnuskarlsson denominada STILL FILMS, realizada de 2006-2008 apresenta narrativas espaciais cotidianas formadas pela mesma técnica de Robert Doisneu, porém, agora, utilizando a tecnologia de manipulação de imagens, ele agrupa as imagens em uma só, criando uma imagem com várias camadas, cada uma em seu tempo, com um mesmo padrão de gestos e percurso que formam sentido a paisagem.





Nos EUA o finlandês Peter Funch, residente em Nova York, realizou o mesmo trabalho chamando de Babel Tales. Ele utilizou a mesma técnica evidenciando a paisagem da metrópole por meio da simetria e padrões estabelecidos pelas pessoas.


O indiano Bahbak Hashemi-Nezhad realiza em diversas metrópoles trabalho similar.





Este tipo de produção fotográfica pressupõe algumas etapas para a realização, não sendo um simples apertar de botão. Primeiramente se torna impossível a realização destas imagens sem a observação e contemplação do local e das pessoas por um grande período de horas ou dias.

Em um segundo momento, o fotógrafo decide pela tomada de posição da câmera, geralmente em um tripé e inicia a produção das fotos. Geralmente para a produção de uma destas imagens são fotografadas cerca de três mil a dez mil imagens.

Porém, na terceira etapa do trabalho, o fotógrafo soma a sua experiência no local para filtrar o elemento mais recorrente ou referencial que torna aquela paisagem um sentido. Neste momento a memória espacial da experiência realizada pelo fotógrafo se torna um elemento essencial para a definição de qual filtro ele irá utilizar. Por fim, em uma quarta etapa, ele "recorta" os elementos que julga serem referentes e os justapõe em uma imagem previamente preparada (sem pessoas), ajusta cores, brilhos, contrastes e sombra e finaliza a produção da foto.

EXPERIÊNCIA EM LINGUAGEM E A LINGUAGEM EM EXPERIÊNCIA

Para a produção de meu trabalho fotográfico experimental na Praça da Sé parti da intenção de ter uma real experiência no local, vivenciar a paisagem em diferentes pontos para definir onde seria minha tomada principal e tinha o intuito de produzir um discurso verbal que poderia ser analisado por três pontos de vista na composição do sentido por meio de sua atualização (no ato de produção do trabalho), com influência dos estudos do linguista estruturalista francês Émile Benveniste que se sustenta a partir dos exames dos procedimentos de conversão da experiência em linguagem e da linguagem em experiência.

O primeiro passo que adotei na Praça da Sé, sob a luz da fenomenologia, tinha como intuito identificar os domínios interiores e exteriores daquele espaço. Na manhã que cheguei para fotografar era um narrador-personagem, iniciei a metodologia fenomenológica do corpo próprio (corpo imaginário) adotando um ponto de vista fixo. Não como observador do marco arquitetônico do local, a catedral da Sé, mas da Praça, que mesmo com seus traços demarcados, o que forma a sua percepção como tal é o traçado e o gesto padronizado das pessoas.

Assim, ao me posicionar com a câmera em um ponto e fotografar aleatoriamente as imagens da praça eu poderia captar os domínios exteriores dos gestos e das formas de caminhar e, posteriormente, a análise dos filtros seria a forma de registrar os domínios interiores da praça.

Sem o rigor dos estruturalistas, defino o domínio exterior como o plano de expressão, pelo qual podemos acessar o conteúdo, e o domínio interior como o plano de conteúdo. Comparando a um quadro, o plano de expressão seria a técnica do pincel, os usos da tinta e a textura, e o plano do conteúdo o assunto retratado. Com essa consideração construímos o espaço da Praça da Sé partindo do sensível aleatório, que no caso é o domínio comum, ao plano de expressão e conteúdo.


AS FOTOGRAFIAS

A primeira imagem apresenta os fotógrafos da Catedral da Sé. A Praça assume nesta imagem um caráter de ponto de fotografia, não pelo conteúdo da imagem que as pessoas registram, pois esta não é a preocupação. O interesse aqui é fotografar para registrar que a pessoa que fotografa esteve neste local, sem se importar com o tempo nem com a imagem, mas com a marca de ancoragem espacial. Trata-se de uma pequena pausa no caminhar para registrar esse ponto de passagem, as poses não são dignas de fotógrafos retratistas mas sim de caminhantes retratistas, muitos estão de lado, em movimento ou disfarçando. Enquanto fotografam seguram sacolas, bolsas, compras em geral, não podem perder tempo.

FOTÓGRAFOS








VEÍCULOS

A Praça muda de paisagem e se transforma em uma via dos mais variados veículos, outra ocupação, outro tempo, uma distorção da função.


CORES

A Praça adquire uma padronagem de cores imperceptível, mas identificável. Não pelo uso ou modismo das pessoas, mas como em um breve esforço da memória esses elementos realçam a paisagem e configuram uma paleta de cores do local.



Considerações finais

O discurso fotográfico experimental realizado na Praça da Sé buscou contemplar, em suas figuras, as categorias semânticas para produzir o efeito do real, suas paisagens e seus personagens. Todos os elementos simbólicos em uma sintaxe de sobreposição atemporal mostram paisagens formadas pelos usos da Praça da Sé. Desde a escolha do ponto de vista até a produção final o trabalho teve como tônica a transposição sensorial da paisagem vivenciada. Inserindo no espaço por um tempo limitado, partilhando das experiências com as pessoas e identificando o que tem de comum (no sentido coletivo) e o que tem de corriqueiro.

Após a realização do trabalho partilhei o produto final (as fotografias) em redes sociais para diversas pessoas, imediatamente percebi que ao observarem as fotografias e, ao tentar reconstruir qual era o local, os espectadores sentiram uma atualização da experiência daquele local, uma potencialização de um detalhe que todos já haviam percebidos. Portanto, a recepção das imagens, mesmo não sendo este o objetivo do processo experimental da fotografia, abriu uma nova possibilidade de trocar experiências sobre uma paisagem, a narrativa criada partindo de uma fotografia que impulsiona pensamentos e sentidos antes percebidos e não organizados.





REFERÊNCIAS:
ARNHEIM, Rudolph. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1980.
BARBOSA, J. L. e CORRÊA, A. de M. A Paisagem e o Trágico em O Amuleto de Ogum. In ROSENDAHL, Zeny. e CORRÊA, Roberto Lobato. Paisagem, Imaginário e Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001, p. 71-102
BARROS, Diana Luz Pessoa. Teoria do Discurso. São Paulo, Ed. Atual 1988.
BENJAMIN. Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In. Os Pensadores, São Paulo: Abril S.A. Cultural, 1983.

BENVENISTE. Émile. Problemas de linguística geral. Rio de Janeiro e São Paulo: Nacional Edusp 1976.

FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. As categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo, Ed. Ática, 2005

JACQUES, Paola Berenstein. A estética das favelas. Arquitextos, n. 078. São Paulo, Portal Vitruvius, 2001
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MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo, Martins Fontes 1993.












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