A PARCERIA FORNECEDOR-INDÚSTRIA

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A PARCERIA FORNECEDOR-INDÚSTRIA Giliarde Berges* Manuel Antonio Munguia Payés** *Bacharel em Ciências Econômicas pela Uniso, Sorocaba, SP, Brasil. E-mail:[email protected] **Doutor em Economia, professor e Coordenador do curso de Ciências Econômicas da Uniso, Sorocaba,SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: Outubro de 2014

Avaliado em: Março de 2015

RESUMO: A alta concorrência na indústria tem estimulado as empresas a desenvolver estratégias de mercado para aumentar a competitividade. Este artigo procura esclarecer, através relatos, quais são e no que resultam as de parcerias de alto nível de colaboração na indústria. A pesquisa caracteriza-se, do ponto de vista metodológico, como revisão bibliográfica de trabalhos publicados sobre o tema. Conclui-se que os resultados provenientes das parcerias industriais em alto nível de colaboração facultam vantagens competitivas às empresas em termos de custos, qualidade, tempo e estoque. PALAVRAS-CHAVE: Parceria na Indústria. Relação Fornecedor-Cliente. Vantagem Competitiva.

PARTNERSHIP BETWEEN SUPPLIER AND CUSTOMER IN INDUSTRY ABSTRACT: The high competition in the industry has encouraged companies to develop market strategies to increase competitiveness. This article seeks to clarify through reports the results high-level collaborative partnerships in the industry. From a methodological point of view the research is characterized as a literature review of published papers on the subject. It is concluded that the results from industrial partnerships at a high level of collaboration provided competitive advantages to companies in terms of cost, quality, time and inventory. KEYWORDS : Partnership in Industry. Customer-Supplier relation. Competitive advantage.

1 INTRODUÇÃO A crescente necessidade de aprimoramento de abordagens estratégicas e ganho de competitividade na indústria tem promovido a busca por evolução de diversos aspectos administrativos empresariais; e entre eles está o desafio de desempenhar uma relação eficaz em parcerias estratégicas com fornecedores e clientes. Para Schumpeter (1912, p.66), dois pontos crucias para a inovação econômica são a conquista de novas fontes de suprimento de matérias-primas e produtos intermediários, e o desenvolvimento de novas formas de organização que, segundo Merli (1991, p. 52-55), são características encontradas em uma parceria de alto nível de colaboração. Segundo Merli (1991, p. 9), as empresas que desejam obter êxito no mercado, devem entender que a estratégia de negócio não deve ser concentrada somente em si

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2 mesmas, mas estender-se até as companhias fornecedoras e clientes que fazem parte da cadeia. Para o autor, a realidade contemporânea é que uma empresa de sucesso não está isolada, mas na verdade faz parte de um conjunto de empresas em série, na qual uma influencia no resultado da outra. De acordo com Vrijhoef e Koskata (1999, p. 142), as ferramentas logísticas da Gestão da Cadeia de Suprimentos necessitam da colaboração entre os membros desta cadeia para alcançar grandes magnitudes, visto que as metas em comum entre os integrantes podem proporcionar o fortalecimento de estratégias e aumentar a amplitude de recursos. Há um grande número de trabalhos científicos que destacam a importância de parcerias como estratégias de mercado, o presente artigo tem o objetivo de se fundamentar nestas publicações para elucidar as vantagens competitivas como inferências de desenvolvimentos de formas de organização em quais parcerias entre fornecedores e empresas clientes na indústria com alto nível de colaboração. Considerando que a abordagem do termo empresa fornecedora manufatureira e empresa cliente manufatureira possa ser redundante e até mesmo dificultar o entendimento, este trabalho poderá se referir à parceria em estudo como fornecedor-indústria, a fim de facilitar a compreensão, quando necessário. A metodologia de pesquisa deste artigo, de acordo com a taxonomia definida por Vergara (2011, p. 43), classifica-se em revisão bibliográfica, por ter sido fundamentada em livros e periódicos, e também considerada explicativa, pois o artigo propõe esclarecer os processos e relacionamentos dos parceiros até o alcance de seus resultados. As consultas foram realizadas em estudos de autores que atuam não somente na área de ciências econômicas, mas também de administração de empresas e de processos de produção que abordaram expressivas contribuições à literatura sobre parcerias do tipo fornecedor-indústria. Entre os principais autores estão Merli (1991), Laugeni e Martins (2005). Foram ainda apresentados dados empíricos de parcerias, de caráter de profundidade e detalhamento conceituados em estudo de caso da maior fabricante de eletrodomésticos do mundo, Whirpool Corporation, pelo método de investigação explicativa, baseada em revisão bibliografia (VERGARA, 2011, p. 43 – 44). Este trabalho foi dividido em três partes: a primeira explana a revisão bibliográfica utilizada e os antecedentes históricos do tema; a segunda, a importância e justificativa do

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3 tema abordado; e a terceira, um estudo de caso de um dos níveis introduzidos na revisão bibliográfica, mais especificamente o nível 4, de alto nível de colaboração.

2 RELAÇÃO FORNECEDOR-INDÚSTRIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Segundo Lovecchio (2005, p.1), no início do século XX, o fornecedor ditava as condições de mercado, pois a demanda de bens era muito superior à oferta, o que abrandava a concorrência entre os fabricantes, pois sempre haveria demanda para os seus produtos. Um cliente da produtora americana de automóveis Ford, por exemplo, deveria aguardar um longo período para adquirir um automóvel, o qual era oferecido em um único modelo e cor conforme definidos pelo fabricante; a famosa frase de Henry Ford “os clientes podem adquirir um carro na cor que quiserem, desde que seja na cor preta” marcou este período. Acredita-se que, por volta da década de 1930, a situação até então conceituada no mercado entrou em colapso. Segundo Lovecchio (2005, p.1), a oferta passou a superar a demanda, ou seja, a concorrência entre os ofertantes foi estimulada, já que o fabricante deveria convencer o consumidor de que seu produto era melhor que o de outro produtor; como consequência, os clientes tiveram força para se impor no mercado. Segundo Schumpeter (1982 apud VIEIRA, p. 48), ao existir grande concorrência no mercado, as firmas inovadoras tendem a substituir firmas com metodologias antigas. Os ciclos econômicos caracterizados pela ascensão de um conjunto de firmas capazes de inovar, e pela falência de outras empresas que continuam obsoletas, foram chamados por Schumpeter de “destruição criadora”. Neste enfoque, com o intuito de permanecer no mercado, as empresas buscam desenvolver novas técnicas de produção cada vez mais eficazes, entre elas a organização empresarial (LAUGENI; MARTINS, 2005, p. 4). Conforme Merli (1991, p. 52-55), a evolução de níveis de organização e colaboração na relação entre clientes e fornecedores pode ser organizada em quatro níveis distintos, que serão descritos a seguir: a. Nível 1 Diz respeito à abordagem convencional, no qual o preço é o fator mais importante na compra e não há garantia de qualidade, o que consequentemente exige que os produtos comprados sejam inspecionados no recebimento. Nesse sentido, pode-se tomar como exemplo, os produtores chineses que, em diversos setores, apresentam tais características.

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4 Segundo Kinge (2007, p. 156-157), a indústria automobilística chinesa é a que mais cresce em todo o mundo; alavancada pela produção de baixo custo, consegue conquistar mercados através de seus automóveis com preços muito mais baixos que os de seus concorrentes. Outro setor que pode ser citado neste mesmo nível é o de empresas com produções destinadas a consumidores finais de baixa de renda, tendo assim o preço como fator crucial e decisivo (BARKI, 2008, p. 125). Considerando o preço como pressuposto para o cliente final, supõe-se que para as empresas alcançarem tal objetivo, também buscamse fornecedores de insumos ou produtos intermediários focando nos preços de compra. b. Nível 2 Neste nível, a qualidade passa a ser o ponto prioritário, o número de fornecedores é reduzido e dá-se início a um relacionamento de forma mais duradoura, com o desenvolvimento da confiança recíproca. Para Marin-Garcia e Bonavia (2011, p. 124 – 125), as empresas clientes optam por produtos de alta qualidade para que sejam compatíveis com as suas necessidades específicas, evitando, desta forma, erros em seus processos. No Brasil, um arquétipo do nível 2 se desenvolve com a adoção de estratégias gerenciais mais avançadas a partir dos anos 80, engendrado pelo sistema Toyota de produção, ISO 9000, e o TQC (Total Quality Control); este último consistindo-se em um conjunto de conceitos, princípios e métodos que priorizam a qualidade dos produtos produzidos, levando em conta o constante contato com os clientes para o desenvolvimento em grupo (MACHLINE, 1994, p.10-11). Com o objetivo de melhores resultados, dá-se maior notoriedade à horizontalização, as empresas aspiram cada vez mais comprar produtos intermediários de outros fabricantes do que produzi-los internamente. Em alguns casos, o valor gasto nas compras de terceiros representa até 90% do valor total das vendas, sendo comuns os casos de 40% e 60%, tornando, assim, ainda mais evidente a importância nas relações entre fornecedores e clientes (LAUGENI; MARTINS, 2005, p. 292). Devido ao foco no desenvolvimento das parcerias, a integração entre as partes passou a predominar nas relações em níveis mais avançados.

c. Nível 3

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5 No nível 3, o cliente e o fornecedor fazem investimentos comuns em pesquisa e desenvolvimento, implementam sistemas de qualidade integrados, e o fornecedor tem participação no desenvolvimento do produto do cliente. Neste nível, é comum encontrar redes de empresas que embora trabalhem de certa forma em conjunto, nem sempre atingem um grau elevado de colaboração. Para Gelinas e Markus (2005 apud MUNHOZ; VIEIRA, 2009, p.2), há parcerias que desempenham integração de dados, informações, processos e procedimentos entre fornecedores e clientes, porém, isso não significa necessariamente que há colaboração intensa, muitas vezes essa relação pode ser caracterizada como uma cooperação restrita. Munhoz e Vieira (2009, p. 2) afirmam que há casos nos quais uma das partes se torna soberana, determinando os caminhos das negociações, como no caso de algumas montadoras, por exemplo, as quais, ao agir com negligência em suas promessas, causam aos fornecedores dependentes, perdas na má utilização da capacidade produtiva, como estoques indesejados e custos decorrentes destas inconsistências. d. Nível 4 Neste nível, há a integração estratégica entre clientes e fornecedores nos negócios, com desenvolvimento de produtos e processos em conjunto, cadeias de suprimentos integradas, acordos compartilhados de estratégias e políticas. Nível definido pela parceria entre fornecedores e clientes nos negócios, enfatizado como a caracterização da cofabricação, mais comumente conhecido pelo termo em inglês, co-makership. De acordo com Oudshoom (2009, p. 2), o termo co-makership se refere ao relacionamento entre o comprador e o fornecedor em uma cadeia de suprimentos, os quais compartilham informações entre si nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, mercado e distribuição. O desenvolvimento do produto junto ao fornecedor é um ponto relevante, pois o produto final do cliente se estrutura na tecnologia dos componentes produzidos por seus fornecedores. Quando, por meio da parceria, o cliente tem acesso às características da capacidade e da tecnologia dos fornecedores, muitas oportunidades podem surgir em termos de função tecnológica e custo, além de contar com o conhecimento dos especialistas desenvolvedores dos produtos que compõem sua produção (MERLI, 1991, p. 63). Segundo Penrose (1959, p. 75 - 77), embora os recursos produtivos de uma empresa sejam importantes, a forma com que serão utilizados é que definirá a vantagem competitiva de uma firma em relação às demais. Quando uma empresa se relaciona com outra, há a possibilidade de aplicar melhor seus métodos produtivos. Para Goold e €CO$, Sorocaba, SP, v. 4, p. 1-76, dezembro 2015

6 Campbell (1998, p.133), o compartilhamento de know-how entre parceiros tem potencial de geração de sinergia, seja este através de materiais formais e políticas ou até mesmo pela simples exposição de um ao outro por métodos diversos de executar determinada tarefa ou processo. Atualmente o Brasil está entre os países que operam de acordo com princípios do modo de produção enxuta, o que exige uma forte integração entre empresas na cadeia de suprimentos, e, como exemplo de uma parceria plena do nível 4, alguns modelos no país, como os de montadoras automotivas, os fornecedores de primeiro nível chegam a compartilhar o mesmo parque fabril com as montadoras (MARINI, et al, 2004, p. 3 – 4). Segundo Penrose (1959, p.103), a relação entre as firmas faz com que o fornecedor se esforce para modelar as características e qualidades dos produtos produzidos de acordo com as necessidades dos compradores, enquanto a firma compradora se empenha em colaborar com o desenvolvimento dos produtos de que há necessidade para seu próprio benefício.

3 A IMPORTÂNCIA DA PARCERIA Para Alvarez e Queiroz (2003, p. 1), o foco no estreitamento dos laços de parceria com fornecedores tem sido elevado a um patamar de igual importância ao dos clientes de uma empresa, pois as chances de sucesso são maiores quando há uma integração eficiente em toda a cadeia produtiva que opera sinergicamente para fornecer um produto ou serviço eficaz a seu parceiro imediato. Para os autores, se um dos elos falhar, o resultado final pode ser comprometido.

A tentativa das organizações de obterem diferenciação no mercado e redução de custos criou um grande movimento para que o setor de suprimentos reforçasse seus relacionamentos com fornecedores. O desenvolvimento e compartilhamento de ideias visam à melhoria dos produtos e serviços e à redução de riscos, para tornar possível uma maior vantagem competitiva para os participantes (DALTO; MARANHÃO, 2006, p. 1).

O principal objetivo das empresas que se aliam é de se fortalecerem no mercado através da sinergia, termo usado na microeconomia para se referir à habilidade de interação de duas ou mais unidades de negócios para gerar maior valor juntas do que as mesmas conseguiriam somando as produções de cada uma das duas separadamente (GOOLD; CAMPBELL, 1998, p. 133).

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7 As alianças têm como meta minimizar o custo das transações através de estratégias e trocas de conhecimentos e competências entre os aliados (SPEKMAN et al, 1998, p. 749), e também aumenta a possibilidade da entrada em novos mercados no decurso da parceria e ganho através da exploração de economias de escala (RODRIGUES, 1999, p. 133-134); entende-se por ganho de escala quando a firma reduz seu custo médio ao expandir sua produção a longo prazo (GOMES, 1992, p. 60). De acordo com Mburu (2012, p. 8), ao consolidar uma relação com garantia de longo prazo, os fornecedores podem ser motivados a investir e desenvolver seus produtos por se sentirem seguros. Além disso, segundo Penrose (1959, p. 97), uma das oportunidades mais importantes para diversificação surgem como resultado de uma relação entre uma firma e seus clientes. Merli (1991, p. 70) ressalta que o fornecedor a ser escolhido como parceiro de longo prazo, para uma parceria de nível 4, deve ser aquele que tenha a tendência ou consinta em focar seu desenvolvimento na direção de negócio do cliente; ainda que este fornecedor não tenha grande capacidade no momento, será mais efetivo para o desempenho da parceria do que um de alta tecnologia e grande capacidade que tenha um desempenho inadequado à atividade de interesse. Porém, Rodrigues (1999, p.124-125) destaca que parcerias estratégicas com grandes empresas podem funcionar como um atalho para a competitividade de mercado, pois, em uma relação de alto nível de colaboração, a firma passa a ter acesso às altas tecnologias dos parceiros que antes não seriam acessíveis. Segundo Merli (1991, p. 8), os fornecedores são coprotagonistas com as companhias que operam no mercado final, pois afetam diretamente nos tempos de desenvolvimento de novos produtos, informação, produção e distribuição. Ainda segundo esse autor, na indústria automotiva, por exemplo, mais de 70% do custo do produto final é atribuído ao fornecimento externo, e somente uma parceria consistente o bastante como a de nível 4, definida pelo termo co-makership, poderia ter uma abordagem eficaz para a redução destes tempos e custos. De acordo com Laugeni e Martins (2005, p. 297), uma parceria de nível elevado, como a de co-makership, o contrato estabelece que a empresa fornecedora obtenha exclusividade do fornecimento dos produtos em contrato até o fim do ciclo de vida dos mesmos. O conceito de Comakership está diretamente relacionado ao de SCM, do inglês Supply Chain Management, traduzido como Gestão da Cadeia de Suprimentos (GONTIJO, et al, 2010, p. 6), que consiste na integração organizacional dos membros em €CO$, Sorocaba, SP, v. 4, p. 1-76, dezembro 2015

8 uma cadeia de suprimentos e coordenação de materiais, informação e fluxos financeiros, no intuito de atender às demandas e aumentar a competividade (TAVELLA; HJORTSO, 2012, p. 4). A necessidade da consistência da cadeia de fornecimento de forma eficiente nas organizações fez com que as ferramentas de gestão passassem a considerar o gerenciamento de suprimentos em suas iniciativas estratégicas, de forma a oferecer vantagem competitiva em melhorias de disponibilidade, qualidade, entrega e custo total (HARRINGTON, 1997, p. 312). A SCM é uma prática consolidada e essencial do pensamento de administração de produção, suas ferramentas e técnicas têm contribuído para tradicionais áreas da indústria, alcançando níveis operacionais de desempenho e eficiência na coordenação de fornecedores e clientes (VORST, et al, 2007, p. IX). A chave para a coordenação desta prática é a relação cada vez mais próxima com os fornecedores da cadeia (MENTZER, et al, 2001, p.2) comprometimento e confiança entre as empresas clientes e fornecedoras são características determinantes de uma parceria eficiente, incluindo a realização de investimentos específicos para a implementação e desenvolvimento dos processos integrados (MARINI; GONÇALVES; GIACOBO, 2003, p.1). A meta no serviço ao cliente por meio da SCM é a certificação das entregas e qualidade dos produtos em local e tempo determinados. As firmas da cadeia podem planejar suas produções e compromissos desta forma, além de poderem reduzir seus estoques (MBURU, 2012, p. 2).

4 ESTUDO DE CASO Whirlpool International B. V. (WIBV) A Whirlpool Corporation é a líder mundial na manufatura de eletrodomésticos, com venda anual de, aproximadamente, 18 bilhões de dólares em 2010, com 71 mil empregados e 66 centros de pesquisa tecnológica e manufatureira ao redor do mundo (CORPORATION, 2011). O presente estudo de caso extraído do livro de Merli (1991, p. 225 – 232) apresenta dados de uma parceria de nível 4 relatada na empresa Whirlpool, na qual há uma integração estratégica entre os parceiros e alto nível de colaboração.

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9 Um dos primeiros passos da evolução do relacionamento fornecedor-indústria é estabelecer especificações claras e aceitas por ambos, mas o passo seguinte, que leva a um verdadeiro co-makership, é que o fornecedor possa participar desde o projeto do produto e dar sua contribuição construtiva no desenvolvimento funcional do componente e do produto como um todo, não somente para facilitar a tarefa de fabricá-lo, mas para fornecer uma mercadoria melhor em virtude da sua maior competência e assegurar componentes em conformidade para produção e continuação no processo de controle de qualidade. A participação do fornecedor no desenvolvimento do produto guia o processo a designs mais balanceados, e a padronização dos produtos geram controles mais eficazes, com menos quantidade de códigos de controle, que diminuem os níveis de rejeição e evitam retrabalho, o que também melhora o desempenho no setor de compras e recebimento pela facilitação do controle. Após a aplicação de programas padrões de qualidade através do ISO 9000, procedimento de auditoria e scoring system (análise de qualidade) para avaliação e classificação do fornecedor, foi realizada uma revisão do plano de controle do fornecedor, com implementação do Controle Estatístico de Processo (CEP), sistema que permite prevenir o aparecimento de defeitos mediante o estudo e a redução das variações dos processos, visando o melhoramento da qualidade dos produtos. Os fornecedores incorporaram a certificação de entregas, presente no contrato de garantia de qualidade, processo este que determina as características das entregas das mercadorias para que as mesmas sejam efetuadas rigorosamente de acordo com as especificações do pedido da empresa, em perfeitas condições de utilização, sem quaisquer vícios ou defeitos para a elaboração a implementação do processo free pass, termo utilizado para itens com qualidade garantida - o produto vem do fornecedor e entra diretamente na linha de produção sem qualquer inspeção da empresa que o recebe, o controle do processo no caso estudado utilizou-se da abordagem de defeitos zero medido em parte por milhão (ppm). Para aplicação do processo free pass, o fornecedor participou desde os projetos de desenvolvimento dos produtos da Whirlpool com intuito de aperfeiçoar seus componentes fornecidos em conformidade à necessidade da atividade, efetuar estudos de capacidade produtiva e padronização de controle de qualidade. Todos os produtos que apresentassem defeitos ou vícios seriam retornados ao fabricante para inspeção, com a finalidade de promover medidas de prevenção que retifiquem ou evitem os processos que ocasionassem €CO$, Sorocaba, SP, v. 4, p. 1-76, dezembro 2015

10 o problema; além disso, o fornecedor deve incrementar seu controle de inspeções de qualidade para que se, após as ações realizadas no processo produtivo, ainda haja risco de erros, o produto em inconformidade não saia para entrega. Cerca de 20% dos fornecedores, que compõem de 80 a 85% das atividades de compra, passaram a aplicar um conjunto de normas técnicas que estabelecem padrões de qualidade para a gestão, o ISO 9000. Ainda, 80% dos fornecedores acordaram adotar a o processo de free pass. As melhorias foram implementadas com assinatura de contrato de garantia de qualidade com base na documentação técnica, plano de controle e análise de indicadores de desempenho durante período definido. Os fornecedores foram divididos em três grupos distintos: Potenciais fornecedores com capacidade de aplicação de just-in-time com entregas sincronizadas; potenciais fornecedores com processo de coleta de materiais retornáveis e pedidos diário; e outros fornecedores. A aplicação do sistema just-in-time, que é uma das ferramentas mais famosas e usadas da SCM, consiste em ter diariamente um sistema de entregas sincronizado, o cliente envia pedidos de ordem de compra aos fornecedores. As ordens são processadas em tempo suficiente para que no momento de necessidade dos produtos na planta do cliente, as produções e entregas já tenham sido concluídas pelos fabricantes. Com o sistema de entregas sincronizadas, o cliente envia diariamente ordens aos fornecedores, que são processadas no prazo de dois dias, com entrega de um turno antes do exigido. O recebimento dos materiais dos fornecedores foi definido a ser realizado em intervalos de uma hora, com o objetivo de aperfeiçoar as atividades de descarga nos armazéns. Os resultados obtidos apresentaram alta credibilidade na realização de entregas. Mais de 95% das entregas foram realizadas em conformidade. Redução de estoque e de área coberta em 65% devido à confiança de que os recebimentos ocorreriam conforme planejado.

Tabela 1- Aplicação de processos de integração entre os fornecedores e a Whirlpool. Antes

Depois

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A curto prazo

11 Fornecedores com materiais volumosos, em grande volume, e em alta frequência de entrega.

JIT: entregas sincronizadas elaboradas em computador pessoal e enviadas via Telefax, frequência: uma vez ao dia. Coleta de dados dos materiais, materiais retornáveis, pedido diário de 1/5 da solicitação semanal (Projeto Daisy). Administração tradicional

Fornecedores com pequeno ou médio volume de materiais não volumosos.

Outros fornecedores (matéria-prima, e materiais importados)

JIT: entregas sincronizadas elaboradas em Mainframe e enviado via EDI, frequência: 2 a 3 vezes ao dia. Coleta de materiais, materiais retornáveis, pedidos diários, solicitação através de Kanban Eletrônico. Administração inovadora específica.

Fonte: MERLI (1991, p. 228).

Gráfico 1 – Quantidade de dias de produtos em estoque de fornecedores que implementaram o Just-In-Time. 8 7

7,14

7,49 6,7

6,87

6 5,38

5 4

3,58 3,67

3

2,77

2

2,4

1 0 Set

Nov

Fev

Mai

1987

Ago

Set

Out

Nov

Dez

1988

Fonte: MERLI (1991, p. 228).

Transporte Daisy – Coleta de Materiais Retornáveis

Transporte Daisy é o processo no qual os materiais são transportados do fornecedor (o qual produz de acordo com o plano de produção) para a fábrica do produtor. Todos os dias o caminhão coleta dos fornecedores a solicitação diária conforme plano pré-fixado. Através do transporte Daisy, os fornecedores passam a ser mais fiéis às regras de entregas e podem organizar e programar de método efetivo suas atividades, e o cliente

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12 por outro lado, pode ter mais confiança na regularidade dos recebimentos dos materiais e um aumento de desempenho em seu planejamento de materiais e de produção. As indústrias também utilizaram mais um dos instrumentos de SCM, o EDI Intercâmbio Eletrônico de Dados, do inglês, Electronic Data Interchange, sistema que realiza a transferência eletrônica de documentos estruturados seguindo um padrão definido, entre aplicações informáticas da rede do fornecedor e do cliente. A ferramenta foi implementada nos ambientes dos fornecedores, padronizando as seguintes mensagens: ordem de compra, notas de entrega, expectativa de faturamento, e nota de pagamento. Os resultados do teste piloto nas ordens de compra foram: redução do tempo de processo em 50%, e redução de custos em 40%.

Treinamento

A introdução da co-makership requer um treinamento adequado, tanto internamente quanto na planta do fornecedor, no sentido de know-how, profissionalismo e atitude. Para tanto, a Whirlpool preparou três treinamentos internos: processo de comakership geral, co-makership e qualidade, e co-makership e logística. Na planta do fornecedor, os seguintes programas foram definidos: expectativas do cliente, sistema de qualidade, procedimentos, indicadores de desempenho, ISO 9000, processos de controles estatísticos, processos de capacitação, e qualidades de custos. Para administrar o desenvolvimento, este tem que ser capaz de ser mensurado. Indicadores de desempenho foram introduzidos nas seguintes áreas: auditoria de sistema de qualidade, qualidade de entrega, rejeição de produtos, inovação e suporte técnico, e logística - tempo de entrega, e segurança (MERLI, 1991, p. 225 - 232).

Resultados

Através das implementações de melhorias nos processos, a Whirlpool pode padronizar os materiais utilizados para produção, melhorando os controles e planejamentos tanto da própria empresa quanto dos fornecedores e tendo ganhos no tempo e gastos administrativos de compra, venda, entrega e planejamento, quando comparado ao processo tradicional, e através das melhorias nas comunicações, a confiança entre os parceiros foi desenvolvida e o estoque pode ser reduzido, minimizando os custos de armazenagem e dos processos envolvidos. €CO$, Sorocaba, SP, v. 4, p. 1-76, dezembro 2015

13 A aplicação do free pass fez com que se tornasse desnecessária a inspeção dos produtos recebidos antes de serem disponibilizados à produção, economizando tempo e mão-deobra na planta da Whirlpool.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O sistema co-makership, parceria do nível 4, foi diagnosticado através dos estudos apresentados como um processo de desenvolvimento que exige um alto nível de colaboração e comprometimento no relacionamento fornecedor- indústria, representado por conceitos como os de confiança mútua, participação e fornecimento com qualidade assegurada baseados em relações de longo prazo. Uma das principais vantagens na parceria de nível 4, a redução de estoques e custos relacionados, é alcançada através de sistemas de comunicação. Os parceiros trabalham alinhados a fim de promover sua redução, tanto para o fornecedor, que terá uma produção planejada sem excessos, quanto para a empresa cliente, que demandará apenas o que será usado na produção atual; consequentemente, ambos reduzem custos nos processos e áreas de armazenagem. Uma segunda vantagem proveniente dos processos de alto nível de qualidade que possibilitam a implementação do free pass é a eliminação da inspeção da matéria-prima pela empresa recebedora, o que resulta em ganho no tempo de ciclo de produção, reduz o custo médio do produto e, além de tudo, evita o retrabalho causado por componentes defeituosos, já que as mercadorias recebidas são de alta qualidade. O fornecedor alcança alto nível de qualidade proveniente de seu envolvimento nos projetos de desenvolvimento em que os seus componentes fornecidos serão usados, conhecendo as funções e necessidades dos produtos do parceiro, o que o permite padronizar sua produção para evitar que problemas de qualidade sejam evitados. O fornecedor padroniza e desenvolve sua produção voltada ao cliente pelo fato de ter a garantia de que há contratos de longo prazo, ou seja, tem a segurança de poder manter seu faturamento. Há ainda a vantagem competitiva originada nos contratos de longo prazo. A empresa compradora evita gastos monetários e tempo para desenvolver novos parceiros, enquanto as empresas fornecedoras focam seus investimentos na atividade de interesse do parceiro, pois têm a garantia do fornecimento exclusivo de seus produtos.

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14 Portanto, através dos estudos pesquisados, elucidam-se as vantagens competitivas que a relação fornecedor-indústria pode alcançar. Os trabalhos consultados demonstram que há possibilidade de se alcançar vantagens competitivas a ambas as partes, entre estas a redução de estoques, custos, aperfeiçoamento de controles produtivos e de qualidade, contratos de longo prazo e aproveitamento de tempo.

REFERÊNCIAS

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