A Participação Acadêmica no Processo de elaboração do Livro Branco de Defesa: o caso do Brasil

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A PARTICIPAÇÃO ACADÊMICA NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO LIVRO BRANCO DE DEFESA: O CASO DO BRASIL. Wellington Ferreira Gomes (Centro Universitário Claretiano)

RESUMO Este trabalho tem por finalidade demonstrar que durante o processo de elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), no ano de 2011, a metodologia de trabalho utilizada pelo governo brasileiro, coordenada pelo Ministério da Defesa, não incluía as universidades nesse processo. Além disso, tem-se a pretensão de demonstrar que as universidades estavam capacitadas tanto pelo nível intelectual do seu corpo acadêmico, segundo os critérios da Capes, quanto pelo capital cultural em estudos estratégicos e estudos de defesa, campos de investigação estreitamente vinculados às pesquisas sobre questões militares, estando, portanto, habilitadas a debater e a influenciar na formulação de políticas de defesa do Estado brasileiro como instituições participantes do processo de elaboração do LBDN. Os principais tópicos abordados neste trabalho são: o Livro Branco de Defesa Nacional e sua metodologia de trabalho; e a universidade na sua relação com o Estado na Defesa Nacional. Palavras-chave: livro branco. defesa nacional. estudos de defesa. estudos estratégicos. e universidade. 1. INTRODUÇÃO Historicamente no Brasil os temas de segurança e defesa são pouco explorados por setores da sociedade como da política, da economia, da indústria, da academia, dentre outros. Winand e Saint-Pierre (2010) afirmam que falta uma cultura de defesa no Brasil e que esta constatação também é reconhecida pelo governo brasileiro por intermédio do documento da Política de Defesa Nacional, de 2005, onde se faz constar que a percepção de ameaças ao território nacional está ligeiramente apagada na memória dos brasileiros. Oliveira (2006) aponta quatro fatores que justificam o pouco interesse pelo tema: o primeiro diz que “ao superar o passado autoritário, uma parte articulada da sociedade rejeitou as forças armadas”; o segundo aborda sobre o descrédito dos governantes e parlamentares da existência de problemas de defesa; o terceiro fator mostra que as carências sociais no Brasil são tão prioritárias que não deixam brecha para políticas públicas de defesa na agenda; e, por último, esse autor afirma que para os políticos “os temas prioritários „dão votos‟, a defesa nacional „não dá votos‟”. Apesar do exposto anteriormente verifica-se, segundo Miyamoto (2001), um razoável aumento e uma maior atração dos acadêmicos pelos temas de estudos estratégicos nas últimas

décadas. De acordo com esse autor, o desenvolvimento das áreas de Ciência Política e Relações Internacionais são recentes no Brasil e a institucionalização dessas duas áreas ocorreu concomitante ao relativo avanço nas pesquisas sobre estudos militares e estratégicos. Em razão deste crescente interesse, esse autor aponta que foram criados diversos centros de pesquisa e núcleos de estudos estratégicos, vinculados às universidades dentro das áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, com o fim de estudar fenômenos ligados a temas de defesa e segurança. Miyamoto (2001), Oliveira (2006) e Graça (2013) apontam o caráter interdisciplinar dos estudos estratégicos com outras ciências, em particular com as áreas de Ciência Política e de Relações Internacionais. Segundo Graça (2013), as origens dos estudos estratégicos remontam desde a Primeira Guerra Mundial, surgida de um movimento universitário na Inglaterra. No entanto, foi durante a Segunda Guerra Mundial que os universitários norte-americanos organizaram e sistematizaram os estudos estratégicos em um conjunto de informações sobre as diversas regiões do mundo, ou seja, os estudos estratégicos podem ser considerados uma construção acadêmica anglo-americana do século XX. De acordo com Proença Júnior (2004, p. 95), os estudos estratégicos se consolidaram internacionalmente como uma prática aceita e reconhecida na academia e acrescenta que: Isto tem-se expresso no tratamento de questões relacionadas com a seleção de armamentos, passando pelo emprego de forças armadas e do combate como instrumentos políticos até o próprio processo de formulação e avaliação de políticas de defesa. [...] O processo de formulação, gestão e avaliação de políticas em defesa e segurança tem sido conduzido à luz dos Estudos Estratégicos. (grifo nosso).

Segundo Oliveira (2006, p. 148), “a Estratégia é um campo da reflexão sobre a guerra e a paz: trata-se de disciplina a ser cultivada nas academias militares, nos institutos diplomáticos e nos cursos de Relações Internacionais”. Ainda de acordo com esse autor: os estudos estratégicos dizem respeito a temas que se relacionam com a estrutura, os agentes, os mecanismos, os processos sociais, políticos e institucionais, as ideologias e outros fatores associados ao emprego da força do Estado, isto é, a sua capacidade de destruir bens e vidas humanas. Neste sentido, faz parte do campo de Estudos Estratégicos tudo aquilo que pode ser vislumbrado como “Relações civil-militares”, que é o campo de estudos sobre a Defesa Nacional. (OLIVEIRA, 2006, p. 148)

Dessa forma, observa-se que os estudos estratégicos estão intimamente ligados aos estudos dos militares, da guerra, dos conflitos, da defesa e da segurança, seja esta última no âmbito nacional ou internacional. No entanto, encontra-se na literatura nacional a falta de consenso entre os estudiosos tais como Raza (2002), Oliveira (2006) Proença Jr. (2007),

Domingos Neto (2012) e Graça (2013), sobre quais os objetos específicos de investigação dos estudos estratégicos, bem como saber sua relação de “subordinação” ou de interdependência ao que se denomina hoje de “Ciência de Defesa” ou “Estudos de Defesa1”. Apesar destas considerações não serem objeto desse trabalho de investigação, cabe ressaltar que as disciplinas anteriormente citadas são de extrema relevância para os policymakers e decisionmakers na formulação de políticas de defesa nacional e no processo decisório da implantação destas políticas. Segundo Orellana (2012), após o período da Guerra Fria gerou-se uma onda de mudanças no cenário político mundial e na forma de como enfrentar os novos conceitos de segurança e defesa. Ainda segundo o autor, essa situação no cenário internacional necessitava gerar novas respostas aos Estados, o que exigia a intervenção por parte de organizações transnacionais, atuando sob uma nova perspectiva de confiança, conhecimento e fortalecimento mútuo entre as nações. Nesse contexto, duas organizações multilaterais se sobressaem: a Organização dos Estados Americanos (OEA) a qual orienta através de suas Diretrizes para a Elaboração de Documentos sobre Políticas e Doutrinas Nacionais de Defesa (Livro Branco) a consulta ao que eles chamam de “atores chaves” no processo de elaboração do livro branco de defesa e incluem como elemento integrante desses “atores chaves” os especialistas em política de defesa e segurança provenientes da academia, conferindo assim legitimidade na formulação desses documentos de política de defesa do Estado. Outra organização que se manifestou em razão do novo cenário internacional no pósGuerra Fria foi a Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio do Centro Regional de las Naciones Unidas para la Paz, el Desarme y el Desarrollo en América Latina y el Caribe (UN-LiREC)2, em que recomenda aos Estados-membros a transparência, a participação efetiva e representativa da sociedade civil, como por exemplos, as universidades e os centros de investigação, na elaboração de livros brancos de defesa, devendo tais representantes participarem de todo o processo, não se limitando apenas à participação de eventos ou consultas específicas sobre determinadas questões. O governo federal, no ano de 2011, por meio da página web3 oficial do Ministério da Defesa, estabeleceu como um dos objetivos da preparação do primeiro livro branco sobre a temática da defesa nacional do País, a participação ampla e democrática de diversos 1

Segundo Raza (2002), os estudos de defesa se definem como área de conhecimento humano que aloja o estudo e transmite conhecimentos sobre a defesa de maneira científica. 2 Disponível em: Acesso em: 20 ago. 2015. 3 Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2015.

segmentos da sociedade brasileira, cujas contribuições seriam empregadas em diferentes etapas do desenvolvimento do documento. Considerando a relevância do tema para a academia no sentido desta ter maior participação e influência, por intermédio de seus estudos e análises, na produção de políticas de governo e de Estado na área de defesa nacional, formulou-se o seguinte questionamento: o governo brasileiro no processo de elaboração do LBDN proporcionou, de fato, a participação ampla e democrática das instituições acadêmicas civis como colaboradoras desse processo? Este trabalho tem a finalidade de analisar a participação e as contribuições das instituições acadêmicas civis pesquisadas nas diversas atividades promovidas pelo Ministério da Defesa (MD) que tiveram o propósito de reunir insumos para a elaboração do LBDN.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica da literatura sobre a temática, tratando sobre a definição do que seja um livro branco, a importância deste no cenário nacional e internacional, e o conhecimento da metodologia de trabalho do governo brasileiro na elaboração do LBDN. Também foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o papel que a universidade pode desempenhar para o desenvolvimento e defesa do Estado através da produção intelectual. Com o fim de analisar a contribuição da academia no processo de elaboração do LBDN será apresentado o resultado de uma pesquisa de caráter exploratório, tendo como campo de investigação as Instituições de Ensino Superior (IES). Para isso, foi empregado como objeto de pesquisa, dentro das organizações acadêmicas, as universidades públicas (federal e estadual). Utilizando-se como recorte temporal o ano de 2011, por ser o ano de elaboração do LBDN. Posteriormente, esse aprofundamento foi seguido de uma pesquisa empírica para a qual foram estabelecidos os seguintes passos: uma coleta de dados nos sítios eletrônicos das universidades públicas e nos periódicos da Capes verificando aquelas que apresentam nos seus programas de pós-graduação stricto sensu das áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, temas vocacionados aos campos da estratégia e áreas afins (defesa nacional, segurança nacional e internacional, ente outros); uma análise dos conceitos atribuídos às IES públicas, dos programas de mestrado e doutorado das áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, realizadas pelas comissões de avaliação da Capes; e, por fim, uma pesquisa documental nos documentos oficiais do Ministério da Defesa e da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, identificando as instituições acadêmicas

que participaram, no ano de 2011, e colaboraram com opiniões, ideias e trabalhos na elaboração do LBDN.

2. LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL 2.1 O que é um Livro Branco de Defesa Segundo Doerr (1973), a produção de documentos denominados white papers (livro branco) tem sua origem na Grã-Bretanha, final do século XIX, como papéis emitidos pela Coroa britânica. De acordo com essa autora, a função essencial do livro branco é ser um documento informativo, de caráter público, fornecendo a informação necessária como base para o julgamento de questões de política nacional. Ainda segundo a autora, esse documento também oferece ao governo a oportunidade de testar o parecer da sociedade antes da implementação da política a ser adotada. Para o cientista político Guyer, em seu artigo “Rara Avis; Los Libros Blancos de la Defensa en el Cono Sur”, os livros brancos podem ser descritos como: [...] documentos públicos emitidos pelo governo nos quais se percebe a definição de ações destinadas a gerenciar um setor relevante da Administração Pública, e que são devidamente justificadas. (GUYER, 2008, p.1, tradução nossa).

Para Luiz (2011, p.67), o livro branco de defesa se define como um: “Documento Infraconstitucional, construído socialmente de forma multidisciplinar, através de ação interministerial que sedimentará a Política de Estado referente à Defesa Nacional”. O Brasil possui oficialmente três livros brancos publicados: “Livro Branco sobre o Programa Nuclear do Brasil”, de 1977; “Livro Branco: ciência, tecnologia e inovação”, de 2002; e o mais recente “Livro Branco de Defesa Nacional”, de 2012. De acordo com a OEA4, a contribuição dos livros brancos de defesa pode ser apreciada em dois planos: na esfera doméstica e na internacional. No plano doméstico serve para explicar o papel das forças armadas, justificar a alocação de recursos e contribuir para a valorização da democracia. 2. Externamente: a) É uma medida que gera e fortalece a confiança mútua entre Estados vizinhos. b) Produz estabilidade política na região; [...] c) Contribui para a solução pacífica de controvérsias [...] d) Alivia as tensões entre países e governos vizinhos. e) Reduz a probabilidade de ocorrência de conflitos entre Estados e f) Demonstra transparência do Estado para a comunidade nacional e internacional. (OEA, 2002, p. 5).

2.2 Metodologia de trabalho de elaboração do LBDN 4

Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2015

No ano de 2010 foi aprovada a Lei Complementar nº 136 (BRASIL, 2010), que altera a Lei Complementar nº 97, de 1999, a qual estabelece no seu § 1º do art. 9º, a atribuição ao Ministro de Estado da Defesa de implantar um livro branco. Por intermédio do Decreto nº 7.438 (BRASIL, 2011), o Estado brasileiro estabelece como uma de suas diretrizes “o incentivo a pesquisas que permitam estudo sobre temas pertinentes ao Livro Branco de Defesa Nacional” e a “realização de parcerias com instituições públicas e privadas para aprimorar e viabilizar os projetos”. Essa legislação instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) – representados por onze órgãos governamentais - com o objetivo de elaborar estudos sobre temas pertinentes ao assunto e preparar a redação do livro. Para discutir os temas e gerar insumos para a produção do LBDN, promoveu-se a realização, ao longo do ano de 2011, de uma série de atividades e eventos: seminários, oficinas temáticas e workshops realizados em diversas cidades do País. De acordo com as informações do MD, os eventos anteriormente citados tiveram como participantes e colaboradores os acadêmicos, políticos, militares, formadores de opinião e especialistas de diversas organizações governamentais e não governamentais. Segundo consta na página web oficial do Ministério da Defesa, a metodologia de trabalho para a elaboração do documento foi planejada e executada da seguinte forma pelo governo brasileiro: realização de seis seminários compostos por exposições de personalidades de notório saber sobre os temas propostos pelo MD; realização de seis oficinas temáticas de trabalho compostas por profissionais do meio acadêmico, representantes das Forças Armadas e representantes de ministérios do governo federal; e por fim, sete workshops – fóruns de acesso restrito – que funcionaram mediante convite a pessoas de renomado conhecimento nas áreas relacionadas aos temas das oficinas temáticas. Verifica-se que a produção do documento conclusivo, por escrito, do LBDN é fruto das análises, debates e estudos das oficinas temáticas e dos workshops, onde supõe-se que a intenção dos objetivos dos seminários era disseminar conhecimentos para o público em geral sobre os diversos assuntos ligados à defesa nacional, não havendo ligação direta com a produção do documento. Verifica-se, ainda, que o governo brasileiro estabeleceu sua metodologia de trabalho de preparação e elaboração do documento de política de Estado, que trata sobre defesa nacional, baseada em diretrizes e orientações advindas de organizações internacionais como a ONU e a OEA, porém adotando suas próprias práticas de discussão, divulgação e publicação.

3. A UNIVERSIDADE E O ESTADO

O ensaio de Trindade (2000) “Saber e poder: os dilemas da universidade brasileira” aborda a relação entre a universidade, o conhecimento e o Estado. Dessa tríade, o autor comenta sobre como o conhecimento produzido pela universidade moderna pode se tornar um poder nas mãos do Estado e cita, como exemplo, a magnitude do saber científico e tecnológico no “massacre apocalíptico de Hiroshima”. Nesse contexto, qual o papel das universidades nos assuntos de política de defesa nacional? Há um consenso na academia sobre o papel que as universidades podem desempenhar nos temas de defesa e segurança do Estado. Conforme Proença Júnior (2007, p. 31) afirma, “a possibilidade dos tomadores de decisões terem claras as alternativas da ação governamental dependem da Universidade, [...], através da pesquisa, da educação, e do avanço conhecimento capazes de situar os assuntos militares como governamentais”. De acordo com o entendimento de Domingos Neto, das universidades: [...] surgem conhecimentos, ideias e conceitos que repercutem na competição industrial e multiplicam a capacidade das corporações armadas. Além disso, o campo acadêmico produz elementos-chave para a percepção dos aspectos políticos que envolvem a atividade militar; fornece interpretações e prospecções acerca da dinâmica sociopolítica bem como elementos teóricos para a interpretação das tendências internacionais sem os quais as relações externas e o planejamento militar seriam fragilizados. (DOMINGOS NETO, 2012, p. 49).

Assim sendo, e de acordo com o pensamento da Escola Superior de Guerra (ESG) – instituição de ensino de altos estudos de política, estratégia e defesa, vinculada à estrutura organizacional do MD – podemos afirmar que a universidade está contextualizada em uma das cinco expressões do Poder Nacional5 - a expressão científica e tecnológica – podendo, neste sentido, influenciar e contribuir decisivamente, por intermédio da produção, disseminação e aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos, para o progresso, desenvolvimento, segurança e defesa do Estado (BRASIL, 2013). Em síntese, pode-se constatar que a universidade tem um papel fundamental, seja ela para o desenvolvimento e progresso da nação seja para defesa e segurança desta. Constata-se, ainda, que a universidade é o elo que o Estado necessita para ligar-se ao meio acadêmico, a fim de se buscar satisfazer as necessidades, aspirações e interesses nacionais, estando, portanto, inserida no aparato do Estado.

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 5

Poder nacional - capacidade que tem o conjunto de homens e meios que constituem a nação para alcançar e manter os objetivos nacionais; cinco expressões do poder nacional: política; econômica; psicossocial; militar; científica e tecnológica (ESG, 2013)

Em 2011, segundo censo do ensino superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), registrou-se a existência de 102 universidades públicas (no total de 190 universidades existentes no país), este número representa 35,9% do total de IES (incluindo as universidades, os centros universitários, as faculdades e outras instituições de ensino e pesquisa) na categoria administrativa pública, conforme se observa na Tabela 1 (BRASIL, 2011). Tabela 1 – Número e percentual de IES por organização acadêmica – 2011 Categoria Total Geral Universidades Administrativa Total de IES 2.365 190 IES Pública 284 102 IES Privada 2081 88 Fonte: adaptado da tabela do MEC/Inep-2011.

%

Outros

%

8,0 35,9 4,2

2.175 182 1.993

92 64.1 95,8

Os dados oficiais da Capes6, até o ano de 2011, registram que os programas de pósgraduação (PPGs) de Relações Internacionais (RI) e de Ciência Política (CP), nas universidades públicas, já estavam distribuídos por todas as regiões do país, conservando o seu foco na Região Sudeste, que surge com oito universidades, seguida da Região Sul com quatro, o Nordeste com quatro e as Regiões Norte e Centro-Oeste com uma universidade cada, distribuídas geograficamente conforme Figura 1, representando cerca de 20% do total de universidades públicas do País. Foram excluídas da pesquisa investigativa as universidades que tiveram a homologação desses programas aprovadas após o ano de 2011. Figura 1 – Universidades (com PPGs em RI e CP) por Região – 2011

1 universidade

1 universidade

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE

4 universidades SUL 8 universidades 4 universidades

Fonte: elaborado pelo autor com base na pesquisa

6

Relatórios da Capes sobre a área de avaliação “Ciência Política e Relações Internacionais”.

De acordo com os dados da Capes, entre os anos de 2005 a 2011, os programas de pósgraduação de Relações Internacionais e Ciência Política se fortaleceram no país e buscaram uma melhor qualificação desses programas através de um aumento qualitativo e quantitativo da produção intelectual, por meio de publicações de livros e artigos em revistas especializadas nacionais e internacionais. Segundo a CAPES, regitrou-se um aumento de 138% no número de programas com Mestrado de CP e RI, e um aumento de 150% quando em relação aos programas de Doutorado na área, conforme se observa no Gráfico 1. Gráfico 1 – Expansão dos Programas de CP e RI

Fonte: Capes - Balanço e Perspectivas da área CP & RI: 2010-2012

Paralelamente a expansão da área de CP e RI, houve também uma significativa consolidação da qualidade acadêmica, representado pelo indicador da produção docente. Segundo a Capes, a posição da área de Ciência Política e Relações Internacionais subiu de 38º lugar, em 2004, para a 12ª posição mundial em 2010, no Ranking de citações no SCImago, bem como um crescimento na produção de qualidade, expressa nos níveis de Qualis A1, A2 e B1, conforme se observa a tendência deste crescimento no Gráfico 2. Gráfico 2 – Produção de Qualidade

Fonte: CAPES - Balanço e Perspectivas da área CP & RI: 2010-2012

A situação das notas dos PPGs de RI e CP que as universidades públicas receberam da comissão de avaliação da Capes, se referem aos períodos de 2007-2009 e 2010-2012, respectivamente o trienal 2010 e 2013. A Tabela 2 nos mostra que das dezoito universidades pesquisadas uma se apresentava com nota “7” de avaliação da Capes, representada pela USP, tendo ainda, quatro universidades com nota “6”, quatro com nota “5”, duas com nota “4” e sete universidades com nota “3”. Uma análise parcial desse resultado nos sugere uma razoável excelência do ensino e pesquisa acadêmica, nos níveis de mestrado e doutorado, das áreas de RI e CP das universidades públicas. Tabela 2 – Conceito Capes por Programas (M e M/D) Nota Sigla IES

PPG

Nota PPG

CAPES

Nota Sigla IES

PPG

CAPES

Nota PPG

CAPES

CAPES

USP

RI

4

CP

7

UFMG

-

-

CP

6

UERJ

RI

3

CP

6

UFPE

-

-

CP

5

UFRGS

EEI

4

CP

6

UFSCar

-

-

CP

4

UnB

RI

6

CP

5

UFPel

-

-

CP

3

Unicamp

RI

5

CP

5

UFPA

-

-

CP

3

UFF

EEDS

3

CP

4

UFPR

-

-

CP

3

UFRJ

EPI

5

-

-

FUFPI

-

-

CP

3

Unesp

RI

5

-

-

UFSC

RI

3

-

-

-

UEPB

RI

3

-

-

UFBA

RI

3

-

Fonte: elaborado pelo autor baseado nas Fichas de Avaliação CAPES no trienal 2010 e 2013

Na iniciativa de medir o envolvimento das universidades públicas acerca do debate, buscou – se nos sítios eletrônicos dessas universidades áreas de concentração e linhas de pesquisa relacionadas aos campos de investigação de estudos estratégicos, bem como número de centros de pesquisa que tratam sobre a temática. Do resultado da pesquisa foi encontrado um total de 15 universidades (mais de 80% das universidades pesquisadas) os quais estão dispostas em 10 universidades federais e 5 estaduais. O resultado também levou em conta o número de centros de pesquisa que se institucionalizaram como Think Tanks7 nos campos de investigação já citados, vinculados às universidades públicas, a qual o resultado retornou com 19 centros de pesquisa, conforme se observa no Gráfico 3.

7

Os Think Tanks são instituições de pesquisa, de análise e de engajamento em políticas públicas.

Gráfico 3 – Número de PPGs e Centros de Pesquisa por Região PPG - M/D

12 10

PPG abordam a temática

8 6

Centros de Pesquisa

4 2 0

Fonte: elaborado pelo autor com base na pesquisa

Da análise do Gráfico 3, pode-se concluir que as atividades de pesquisa relacionadas aos estudos estratégicos estão concentradas na Região Sudeste, entretanto pode-se constatar que o tema também mereceu atenção em outras localidades do país. Outra conclusão é que, embora aparentemente os centros de pesquisa em estudos estratégicos e estudos de defesa das universidades sejam poucos expressivos em quantidade, comparando-se aos demais centros de pesquisa de outras áreas do conhecimento, não é possível ignorar sua existência e sua importância no contexto nacional e internacional. De acordo com Miyamoto (2001), alguns destes centros de pesquisa têm suas origens na década de 1980, ainda sob o governo do regime militar, como por exemplos, o Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Universidade Estadual de Campinas, o Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Universidade Federal Fluminense e o próprio Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas Estratégicas (NAIPPE) da USP, todos sediados na cidade de São Paulo. Ver Quadro 1. Quadro 1 – Centros de Pesquisa vinculados às Universidades SIGLA IES UFRGS UFF UFPA UFPR UFRJ UERJ USP UEPB

CENTRO DE PESQUISA Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais - NERINT Centro de Estudos Internacionais sobre Governo - CEGOV Instituto de Estudos Estratégicos - INEST Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia - OBED Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais - NEPRI Grupo de Pesquisa em Economia da Defesa - GPED Grupo de Estudos Estratégicos - GEE/COPPE Laboratório de Análise Política Mundial - LABMUNDO Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas Estratégicas - NAIPPE Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais - NUPRI Grupos de Estudos Estratégicos e Segurança Internacional - GEESI

UFPE Núcleo de Estudos Americanos - NEA UNB Centro de Estudos sobre as RI do Brasil UFSC Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais - PPGRI UFMG Rede Interinstitucional de Pesquisa em Política Externa e Regime Político - RIPPERP UFSCAR Grupo de Pesquisa “Forças Armadas e Política” - GPFAP UNICAMP Núcleo de Estudos Estratégicos - NEE UNESP Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional - GEDES Fonte: Elaborado pelo autor com base na pesquisa

Retornando ao escopo da pesquisa: a participação das instituições acadêmicas civis no processo de elaboração do LBDN; verifica-se que, ao analisar a metodologia de trabalho do governo brasileiro chega-se à conclusão que a participação destas instituições foi modesta. Suas contribuições se resumiram em pequenas participações em seminários, onde uma pequena parcela de estudantes e professores observavam os palestrantes em suas exposições, bem como a participação de acadêmicos de graduação e pós-graduação de um concurso de artigo científico sobre o LBDN. Entretanto, apesar dos temas propostos deste concurso estarem relacionados à defesa nacional, em nada contribuíram para a redação do Livro Branco. De acordo com a investigação, não foi observada a participação das universidades como instituições colaboradoras do processo de produção e elaboração desse documento e nem tampouco estas se faz constar no rol de “Instituições envolvidas” no Apêndice do LBDN. Constata-se que a Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi a única instituição acadêmica a participar efetivamente da elaboração do primeiro livro branco de defesa brasileiro, conforme o Almirante Saboya - Secretário de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto do MD – nos confirma no seguinte discurso: A organização dos trabalhos que envolvam as comunidades acadêmicas, empresarial e entidades da sociedade civil [...] estará a cargo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A FGV será responsável pela realização de oficinas temáticas que contarão com a participação de especialistas nas matérias abordadas pelo livro branco. (2011, p. 10, grifo nosso)

Uma das razões da escolha desta Instituição como organizadora e única instituição acadêmica participante do processo decisório de formulação de política de defesa do país, pode-se está associada ao fato da FGV se encontrar entre os 25 melhores Think Tanks do mundo e ocupar o 56º lugar na categoria Top Defense and National Security Think Tanks8, apontados pela Universidade da Pensilvânia. Esses dados dão legitimidade à Instituição em tratar sobre os assuntos de defesa e estratégia.

8

Global Go To Think Tanks Rankings. Disponível em: Acesso em: 17 set. 2015.

Fruto da investigação sobre a participação da academia na formulação do livro branco de defesa verifica-se, também, a participação significativa de uma comunidade de especialistas (não representativa das IES) em estratégia e defesa, nas atividades promovidas pelo MD. De acordo com Orellana (2012), essa comunidade de especialistas ele a denomina de comunidade epistêmica especializada em defesa nacional a qual este autor a define como: [...] como uma comunidade multissetorial relacionada com o estudo, o planejamento, ensino, produção e implementação de políticas na área de defesa nacional (ORELLANA, 2012, p. 3, tradução nossa).

A participação da comunidade epistêmica na formulação do LBDN confirma-se através da verificação no Apêndice “Colaboradores” ao LBDN, onde consta uma lista de personalidades das mais diversas áreas profissionais (funcionários do governo federal, militares, pesquisadores e especialistas acadêmicos civis). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados deste trabalho revelam que, em 2011, do total de universidades públicas no país cerca de 20% representavam as universidades com programas de mestrado e doutorado nas áreas de CP e RI. Deste percentual, mais de 80% destas instituições, distribuídas por todo o território nacional, pesquisam sobre estratégia e investigam temas militares e áreas afins - algumas destas universidades pesquisam desde os anos 1980. Além disso, os resultados dos conceitos atribuídos pela Capes até 2011, demonstram o alto desempenho acadêmico das universidades públicas no que diz respeito à produção docente e a formação discente. Entretanto, apesar dos resultados deste trabalho demonstrar que as universidades públicas estavam em condições de teorizar e debater sobre formulação de políticas de defesa para o país, o governo federal estabeleceu uma metodologia de trabalho que excluía todas as instituições acadêmicas (públicas) do processo de produção e elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional (documento escrito), promovendo eventos e atividades de acesso restrito a uma comunidade de especialistas (comunidade epistêmica), com expertise em estratégia e defesa, organizada por uma única instituição de educação superior privada: Fundação Getúlio Vargas (considerada pelo Global Go To Think Tanks Rankings-2013 como o melhor think tank da América Latina). Portanto, se um dos objetivos da política do governo brasileiro sobre Defesa Nacional era proporcionar transparência durante o processo de elaboração do LBDN, respaldada por ampla discussão acadêmica no seio da sociedade, pode-se constatar que este objetivo não foi

alcançado na plenitude, em razão da exclusão das universidades, sejam elas públicas ou privadas, do processo de elaboração do primeiro livro branco de defesa formulado pelo governo brasileiro. É inegável o papel desempenhado pela FGV como ator influente nas políticas governamentais nas mais variadas áreas como na economia, na política e na defesa nacional, bem como da relevância da comunidade epistêmica especializada em defesa nacional para a condução teórica dos estudos estratégicos, essenciais na hora de difundir ideias e recomendações para o governo. Contudo, outras instituições acadêmicas civis, em particular as universidades públicas, têm plenas condições de serem atores relevantes nesse debate, conforme já demonstrado neste trabalho. Para isso, recomenda-se para as próximas edições do LBDN a oferta de um material elucidativo para as IES, públicas e privadas, envolvidas na temática da defesa nacional, refletindo a natureza, os critérios e o escopo dos trabalhos a serem desenvolvidos, bem como o calendário de obrigações e as condições políticas que devem ser cumpridas para alcançar os objetivos da democracia, da legitimidade e da transparência.

REFERÊNCIAS BRASIL. Lei Complementar n° 136, de 25 ago. 2010. Altera a Lei Complementar n° 97, de 9 de jun. 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 ago. 2010. _________. Decreto n° 7.438, de 11 de fev. 2011. Estabelece princípios e diretrizes para criação e elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 14 fev. 2011. _________. Ministério da Defesa. Livro Branco de Defesa Nacional. 2011. _________. Ministério da Educação. Censo da educação superior: 2011 - resumo técnico. Brasília: INEP, 2011. _________. Escola Superior de Guerra. Manual Básico. v. II. Assuntos Específicos: Expressões do Poder Nacional. ESG. Rio de Janeiro, RJ, 2013. DOMINGOS NETO, Manuel. A convivência civil-militar no âmbito acadêmico: o caso brasileiro. Revista Comunicação&política, v. 30, n. 2, p. 48-59, maio/ago. 2012. DOERR, Audrey. The Role of White Papers in the Policymaking process the experience of the Government of Canada. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2015.

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