A participação das línguas africanas na formação do português brasileiro

October 1, 2017 | Autor: Joanna Józefowska | Categoria: Portuguese Studies, Brazilian Portuguese, History of the Portuguese Language
Share Embed


Descrição do Produto

UNIWERSYTET IM. ADAMA MICKIEWICZA W POZNANIU – INSTYTUT FILOLOGII ROMAŃSKIEJ

JOANNA JÓZEFOWSKA 364880

A participação das línguas africanas na formação do português brasileiro

PRACA LICENCJACKA NAPISANA POD KIERUNKIEM DR SYLWII MIKOŁAJCZAK

Poznań, 2014

RESUMO O presente trabalho visa analisar a contribuição das línguas africanas no português brasileiro. Apresentam-se as questões socio-históricas do contacto entre línguas no Brasil e introduzem-se as hipóteses sobre a constituição do PB, observando, em torno desse tema, uma questão polêmica. Abordam-se os conceitos de crioulização, deriva secular e transmissão linguística irregular. São comentados os aspectos fonéticos, morfossintáticos e lexicais onde aparecem as possíveis influências das línguas africanas.

PALAVRAS CHAVE português brasileiro, influências africanas, crioulização, contacto entre línguas, transmissão linguística irregular

The participation of African languages in the development of Brazilian Portuguese ABSTRACT This paper is meant to analise the contribution of African languages in the development of Brazilian Portuguese. Socio-historical issues of the language contact in Brazil are presented and hypotheses about the formation of Brazilian Portuguese are introduced, noting that they are a controversial matter. The concepts of creolisation, decreolisation, centuries drift and irregular linguistic transmission are addressed. The article comments, as well, the phonetic, morphosyntactic and lexical aspects where possible influences of African languages appear.

KEYWORDS Brazilian Portuguese, African influences, creolisation, language contact, irregular linguistic transmission

Udział języków afrykańskich w powstaniu brazylijskiego wariantu języka portugalskiego STRESZCZENIE Niniejsza praca ma na celu analizę udziału języków afrykańskich w tworzeniu się brazylijskiego wariantu języka portugalskiego. Przedstawiono socjologiczne i historyczne aspekty kontaktu między językami w Brazylii oraz wprowadzono hipotezy odnośnie formowania się brazylijskiego wariantu języka portugalskiego, obserwując polemikę odnośnie tego tematu. Podjęto kwestie kreolizacji, wiekowej ewolucji i nieregularnej transmisji językowej. Skomentowano również aspekty fonetyczne, morfo-syntaktyczne i leksykalne,

które

przejawiają

możliwe

wpływy

języków

afrykańskich.

SŁOWA KLUCZOWE portugalski wariant języka portugalskiego, wpływy afrykańskie, kreolizacja, kontakt językowy, nieregularna transmisja językowa

ÍNDICE INTRODUÇÃO I. Os africanos e as suas línguas no Brasil.................................................................................................................1 1.1. As questões socio-históricas...................................................................................................................................1 1.2. A cultura afro-brasileira..........................................................................................................................................7 1.3. As línguas africanas faladas por escravos no Brasil ..............................................................................................8 1.4. As línguas africanas nas comunidades afro-brasileiras nos tempos modernos ....................................................11 1.4.1. A cupopiá do Cafundó como um vestígio de pidgin afro-português...................................................12 1.4.2. A língua secreta da Tabatinga..............................................................................................................14 II. A presença das línguas africanas no português brasileiro.................................................................................15 2.1. A panorama das pesquisas sobre a influência africana no PB...............................................................................15 2.2. As hipóteses sobre a formação do PB...................................................................................................................21 2.2.1. A hipótese da prévia crioulização ......................................................................................................21 2.2.2. A hipótese da deriva secular................................................................................................................25 2.2.3. A hipótese da transmissã linguística irregular.....................................................................................27 2.3. Análise de amostras de fala ..................................................................................................................................31 2.3.1. Metodologia e corpus da pesquisa.......................................................................................................31 2.3.2. A análise do corpus..............................................................................................................................32 2.3.3. A concordância de número no Sintagma Nominal..............................................................................33 2.3.4. A concordância verbal.........................................................................................................................34 2.3.5. A negação sentencial...........................................................................................................................37 2.3.6. Conclusão............................................................................................................................................38 CONSIDERAÇÕES FINAIS ANEXO AS AMOSTRAS DE FALA AS FOTOGRAFIAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

Levando-se em conta três séculos de tráfico negreiro no Brasil, é mais que legítimo que especialistas – lingüistas, etnolinguistas, filólogos e outros – lançassem e lancem hipóteses sobre a relação de línguas africanas (LAs) aportadas no Brasil com o português brasileiro (PB). As possíveis conexões entre o PB e as LAs têm sido pressupostas, afirmadas e negadas várias vezes por meio de um amplo debate que, no século XX, é ratificado em torno de três principais conceitos: “influência”, “crioulização” e “transmissão linguística irregular”. Uma adequada compreensão da atual realidade linguística no Brasil no contexto sócio-económico do país é crucial para poder começar a falar da variedade brasileira do português, por tanto, será preciso fazer uma pequena introdução e sublinhar alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, é importante enfatizar a dimensão da escravidão no história do país. Os africanos e os afro-descendentes, no período que se estende do século XVII ao século XIX, correspondem a cerca de 60% da população brasileira. Como justamente tem reparado Lucchesi: “Uma sociedade não passa impunemente por mais de trezentos anos de regime escravista. Os efeitos sociais de escravidão ainda estão presentes no Brasil de hoje. A maioria da população das favelas e das periferias das grandes cidades é composta por negros e pardos, bem como são esses que predominam na população carcerária e são as maiores vítimas da violencia urbana e policial” (2012: 51).

No Brasil, os níveis da desigualdade social são chocantes, com a violenta concentração de renda e grande parte da população que não tem acesso a cidadania plena e aos direitos básicos. Atualmente, na sociedade brasileira, pode-se observar um movimento de tomada de consciência de sua condição pluriétnica. No que tange a língua, havia tendência de menosprezar a contribuição dos segmentos indígenas e africanos causada, quer pela visão de superioridade cultural do colonizador europeu, quer por teorias linguísticas que encontram na própria língua as razões para as suas mudanças. A situação sociológica do país inevitavelmente reflete-se no plano da língua. A forte

polarização sociolinguística divide a língua, segundo umas divisões mais simples, em norma culta (falada por uma minoria de privilegiados) e popular (fala de população sem ou com pouca escolarização, hoje observada também na fala descuidada das pessoas educadas). Os linguistas sublinham que as diferenças são sobretudo relacionadas com a capa social a qual pertenece o falante: “A realidade, porém, é que as divisões dialetais no Brasil são menos geográficas que sócio-culturais. As diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originários de duas regiões distantes uma da outra” (TEYSSIER, 1982: 79). “There is considerable divergence between the vernacular speech of the majority of the population, the speech of the educated minority, and the normative language codified in prescriptive grammars” (AZEVEDO, 2004: 211).

A grande variação diastrática que observamos hoje no Brasil, antes era diatópica: até o início do século XX, mais de 80% da população brasileira vivia no campo. Só desde meados do século a população rural começou a mudar-se aos centros urbanos. A norma culta concentrava-se nos núcleos urbanos fixados, sobretudo, no litoral, enquanto o portugues popular brasileiro (PPB) ia-se constituindo no interior do país. Para entender melhor a situação linguística no Brasil atualmente, Azevedo (2004) propõe imaginarmos um triângulo onde um ângulo represente o PPB, a variedade oral falada pela maioria da população; outro ângulo represente o português prescritivo, presente nos manuais tradicionais de gramática e baseado na norma literária, uma variedade que os brasileiros aprendem na escola, o ideal da correção e elegáncia linguística; o último ângulo seja o português standard, uma variedade pela qual optam os falantes educados nas situações comunicativas cotidianas e formas informais de escrita. Em fim, como o PPB invade a fala descuidada dos falantes educados, por conseguinte, mistura-se com o português standard. Resumindo, existem três normas no PB: uma norma literária, uma norma familiar e uma norma popular. A norma literária é a norma padrão que tende a preservar os aspectos gramaticais mais relevantes da norma culta do PE; a norma familiar é falada pelas pessoas de educação pelo menos mediana; a norma popular tem carácter oral e as suas regras gramaticais são muito afastadas da realidade do PE. Seguidamente, faz tempo observa-se uma polémica sobre a definição do PB. Será

dialeto brasileiro, língua brasileira, norma, modalidade, variante, falar? Cumpre definir agora os conceitos que utilizaremos ao longo do trabalho a fim de evitar confusões. No final do século passado, o português do Brasil foi chamado de dialeto como todas as formas ultramarinas para diferenciá-las do português básico, europeo (PE). No entanto, hoje em dia, frente aos progressos na dialetologia portuguesa, dialeto tornou-se um termo, senão totalmente incorreto, então bastante pejorativo visto que dialeto é uma modalidade linguística inferior à língua. Ninguém já questiona que o PB forjou e continua forjando as suas próprias normas. Enquanto o dialeto refere-se a um grupo social dentro de uma nação, o variante abrange já toda a nação e sendo nacional, é mais complicado, podendo conter em si formas cultas e incultas. Celso e Cintra distinguem três diferenças internas que pode apresentar uma língua: variação diatópica (variantes regionais), diastrática (nível culto e nível popular) e diafásica (p.ex. língua falada, língua escrita, língua literária). Dialetos e falares são umas formas que a língua assume regionalmente, o falar, porém, não apresenta o grau de coerência alcançado pelo dialeto. Mattos e Silva afirma que o dialeto não tem mais a qualificação estigmatizadora que vem do passado quando dialeto estava em oposição a língua culta, escrita. Por dialeto, hoje, entende-se uma variedade específica de um certo lugar, estrato social ou faixa étaria. Além disso, a língua pode admitir várias normas, que representam modelos que se consagraram dentro das posibilidades de realização de um sistema linguístico (CELSO & CINTRA, 1985). Por conseguinte, acontecem situações nos quais a norma não corresponde aos usos considerados corretos mas representa os usos tradicionais numa comunidade dada. Entre o final do século XIX e o começo do século XX, foi desencadeada uma discussão ao respeito da existência de uma língua brasileira. No romantismo e modernismo, os escritores, na sua busca na identidade nacional começaram a integrar na literatura as palavras colhidas na língua falada. Cultivando, desse modo, a modalidade brasileira da língua portuguesa, diminuiram o hiato que separava a língua escrita e oral. Já em 1902, Sílvio Romero, na História da Literatura Brasileira nota as diferenças entre o PE e o PB. Constata que o “luso-brasileiro” ainda não constitui um dialeto acentuado do PE porém contém elementos que se deve tomar em conta, o léxico de origem africana e indígena, as alterações fonéticas e sintáticas (cf. ELIA, 2003: 2,21).

Muitos pesquisadores reconhecem já que existe uma língua brasileira mas basta chamá-la de português brasileiro. O importante é reconhecer as diferenças, deixar de achar que são erros. Bagno (2001) frisa sobretudo os problemas das crianças na escola onde aprendem quase uma outra língua, a língua portuguesa culta, que acham muito difícil. É nas escolas, onde as crianças aprendem a mudar do “português da aula” ao português falado em casa e na rua. No entanto, a manutenção de um padrão adventício produz um forte sentimento de insegurança linguística em todos os segmentos da sociedade brasileira. Essa situação traduz-se em afirmações correntes do tipo: “o português é uma língua muito difícil”, “o brasileiro não sabe falar correto” ou “eu não sei escrever em português”. As vezes, o uso do PB é relacionado com um sentimento de culpa por dizer uma coisa inapropriada. Até que sera encontrada uma solução, a relação entre o português padrão e o PB permanecerá conflitiva e problemativa para os falantes nativos, tanto como para os estudantes estrangeiros. No seguinte trabalho, vamos usar a designação português brasileiro – PB - em contraste ao português europeu - PE. Aparecerá também a sigla PPB - português popular brasileiro - ou portugês vernacular brasileiro – PVB - e a sigla das línguas africanas - LAs. O nosso objetivo é analisar a presença das LAs no PB. Partimos da premissa que visto os fatores históricos, as LAs devem ter surtido efeitos na língua portuguesa no Brasil. Apresentaremos uma panorama dos estudos sobre o contacto linguístico. Intentaremos aproximar-nos a várias hipóteses sobre a criação do PB. Com base na análise de amostras de fala, tentaremos provar que a hipótese de contacto línguístico irregular é a mais provável. Com o intuito de cumprir tal objetivo, essa tese foi organizada em duas partes. Na primeira, apresentamos as questões socio-históricas do Brasil que são essenciais para entender a situação linguística no passado e no presente. Verificamos as LAs dos escravos e mencionamos as diferentes provas da sua existência no Brasil na época da colónia. Seguidamente, caracterizamos algumas comunidades afro-descendentes isoladas onde as línguas de base lexical africana ainda estão em uso. Na segunda parte, comentamos as pesquisas sobre a busca das influências africanas no PB. Fazemos também uma breve reflexão sobre as principais teorias da formação da variante brasileira da língua portuguesa. Introduzimos os conceitos de crioulização,

descrioulização, deriva secular e transmissão linguística irregular. Finalmente, nas amostras de fala dos moradores de comunidades afro-brasileiras, procuramos os traços linguísticos que podiam ter surgido de contacto entre línguas. Esse trabalho é motivado pela vontade de esclarecer o tema da possível contribuição das LAs no PB, que é uma questão bastante polêmica e tem desencadeado várias debates entre os linguistas. Atualmente, quando no Brasil as comunidades indígenas e afrobrasileiras começaram a ser ouvidas e a cultura africana passou a ser socialmente aceita, com os grupos musicas chamados Cafundó e tambores africanos de moda no palco musical internacional, podemos esperar que também serão reconhecidas as distintas interferências linguísticas produzidas por anos do contacto entre os africanos e os falantes do português. Introduzido e apresentado, o trabalho a seguir.

Capítulo 1. Os africanos e as suas línguas no Brasil “[...] e foi o negro, foram as mães-pretas que ensinaram a falar a milhares de brasileiros [...]” Gladstone Chaves de Melo “Não podemos ignorar o fato de que o português foi imposto de qualquer maneira como segunda língua a uma população majoritária de falantes africanos por três séculos consecutivos e o Brasil, hoje, possui a maior população

afro-descendente

concentrada

fora

do

continente africano.” Yeda Pessoa de Castro

1.1. As questões socio-históricas O processo histórico permite lançar luz sobre a formação do PB e é crucial para poder estudar a história da língua portuguesa no Brasil. Três décadas depois da descoberta de Cabral, os portugueses começaram a establecer-se no território brasileiro, plantando canaviais e instalando engenhos. Dessa maneira, começaram a desbravar a terra, explorar o interior e entrar em contacto com os povos indígenas. Os índios, não acostumados a trabalho duro e enfraquecidos pelas doenças europeias, não eram eficazes nas plantações, por tanto, quando começou a faltar mão-deobra, os fazendeiros coloniais recorreram a escravatura africana, trazendo dessa maneira as LAs ao continente americano. Já em meados do século XVI, o governador-geral, Tomé de Sousa, estimulou a vinda dos escravos da ilha São Tomé para a Bahia. A ilha servia nesses tempos de plataforma de embarque para os cativos vindos de diferentes partes da África e falava-se aí uma língua geral luso-africana. Por conseguinte, os escravos, tendo trabalhado previamente em São Tomé, já conheciam as técnicas de produção de açúcar e é muito provável que conheciam também a língua que podiam ter aprendido durante a longa viagem à América. 1

Posteriormente, vieram ao Brasil os bantos do Congo e de Angola, assim como, os sudaneses do norte da Nigéria e do Sudão, a fim de trabalhar nas plantações ou nas minas, sobre todo na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Minas Gerai. O tráfico negreiro era um negócio muito lucrativo para os traficantes e também para os colonos dado que os negros eram mais fortes e já conheciam a agricultura. O envio sistemático dos escravos para as plantações criou situações linguísticas complicadas visto que os africanos, em muito casos, falantes das línguas distintas deviam encontrar a maneira de expressar-se efetivamente em situações comunicativas, tanto com os outros escravos, quanto com os colonos portugueses. Essa foi a razão para o nascimento de variedades mistas, pidgins ou crioulos. Cumpre lembrar a política glotocida que visava matar as línguas maternas dos africanos: quando chegavam, eram separados por línguas e famílias com o intuito de evitar rebeldias. Evitava-se a concentração dos escravos do mesmo grupo para impedir a formação de núcleos solidários. Além disso, frequentemente, es escravos eram hostis por causa de conflitos de origem. No Brasil, o tráfico de escravos estendeu-se por mais de três séculos sucessivos introduzindo no país por volta de 4 miliões de negros. As terras do Novo Mundo precisavam de braços para a lavoura e esses iriam ser buscados no continente africano. O tráfico atlántico começou no século XVI e durou até os fins do século XIX, quando teve lugar a campanha abolicionista e o fim da escravatura no Brasil. Em 1871, foi promulgada a Lei do Ventre Livre, segundo a qual, os filhos dos escravos nasciam livres. Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe, ou Lei dos Sexegenários, dava alforria a todos os escravos que tivessem completado 65 anos de idade. Finalmente, em 1888, a Princesa Isabel, então regente do Império, assinou a vitorosa Lei Áurea. Mattoso (1991) distingue quatro etapas de importação de escravos: •

século XVI: o ciclo de Guiné, os escravos importados principalmente da parte da África ao norte do ecuador;



século XVII: ciclo de Congo e de Angola, os escravos bantos;



século XVIII: ciclo da Costa da Mina, os escravos sudaneses;



desde a metade do século XVIII: ciclo da baía de Benin;



século XIX: escravos de todas partes, a maioria de Angola e Mozambique.

2

Com essa divisão concordam grosso modo Viana Filho e Verger (cf. ELIA, 2003: 1.14). Viana Filho fecha o ciclo de Benin em 1815 para começar no ano seguinte a fase de ilegalidade que durara até 1851. Entretanto, Verger situa o ciclo da Costa da Mina em três primeiros quartos do século XVIII e junta depois o ciclo de Benin com o período do tráfico clandestino (desde 1770 até 1850). Os escravos africanos eram trazidos para o Brasil, oficialmente a partir de 1549, mas já tinham sido solicitados antes. Após a instalação do primeiro governo geral, em 1549, estabeleceu-se o tráfico regular e estimulou-se a importação de africanos. A população de negros surprendia os viajantes que chegavam ao Rio de Janeiro no século XIX. Um médico alemão em 1859 escrevia: “Se não soubesse que ela fica no Brasil poder-se-ia tomá-la sem muita imaginação por uma capital africana, residência de poderoso príncipe negro, na qual passa inteiramente despercebida uma população de forasteiros brancos puros. Tudo parece negro” (apud NARLOCH, 2011: 94). De ponto de vista etnolinguístico, os escravos trazidos para o Brasil originavam-se de duas regiões: ao norte da linha do equador, de onde chegavam os chamados sudanenses e das terras ao sul do equador de onde vinham os escravos bantos. “Os sudanenses apresentam uma grande fragmentação linguística oposta à unidade substancial das línguas banto” (MENDOÇA, 1933: 16). À questão das línguas nativas faladas pelos escravos vamos voltar depois, agora só cabe acrescentar que a maioria dos estudosos é unânime em dividir a influência africana no Brasil entre uma área de influência banto no Sudeste e em Pernambuco e uma área de influência iorubá na Bahia. Não se sabe ao certo quantos africanos foram trazidos para o território brasileiro. As estimativas vão desde pouco mais de três milhões (Simonsen, 1937), até os exagerados treze milhões (Calógeras, 1927). O número exato é difícil de encontrar visto que o Ministério da Fazenda, em 1891, mandou queimar os documentos e arquivos relativos à história do tráfico. No fim do século XVI, havia aproximadamente 14 mil escravos e 29 mil brancos. Durante a primeira metade do século XVII, transportava-se quatro mil escravos por ano, desde 1650 até 1680, essa cifra cresceu até mais ou menos oito mil, depois diminuiu ligeiramente. No século XVIII, o vólume dos escravos trazidos ao Brasil cresceu de novo, como resposta a demanda de mão-de-obra nas minas de ouro. A Bahia recebia desde cinco 3

ate oito mil negros por ano. Nas áreas dos canaviais no Nordeste, os negros constituiram três quartas partes da população (WILLIAMSON, 1992: 173). Outro historiador anota que, desde 1530 até o fim do séc. XVI, foram trazidos 100 mil escravos; no séc. XVII, 600 mil; no séc. XVIII, 1,3 milhões e no séc. XIX, 1,6 milhões, assim que em suma foram 3,6 milhões de africanos (KULA, 1987: 28). Castro considera razoáveis as cifras desde quatro até cinco milhões. Mendoça, baseando-se em estatísticas aduaneiras subsistentes, avalia o número de escravos trazidos ao Brasil em cinco milhões. Além disso, estima que havia mais 2 milhões de negros introduzidos pelo contrabando, então, em total seriam sete milhões de escravos. Seja qual for a estimativa adotada, o facto é que os povos indígenas e africanos sempre foram a maioria avassaladora entre os habitantes do território brasileiro. Mais importante do que determinar em termos absolutos o número de africanos no Brasil nesse período, é determinar a sua presença na composição da sociedade brasileira. Reproduzimos abaixo a tabela de Mussa, a fim de conseguir um retrato diacrónico da distribuição das etnias (1991: 165): Africanos Negro brasileiros Mulatos Brancos brasileiros Europeus Índios integrados

1538-1600 20% 30% 50%

1601-1700 30% 20% 10% 5% 25% 10%

1701-1800 20% 21% 19% 10% 22% 8%

1801-1850 12% 19% 34% 17% 14% 4%

1851-1890 2% 13% 42% 24% 17% 2%

De acordo com a tabela, a participação de africanos e crioulos era maior no século XVII, correspondendo à metade da população brasileira. A imagem mais repetida da escravidão são as grandes plantações com muitos escravos e um poderoso sádico senhor. No entanto, segundo estudos mais recentes, era significativo o número de pequenos proprietários de terra que possuiam de três a cinco escravos com os quais trabalhavam na roça1. Essa situação inibiria eventuais processos de pidginização e crioulização, dado que as relações entre os colonos e os escravos eram muito estreitas e não, só ocasionais. Como é bem visível, no correr dos séculos, o índio quase desapareceu no cenário do país, sendo substituido pelo fator africano. Justamente reparou Mendonça: “Esta 1 No livro Um Contraponto Baiano, o historiador americano Bert Barickman, confirma que incluso numa região de grandes plantações na Bahia, quase 60% dos senhores tinham até quatro escravos e apenas 4,5% deles tinham mais de 20 escravos (apud NARLOCH, 2011: 100).

4

transformação étnica reflete-se na esfera linguística, e a língua acompanha a raça na sua evolução” (1933: 79). Vale a pena reparar que até a primeira metade do século XIX, os brancos consituiam apenas 30% da população, frente a 70% dos africanos ou afrodescendentes e indígenas. No entanto, por muito tempo a língua do colonizador não se impôs como majoritária. No século XVI, no litoral brasileiro viviam aproximadamente 30 mil brancos e mestiços, desde um até dois milhões de indígenas e cerca de 30 mil negros. No século seguinte, a população branca e mestiça subiu para 200 mil, indígena era de 1,5 milhão, enquanto a negra cresceu para 400 mil (Houaiss, apud MATTOS e SILVA, 1988: 20). A língua materna mais popular dos indígenas, tupi, foi pronto gramaticalizada pelos jesuítas nos seus esforços para catequizar os índios. Assim, foi construida a língua geral tradicionalmente usada no território brasileiro até 1757. A língua geral ou franca quer dizer uma variedade adotada por indivíduos de línguas ou dialetos diferentes para se comunicar. Era uma língua de base indígena com marcas africanas, falada nas fazendas e em todo o espaço rural. No fim do século XVIII, 68% de população era constituída por afro e índiodescendentes, mais de 80% da população vivia no campo e aproximadamente 90% não tinha instrução escolar. No fim do século XIX, a maioria da população era analfabeta e falava o PPB. Essa situação resultou dos tempos da colónia, quando só uma pequena parte da sociedade podia pagar a educação, estudar nas escolas dos jesuítas ou nas universidades europeas onde tinha condições para aprender o português culto. A política colonial portuguesa mandava manter o Brasil no atraso e isolamento: a imprensa e escolas superiores começaram a aparecer só no século XIX. A escasa educação dos séculos da colónia pode ajudar-nos a entender o diferenciação dialetal no Brasil onde a norma culta convive com as variedades populares. Nessas circunstâncias, o português definiu-se como uma língua dominante, facto causado sobretodo pela nova política linguística e pela vinda dos portugueses invcentivados com as descobertas de ouro. Marquês de Pombal decretou o ensino do português, estableceu um ordenamento jurídico e administrativo com a obrigatória língua portuguesa e proibiu o uso de quaisquer outras línguas. Além disso, a vinda do corte para o Brasil, em 1808 e o processo de urbanização contribuiram para o português se establecer como a língua majoritária. Os negros foram um dos fatores mais importantes da difusão da língua 5

portuguesa visto a sua numerosa população. Os afrodescendentes trabalhavam nas casasgrandes, faziam serviços domésticos e artesania, estavam, portanto, em constante contacto com os feitores, os senhores e as senhoras com os quais tinham de comunicar-se em português. Importa vincar que o português que surgiu nesse território deve tere sido marcado profundamente pelas interferências das línguas indígenas e africanas. Vale a pena lembrar, porém, que no PB sobrevivem, do mesmo modo, alguns traços do português arcaico, que não se eliminaram nos tempos da colónia. No Brasil, formou-se uma coiné resultante do nivelamento dialetal das diversas variedades do PE dos colonizadores, como consequência, as diferenças regionais dos dialetos portugueses acabaram por ser eliminadas. O PB foi influenciado finalmente pelas línguas dos imigrantes da Europa e da Ásia, sobretudo a partir do século XIX. O multilinguismo existia sempre no território brasileiro: quando os primeiros colonos chegavam, estima-se que havia três milhões de indígenas que falavam um mil de línguas diferentes. Atualmente, estima-se que há 180 línguas e mais de 180 nações indígenas com uma população de trezentos mil indivíduos. Cumpre acrescentar que a proximidade geográfica do Nordeste brasileiro com a África Central permitiu um contacto intenso ao largo dos séculos. Desde o final de século XVI podemos observar um comércio bilateral. Além dos comerciantes, entre os continentes deslocavam-se missionários, soldados, funcionários e aventureiros. Durante as guerras luso-holandesas, Portugal ficou dependente da ajuda da sua colónia americana para defender as suas possesões na África. Foi então, quando consolidou-se a presença dos soldados vindos do Brasil na África Central. Kula (1987) diz que Angola se transformou, nos tempos da colónia, quase em uma província do Brasil: os seus governadores vieram do Brasil e os bispados africanos eram submetidos ao arcibispado de Salvador. Ao Brasil, ao longo dos séculos, vieram também reis africanos para buscar exílio, ou até filhos dos nobres africanos, com fins educacionais. Narloch relata um caso de um rei de Lagos que mandou os seus três filhos de viagem ao outro lado de Atlántico. Os jovens ficaram a cargo de um comerciante e voltaram à África batizados e elogiando a hospitalidade dos brasileiros. Temos de ter em conta os profundos laços estabelecidos entre o Brasil e a África Central para entender o contacto linguístico que deve ter-se produzido entre os continentes. 6

1.2. A cultura afro-brasileira Desde 1930 até 1960 aconteceram importantes mudanças nas manerias de perceber a brasilidade e a identidade brasileira. Foi nesse período quando foram publicados importantes trabalhos socio-históricos, dos quais vale a pena mencionar Casa grande e senzala de Gilberto Freyre (1936). Aqui, pela primeria vez, apresentou-se positivamente a mestizagem das diferentes raças no Brasil em oposição as opiniões anteriores que achavam a nação brasileria degenerada. O autor analisou um importante papel do escravo na formação da sociedade brasileira. Freyre foi seguido por outros autores, tais como Artur Ramos com O Problema do Negro no Brasil ou Lins de Rêgo. Os africanos que vieram para o Brasil, além de contribuir com a força do seu trabalho, criando riquezas, exerceram influência nos hábitos, crenças e festas populares. O papel de mulher preta no seio da família colonial brasileira é uma questão que urge discutir. A mãe-preta teve oportunidade de influenciar com a sua fala tanto os donos brancos, como os escravos. Interferia no processo de socialização linguística de crianças que cuidava, introduzia também elementos da sua dieta e do seu universo cultural: contos populares, cantigas de ninar, palavras afetivas (dengoso – choramingador - ou xodó - amor, namorado), crenças, superstições ou seres fantásticos (boi da cara preta, tutu). Como justamente reparou o antropólogo Darcy Ribeiro no seu famoso livro O povo brasileiro: “Quer dizer, nas crenças religiosas e nas práticas mágicas, a que o negro se apegava no esforço ingente por consolar-se do seu destino e para controlar as ameaças do mundo azaroso em que submergira. Junto com esses valores espirituais, os negros retêm, no mais recôndito de si, tanto reminiscências rítmicas e musicais, como saberes e gostos culinários. Essa parca herança africana - meio cultural e meio racial -, associada às crenças indígenas, emprestaria entretanto à cultura brasileira, no plano ideológico, uma singular fisionomia cultural” (1995: 117).

Pode-se observar o enraizamento africano da cultura brasileira nas religiões, na música, nas danzas e até nos instrumentos musicais dos quais podemos destacar canzá, triângulo, chocalho, agogô, cuíca, entre outros. Não se pode esquecer a capoeira criada a partir das danças africanas, acrescentada a um carater marcial. A cozinha africana faz parte hoje da culinária brasileira, especialmente na região nordestina e baiana, com os pratos 7

típicos, como o caruru, abará, acarajé, vatapá, muqueca e muitos mais. Rodrigues (1933) menciona os contos, mitos e personagens fantásticos africanos presentes na cultura braisleira. Além disso, a bagagem cultural dos afro-descendentes que vieram a formar a cultra brasileira se faz sentir no modo de ser e de ver o mundo. As religiões africanas têm nomes distintos e ritos distintos em várias regiões do pais: candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no Maranhão e Pará, batque no Rio Grande do Sul e macumba no Rio de Janeiro. No século XX, surgiu a umbanda, formada como resultado de encontro de cultos africanos e indígenas com o espiritismo e o catolicismo. As línguas desses cultus são hoje uma fonte de aportes lexicais no PB que são divulgados por meio da música popular brasileira. Muitos compositores eram membros de comunidades religiosas afro-brasileiras (Víncius de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil). A palavra axé de iorubá, que significa, “força” ou “boa-sorte”, denomina hoje um estilo de música e dança de sucesso internacional. O negro-africano terminou impondo inevitablemente alguns dos traços do seu património cultural e linguístico na construção do Brasil e, conseguintemente, na formação do PB.

1.3. As línguas africanas faladas por escravos no Brasil Ainda pouco se sabe sobre a proporção étnica dos africanos trazidos ao Brasil, menos ainda sobre as línguas que falavam. Visto que os escravos vieram das diferentes regiões, falavam líguas distintas, depois da chegada ao Brasil, os senhores frequentemente os separavam para impedir a sua comunicação na língua materna. No entanto, há documentos que provam que havia grupos de escravos que falavam a sua língua materna no território brasileiro. Primeiro, para melhor entender a realidade linguística dos africanos que chegavam ao Brasil vamos referir-nos a quadro das línguas subsaarianas proposto pela conceituada etnolinguista, Yeda Pessoa de Castro (2009: 179), de acordo com a classificação de Greenberg de 1866. Há duas grandes famílias: afro-asiática, de pouca importância para o nosso estudo, e níger-congo, família muito maior, na qual nos vamos centrar. A família níger-congo divide-se em grupo banto e grupo oeste-africano. No grupo oeste-africano há 8

ainda três grupos menores: kwa, atlántico-occidental e gur ou voltáico. As línguas mais populares entre os escravos trazidos para o Brasil são as do domínio banto e as da família kwa. A família linguística banto recobre toda a extensão do continente africano abaixo da linha do equador. Atualmente, a família banto consiste em 300 línguas faladas em 21 países, entre elas, as mais utilizadas no Brasil eram umbundo, quimbundo e quicongo faladas em Congo, Angola e Zâmbia. As línguas da família kwa mais populares entre os escravos trazidos ao território brasileiro eram: nagô-iorubá e ewe-fon (ou mina-jeje). Enquanto os escravos banto chegavam pelo porto do Rio de Janeiro e daí eram vendidos a outras partes da colónia, os escravos do grupo kwa predominavam na Bahia e em Minas Gerias, tendo entrado no Brasil pelo porto de Salvador e depois, tendo sido vendidos a trabalhos em minas durante o ciclo do ouro. Apesar da aparente diversidade, todas essas línguas, pertenecendo a uma grande família níger-congo, são tipologicamente aparentadas. Por conseguinte, Castro acredita que se tornou ineficaz a estratégia de misturar os escravos de diferentes grupos para impedir a sua comunicação, tendo em conta a grande capacidade dos africanos de aprender novas línguas, relacionada com o perpétuo comércio e frequentes casamentos entre distintos tribos. Existem duas provas importantes de que durante os tempos de escravidão no Brasil eram faladas as LAs. A primeira obra, Arte da língua de Angola de Pedro Dias foi publicada em 1697 em Lisboa. Encontramos nela a gramática da língua quimbundu falada em Salvador da Bahia pelos escravos vindos de Angola. Essa gramática foi destinada aos jesuítas para facilitar-lhes o contacto com os 25 mil africanos que viviam na cidade e não falavam português (cf. Castro: 2009). Esse texto é a primeira gramática da língua quimbundo. O segundo documento, A Lingua Géral da Mina, de António da Costa Peixoto, escrito entre 1731 e 1741, permeneceu em biblioteca de Évora e só foi publicado em 1945 em Lisboa, e recentemente em 2002, reeditado por Castro. A obra apresenta a língua de família kwa dos escravos do oeste africano, da Costa da Mina (abrange o território entre Gana e Nigéria) que foi falada em Minas Gerais na primeira metade do século XVIII. Mais de metade da população de Ouro Preto, conhecido então como Vila Rica, constituiam 9

africanos ou os seus descendentes. Segundo Castro, essa obra constutui “o documento histórico mais importante do tempo da escravidão no Brasil” (2009: 176) pois revela a presença de uma língua veicular africana, sem interferências do português seja no léxico, na sintaxe, ou na fonologia. A língua descrita na obra é tipologicamente parecida as línguas da Costa da Mina é podia ter surgido como resposta simplificadora a variedades das línguas africanas faladas pelos escravos. É uma língua de base ewe-fon, que Castro denominou de mina-jeje2. A utlilização por parte de falantes africanos de uma língua franca podia ter inibido o desenvolvimento de um crioulo nas terras brasileiras. O processo de crioulização, assim como de pidginização, requer que os falantes, nesse caso, africanos, socializem a língua alvo (Lucchesi, 2001). No entanto, eles tinham os conhecimentos muito restringidos do português e nas situações cotidianas ou não querendo ser entendido pelos donos, recorriam a sua língua materna. Na década de 20 do século XIX, aparecem as infomações sobre o maneira de falar português por escravos. Silva Neto cita Saint-Hilaire (1820) e Schlichthorst (1824) que confirmaram que os escravos falam duma maneira distinta e têm a dificuldade para pronunciar /r/ e a sequência /st/. Nina Rodrigues iniciou os estudos de antropologia afro-brasileira. No seu trabalho intitulado Os africanos no Brasil estudou as línguas africanas ainda faladas pelos negros no estado da Bahia. Como um dos primeiros formulou uma pergunta fundamental: quais eram as LAs faladas no território brasileiro? Fez uma lista de palavras de cinco LAs que coletou na Bahia para a “demonstração da sua existência e uso no Brasil (1933:152). Rodrigues registrou um dialeto que na sua época era usual entre a população negra e mestiça de Salvador. O dialeto que denominou nagô é, segundo ele, um dialeto que contém influências de várias LAs e do português. Despeito as suas faltas do ponto de vista linguístico, a obra constitui um documento histórico essencial que prova a existência de plurilinguismo na Bahia depois da abolição da escravatura.

2 Refiro-me ao seu livro A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do século XVIII publicado em 2002 em Belo Horizonte pela Fundação Jõao Pinheiro e Secretaria da cultura do Estado de Minas Gerais.

10

1.4. As línguas africanas nas comunidades afro-brasileiras nos tempos modernos O fim do tráfico negreiro na metade do século XIX estabelece o próximo fim no uso das LAs no Brasil. A população afro-descendente ia inserindo-se na sociedade branca: o uso das LAs podia durar tanto quanto a vida dos últimos africanos trazidos para o Brasil. A comunicação em LAs restringiu-se aos espaços de resistência em algumas comunidades rurais afro-brasileiras isoladas, e a um conjunto de fórmulas rituais nos cultos religiosos. No que tange os cultos afro-brasileiros, a linguagem litúrgica de base africana que utilisam, foi denominada por Castro, como língua de santo. Os cultos empleam diferentes línguas, tais como iorubá, ewe-fon, qimbundu, quicongo, frequentemente utilizando o léxico e a gramática que se distanciam dos padrões dessas línguas. As LAs são usadas em rituais, cânticos, saudaçõs e nomes dos iniciados, mas também, porém, raramente em conversas entre membros da comunidade. Outros traços das LAs trazidas para o Brasil que sobrevivem até hoje podem ser encontrados nas línguas francas, de base lexical africana utilizadas nas comunidades negras rurais. Os casos mais estudados são as do Cafundó, em São Paulo e da Tabatinga, em Minas Gerais. Essas línguas foram objetos de estudos de Vogt e Fry, publicados em 1996, sobre a linguagem do Cafundó e de Queiroz, em 1998, que se ocupou da linguagem da Tabatinga. Havia, porém, outras menções das línguas usadas por comunidades de origem africana. A primeira evidência do uso das línguas francas foi a descoberta de Aires de Mata Machado Filho quem, em 1944, localizou uma língua de base lexical banto usada na localidade de São João da Chapada, em Minas Gerais. Vieira (2000) enumera várias comunidades negras de todo o Brasil, por exemplo só no estado de São Paulo encontra onze localidades da cultura negra, tais como Vale de Quilombo, Cururuquara ou Jaó; em Minas Geras, catorze, entre outros Bom Despacho, Patrocínio, Milho Verde e Itaúna. Minas Gerais, devido a sua exploração mineira, recebeu um dos maiores contingentes de africanos escravizados, que até o final do século XIX eram a maioria da população dessa região. Em 1821, a população negra equivalia a 75% da toda a população e ainda em 1890, depois da extinção do tráfico negreiro, 53% dos habitantes de Minas Gerais eram negros (cf. QUEIROZ, 61). 11

Em 1938, na Revista do Arquivo Municipal, João Dornas Filho verificou o fenómeno da resistência cultural africana no povoado de Catumba, no município de Itaúna, MG.. Nessa época, a cidadezinha era completamente isolada e habitada unicamente por negros que falavam entre si um dialeto proveniente do quimbundo. Em 1976, no jornal Estado de Minas, foi publicada a pesquisa de um grupo da Universidade Federal de Juiz de Fora, coordenado por Mário Roberto Zágari, que estudou a língua de origem africana falada em Milho Verde. O mesmo jornal, em 1983, informa sobre o município de Chapada do Norte, um antiguo quilombo, no qual o americano, John David Wyatt, estudou um dialeto banto usado aí como meio de comunicação. Patrocínio é outro caso de preservação de dialeto de origem africana em Minas, documentado na revista Ciência Hoje, em 1985. Os pesquisadores, José Luiz Werneck e Jurgen Heye, desenvolveram, em 1982, uma pesquisa a 20 kilómetros de Diamantina onde havia duas pequenas comunidades, de 15 a 20 membros, que mantinham a sua língua de origem. Em 1997, Gastão Batinga publicou Aspectos da presença do negro no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba onde registrou um vocabulário banto utilizado em 16 cidades da região. A pesquisa sobre a língua, conhecida também no região por “benguela” ou “kalunga”, revela que essa língua foi falada por brancos e negros indistintamente.

1.4.1. A cupopiá do Cafundó como um vestígio de pidgin afro-português O Cafundó é um bairro rural no município de Salto de Pirapora, a 150 km de São Paulo habitado por, aproximadamente, 80 pessoas. Diz-se na comunidade que o antigo senhor e fazendeiro doou essas terras às suas duas escravas pouco antes da abolição. A língua materna dos moradores é uma variação regional do português mas, além disso, usam um dialeto com léxico africano. O dialeto, chamado pelos falantes de cupópia, caracterizase por um vocabulário reduzido de origem quimbundo, quicongo e umbundo. Esse léxico contém cerca de 170 itens, com quinze verbos e dois advérbios. Os tempos e conjugações flexionais são reduzidos. O infinitivo só termina em -a, p. ex. cantá, facto que, como confirma Vieira, ocorre em línguas banto. Os pronomes pessoais são: eu, cê, ele, ela, nói(s), ceis, eles, elas. Exemplo da conjugação do verbo cupopiá (falar): Presente: cupopeio, cupopeia, cupopiamo. Presente Contínuo: tô, tá, tamo cupopiano. Pretérito Perfeito: cupopiei, cupupiô, cupopiamo.

12

Pretérito Imperfeito: cupopiava. Futuro: vô, vai, vamo cupopiá. Gerúndio: cupopiano, cupopiando. Particípio Passado: cupopiado.

Anotamos abaixo alguns exemplos de frases do Cafundó com a tradução para o português: Nhamanhara curima nâni. - A senhora não trabalha. Camanhaco cuendô vava no nhoto. - O menino pôs água no corpo. O menino tomou banho. O cafômbi cucupiano vavuro a cupópia vimbundo. - O (homem) branco (está) falando bem a fala negra.

O léxico, apesar de ser extremadamente limitado, é vivo e produtivo. O novo vocabulário é formado por processos metafóricos e analógicos, frequentemente com a estrutura gramatical nome + prepoisção + nome: ingômbi do andaru - transporte do fogo (carro); injó que cuípa caxapura - casa que cura doença (hospital); o tec nâni do cúmbi - a noite nada de luz (a noite escura).

Outro fenómeno característico dessa língua é a homónimia: os itens lexicais representam mais de um significado, p.ex. nâni significa “não”, “perto”, “pouco”, “fraco”, “magro”, etc, em geral, tudo que é negativo. A cupópia é um vestígio de um pidgin afro-português, sendo considerada como uma modalidade da língua portuguesa com frecuentes africanismos. Há, no entanto, autores que consideram-na uma língua mista, dado que tem vocabulário de base africana que o português não tem e praticamente não usa o léxico da língua portuguesa. Os falantes da cupópia divertem-se muito ao ver que um estranho não entende nada da sua conversa. O uso dessa língua é relacionado com a possibilidade de mostrar as suas próprias tradições, mostrar a sua “africanidade” e “brasilidade” pela linguagem. O uso ativo da cupópia está-se disminuindo, mantendo-se só na comunicação de alguns adultos.

13

1.4.2. A língua secreta da Tabatinga Na primeira metade da década de 80, Queiroz realizou uma pesquisa na comunidade da Tabatinga, periferia de Bom Despacho, situada a 145 km de Belo Horizonte. “Os moradores da Tabatinga, predominantemente negros, utilizavam, em situações especiais – de lazer, sobretudo diante de brancos moradores de outros bairros, de classe social superior – uma língua afro-brasileira: base gramatical do português rural brasileiro e vocabulário africano, ao que parece de base quimbundo” (QUEIROZ, 2002, 53). A pesquisadora admite que essa língua não é crioulo, nem pidgin: não é língua materna de ninguém, sendo aprendida entre 11 e 20 anos; é utilizada apenas em situações especiais, de lazer, em bares e festas; gramática é portuguesa e o vocabulário tem origem africana. No entanto, a língua da Tabatinga apresenta umas características dos pidgins: vocabulário extremamente reduzido de 176 vocábulos, polissemia generalizada, perífrase frecuente, redução das flexões. A autora propõe uma hipótese de que a língua é resultado da evolução de um pidgin ou crioulo que havia existido nesse território nos tempos da escravidão. A língua da Tabatinga, denominada também “língua do Negro da Costa”, tem muitos termos parecidos aos do Cafundó com o qual compartilha também a finalidade de “ocultação”. Ambas línguas servem-se da fonologia, da morfologia e da sintaxe do português e tem a função de código secreto accesível só aos membros da comunidade. Essa característica no passado podia ter servido para que o dono não soubesse o conteúdo das conversas dos seus escravos. Vieria compara as línguas do Cafundó e da Tabatinga enocontrando muitas semelhanças em quanto ao léxico (p.ex. canguro significa “porco” nas duas línguas, curimá refer-se ao verbo “trabalhar”, “sol” na língua da Tabatinga quer dizer cumba e na cupópia, cúmbi). Vieira menciona também o dialeto kalunga, que possui, segundo o autor, 146 itens lexicais, com abundantes variações fonéticas (“sol” quer dizer cumbo ou cumba; “porco”, cangulo ou canguro; curimá também significa “trabalhar”). Vieira calcula que as porcentagens de coincidências lexicais entre

as três línguas são sempre de

aproximadamente 22%. O autor considera que são remanescentes de pidgins afroportugueses formados no Brasil.

14

Capítulo 2. A presença das línguas africanas no português brasileiro Tendo em vista o contexto histórico e a panorama das LAs no Brasil, podemos tratar agora do contacto entre as línguas faladas pelos africanos com o português. Faz anos que já se tenta provar a participação das LAs na formação do PB. A debate tem a ver com a independência do Brasil em 1822 e as preocupações então nascidas de marcar as diferenças entre o Brasil e Portugal: a ideologia nacionalista orientou os estudos lingísticos em direção da busca dos elementos diferenciadores relacionados com a presença das línguas indígenas e africanas. Depois da independência, intensificaram-se as atitudes nacionais e os desejos de literatura, cultura e língua própria. José de Alencar foi um dos primeiros que utilizaram na sua escrita os rasgos típicos da variante brasileria do português na procura duma expressão verdadeira e viva. No modernismo, volta a questão da independência cultural e renovação da cultura brasileira. Os artistas estão em contra do purismo estéril do português culto e desejam expressar-se numa língua auténtica do povo. Como explica Teyssier: “Os filólogos e os linguistas entraram no debate bem mais tarde que os escritores, facto justificável pelo aparecimento relativamente recente de uma filologia e de uma linguística científica no Brasil” (1982: 91). Efetivamente, os primeiros estudos sobre o PB começaram a aparecer no fim do século XIX, quando surgiram também as dúvidas sobre o papel dos africanos na cultura brasileira. Em 1888, Sílvio Romero escreveu: “É uma vergonha para a ciência no Brasil que nada tenhamos consagrado de nossos trabalhos ao estudo das línguas e religiões africanas (…) É uma desgraça” (apud RODRIGUES, 1993: 7).

2.1. A panorama das pesquisas sobre a influência africana no PB João Ribeiro, foi quem inaugurou os estudos sobre as influências africanas no PB. No seu Diccionário Gramatical, (1889) analisou o “elemento negro” e reparou que as alterações provocadas no PB referem-se ao vocabulário e à gramática: 15

“Sob a denominação de Elemento negro designamos toda a espécie de alterações produzidas na linguagem brasileira por influência das línguas africanas faladas no Brasil. Essas alterações não são tão superficiais como afirmam alguns estudiosos: ao contrário são bastante profundas, não só no que diz respeito ao vocabulário, mas até ao sistema gramatical do idioma” (Ribeiro, 1889, apud RODRIGUES, 1933: 135).

Ribeiro mencionou as influências lexicais e gramaticais, tais como, a redução das formas verbais e simplificação das flexões de plural na fala popular. Dois textos publicados em 1933 desencadeiam a debate: A influência africana no português do Brasil, de Renato Mendonça e O elemento afro-negro na língua portuguesa de Jacques Raimundo. O estudo de Mendonça começa as pesquisas em bases científicas sobre a influência dos falares africanos no PB, pesquisas que até então eram endereçadas sobretudo para as línguas indígenas. Mendonça repara que injustamente se tem atribuído ao índio o papel mais proeminente, com prejuízo do negro na formação da nacionalidade brasileira. Interpreta essa situação como uma possível consequência do indianismo dos escritores Gonçalves Dias e José Alencar: “o negro, suado e esfalfado, trabalha sob o chicote, não oferece a mesma poesia do índio aventureiro que erra pelas florestas” (MENDONÇA, 1933: 79). Em seguida, o autor traça a origem dos africanos trazidos para o Brasil, reconhecendo que foram bantos ou soudaneses. O obra contém um glossário com 375 termos de origem africana. Raimundo identifica 309 palavras de origem africana e 132 topônimos. Os dois autores consideram que a maioria das características do PB deve-se a influência das LAs, sobretudo, quimbundo e iorubá. Mendonça e Raymundo já anotam a ausência de marca de plural nos nomes como um característica do português causada pelos falantes das LAs. Mendoça (1933) concebeu o suarabácti – a intercalação de uma vogal num grupo consonántico, p.ex. adivogado, pisicologia - como produto do falar dos negros. As vogais inseridas em sílabas remetem a uma possível influência de LAs, que são constituídas, em grande parte, por palavras de sílabas formadas de acordo com o padrão CV (consoante vogal) e não CCV (consoante - consoante - vogal), como em psicologia. Mendonça comparou a linguagem do povo brasileiro com os dialetos crioulos da África. Mencionou tais processos como: despalatalização, passagem de j a z (Zézus), simplificação de grupos consonânticos (nego por negro), aférese (tá por estar, ocê por você e Bastião por 16

Sebastião), apócope do l e do r, redução dos ditongos ei e ou a ê e ô e assimilação do gerúndio em ano, eno, ino, ono. Rodrigues (1993: 145), servindo-se do estudo do Coronel A. B. Ellis, A comparison of the Tshi (or Oji), Gã, Ewe and Ioruba languages, apresentou umas características da língua iorubá ou negô. Nessa língua, os substantivos (p.ex. nini, propietário, de ni, possuir), assim como os adjetivos (p.ex. dudu, preto, vem de dú, ser preto) frequentemente provêm de reduplicação de verbos. Havia autores que achavam que as formas de tratamento carinhoso, tais como: iôiô, iaiá, sinhá, sinhô; o uso dos diminutivos indicando afetividade ou intensidade ou a repetição enfática de fonemas ou sílabas, p.ex. neném, babá, bumbum resultam da influência das LAs. No entanto, esse tema não foi bem estudado. Gilberto Freyre menciona as influências dos negros na fala dos senhores de fazendas: “Ainda hoje os membros de certas famílias ilustres de engenho se deixam identificar por vícios de pronúncia particularíssimos, que pegaram com os negros dentro de casa” (1936: 101-102). O tema é tratado novamente por Gladstone Chaves de Melo (1946) e Serafim da Silva Neto (1950) que criticam as visões pouco objetivas de Raimundo e Mendonça e diminuem a importância das influências africanas no PB. Contudo, Melo reconhece que há influência africana na falta da concordância no sintagma nominal (SN) e no sintagma verbal (SV). Cumpre notar que, referindo-se à obra de Amadeus Amaral, do ano 1920, sobre a fala caipira do interior de São Paulo, Melo considera-a de base tupi-quimbundo (cf. CASTRO, 2009: 178). Neto considera exageradas as possíveis influências africanas. Na sua obra A introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil (1963) explica esses “exageros” por ora “o desejo de exaltar a riqueza do nosso vocabulário”, ora “a vontada veemente de demostrar a diferença extrema que resultaria no reconhecimento duma língua brasileira” (apud TEYSSIER, 1982: 110). Teyssier (1982) considera que durante muito tempo havia tendência para sobrevalorizar a influência indígena e depois também, a africana na formação do PB. No entanto, admite que “na verdade não é impossível que os escravos africanos tenham contribuído para dar ao português americano uma certa languidez crioula” (89) visto que os escravos deviam ter tido problemas de aprendizagem e havia milhares de escravos trazidos 17

cada ano ao Brasil que enfrentavam os problemas linguísticos parecidos. Castro, observa que está na hora de se admitir que o africano adquiriu o português como segunda língua e foi o principal responsável pela difusão da língua portuguesa no Brasil. No préfacio à obra de Mendonça escreve: “O Brasil era habitado por um contingente de negros escravizados, superior em número ao de portugueses, e falavam línguas nativas articuladamente humanas. Levados a adquirir a língua do colonizador como língua estrangeira, terminaram imprimindo, necessariamente, nesse novo falar hábitos linguísticos de seu falar materno que proporcionaram a configuração da modalidade da língua portuguesa transplantada para o Brasil” (CASTRO, 2012: 21-22).

Castro (2009) considera que depois de quatro séculos de contacto permanente com o português, as LAs foram incorporadas pelo português devido as semelhanças, ora entre elas mesmas, ora com o português antigo e regional. Segundo a pesquisadora, a proximidade do sistema linguístico das línguas banto e kwa com o português permitiu a continuidade do tipo prosódico de base vocálica do português arcaico na modalidade brasileira, afastando-o da pronúncia consonantal do PE. Por tanto, o PB no que tange a fonologia é o resultado de um compromisso entre duas forças: os sistemas fónicos africanos e o português que actuaram sobre uma matriz indígena. Além disso, Castro (1978) distinguiu quatro tipos de dialetos afro-negros: o dialeto das senzalas (séc. XVI, de base banto); o dialeto rural (séc. XVII, de base quimbundo); o dialeto das minas (séc. XVIII, de base banto) e o dialeto urbano (a partir de 1808). O dialeto das senzalas seria um resultado do contacto estabelecido entre as línguas dos negros, dos índios e dos portugueses, seria um falar de emergência que surgiu por necessidade de comunicação, primeiro, entre escravos provenientes de diferentes regiões da África; segundo, entre escravos e portugueses. Desse dialeto podia ter surgido um tipo do português rural, como resultado da assimilação de africanismos pela língua portuguesa. A intensificação do contacto entre negros e brancos, incentivaria o desenvolvimento do dialeto das minas no período da intensa atividade mineira, assim como, do dialeto rural nas fazendas do gado. Desses falares surgiria depois o PPB, devido as semelhanças entre o português e as LAs que permitiu o nivelamento linguístico dos dialetos das senzalas em direcção ao dialeto rural. 18

É inegável a presença de palavras de origem africana no vocabulário do PB. Termos como caçula, bunda, carimbo, moleque, entre tantos outros, fazem parte do vocabulário básico diariamente usado. De pouco mais de uma centena de itens registrados no século XIX, passa-se a mais de 300 na primeira metade do século XX, ultrapassando 2000 itens nos dicionários especializados do final do século XX. Como sublinha Castro, frequentemente os bantuismos deixaram fora de uso na linguagem brasileira os seus equivalentes em português: capenga por coxo, cochilar por dormitar, xingar por insultar, babatar por tatear, dendê por óleo de palma, etc. As línguas banto caracterizam-se por prefixos que definem classes de palavras, p.ex. os prefixos mu- e ba- referem-se a seres humanos: munto (homem), bantu (homens); daí, as palavras no PB muleke e mukama (escrava). O prefixo ku- refer-se a termos verbais: kuxila (hoje no PB, cuchilar), kuxinga (xingar), kubabata (babatar). O prefixo ka- remete aos diminutivos: kamundongo (espécie de rato pequeno; no PB - camundongo). Enquanto as palavras de origem iorubá, tais como: abará, acarajé, orixá, axé e Iemanjá, restringem-se ao vocabulário da culinária e da religião, a contribuição vocabular banto atinge o léxico comum, com palavras como moleque, molambo, camundongo, cachaça e bunda, além de boa parte do vocabulário que evoca o universo das plantações e da escravidão, p.ex. senzala, mucama, mocambo, maxixe, quilombo. Frequentemente divide-se os vocábulos de origem africana de acordo com os campos semánticos aos quais pertenecem: culinária, alimentos, religião, animais, vegetais, doenças, partes do corpo, instrumentos musicais, etc. Uma pesquisa considerada como o mais completo dos registros do léxico de origem africana no Brasil é Falares africanos na Bahia (um vocabulário afro-brasileiro), de Castro (2001). A autora aponta o registro de 3.517 vocábulos classificados de acordo com a sua origem, banta, iorubá, fon e de formação brasileira, os últimos, em geral, são decalques de palavras africanas. No livro Para a história do português brasileiro, Rosa Virgínia Mattos e Silva (2001) mostra-se, tendo como base as fontes socio-históricas, a favor do papel predominante de africanos e afro-descendentes como difusores do PPB. A pesquisadora afirma que a massa de negros e mulatos foi extremamente significativa na demografia colonial e pós-colonial brasileira: 20% no séc. XVI; 60% nos séc. XVII e XVIII, 65% no 19

séc. XIX. A autora aventa a hipótese que o antecedente do PPB foi o português geral brasileiro. Mattos e Silva afirma que os africanos reestruturaram o português do colonizador ao aprendê-lo em situações específicas. No que tange o PE, deve-se considerar que os portugueses chegavam ao Brasil durante todo o período colonial, então, deve-se ter cuidado com as propostas tradicionais, segundo as quais o PB seria mais conservador em relação ao PE mantendo características do período arcaico. Nos dias que correm, há muitas pesquisas na área do papel das LAs no PB na Universidade Federal da Bahia, onde se realizou o projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia. O projeto, coordenado por Dante Lucchesi, conduziu, desde 1992 até 2004, uma ampla pesquisa para recolher amostras de fala entre comunidades afrobrasileiras isoladas e outras comunidades rurais não marcadas etnicamente. Recentemente, tenham sido defendidas também várias dissertações orientadas, sobretudo por Lucchesi: Sónia Moreira Coutinho dos Santos estudou a variação no uso do modo subjuntivo no português afro-brasileiro (2005), Jurgen Alves de Souza (2011) ocupou-se das estruturas reflexivas. Uma contribuição monumental aos estudos africanos fez Klebson Oliveira, encontrando um raro acervo de documentos escritos por africanos forros na Bahia no século XIX. Tais documentos foram localizados na Sociedade Protetora dos Desvalidos, irmandade negra fundada em Salvador em 1832. Esse encontro é de fundamental importância para a história do PB dado que permete reconstruir aproximadamente as normas vernáculas do PB do século XIX. Desse acervo foram escolhidos 290 textos publicados por Oliveira em 2006, com o objetivo de servir aos estudos linguísticos, em forma de um trabalho apresentado no Programa de pós-graduação em Letras e Linguística na UFBA. O trabalho, Negros e escrita no Brasil do século XIX. Sócio-história, edição filológica de documentos e estudo lingüístico, foi orientado por Rosa Mattos e Silva e Tânia Lobo. Oliveira junto com Lobo, organizou, três anos depois, o livro África à vista: dez estudos sobre o português escrito por africanos no Brasil do século XIX onde apresentou-se estudos sobre morfossintaxe do português encontrado em documentos acima mencionados. Um dos fenómenos estudados por Oliveira na escrita dos africanos do século XIX é a aférese: inda (ainda), midiato (imediato). No entanto, a autora repara que na história da língua portuguesa a perda da vocal inicial átona é um fenómeno muito comum: apothēcam 20

> bodega; epistŏlam > pístola. (Williams, 1994, apud OLIVEIRA, 2006: 326). A pesquisadora menciona igualmente a prótese (acréscimo de um fonema no início de um vocábulo) e a epêntese (também suarabácti, p.ex. obitida, por obtida). A síncope (perda de um fonema medial em uma palavra - pa, pra por para) e a apócope (queda de um fonema final, p.ex. gera por geral, ante por antes, parece por parecer) experimentaram índices muito altos nos documentos analisados. Outra vez, a autora acrescenta que são fenómenos já observados na história do português. Além disso, Oliveira registra o rotacismo, fenómeno fónico em que /l/ passa a /r/ p.ex. vortar por voltar ou apricado por aplicado. A autora sublinha que este fenómeno foi conhecido já no latim, como testemunha o Appendix Probi e foi documentado em vários tempos históricos.

2.2. As hipóteses sobre a formação do PB Atualmente, as pesquisas afastam-se de buscar as influências africanas e concentram-se na procura das possíveis explicações que lançariam luz no papel das LAs na formação do PPB. Na tentativa de buscar a origem e interpretar o processo da formação do PPB, foram elaboradas três hipóteses: a crioulização prévia, a deriva secular e a transmissão linguística irregular.

2.2.1. A hipótese da prévia crioulização A hipótese de ter existido crioulos no Brasil é suportada por numerosos linguistas. De acordo com essa hipótese, a presença de traços tipicamente crioulos (tais como a variação no uso de flexões verbais e na concordância nominal e verbal) nas variedades populares do PB deve-se à influência de antigos pidgins ou crioulos falados no Brasil e atualmente extintos. Durante fase de coexistência do português com a língua geral, outras línguas indígenas e as variedade crioulas, produzir-se-ia um crioulo de base portuguesa que, depois, no processo de decrioulização, aproximar-se-ia ao português padrão. Castro (2012) afirma que o tema da crioulização foi tratado pela primeria vez por Adolfo Garcia no seu livro A língua portuguesa, editado no Porto, em 1880. Outros autores consideram que foi Adolfo Coelho quem no mesmo ano alcançou a ideia crioula, comparando o PB com os crioulos afro-portugueses que definiu como dialetos do PE. 21

Mendoça (1933), como um dos primeiros estudosos, descarta a hipótese da crioulização ao dizer que apesar de ser possível que havia os dialetos crioulos, sua existência foi efémera e cedo desapareceram. A definição dos conceitos de pidgin e crioulo diferem levemente entre os distintos autores. De uma forma geral, considera-se pidgin um primeiro sistema de comunicação entre povos falantes de diferentes línguas, que forneceriam o vocabulário para essa língua de contacto, de forma que todos os falantes pudessem identificar elementos da sua língua materna nessa nova organização lexical. As construções do pidgin são variáveis, não é uma língua natural, mas uma língua adquirida e construída pelos próprios falantes. Quando o número dos falantes aumenta e as estruturas tornam-se mais estáveis, quando nasce um conceito de certo e errado em relação a uma forma de falar e, sobretudo, quando o pidgin começa a ser falado como língua materna por uma nova população, podemos dizer que tornou-se um crioulo. No entanto, Lucchesi servindo-se de exemplos de pidgins da Oceânia que se desenvolveram nos últimos duzentos anos e de alguns pidgins recentes em cidades africanas, mantém que essas variedades já são estáveis gramatical e funcionalmente, sem se tornarem a língua nativa dos seus falantes. A crioulização (nativização da língua segunda surgida na situação de contacto entre línguas) não é, por tanto, essencial para a recomposição da estrutura gramatical da nova variedade (LUCCHESI et alli, 2009: 111). Segundo Pagotto (2007), pidginização pressupõe modificações mais aprofundadas na estrutura do português que, no entanto, não são durativas visto a vida efémera que costumam ter os pidgins. Entretanto, a crioulização tem a ver com os processos de mudança mais radicais na língua dominadora, assim como, uma perenidade muito maior desse sistema. De acordo com Castro, crioulo é uma variedade linguística de intercâmbio, de base portuguesa com influências das LAs e com uma estrutura gramatical simplificada. Ambas variedades, pidgin e crioulo surgiram como variedades de emergência. Muitos autores ocupam-se da hipótese da crioulização. Cintra acredita que a existência de crioulos no Brasil foi provada pelas descobertas de vestígios de crioulos no Brasil e pelos crioulos de base portuguesa nas Caraíbas. Neto acredita que havia só crioulos episódicos que eram simplesmente uma simplificação do português, um vestigío dessas variedades seria o dialeto rural. 22

Em 1979, Elia na sua obra A unidade linguística do Brasil, propõe uma oposicão dos conceitos de crioulo e semi-crioulo. Semi-crioulo seria um estado preparatório ao crioulo, uma língua mixta. No Brasil só havia semi-crioulos, uma mera simplificação da língua portuguesa. Pagotto acredita que diferentes formas pidginizadas devem ter existido em vários lugares de todo o território em épocas sucessivas. Eram diferentes tal como diferentes eram as etnias dos falantes e os modos de constituição social, desde fazendas de café, até minas e centros urbanos. Pagotto menciona que a fala do negro era percebida sempre como diferenciada: encontra os exemplos nos textos literários onde aparecem personagens de origem africana e a sua fala típica que se aproxima a língua crioula. Além disso, Pagotto lança hipótese que o tratamento íntimo de você, tal como existe no Brasil foi causado pelo ambiente propício de plurilinguismo que possibilitaria a aquisição de uma forma não intíma por aloglotas que adquiriam o português e passariam a torná-la íntima. Pagotto acredita que o que acontece no Brasil, é, efetivamente, um processo de decrioulização mas não em direção ao PE, mas em direção ao português urbano culto do Brasil em oposição ao PPB. Os linguistas norte-americanos John Holm (1987) e Gregory Guy (1981, 1989, 2005) também tomaram voz na debate. Holm acredita que a variedade não standard do PB que denomina como Português Vernáculo do Brasil (PVB), é um semi-crioulo. O PVB, segundo esse estudoso, partilha com os crioulos alguns traços estruturais, mas não resultou de um processo de crioulização radical. Holm (2011) situa PVB ao lado de espanhol caribenho não padrão, inglês afroamericano, afrikaans e francês vernacular de Reunião como línguas que sofreram uma reestruturaçăo parcial. Essas línguas são línguas semicrioulas e não se somam, tipologicamente, ao conjunto de línguas crioulas, que são línguas completamente reestruturadas. Holm tenta reconstruir a contribuição das línguas banto no PPB dos séculos XVII e XVIII, comparando-o com as respondentes estruturas do português verncacular em Angola que está agora no processo de indigenação visto o seu uso cresciente como a primeira língua dos falantes monolíngues. O autor indica os possíveis traços das LAs na fonologia: desnasalização, palatalização, alternância de /l/ e /r/, etc.; na morfologia: flexão verbal reduzida, ausência da concordância sujeito-verbo, marca de número só no primeiro termo do SN, etc.; na sintaxe: dupla negação, focalização do predicado, o uso dos verbos ter e 23

estar, etc. Guy não pergunta se o português foi crioulizado no Brasil mas como podia ser possível que evitasse a crioulização. O pesquisador considera que o PPB é marcado por tendências presentes nas línguas crioulizadas, p.ex. a falta de concordância no SN (os menino) e no SV (nós vamo). Considera muitos fenómenos presentes no PPB consequências de reduções (cf. LINS, 2009: 276): substituição de formas flexionadas do verbo por construções perifrásticas (vou trabalhar por trabalharei), desuso de formas mesoclíticas (se apagaria por apagar-se-ia), a substituição de nós por a gente, apagamento de consoantes s, r no final de sílaba (nós vamo fazê); vocalização de l em sílaba final ([BrasiW]), desnasalização das vogais nasais (questan por questão). Aparte do fator da escravidão relevante para o processo da crioulização, Guy considera essenciais os fatores demográficos, geográficos e sociais, assim como, a chegada de fazendeiros e escravos da ilha de São Tomé; daí é possível concluir que no Brasil havia falantes de crioulo de São Tomé, no século XVII. A debate foi retomada por Rosa Mattos e Silva que sustenta a teoria da origem crioula do PB, baseando-se, sobretudo, no estudo dos fatores socio-históricos que condicionaram a formação de um crioulo. Contudo, a atitude adoptada pela pesquisadora é mais moderada, achando generalizante a hipótese de Guy. Esperança Cardeira também discorda da hipótese de crioulização mantendo que no Brasil não encontramos crioulos porque “a colonização fortemente centralizada e a ligação constante a Portugal favoreceram o prestígio da norma europeia” (2006: 91). A autora admite que o cruzamento de muitas variedades linguísticas podía ter originado um processo de crioulização, porém, os escravos já vieram para o Brasil conhecendo alguns bases do português, então a essa língua recorreram em comunicação com os colonizadores. Fernando Tarallo (1988) rebate os argumentos de Guy mostrando que seria muito improvável que o PB e o PE viessem a encontrar-se de novo, tal como é o fim do processo de decrioulização. Se a teoria da crioulização fosse verdade, o português deveria ainda situar-se na fase de decrioulização indo no caminho para o PE, enquanto, de acordo com o pesquisador, o que acontece são as mudanças que vão na outra direcção, vão-se distanciando dos padrões europeos. Tarallo acredita que todas as propriedades do PB resultam das mudanças internas da 24

língua reforçadas por contacto entre línguas. Considera que a situação de contacto não levou necessariamente à crioulização, mas simplesmente à diferenciação dialetal. Segundo o pesquisador, não se pode afirmar que houve crioulização supondo que haja um processo de decrioulização: alguns processos históricos que deram origem às propiedades tipícas do PB, p.ex. as mudanças na sintaxe, levaram quase 200 anos para se consolidar, enquanto o processo da crioulização é normalmente mais curto. E incluso se a crioulização tivesse acontecido e a decrioulização tivesse começado no fim do século XIX, porque o PB estaria agora se afastando do PE? “What would it take for BP to decreolize towards EP? No more, no less than the following: BP would have to turn itself inside out and upside down, literally. Subjects would have to start being phonologically null again (that is, BP would have to start re-gaining its lost pro drop characteristics) while objects would have to start receiving clitic pronouns again” (TARALLO, 1988: 156).

2.2.2. A hipótese da deriva secular A hipótese da deriva secular é sustentada por Anthony Naro e Marta Scherre (2007). Essa posição apoia-se na teoria da deriva postulada por Edward Sapir segundo qual é natural que a linguagem mude com o tempo seguindo o seu próprio curso. Naro e Sherre pronunciam-se em contra da tese da previa croulização do português mas admitem a possibilidade de que havia pidgins que contribuiram ao desenvolvimento do PB. Consideram que a língua geral contribuiu para que não fosse possível a formação de um crioulo. Segundo essa teoria, todas as características do PB já tinha-se observado no PE ao largo dos séculos. Tendo estudado os documentos medievais, Naro e Scherre afirmam que boa parte dos fenómenos típicos do PB são perfeitamente explicáveis a partir da base portuguesa do PB, sem necessidade de recorrer a outras fontes. Os autores destacam que o português no Brasil permanecia sob uma influência constante da norma padrão europeia: vale a pena destacar a reforçada imigração portuguesa no século XVIII, assim como a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro junto com aproximadamente dez mil falantes do modelo da língua de prestígio. Naro e Scherre não reconhecem as possíveis influências gramaticais das LAs no PB, no entanto, afirmam que o facto de o portugês ter sido aprendido de forma imperfeita por adultos, falantes de línguas de diversas origens que depois transimitiram os seus 25

conhecimentos linguísticos a outros recém-chegados, contribui para o resultado final que é hoje o PPB. Por conseguinte, o contacto entre línguas no Brasil limitou-se a acelerar as tendências já vindas do PE. Segundo os pesquisadores, o erro fundamental dos estudos que confirmam a crioulização, foi comparar o PPB com o português padrão e não prestar atenção suficiente às origens medievais e dialetais possíveis no PB. Resumindo, não descartam a hipótese de crioulização mas rejeitam a possível influência das LAs. A crioulização não impõe a influência africana: é tão somente uma interrupção da transmissão linguística que deve ter ocorrido entre falantes africanos e colonos. Naro e Scherre não concordam com a hipótese da transmissão linguística irregular (TLI) que passaremos a comentar brevemente. O uso de conjugação da 3a do singular do indicativo com o pronome tu não pode ser, segundo eles, explicada através da TLI: “Parecenos perfeitamente razoável que a ausência de concordância verbal em construção com o tu tenha a ver com a inserção generalizada de você no sistema” (152). Da mesma maneira, a ausência da concordância com o pronome nós, em estruturas do tipo, nós fala, pode ter sido provocada pela inserção de a gente no sistema pronominal, com a concordância, a gente fala. Os autores ainda acrescentam, que a concordância variável entre sujeito e verbo já existia na fase arcaica do PE: “Entom os parentes OUVE (3 a sg.) conselho e confessaron (3a pl.)” (Os Diálogos de São Gregório, cf. NERO: 153). Os pesquisadores tiram essas conclusões dos escassos documentos conservados até hoje, sugerindo que na língua falada a ocorrência desse fenómeno podia ser mais frecuente que na escrita. Além disso, servem-se dos exemplos recentes de falta da concordância chegando a conclusão que tal fenómeno não é estranho à estrutura da língua. (A MELHORIA das condições femininas em Portugal PRENDEM-SE ainda com a adoptação generalizada das propostas da União Europeia [Correio da Manhã, 1995. cf. NARO: 154]. Os pesquisadores acreditam que praticamente todas as estruturas do PB têm sua existência confirmada em dialetos rurais e não-padrão do PE. Por tanto, o denominado processo da TLI não criou nenhumas estruturas novas no PB, tendo apenas accelerado os fenómenos já existentes. Em fim, os pesquisadores acham que não existem estruturas do PB que possam ser relacionadas com o contacto entre línguas indígenas ou africanas com o português.

26

2.2.3. A hipótese da transmissão linguística irregular Alan Baxter e Dante Lucchesi (2009) consideram que o contacto entre as LAs e as línguas indígenas com o português pode ter gerado leves crioulizações em diferentes períodos do tempo. Isso parece estar provado por casos de comunidades afro-brasileiras, como a comunidade de Helvécia, onde os traços observados apresentam paralelos significativos dos crioulos com bases portuguesas e reforçam a hipótese da crioulização prévia. Em 2009, Lucchesi, Baxter e Ilza Ribeiro publicaram o livro, O português afrobrasileiro onde sáo apresentadas dezasseis análises da morfossintaxe da gramática do português baseadas nas amostras de fala da primeira etapa do projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia3. São 48 entrevistas de tipo sociolinguístico com doze membros de cada uma das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas: Helvécia, Cinzento, Sapé, e no município de Rio de Contas, Barra e Bananal. Passaremos a comentar brevemente o caso mais estudado da comunidade de Helvécia. Helvécia foi fundada no século XVIII por imigrantes de Suiça e Alemanha que compraram escravos da Bahia para plantar café. No século XIX, a comunidade, conhecida então como Colônia Leopoldina tinha 40 plantações, onde viviam 200 brancos e 2000 negros. Com o declínio da indústria do café os brancos iam abandonado o lugar, deixando os negros na isolação onde podiam continuar a falar a sua língua. O fator que distingue essa comunidade é o facto de ter sido fundada por europeos que não falavam português. Nesse contexto, os africanos tinham pouco acesso aos modelos da língua de falantes nativos. Como os escravos foram primeiro comprados na Bahia, é possível que já falavam português, por conseguinte, é provável que tinham o ensinado às primeiras gerações dos europeos. Os modelos que foram fornecidos às crianças que nasciam na colónia eram do português falado como segunda língua o que teria provocado um processo de semicrioulização. O dialeto de Helvécia, no extremo sul do estado da Bahia, foi descrito pela primeira vez na década de 60 por Carlota Ferreira que ao preparar um atlas de falares baianos ouviu 3 O fruto da segunda etapa é o Acervo de Fala Vernácula do Português Popular do Interior do Estado da Bahia, composto por entrevistas realizadas com moradores de baixa ou nenhuma escolaridade de dois munícipio baianos do interior: Poções e Santo Antônio de Jesus. Mais recentemente o projeto Vertentes ocupa-se de recolher amostras de fala para a terceira fase que focaliza o PPB da capital de estado, a cidade de Salvador. As entrevistas de todas as etapas constituem uma das maiores amostras de fala realizadas no Brasil. Mais informações podem ser encontradas na página na Internet: .

27

falar sobre esse lugar, onde as pessoas falavam de uma manera diferente, engraçada. Ferreira fez algumas transcrições fonéticas de expressões do que, segundo a autora, seria um antigo dialeto crioulo empregado pelos velhos da comunidade. Nesses tempos não era possível fazer umas gravações por falta de equipamento adequado. Anotamos alguns exemplos das estruturas registradas por Ferreira como evidências mais notáveis de uma prévia crioulização (apud LUCCHESI et alli, 2009: 91): •

uso variável do artigo definido: quando abri janela;



variação na concordância de gênero, uso da forma do presente como forma do pretérito: io nõ pode rumá o casa (eu não podia arrumar a casa);



variação na flexão: io sabe (eu sei), ele morê (ele morreu). Em 1994, á comunidade voltaram Baxter e Lucchesi tendo observado as

características mencionadas por Ferreira, porém, em quantidade menor. Esporadicamente, na fala dos informantes mais idosos registraram características que certamente eram correntes no antigo crioulo de Helvécia. São elas (LUCCHESI et alli, 2009: 213): •

ausência de preposição em estruturas nominas: folha mandioca (folha de mandioca);



ausência do verbo copulativo: esse aí neto de Casmiro (esse aí é neto de Casmiro);



orações encaixadas sem complementizador: ele disse a irmã dele veio do Rio (ele disse que a irmã dele veio do Rio);



uso de formas de presente para indicar ações e estados situados no passado: meu pai é de cativeiro (meu pai era escravo). Ademais, foram registradasas mudanças na pronúncia: eu sô fia de lugá (eu sou

filha deste lugar) e variação na concordância de gênero na SN: o meo sobrinha. Os traços observados por Lucchesi e Baxter apresentam paralelos significativos dos crioulos com bases portuguesas. Segundo os pesquisadores, as conclusões do estudo indicam que as propriedades do dialeto de Helvécia sugerem um processo irregular da aquisição da língua. Além disso, o sistema verbal no PPB atual pode ser derivado dos dialetos afro-brasileiros, como esse de Helvécia, tendo surgido num processo de decrioulização. Os pesquisadores lembram que já na década de 1960 os moradores mais jovens na comunidade reconheciam a variedade falada por os mais idosos como distinta da sua, as vezes até difícil para entender. Sugerem que o chamado crioulo português de Helvécia foi falado até as primeiras 28

décadas do século passado, tendo evoluido no português afro-brasileiro de Helvécia em meados do século XX, como resultado de uma rápida descrioulização. Cumpre acrescentar que não foram observadas características que nos deixariam postular um processo pretérito de crioulização nos demais comunidades rurais afro-brasileiras estudadas, o que pode ser provocado pelo facto de não dispormos dos dados das pesquisas anteriores: os primeiros registros de fala só foram feitos a partir da década de 1990. Lucchesi considera que no complexo processo histórico de formação da realidade linguística brasileira devem ser buscadas as razões para no Brasil não se terem criado as condições para um processo pleno de crioulização. Acredita que o crioulo não se criou por três principais razões: a grande proporção de falantes do português, a utilização das LAs como instrumento de comunicação dos escravos, assim como, o elevado grau de miscigenação racial. No Brasil, em todo o período da colonização e do Império, os falantes nativos do português sempre corresponderam a aproximadamente 30% da população brasileira, enquanto nas situações típicas de crioulização, como as que ocorreram no Caribe, a participação dos falantes da língua-alvo nunca chegou a 10% do total da população. A participação dos brancos no conjunto da população determinou um grau de acesso aos modelos gramaticais do português elevado demais para que se pudesse formar uma variedade crioula. Outro fator que contribiu para impedir a ocorrência do processo de crioulização do português foi a ausência da vida social e familiar entre os escravos provocada pelas condições da sua exploração, alta taxa de mortalidade e pelos sucessivos deslocamentos. Como resultado, Lucchesi, Baxter e Ribeiro (2009) propõem uma nova hipótese: explicam a formação das variedades populares do PB através do conceito de transmissão linguística irregular do tipo leve. Mantêm que o contacto do português com línguas indígenas e LAs não foi suficiente para formar um crioulo, mas foi suficiente para “produzir um amplo processo de erosão morfológica na variedade da língua portuguesa adotada por índio-descendentes e afro-descendentes” (LUCCHESI, 2012: 45). Numa situação de transmissão linguística regular as crianças dispõem, como modelo, de uma língua plena, com todos os mecanismos gramaticais, enquanto na TLI a língua é aprendida de forma imperfeita, em circunstâncias socio-históricas específicas. A TLI refere-se ao “processo de socialização e nativização de um modelo defectivo de 29

segunda língua adquirida por uma população de indivíduos adultos, de forma precária, em situações de contacto linguístico abrupto, massivo e radical” (LUCHESSI, 2009: 35). A TLI acontece em situação de contacto massivo entre línguas, cujo resultado não é uma situação radical em qual surge uma língua nova (um pidgin ou um crioulo), mas uma variedade de língua que prevalece na situação de contacto (neste caso, o português) com alterações na sua estrutura. O processo de TLI caracteriza-se sobretudo, pela simplificação de certas estruturas gramaticais que passaremos a estudar no subcapítulo seguinte. Concluindo, basta acrescentar que para Lucchesi, o processo do contacto entre línguas no Brasil não pode resultar numa busca das chamadas “influências” africanas e indígenas, que marcou a produção da história da língua portuguesa no Brasil até meados do século XX, mas só pode ser interpretado com base nas teorias do contacto linguístico e nas consequências evidenciadas nas modalidades do português afro-brasileiro e do PPB. A questão deve ser estudada no contexto socioeconómico dado, em que a língua socialmente dominante foi adquirida pela maioria da população brasileira de origem não europeia, por via oral, sem o controle da normativização escolar e da escrita, portanto, em situação de aquisição imperfeita. Daí resultam as formas que caracterizam o PPB e que se expandem num processo de mudança de baixo para cima para as normas cultas. Parece que hoje, efetivamente, a formação do PB deve ser estudada no contexto das teorias do contacto linguístico, para ultrapassar a perspectiva antiga de busca das “influências” africanas e indígenas e deve-se seguir elaborando o debate sobre as hipóteses da crioulização prévia e da deriva secular. Muito andar será preciso para que se chegue à resposta a dúvida sobre a constituição do PB. As três hipóteses acima colocadas são os possíveis caminhos de estudo e não fecham oportunidades para novas teorias que podem surgir.

30

2.3. Análise de amostras de fala

2.3.1. Metodologia e corpus da pesquisa As amostras de fala que vão ser analisadas fazem parte de banco de dados do projeto Levantamento etnolinguístico de comunidades afro-brasileiras de Minas Gerais e Pará da Universidade de São Paulo. O projeto, coordenado por Margarida Maria Taddoni Petter e Márcia Santos Duarte de Oliveira, tinha como objetivo recolher amostras de fala para avaliar a eventual presença de traços de LAs em duas comunidades quilombolas de Minas Gerais - Tabatinga e Milho Verde - e uma do Pará – Jurussaca 4. A escolha de comunidades de Minas Gerais foi motivada pelos estudos já publicados que atestaram que nestas comunidades vivem falantes que conservam traços lexicais das LAs. A comunidade do Pará foi escolhida por causa da ausência de inventário linguístico desse lugar. Esse estudo foi realizado pelo método prático de pesquisa de campo, com gravações de entrevistas in loco. No levantamento de dados linguísticos foi preparado um questionário e um conjunto de perguntas para incentivar a conversa com os entrevistados. As questões concerniam os temas comuns: formação da comunidade, festividades típicas, atividades dos informantes, condições de saúde, casamentos e namoros. Para a análise nesse trabalho escolhimos dois informantes: Dona Maria José, de 81 anos, nascida em Jurussaca, exprofessora na comunidade e Ivo Silvério da Rocha, de 67 anos, nascido em Milho Verde, quem cursou quatro anos do ensino primário. Milho Verde é um povoado com aproximadamente 1.000 habitantes e situa-se perto de Diamantina, no estado de Minas Gerais. Jurussaca é uma comunidade quilombola de 550 habitantes, situada a 25 km da cidade de Bragança, no Estado do Pará. Provavelmente, a comunidade iniciou-se a partir de quatro fundadores fugidos do Maranhão. Isso fica confirmado pelos moradores, p.ex. pela entrevistada, dona Maria José. As casas da comunidade de Jurussaca foram construídas pelos próprios moradores em barro batido e palha. No anexo a este trabalho, tem-se incluído os fragmentos de conversas com os dois entrevistados, assim como, as fotografias desses povoados. Os dados coletados foram transcritos de acordo com a chave de transcrição do 4 A metodologia e a descrição detalhada de pesquisa podem ser consultadas na página: (acesso: a 14 de junho de 2014).

31

Projeto Vertentes5. Optou-se pela transcrição ortográfica em detrimento da fonética, visto que possibilita uma melhor visualização do texto. Todo o trabalho de transcrição foi feito por 81 alunos da disciplina: “Introdução aos Estudos de Língua Portuguesa II/2010” da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Cada aluno foi supervisionado por um monitor do projeto quem revisou cada trecho transcrito. Concluindo, cumpre mencionar que o projeto foi consultado com os professores doutores, já mencionados neste trabalho, Bonvini, Lucchesi, Ribeiro e Queiroz, entre outros.

2.3.2. A análise do corpus Nas amostras da fala registraram-se marcas específicas das variedades linguísticas de comunidades afro-brasileiras, tanto no nível fónico, quanto no morfossintático. Os principais traços são a ausência da concordância no SV e no SV. Vale a pena reparar também na ausência de nexos gramaticais, tais como preposições ou complementizadores e quebras no encadeamento sintático dos enunciados. No que se refere aos factos fonéticos, foi observada a supressão do /l/ final: orá por oral e do /r/ final: interiô, por interior; sinhô por senhor; chegá, conversá por chegar, conversar; fazê, varrê, lavá, por fazer, varrer, lavar. Outros fenómenos registrados para ter em consideração são: simplificação de grupo consonántico: nego por negro; aférese: tá afetado por estã afetado; rotacismo: papér, asfarto, simpredade, simpres, se prantava tudo; modificações de terminações verbais: ficaro implantado aqui, em vez de ficaram, ele num querium ir, em vez de eles nem queriam ir; assim como, queda do /d/ do gerúndio: vai expandino, vai cresceno, em vez de expandindo e crescendo. Nas formas verbais do pretérito perfeito da 3a pessoa do singular ocorre a redução do diftongo ou para ô: levô por levou, comprô, chegô, tomô, por comprou, chegou, tomou. O mesmo fenómeno occore no presente da 1a pessoa do singular: tô, vô por (es)tou, vou. A redução do diftongo acontece também em casos não verbais: ôta prima em vez de outra prima. Mostra-se necessário reparar no fenómeno do uso do nome contável em singular sem artigo ao referir-se a uma categoria de coisas ou pessoas, ou seja, no emprego genérico. Na língua portuguesa, esse fenómeno já existia, porém, em casos diferentes. Segundo Celso e Cunha (1985), só é aceite a omissão de artigo no uso genérico quando o substantivo é 5 A chave está disponível em (acesso: a 14 de junho .

de

2014):

32

abstrato ou quando faz parte de provérbios (Pobreza não é vileza. Cão que ladra não morde.). No entanto, no PB observamos o uso diferente; seguem os exemplos: galinha, pato, chegou índio, muito [índio], não tinha cavalo. Observamos que o nome contável sem artigo é utilizado ao referir-se a uma categoria, não sendo abstrato, nem fazendo parte de um provérbio. Há linguistas que provam que esses substantivos devem ser considerados como os nomes incontáveis (Oliveira & Rothstein, 2011). Esse fenómeno, amplamente difundido hoje também na fala urbana das pessoas educadas, como se pode ver na fala dos pesquisadores que fizeram a entrevista (que bicho que a senhora tem aí, chegou a ter índio), pode ter sido incentivado pelo contacto entre línguas que favorece a omissão do artigo e a redução do morfema do plural, -s. Vamos analisar os fenómenos morfosintáticos registrados nas amostras: falta da concordância de número e gênero no SN, falta da concordância no SV e as particularidades relacionadas com a negação.

2.3.3. A concordância de número no Sintagma Nominal O primeiro traço que vamos analisar consiste em marcação de pluralidade apenas no primeiro elemento do SN, p.ex. os pássaro. Esse fenómeno é observado muitas vezes na fala dos dois entrevistados. O morfema -s é acrescentado apenas nos determinantes, tais como: artigos (os jovem, os asfarto, pros bicho, as roupa, os menino), demonstrativos, possesivos, indefinidos (vai chegar muitas coisa, todos os santo – aqui, excecpionalmente, Dona Maria marca os dois elementos principais) e numerais (duas descendência, tem oitenta família, foi os primeiro dono daqui – Dona Maria marca só o primeiro elemento). Os casos que ocorrem mais frecuentamente são os onde estão marcados só os artigos. Lucchesi ( 2009) diz que a variação na concordância de número no SN está presente tanto nas variedades cultas das cidades como entre as variedades populares de zona rural onde o plural é quase que só marcado no determinante. O facto de falta de colocação de marcas de plural em todos os elementos de uma expressão nominal, pode estar associado à atuação das LAs do grupo banto, que marcam a pluralidade apenas no prefixo que antecede o substantivo. Na língua umbundo, o plural é construido como nos exemplos seguintes: o-mbwa (cachorro) vs. olo-mbwa (cachorros) ovi-ndele (branco) vs. otu-ndele (brancos) (cf. LUCCHESI et alli, 2009: 289). 33

Conseguintemente, o falante cuja primeira língua foi o umbundo podia não mostrar sensibilidade à marcação do plural em posição do sufixo pós-nominal, tal como acontece no português. Da mesma maneira, em algumas línguas da família kwa, o plural é indicado pelos demostrativos wonyi (estes) e wonni (aqueles) colocados depois dos nomes, salvo o emprego de números que já por si indicam o plural (Rodrigues, 1993: 145), portanto, não é preciso acrescentar uma marca da pluralidade ao nome. Esses factos podem explicar as origens da falta da concordância do número observada na fala dos habitantes das comunidades afro-descendentes. A falta da concordância de gênero occore só uma vez, o habitante do Milho Verde diz: Zona urbana já tá afetado. Lucchesi afirma que esse tipo de variação não é comum entre as variedades rurais do portuguêse a acrescenta: “Só se registra um nível significativo de variação na concordância de gênero em certas comunidades rurais que passaram por um amplo e profundo contacto linguístico em sua história” (2009: 305). Lucchesi reparou que os crioulos da Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe praticamente eliminaram a morfologia de gênero encontrada no português. A variação na concordância nominal de número difundiu-se para as normas urbanas culta e semiculta. Essa característica, segundo Lucchesi (2009) é uma innovação brasileira que não pode ser encontrada no PE, ao contrário do que afirmam Naro e Scherre (2007) com a hipótese da deriva secular.

2.3.4. A concordância verbal A variação na concordância verbal junto à 1 a pessoa do singular é exclusiva de algumas comunidades rurais afro-brasileiras isoladas. Não observamos esse caso nas amostras analisadas. No que tange a variação na concordância verbal junto às demais pessoas, ele ocorre tanto no português das comunidades afro-brasileiras isoladas, como nas demais variedades rurais e urbanas do PPB. De acordo com a pesquisa do projeto Vertentes, concordância do tipo nós trabalha atinge um porcentual de mais de 80% no português afrobrasileiro. Nas amostras analisadas não encontramos tal fenómeno na 1a pessoa do plural no presente. Aparecem, no entanto, os exemplos onde fica reduzido o -s final: nós tamo, nós necessitamo. Além disso, no pretérito imperfeito da 1 a pessoa do plural observamos a forma verbal da 3a pessoa do singular: nós fazia farinha, nóis era, nóis estudava, nós ia. Esse fenómeno foi atribuido por alguns pesquisadores à influência da conjugação verbal com a 34

forma a gente. Seguidamente, observamos a apócope do -m final na 3a pessoa do plural do presente na fala da Dona Maria: Eles fala que tem oitenta família e do morador de Milho Verde: E muitos não aceita. A frequência do emprego desse morfema nesse caso entre os informantes do projeto do português urbano do Rio de Janeiro, NURC 6, é de ordem de 94%, enquanto no português afro-brasileiro, é de 16% ( LUCCHESI et alli, 2009). Desde meados do séc. XVI a meados do séc. XIX, 60% da população brasileira era composta por africanos e os seus descendentes. Dessa forma, as variedades populares do PB formaram-se em situações de multilinguismo, semelhantes às situações em que se formaram as línguas crioulas do Caribe (como o crioulo haitiano, o papiamento, o crioulo da Jamaica) e da costa ocidental da África (como os crioulos portugueses de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e da Guiné-Bissau), ou seja, no contexto socio-histórico do colonialismo europeu e da escravidão africana. Tendo isso em consideração, Lucchesi (2012: 48) compara a flexão de pessoa e número do verbo de São Tomé (forro) e no PPB, constatando que a característica mais proeminente das variedades de transmissão linguística é a ampla e profunda variação nas regras da concordância verbal. Segue a adaptação do seu esquema: Crioulo de São Tomé n’sebê bu sebê e sebê nõ sebê nãsse sebê inem sebê

Português Popular Brasileiro eu sei você/tu sabe ele/a sabe nós/a gente sabe / sabemo(s) vocês sabe(m) eles sabe(m)

Português Padrão eu sei tu sabes ele/a sabe nós sabemos vós sabeis eles sabem

Vale a pena reparar nesse momento, que os verbos nas línguas kwa não sofrem modificação de pessoa, p.ex. emi fé, iwo fé, on fé, awa fé, enyin fé, awon fé (o que corresponde a eu amo, tu amas...). Além disso, o presente de indicativo é igual ao pretérito (Rodrigues, 1993: 144). Como se pode observar na tabela, no crioulo de São Tomé a mesma forma do verbo é usada para todas as pessoas, enquanto, no PPB a forma mais usada sabe aparece na 2a e 3a pessoa do singular e do plural com um processo de variação no uso do morfema -m no plural. No que tange a 1a pessoa do plural, nós sabemo(s), pode 6 As amostras do projeto NURC podem ser consultadas na página: (acesso: a 14 de junho de 2014).

35

ser substituído por a gente sabe, no entanto, as vezes aparecem construções de tipo nós sabe, a gente sabemos (nas amostras analisadas – eles fala). Os dois pronomes, decerto, influenciam um ao outro, mas esse fenómeno pode ter sido reforçado também pela aprendizagem deficiente que ocorreu na situação de contacto linguístico. A substituição do pronome nós por a gente aparece mais frecuentamente entre os pesquisadores que documentavam a conversa do que entre os mesmos entrevistados. Dona Maria parece preferir a forma nós que repete em várias ocasiões, enquanto a forma a gente aparece só uma vez: nos... óia nóis estudava lá fora toda seis hora da manhã a gente saia daqui de casa embora. Da mesma maneira, o seu Ivo opta mas vezes pelo pronome nós (nós necessitamo, nós temos aqui) e a gente aparece só uma vez: é o orgulho que a gente... ainda leva. Esse processo está mais avançado no Brasil e em Moçambique do que em Portugal, não ocorre, porém, nos crioulos da África. Portanto, “Se o contacto entre línguas pode ter impulsionado a substituição do pronome nós pela forma a gente, certamente não foi o seu fator desencadeador” (LUCCHESI et alli, 2009: 469). Todas essas diferenças refletem a polarização sociolinguística do Brasil. As comunidades afro-brasileiras apresentam as menores frequências de uso do morfema de número, enquanto as variedades urbanas culta e semiculta, que só indiretamente foram afetadas pelo contacto entre línguas, apresentam os maiores índices de aplicação da regra de concordância. Acreditamos que essas variações são reflexos de um proceso profundo de alteração promovido pelo contacto linguístico. A variação no paradigma da flexão verbal que se verifica desde a norma urbana culta até as comunidades rurais afro-brasileiras constitui uma significativa evidência de como o contacto entre línguas afetou as diversas variedades do PB. Cumpre mencionar o escasso emprego das formas do conjuntivo entre os falantes das comunidades afro-brasileiras, formas que não observamos nas amostras analisadas. No que tange a perda do sujeito nulo, que é hoje frecuente no PB, Lucchesi considera que é uma mudança com origem no contacto entre línguas que se difundiu para todas as variedades rurais e urbanas do PPB não sendo avaliada socialmente de forma negativa.

36

2.3.5. A negação sentencial No PB existem três padrões de negação sentencial de acordo com a posição de partícula negativa em relação ao SV (adaptado de LUCCHESI et alli, 2009: 251): •

o padrão pré-verbal [não SV]: Não sei o nome dela.



o padrão com dois marcadores, um em posição pré- e outro pós-verbal [não SV não]: Não sei o nome dela não.



O padrão pós-verbal [SV não]: Sei o nome dela não. A negativa pós-verbial é mais frecuente em comunidades isoladas com uma história

de forte contacto linguístico. Nas amostras, observamos uma frase com o padrão pósverbal: tinha não e uma frase com a negação dupla [não SV não]: Não tinha esse negócio de ir pro hospital não, sendo majoritário o padrão pré-verbal. De acordo, com os resultados da pesquisa mais detalhada do projeto Vertentes, esse padrão [não SV] aumenta entre os informadores que passaram pelo menos seis meses fora da comunidade e diminui entre os que nunca saíram. A situação oposta ocorre com [não SV não]: o uso dessa variante é favorecido pela permanência na comunidade e desfavorecido pelo deslocamento. Os pesquisadores indicam que o uso de construções [não SV não] e [SV não] é relacionado com a função de negação de pressuposições. O uso é favorecido por contextos de perguntas e respostas diretas. Na nossa análise, há poucas situações desse tipo o que pode explicar o uso reduzido desses padrões. Cumpre mencionar, que na Obra nova da língua geral de Mina de Peixoto encontrase o fenómeno da dupla negação na língua africana dos africanos que viviam no Brasil: màtim vihâ - naõ tem filhos naõ, hémá bouhâ - naõ corta naõ. Na língua africana ocorre a utilização de dois advérbios diferentes da negação (mà e hâ), conforme a posição na frase, podendo estar aí a origem deste fenómeno (cf. SOUZA & LUCCHESI, 2004). Cunha (2001) repara que “o uso de negativas duplas se expande por todo o Brasil, enquanto as negativas finais parecem estar restritas aos falantes nordestinos e a algumas regiões de Minas Gerais e do Rio de Janeiro” (apud HOLM 2009: p. 111).

37

2.3.6. Conclusão Outros traços do contacto entre línguas que se mantêm até hoje nos dialetos rurais são a redução da morfologia flexional, redução ou eliminação de artigos, pronomes clíticos, conectores preposicionais, falta da inversão de ordem sujeito-verbo nas orações interrogativas, emprego das formas da 3a pessoa do singular do presente de indicativo para describir as ações pontuais ou continuas que se situam no passado, variação no acordo entre o nome e o género (Luchessi et alli, 2009). Essas características foram observadas pelos pesquisadores do projeto Vertentes, no entanto, nós não os encontramos, o que pode ser provocado pela dimensão dessa análise que devia responder ao tamanho reduzido do presente trabalho. Lucchesi e Baxter consideram que as comunidades rurais afro-brasileiras isoladas foram mais afetadas pela TLI e as variações linguísticas aí observadas foram desencadeadas pelo contacto entre línguas. Além disso, provam que a sua característica mais evidente é a variação no emprego das regras de concordância nominal e verbal. Analisando as amostras proporcionadas, reparamos que essa variação é um fenómeno que ocorre mais frequentemente. Sabemos também que são comunidades marcadas pela presença prolongada de falantes ou descendentes de falantes das LAs, então podemos supor que foi esse fator o desencadeador das ditas mudanças linguísticas. Acreditamos que não se pode pensar no PPB sem ter em conta a aquisição imperfeita da língua por milhões de africanos durante três séculos e a nativização dessa língua pelos descendentes deles. O certo é que os africanos ao aprender o português inconscientemente traduziam os padrões fonéticos, morfosintácticos ou gramáticos da sua língua nativa. É um processo comum na aprendizagem de uma língua nova, em que o estudante cria a sua própria interlíngua, ou seja, uma mistura de conhecimentos linguísticos da língua nativa e da língua que está a aprender. As tendências que se observam hoje no PPB refletem um processo de nivelamento linguístico, com a difusão dos padrões urbanos cultos ou semicultos. As marcas mais características do contacto entre línguas que caracterizam a formação histórica do PPB estão desaparecendo. Podemos procurar as causas dessa situação em difusão dos modelos linguísticos pelos meios de comunicação em massa, influência das grandes cidades, maior deslocamento entre o campo e a cidade, como também, a melhoria do sistema do ensino 38

público. Tal nivelamento leva ao desaparecimiento das características que o contacto entre línguas produz no PPB. Essa acepção contradiz a hipótese de deriva secular que proclama um processo lento e gradual de perda de marcas de concordância quando, na realidade, não se vê no PPB de hoje tal processo. Esse processo de mudança é liderado pelos homens e por aquelas pessoas que viveram pelo menos seis meses fora das comunidades. Por conseguinte, para as análises foram escolhidas as entrevistas com as pessoas mais velhas das comunidades, que ainda conservam mais traços linguísticos resultantes do contacto linguístico e a aprendizagem imprefeita. De outro lado, observa-se que hoje, na fala descuidada dos jovens educados das cidades, os traços do PPB, tais como a variação na concordância verbal, não são negativamente avaliados.

39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tentou-se descrever, numa visão panorámica as diferentes facetas da relação entre as LAs e a língua portuguesa no Brasil. Na história das pesquisas sobre o tema, primeiro, estudou-se a influência africana no campo mais visível e facilmente reconhecível: o léxico. Alguns tentaram encontrar também traços fonológicos, morfológicos e sintáticos no PB, ideias que outros acharam questionáveis. Depois, o rumo de debate mudou para a hipótese da prévia crioulização que foi exaustivamente discutida. Visto que os conceitos de “influência” e de “crioulização” revelaram-se insuficientes, para não dizer inadequados, tentou-se encontar novas interpretações para explicar a constituição do PB. Assim surgiu a proposição da transmissão linguística irregular. O presente trabalho apresentou um estudo sobre o contacto linguístico tomando de forma predominante como referencial os estudos de Lucchesi et alli (2009) com base na TLI. Relativamente a questão da hipótese da previa crioulização do PB, afirmou-se que as diferentes formas crioulizantes devem ter existido, porém, de uma existência efémera. Registrou-se, do mesmo modo, a hipótese da dervia secular, que nos parece bastante reforçada. Ao longo do trabalho, provou-se que no PB existe uma forte presença dos traços que podem ter resultado do contacto linguístico entre o português e as LAs. Resultou que os traços linguísticos que podem ter originado da influência africana são facilmente reconhecíveis nas entrevistas com os falantes mais velhos das comunidades afrobrasileiras. Mais frequentemente atestadas foram as variações na concordância no SN e no SV. Acreditamos que essas mudanças são frutos de uma aquisição insificiente da língua pelos africanos e foram depois transmitidas aos afro-descendentes. Por conseguinte, supomos que esses traços, hoje presentes também na fala descuidada dos falantes educados, provêm da transmissão linguística irregular. No trabalho, sublinhou-se a dimensão do tráfico negreiro, servindo-nos de palavras de Joaquim Nabuco da sua obra, O Abolicionismo: “Lançou-se, por assim dizer, uma ponte entre a Africa e o Brasil, pela qual passaram milhões de africanos, e estendeu-se o habitat da raça negra das margens do Congo e do Zambeze ãs do São Francisco e do Paraíba do Sul”. Com os milhões de escravos, ao Brasil veio a África.

Os aspectos morfossintáticos mais afetados pelo contacto entre línguas (a erosão da concordância nominal e verbal) tendem a receber ainda hoje um julgamento negativo. O antiguo presidente do Brasil, Lula da Silva, recebeu críticas da imprensa conservadora por não empregar adecuadamente as regras da concordância. São valiosas as palavras de Lucchesi: “O preconceito linguístico das elites brasileiras não tem apenas um caráter social excludente e discricionário, ele tem um caráter claramente racista, na medida em que condena ao estigma social precisamente as marcas linguísticas mais notáveis do caráter pluriétnico da sociedade brasileira. Pode-se falar, assim, de um racismo linguístico ainda vigente e que atua impunemente como instrumento de dominação ideológica na sociedade brasileira" (2009: 535).

Nos últimos anos, parece ter-se renovado o interesse pela cultura afro-brasileira e pelos estudos sobre o negro no Brasil. O governo tornou-se mais sensível à essa problemática e a voz dos movimentos sociais negros e indígenas começou a ser ouvida. Em 1988, a lei assegurou o direito à propriedade da terra às comunidades afro-brasileiras remanescentes de antiguos quilombos. É preciso ressaltar o papel da nova Constituição Brasileira, que afirma o direito à diferença: escola diferenciada, respeito aos cultos religiosos e manifestações culturais afrobrasileiros. O reconhecimento da cultura afro-brasileira tornou-se visível também na recente lei sancionada a 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatório “o ensino sobre a História e Cultura AfroBrasileira”. Vale a pena mencionar a Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, que realizou o mapeamento das comunidades remanescentes de quilombos, já tendo sido identificadas 743 áreas, onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas. No entanto, nos estudos modernos frisa-se o nosso ainda grande desconhecimento sobre a contribuição das LAs à formação do PB e do alcance dessa contribuição. Ainda resta muito por fazer, Queiroz comentou: “Mais que nunca, vivemos um momento de chamada à pesquisa sobre o tema fascinante da pluralidade cultural” (2006: 63). A investigação sobre a papel das LAs na formação do PB ainda está em curso e atrae atenção de estudiosos, não só brasileiros, mas também norte-americanos e franceses. Há muitas questões para serem estudadas mais profundamente para uma melhor explicação dos factos acima mencionados. Cumpre sublinhar que existe um ambiente propício para o debate, os pesquisadores disponibilizam os resultados das suas pesquisas na Internet, as universidades proporcionam acesso livre às teses de mestrado, os corpus linguísticos frequentemente são de livre acesso na Internet

para todos os que estejam interessados. Cumpre acrescentar que uma nova linha de pesquisa vem-se desenvolvendo: ela diz respeito à tentativa de explicar, pelo contacto com as LAs, os fenómenos das variedades do português de Moçambique e de Angola. O PPB foi muitas vezes comparado aos crioulos, parece que agora chegou tempo de presentá-lo em contraste com as modalidades africanas de Mocambique e de Angola que estão em vias de formação e diferenciação do PE. Temos de lembrar que o PB estava sempre em contacto com as variedades africanas do português e hoje é difundido amplamente através da Internet e televisão, sobretudo é popularizado pelas telenovelas brasileiras que fazem sucesso no mundo todo. Podemos esperar que no futuro os linguistas avancem no campo dos estudos comparativos entre o PB e as LAs. Esperamos que apareçam mais estudos pormenorizados de gramáticas das LAs. Tomara que isso provoque o maior conhecimiento sobre o seu papel na formação da variante brasileira do português. O objetivo desse trabalho foi também fomentar a discussão e promover umas pautas de pesquisa para os possíveis estudos. E crucial apoiar e incentivar as iniciativas de estudo que venham a contribuir para despertar a consciência nacional para o papel histórico e atual dos povos africanos e os seus descendentes na história, cultura e língua do Brasil. A pesquisa, que há tanto tempo está-se debruçando sobre o assunto, deve ser expandida para fora dos muros universitários para se tornar visível para toda a sociedade.

ANEXO

AS AMOSTRAS DE FALA

CONVERSA COM DONA MARIA JOSÉ (grifos nossos) NOME: Maria José SEXO: F IDADE: 81 anos NASCIMENTO: Jurussaca OCUPAÇÃO: ex-professora na comunidade

PARTE 1 (fragmentos) DOC2: e a... dona... dona Maria José, então mas seu avô era negro, sua avó era negra? INF: era. DOC2: eram? INF: era. DOC2: e eram INTERRUP INF: ININT por aí que ele era canguçu. DOC2: canguçu? INF: eh. DOC2: o que que isso? INF: num sei {risos} DOC2: negro canguçu? INF: sim... sim... sim DOC2: mas e... mas ele tinha alguma coisa a ver com... com escravidão? INF: [tcha] tinha ININT. DOC2: ele era escravo? INF: era... era da escravidão. DOC2: era escravo? INF: era, senhora, era. DOC2: e a sua avó era escrava? INF: num tô bem alembrada se a vovó era... escrava ou se não {risos} CIRC:e aí, dona Maria José! INF:oi, tudo bem! {a informante ri} DOC2:então a sua avó... a sua avô era escravo? INF:era, senhora, era. DOC: escravo canguçu. INF: era. (...) DOC2: como era o nome dela? INF: era Levinda Fernandes de Araújo DOC2: Levindá? INF: eh sim DOC2: escrava? INF: ah, escrava

DOC2: mas é de quem?! de que proprietário? tinha... eles vieram pra cá fugidos, foi isso? INF: ah aqui que eu num tô lembrada, né... me... mas me parece que foi, eles vierum fugidos de lá de Maracanã. DOC2: de Maracanã? INF: sim. DOC2: como escravos? INF: sim... sim. DOC2: e chegaram aqui... foram um dos primeiros donos daqui? INF: foi os primeiro dono daqui. DOC2: não ele... ele é assim... ele chegô aqui... INF: sim. DOC2: ...e tomô conta da terra, foi isso? ele comprô a terra? INF: parece que ele comprô a terra. DOC2: ele comprô? INF: ele comprô DOC2: porque ele pode ter chegado aqui... INF: eh DOC2: ...visto que... um terreno aqui, eu vou ficá... INF: eh.. eh DOC2: ...vou... vou morá aqui, mas ele veio... ele... ele não comprou a sua liberdade... INF:não. DOC2...ele veio ainda como escravo, fugido? INF: foi [sim].. foi, senhora. DOC2: ele fugiu? INF: i-isso. DOC2: e quem contou isso pra senhora? INF: a vovó que dizia... DOC2: ah é. INF: ...que contava DOC2: ele fugiu? INF: sim... foi sim DOC2: e aí chegou aqui e teve INTERRUP INF:foi. (...) DOC 2: dona... dona Maria José, então a senhora teve... essa sua mãe, teve a senhora, dois... dois irmãos e mais [mais algum]... mais um... mais quantos filhos? eram cinco? INF: nóis era... DOC2:quantos filhos? ININT não... eis eram em três DOC2: três.. três homens? INF: é o Manoel, o Gregório, o... o Ademar, o Bibiano eis eram em quarto e nós era nós três... DOC2: uhum [então] quatro homens e três mulheres? INF: era... era isso DOC2: sete filhos, então sua mãe foi uma boa parideira. {a informante e a documentadora 2 riem} DOC2: boa parideira... tá aí a senhora então... como foi... como é que a senhora lembra da sua infância por aqui, a senhora [estudo]... foi pra escola? tinha escola aqui? INF: tinha. DOC2: qual era a escola? INF: nos... óia nóis estudava lá fora toda seis hora da manhã a gente saia daqui de casa embora... e digo é... agora ficou uma coisa muito fácil, muito bom vocês já merendam na aula e inda quase todo isso quando chega o fim do ano seis não passam ,né. DOC2: aí se num passasse... INTERRUP INF: é... é DOC2: aí se não passasse? INF: em primeiro não, nós ia daqui lá, eu com outra minha prima e ôta prima que tinha... morava ali mais adiante, ôta prima que tinha lá diante, nós ia pra aula todo dia. (...)

INF: fica pra cá. DOC2: mas, dona Maria José e aí quanto... com quantos anos a senhora começou a ir pra escola, a senhora lembra? INF:não, num [lembro] DOC2: sete anos, oito anos, nove, [oito]... quanto... quantos anos? INF: num tô lembrada. (...) DOC2: a senhora sabe... eh... se todos assim na época da senhora, quando a senhora era nova... era nova... as crianças aqui todas estudavam? INF:ah...[você contava] os que estudavam era sim... esse tempo ININT [t]a gostoso]...o professô [coisava] pá ensinar e aí ele num querium ir, querium ir po roçado mas num queria estudar. DOC2: [queriam ir] pro roçado? INF: era. DOC2: que...que num... que que tinha no roçado nessa época, que que vocês plantavam? INF: ah, se [prantava] tudo, era maniva... era arroz... era feijão... era [tabaco] ININT os pássaro. DOC2: tabaco? INF: [era, tudo se plantavam] (...) DOC1: a escola não era aqui? INF: não, sinhô não... (...) DOC2:vocês iam. INF:é... DOC2: caminhando? INF: caminhando de pé mesmo DOC2: não tinha cavalo? INTERRUP INF: era chuva...era sol...era tudo...num tinha esse né... nesse tempo num tinha negócio de bicicleta, de moto, essas coisas assim... tinha não... não não tinha... tinha de ir [ ir dis pé] mesmo

PARTE 2 (fragmentos) DOC 1: A senhora tem além da...da... dessa capelinha aí... tem outro tipo de... religião aqui? INF: Tem a que eles faz no mês de outubro. DOC 1: Qual é? INF: A de todos os santo. DOC 1: Católico... então a senhora... como é que é sua vida aqui dona Maria José a senhora acorda e aí... acorda cedo? Me conte como é que... como é que começa seu dia. INF: É... é acordo cedo. DOC 1: E aí... e depois... o que é que a senhora faz? INF: Logo primeiro que eu faço eu vou fazê meu café... {risos} é o [primeirinho] que eu faço. DOC 1: E depois? INF: É... eu vou lavá a louça [deitar] na cozinha... varrê dá comida pros bicho. DOC 1: Que bicho que a senhora tem aí? INF: Galinha... galinha... pato, agora o... os meus [pássaro] acabei os peru também acabei [catraio]... DOC 2: A senhora vende... quando tem muito? INF: Quando tem muito eu vendo... é. DOC 1: E aí depois... do café e dos bichos... o que mais a senhora faz? INF: Se for pá... pá mim lavá roupa eu vou pro rio pego as roupa eu coloco na bacia e vou pro rio lavá. DOC 1: E depois? INF: {risos} É... quando eu... eu ia pro roçadoeu saía cedinho... tomava meu café... botava minha água na minha bijadinha e ia embora pro roçado... só vinha onze horas. DOC 1: Todo dia? INF: É... todo dia. DOC 2: E... o... dona Maria José como era antigamente quando... tinha uma mulher pra ter neném... como é... como era?

INF: Ah tinha uma... INTERRUP INTERRUP DOC 2: Tinha aqui mesmo? INF: Tinha... tinha aqui mesmo... tinha a parteira mas pra aquele que diziam que tinha , né. DOC 2: Daqui mesmo? INF: Sim dáqui mesmo tinha... não tinha esse negócio de ir pro hospital não. DOC 2: Mas hoje todas... INF: É. DOC 2: ... todas [já vão]. INF: Todas... todas vão pro hospital... todas. DOC 1: Como é que a senhora teve seus filhos... aqui? INF: Foi aqui. DOC 1: Com essa parteira? INF: Ah Deus já... INTERRUP DOC 1: com essa parteira. INF: ...Deus já levô tudo. DOC 1: Já? INF: Já. DOC 1: Mas foi com... com todos... todos eles quatro foi aqui? INF: Todo [eles] foi aqui em casa. DOC 1: A sua filha vem por aqui... com a senhora? INF: Vem... vem senhora... vem. DOC 1: Ela vem? INF: Vem... DOC 1: A senhora vai lá? INF: Vô... vô e venho. DOC 2: De vez em quando a senhora vai lá? INF: Vou. DOC 2: A senhora gosta [de Belém?] INF: Eu gosto mas... quando eu não [distingo aquele de vir embora] não tem quem fica... quem diga que eu fico lá, né, agora hóje agora. DOC 2: ININT [sente falta daqui vem embora] INF: Sinto falta daqui do interiô... vô... venho embora { risos} DOC 1: A senhora tira açaí aqui dona... dona [Maria} José? INF: Tira. DOC 1: ININT a senhora [que faz]? INF: Isso aqui menina... isso aqui vinha o... as raízes vinha bem aqui... beirando em aqui assim... eles tocaram fogo no [verão] era muito grande pegou fogo derrubou todinho acabou-se [o açaí] ININT DOC 2: Nossa que pena, né. INF: É foi... tinha. DOC 1: A senhora amassava o açaí... a senhora tirava? INF: Amassava sim. DOC 1: É tirava açaí? INF: É tirava sim... e aqui mesmo no a... a que tinha o ININT meu marido plantou aqui os menino só pode aqui mesmo no... no terreiro. DOC 1: Mas a senhora não tira mais? INF: Não senhora não. DOC 1: [Não tem mais]... e a farinha a senhora tem farinha aqui? INF: Nós fazia... nós fazia farinha. DOC 1: E agora? INF: Agora é só o maço comprado... eu não pude mais trabalhá direto... no roçado ININT INTERRUP DOC 1: Tem gente que faz farinha aqui? INF: Tem senhora... tem. (...) DOC 2: Quantos moradores mais ou menos a senhora acha que tem aqui na comunidade? Mais ou menos... INF: Mais ou menos? Eles fala que tem oitenta família só aqui dentro... é... tem oitenta família. DOC 2: [mas e] o seu...

CIRC 1: Chico... DOC 2: ... Chico é parente da senhora? INF: É... é. DOC 2: Como ele é parente da senhora qual é... INF: Ah... DOC 2: ...a relação? INF: A vó dele que era irmã da vovó. DOC 2: Mas a vó dele casou com... o marido dela era daqui também? INF: Era senhor... era... era. DOC 1: Dona Maria José... chegou a ter índio aqui por essas redondezas... índio? INF: É isso disseram que chegou índio... no começo que eles chegaram veio aqui tinha. DOC 1: Tinha índio? INF: Tinha sim. DOC 1: Muito? INF: Muito. DOC 1: E esse... esse... esses que chegaram se misturaram assim com os índios?... tiveram filhos... se juntaram? INF: Não.

FICHA TÉCNICA DA TRANSCRIÇÃO COLETADO POR: Ednalvo Apóstolo Campos & Maria Célia Barros Virgolino Pinto TRANSCRITO POR: Renato Santos (parte 1a), Liliane Lima Ribeiro (parte 2a) EDITADO E MONITORADO POR: Luana Vieira da Costa Soares SUPERVISÃO TÉCNICA: Francisco João Lopes COORDENADORAS: Prof. Dra Margarida Taddoni Petter & Prof. Dra Márcia Santos Duarte de Oliveira

CONVERSA COM O SEU IVO (grifos nossos) NOME: Ivo Silvério da Rocha SEXO: M IDADE: 67 anos NASCIMENTO: Milho Verde NIVEL DE ESCOLARIDADE: 4ª Série E.F.I. INF: É... a minha colocação no final da redação aí... é o que eu pedi INTERRUP DOC: Falta uma indústria uma ponte [no rio] INF: Sim... e o asfalto... e ainda tô chegano...chegano aí... DOC: Então seu Ivo... a gente pode gravá um pouquinho... já vai por um gravador aí... INF: Pode...pode sim DOC: Pode... o senhor autoriza? INF: Pode... pode... DOC: O senhor é o seu Ivo Silvério da Rocha, né? da Associação Cultural e Comunitária de Milho Verde. O senhor tava contando aí pra gente que o senhor ganhou um concurso... de redação sobre a cidade de Milho Verde... o que o senhor diria hoje sobre Milho Verde... como é que ‘tá Milho Verde hoje? INF: O Milho Verde eh... eh eh... vai expandino... vai cresceno... DOC: Ham ham... INF: E muitos não aceita... eh... o … o bem que vem chegando... principalmente é o asfarto... mas nós ‘tamo aí necessitando principalmente... uns falavam “vai afetar muito Milho Verde, vai chegar muitas coisa”...não... tudo... é... zona urbana já tá afetado...

DOC: Uhum... INF: O que nós necessitamo... deixa o asfalto chegá... não pra prejudicar aqui dentro, porque aqui dentro da rua vai ser... com bloquete.... mas deixa o asfalto chegá... ah... eh... é um transporte fácil e rápido... então todo mundo usa aí... DOC: Uhum... INF: Acho que é um grande melhoramento... principalmente o que que me acontecia agora... o Milho Verde ser conhecido internacional... né... DOC: Hum hum... INF: O Serro aqui... pela... mesma forma... Diamantina, outra cidade histórica... 2014 é... vem a Copa... quem vai chegar em Belo Horizonte e num vai querer chegar de... DOC: (risos) De Milho Verde, né... INF: ...Com os asfarto aqui, né? DOC: É... E o que que tem de bom em Milho Verde... eu sei que o senhor Ivo é uma... personalidade importante, né, seu Ivo... INF: Não... eh... DOC: O que que o senhor representa aqui em Milho Verde? INF: Eu me represento assim... a paisagem que é um car...cartão postal que nós temos aqui.... DOC: Uhum... INF: [Se] a senhora subir aqui em frente a capelinha aqui do Rosário é [um] orgulho que nós temos aqui... e mais é a simpredade do povo aqui... que todo mundo é uma... eh... que se a senhora conversá com adulto a senhora conversa com qualquer... uma criança aqui todo mundo... é uma conversa simpres... e sabe... sabe dirigir qualquer pessoa... DOC: Hum hum INF: Esse é o orgulho que a gente... ainda leva DOC: E... e... aqui era uma região onde vieram escravos...como é que foi? INF: Sim... chegaram e ficaram... DOC: … a fundação... INF: E implantado não só aqui... como principalmente no Brasil foi em vários lugares... né... DOC: Hum... INF: Mas principalmente aqui no... na... em Milho Verde... ficaro implantado aqui... num sei... o … principalmente quais as descendência.... ou quanto descendência que vieram África... que são muitas...né... do Brasil... Mas eu acho que ficariam implantado duas descendência e principalmente aqui... bem recente... é... onde foi implantado principalmente aqui o … quilombo... o primeiro quilombo aqui de mais conhecimento que foi o Baú... DOC: O quilombo do Baú... INF: E uma descendência muito forte dos negro... DOC: Hum hum... INF: Ainda que eu sou... participo deles... e é uma raiz muito forte dos nego do Baú... Baú, Ausente... são... [falar que é] uma família só... e tá’í expandido assim...o mundo intero... e eu sempre participo... não sou morador do Baú... mas a geração que vem ocorrendo em cima dessa linguagem... do Baú é a minha... DOC: É... e o que o senhor INTERRUP INF1: INTINT DOC1: conhece dessa linguagem... INF: Sim...é... todos são meu parente... DOC: Todos são seus parentes? INF: São parente... essa [direção] é... vem tanto na linguagem com o catopê e no vissungo...todos são meus parente DOC: O que que é o catopê? Conta pra gente INF: Catopê... eh... indígena... que... que vem lá do...da África... mas é um dialeto... DOC: Hum hum... INF: ...africano que veio aqui pro Brasil... eh... são... dua irmandade do Rosário... DOC: Hum hum... E os vissungos7... como é que o senhor aprendeu o vissungo? INF: Também a mesma coisa... DOC1: É? INF1: ...tanto a … que eu aprendi...eh... do catopê e com o vissungo... é a coisa que eu falo... que tá ficando difícil isso aí, com a aprendizagem com os jovem... que eles querem que eu levo no papel pra eles... 7 Vissungo é um canto de trabalho presente entre escravos em Minas Gerais; vem de ‘ocisungo’, hino ou canção na língua umbundo.

DOC: Ah... INF: E eu num passo... e ia abrir a escolinha aqui... e eu num vou passar... quadro lousa... quem quiser aprender tem que se orá... que eu aprendi de orá... Como que vão fazer... durante a festa... eu sou o chefe... eu vou pegar um papér lá... que feio... e eu com o papel durante a festa... DOC: {risadas} INF: e como é que vai acontecer?.. no vissungo é... e eu vou dirigir um defunto da onde ele vem lá das roça... e eu tenho que vim cantando... como... e eu vô trupicar... eu vou cair... e como que eu vou... DOC: {risada alta} INF: Não moça... aprendi foi orá... DOC: {risos} É isso aí... INF: Eu num posso fazer isso... DOC: E hoje parece que as pessoas num tem mais memória... INF: Sim... eu vou passar pro papel daí eles vão “ah...o Ivo é um bobo, num quis passar isso pra mim no papel”... eles não vão aprender mesmo... DOC: Ham ham INF: Acho que não... se aprender... eu ‘tô pronto pra ensinar pra eles... mas... acho que tem que ser orá... DOC: Tem que ser oral... INF: Sim

FICHA TÉCNICA DA TRANSCRIÇÃO COLETADO POR: Vanessa Bottasso Valentini e Elisa Bordon TRANSCRITO POR: Tatiani Meneghini da Silva EDITADO E MONITORADO POR: Jéssica Cristina Nacci SUPERVISÃO TÉCNICA: Francisco João Lopes COORDENADORAS: Prof. Dra Margarida Taddoni Petter & Prof. Dra Márcia Santos Duarte de Oliveira

AS FOTOGRAFIAS

Fot. 1. Morador do municipio do Milho Verde junto à pesquisadora Margarida Petter

Fot. 2. Milho Verde, Minas Gerais

Fot. 3. A pesquisa no campo

Fot. 4. Casa típica de Jurussaca, Pará

Fot. 5. Os meninos do Cinzento brincando em frente à casa

Fot. 6. Os pesquisadores, Alan Baxter e Dante Lucchesi com um morador de Barra, município de Rio de Contas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Milton (2004). Portuguese. A linguistic introduction. New York: Cambridge University Press. BAGNO, Marcos (2001). Português ou Brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola Editorial. BONVINI, Emilio; PETTER, Margarida Maria Taddoni. “Portugais du Brésil et langues africaines”. Langages, 32e année, n° 130. L'hyperlangue brésilliène. pp. 68-83. Disponível em: (acesso: 16 de maio de 2014). CASTRO, Yeda Pessoa de. A influência das línguas africanas no português brasileiro. Disponível em: (acesso: 22 de maio 2014). (2012) “Prefácio – Renato Mendonça e «A influência africana no português do Brasil», um estudo pioneiro de africanias no português brasileiro”. Mendonça, R., A influência africana no português do Brasil. pp. 15-27. (1983) “Das línguas africanas ao português brasileiro”. Afro-Asia, 14: 81-101. Salvador: UFBA. (1968) A sobrevivência das línguas africanas no brasil: sua influência na linguagem popular da Bahia. Comunicação ao 11 Congreso Internacional de Africanistas. Dacar. CAMARGO Biderman, Maria Tereza (3, 2001). “O Português Brasileiro e o Português Europeu: Identidade e contrastes”. Revue belge de philologie et d'histoire. Langues et littératures modernes. pp. 963-975. Disponível em: (acesso: 16 de maio de 2014). CARDEIRA, Esperança (2006). O esencial sobre a história do português. Lisboa: Caminho. CINTRA, Lindley (1991). “Présence et problématiqe actuelle de la langue portugaise dans le monde”. Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biblioteca/index.html (acesso: 17 de maio de 2014). CINTRA, Lindley; CUNHA, Celso (1985). Breve gramática do português contemporâneo. Lisboa: Edições João Sá da Costa. ELIA, Sílvio (2003). Fundamentos Histórico-Linguísticos do Português do Brasil. Rio de Janeiro: Lucerna. FREYRE, Gilberto (1985). Panowie i niewolnicy. Varsóvia: Pastwowy Instytut Wydawniczy GALVES, Charlotte; GARMES, Helder; ROSA, Fernando Ribeiro (2009). África-Brasil. Caminhos da língua portuguesa. Campinas: Editora de Unicamp HOLM, John (2009). “The genesis of the Brazilian Vernacular: insights from the indigenization of Portuguese in Angola”. Papia 19, pp. 93-122. HOLM, John; OLIVEIRA, Márcia Santos Duarte de (2011). “Estruturas-qu fronteadas e o ‘foco gramaticalmente controlado’ – a participação de línguas africanas em línguas parcialmente e completamente reestruturadas”. Papia 21 (1). pp. 23-38. KULA, Marcin (1987). Historia Brazylii. Wrocław: Zakład Narodowy im. Ossolińskich. LINS, Alex, Batista (2009). “Tres hipóteses e alguns caminhos para melhor compreender o processo constituitivo do português brasileiro”. Do português arcaico ao português brasileiro: outras histórias. Oliveira, Klebson; Cunha e Souza, Hirão;Soledade, Juliana. pp. 272-296. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia. LUCCHESI, Dante (2012). “A direfenciação da língua portuguesa no Brasil e o contato entre línguas”. Estudos de Linguística Galega 4. pp. 45-65. (2008). “Africanos, crioulos e a língua portuguesa”. História social da língua nacional. Lima, Ivana Stolze; Carmo

Laura do (orgs.). Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa. pp. 151-180. LUCCHESI, Dante; BAXTER, Alan; RIBEIRO, Ilza (orgs.) (2009). O português afro-brasileiro. Salvador: EDUFBA. MATTOS E SILVA, Rosa (1988). “Diversidade e unidade: A aventura linguística do português”. Revista ICALP. Lisboa, pp. 13-28. 60-72. Disponível em: (acesso: 17 de maio de 2014). MATTOS E SILVA, Rosa; MACHADO FILHO, Américo Venâncio Lopes (2009). “Entre duas diásporas: o português e as línguas africanas no Brasil”. Do português arcaico ao português brasileiro: outras histórias. Oliveira, Klebson; Cunha e Souza, Hirão; Soledade, Juliana.Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia. MENDONÇA, Renato (2012 [1933]). A influência africana no português do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão. MUSSA, Alberto (1991). O papel das línguas africanas na história do português do Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ. Dissertação de Mestrado. NABUCO, Joaquim (1883) O Abolicionismo. Disponível em: (acesso: 17 de maio de 2014). NARLOCH, Leandro (2011). Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. Leya. NARO, Julius, Anthony; SCHERRE, Pereira, Maria, Marta (2007). Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial. OLIVEIRA, Klebson (2006). Negros e escrita no Brasil do século XIX. Sócio-história, edição filológica de documentos e estudo lingüístico. Salvador: Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. Disponível em: (acesso: 31 de maio de 2014). OLIVEIRA, Klebson; CUNHA E SOUZA, Hirão; SOLEDADE, Juliana (2009). De português arcaico português brasileiro: outras histórias. Salvador: EDUFBA. OLIVEIRA, Klebson; LOBO, Tânia (2009). África à vista: dez estudos sobre o português escrito por africanos no Brasil do século XIX. Salvador: EDUFBA PAGOTTO, Emilio Goze (2007). “Crioulo sim, crioulo não. Uma agenda de problemas”. Descrição, história e aquisição do português brasileiro. Castilho, Ataliba de; Torres Morais, Maria, Aparecida; Vasconcellos Lopes, Ruth E.; Lazzarini Cyrino, Sônia Maria. Campinas: Pontes Editores. pp. 461-482. PETTER, Margarida Maria Taddoni (2010). “Línguas africanas no Brasil”. África. USP. v. 27/28, pp. 63-89. RIBEIRO, Darcy (1995). O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras. RODRIGUES, Raymundo Nina (2010[1933]). Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. Disponível em: (acesso: 23 de maio de 2014). QUEIROZ, Sônia. Organizadora. (2008). Brasilidades que vêm da África. Belo Horizonte: FALE/UFMG. (2002). “Remanescentes culturais africanos no Brasil”. Aletria. pp. 48-60. Disponível (acesso: 23 de maio de 2014). (1993). “A língua do negro da costa. Um pidgin em Minas Gerais”. Boletim CESP. v. 13. n. 15. pp. 94-105.

em:

QUEIROZ, Sônia; LÓPEZ, Oliveira, Amanda Sônia de (2006). “Palavra africana em Minas Gerais”. O Léxico em

Estudo. Seabra, Maria C. T. C. de (org.). Belo Horizonte: UFMG. SOUZA, Arivaldo Sacramento, LUCCHESI, Dante (2004). “Estrutura de negação em uma comunidade rural afrobrasileira”. Hyperion Letras, 7. Disponível em: (acesso: 24 de maio de 2014). TARALLO, Fernando (1988). “On the alleged créole origin of Brazilian Portuguese: targetes vs untargeted syntactic changes”. Caderno de Estudos Linguísticos (15). Campinas. pp. 137-161. TARALLO, Fernando (1996). “Sobre a alegada origem crioula do português brasileiro: mudança sintática aleatória”. Português brasileiro. Roberts Ian; Kato, Mary Aizawa (orgs). Campinas: UNICAMP. TEYSSIER, Paul (1982). História da língua portuguesa. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora. VIEIRA, Sílvio, de Andrade Filho (2000). Um estudo sociolinguístico das comunidades negras do Cafundó, do antigo Caxambu e de seus arredores. São Paulo: Gráfica e Editora Paratodos de Sorocaba. VOGT, Carlos; FRY, Peter. As formas de expressão na “língua” africana do Cafundó. Línguas do Brasil/Artigos. Disponível em: (acesso: 17 de maio de 2014). WILLIAMSON, Edwin (1992). The Penguin History of Latin America. Penguin Books. pp. 167-192.

As amostras de fala O projeto “Levantamento etnolinguístico de comunidades afro-brasileiras de Minas Gerais e Pará”: . Conversa com Dona Maria José Primeria parte: . Segunda parte: . Conversa com o Seu Ivo: (acesso: 14 de junho de 2014).

As fotografias Fot. 1, 2: Fot. 3: Fot. 4: Fot. 5: Fot. 6: (acesso: a 14 de junho de 2014)

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.