A participação do design de produção na constituição de personagens ícones: um estudo das séries Monk e House

July 21, 2017 | Autor: Iara Zorzal | Categoria: Design, Production Design, Television Graphic Design Principles
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A participação do design de produção na constituição de personagens ícones: um estudo das séries Monk e House Rita A. C. Ribeiro 39 Iara D’Ávila Zorzal 40

Resumo: O personagem, explanado por Pallottini (1989), é a recriação do ser real que se encontra representado, com traços e trejeitos definidos por um autor, em um universo fantasioso. De acordo com Stanislavski (2012), a caracterização externa de uma figura dramática transmite aos espectadores o seu traçado interno. Consciente de que o design de produção é, como afirma Tashiro (1998), o desenvolvimento da supervisão de toda a plástica de um filme, ou qualquer outra produção audiovisual, o artigo se propõe a apresentar e discutir a importância do processo de design de produção na constituição do personagem, bem como a forma de desenvolvimento das práticas de composição gráfica no momento das constituições plásticas. Para a compreender o que foi proposto, tomou-se como estudo de caso dois personagens ícones, de suas respectivas épocas, o investigador Monk e o médico House. Caricaturas de dois homens que sofrem com suas dores e angústias, cada um a sua maneira, esses personagens chamam a atenção pela semelhança psíquica e discrepante diferença no momento de lidar com ela. Busca-se, portanto, a compreensão da interferência do design, e sua importância, durante a concepção imagética destes personagens, tanto em definições gerais de comportamento, quanto em situações específicas às quais os protagonistas são impostos. Palavras-chave:seriados televisivos; construção de personagens, design de produção.

Introdução “Minha mente se rebela contra a estagnação. Me dê problemas, trabalho, o criptograma mais confuso ou a análise mais complexa, e estarei em minha própria atmosfera.” – Sherlock Holmes (JACKMAN, 2010, p.30)

House e Monk são personagens totalmente distintos, dois extremos, porém inspirados no mesmo clássico personagem: Sherlock Holmes, (SHORE, 2010 e BRECKMAN, 2011). Há, porém, distinções fortes entre os dois, como se cada um representasse um caráter específico do famoso detetive inventado por Doyle, sendo reservado para o médico o lado sarcástico, dependente químico, contestador e para Monk a parte obsessiva, os comportamentos estranhos e a depressão. Mesmo assim as três figuras compartilham o amor por quebra-cabeças, sendo desvendar mistérios a força de propulsão que os faz levantar da cama todos os dias. Além de excelentes investigadores, House e Monk se escondem atrás da amargura de que “o passado sempre foi melhor do que o presente” (TORRE, 2010, p.41), apegados 39 40

Doutora, pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais.; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais.;

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às mulheres que um dia fizeram parte de uma vida melhor e feliz. O medo de sofrer, porém, os levou a direções opostas, enquanto House se tornou uma pessoa que diz não se importar com nada, Monk, que já tinha “transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)” (MINAS, 2012, p.1), incluiu uma série de fobias à sua lista e passou a se importar demais com tudo a sua volta. Tais semelhanças e diferenças, destacaram estas personagens para se tornarem parte do estudo proposto, que iniciou-se a partir da consciência de que o design de produção é, como afirma Tashiro (1998), o desenvolvimento da supervisão de toda a plástica de um filme, ou qualquer produção audiovisual. A escolha de estudar a criação plástica do personagem, se deu a partir do conhecimento, confirmado por Comparato (2000) e Xavier (2005), de que o mesmo tem importância crucial para o desenvolvimento da história, bem como para a aceitação desta pelo público. Considerando que, como explica Couto (2004), o production designeré responsável por conferir identidade à peça, assim como os elementos que a compõem, entre eles o personagem. E sabendo que, Peón (2003), define ter uma forte identidade como ser identificado, lembrado e percebido. Este, pode ser entendido como um motivo para a necessidade de se criar um personagem com identidade marcante, já que tal resultaria em uma maior pregnância de suas particularidades. Segue-se, portanto, um estudo para compreender como representar “um conjunto de caracteres próprios” (FERREIRA, 1994, p.349), apenas com a utilização de imagens, sem descrições verbais. Para tanto, é considerado que “nós vivemos em um mundo imagético que interpreta as teorias referentes ao “mundo”.” (FLUSSER, 2010, p.130). Cercado de imagens, eletrônicas ou não, o homem segue codificando signos e símbolos que lhes são apresentados diariamente, de forma confundir-lhes e confrontá-los com a realidade, já que “a comunicação é portanto uma substituição: ela substitui a vivência daquilo a que se refere” (FLUSSER, 2010, p.130).

O design de produção no universo audiovisual LoBruto (1992) e Tashiro (1998), explicam que o designer de produção 41 é o responsável pela parte visual do filme. Sendo ele, quem se preocupa em adequar o resultado imagético ao conceito definido durante a formação da história narrada. ele traduz o roteiro em metáforas visuais, criando paletas de cores, estabelecendo arquiteturas específicas e detalhes que marcam época, selecionando locações, desenvolvendo e decorando sets, coordenando os figurinos, maquiagens e penteados, de forma a mantê-los dentro do estilo visual proposto, e colaborando com o diretor e o diretor de fotografia para definir como o filme deverá ser concebido e fotografado. 42 (LOBRUTTO, 1992, p.XI, tradução nossa)

Couto (2004), aponta que o filme pode ser visto como um trabalho de identidade visual, de forma que, ao construir cada cena o designer a estrutura como uma prancha conceitual. Preocupa-se, assim, com a sintonia entre cada tomada, produzindo uma plástica que seja estruturada em torno da identidade definida. 41 42

Denominação clássica em inglês: production designer No original: In its fullest definition, this extends to translating the script into visual metaphors, creating a color pallet, establishing architectural and period details, selecting locations, designing and decorating sets, coordinating the costumes, make-up, and hair styles into a pictorial scheme, and collaborating with the director and director of photography to define how the film should be conceived and photographed. (LOBRUTTO, 1992, p. XI)

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O trabalho desenvolvido pelo designer de produção é dividido, por Couto (2004), em cinco níveis de aprofundamento e complexidade Parte-se das informações mais óbvias, como local e condição socioeconômica, evoluindo para representações do interior da personagem e da história, até alcançar a interpretação do telespectador. Destaca-se, aqui, o quarto nível, em que o designer “incorpora elementos que dizem respeito a aspectos da narrativa, indicando, sutilmente ou não, sentimentos ou ações futuras.” (COUTO, 2004, p.9). Compreende-se, assim, que o designer, ao montar sua “prancha conceitual” insere elementos que serão capazes de sinalizar detalhes que ultrapassam a parte do roteiro explicitada ao telespectador. Os aspectos da narrativa inseridos, indicam o caminho que o filme irá seguir, preparando o público para ocasiões e reações que irão se desenrolar. Tais informações são dispostas através da posição dos móveis, do figurino, das cores, formatos de produtos, maquiagem, luz e ângulo. Todos esses detalhes são definidos pelo production designer antes da produção, sendo ele, e sua equipe, os responsáveis pela criação e definição de cada detalhe visual a ser traduzido do roteiro para as telas. (. . . ) “desenvolvimento de produção”. Esta fase é anterior à pré-produção e na qual se procura uma iniciação e na qual se formam as relações entre os diferentes chefes de departamentos. (CARPINTEIRA, 2011, p.7)

O trabalho do designer na produção audiovisual Nitzsche (2010, p.126), reflete sobre a definição de design, concluindo que a interpretação dessa palavra sempre passa por um filtro, a mente de quem pensa. Sendo assim, sabendo que o fazer design é capaz de: enganar a natureza por meio da técnica, substituir o natural pelo artificial e construir máquinas de onde surja um deus que somos nós mesmos. (FLUSSER, 2010, p.184).

Não seria isso correspondente ao mundo cinematográfico e televisivo? Afinal, o que são eles se não a construção de um universo totalmente nosso? Se observar bem, descobrirá que por trás das telas encontra-se um mundo produzido pelos homens, que em busca de uma perfeição inquestionável, há décadas, une elementos plásticos e engenharia na construção do seu mágico lugar. Não estariam, então, fazendo exatamente design? Para dar origem à universos tão maravilhosos e distintos, o production designer toma para si o “papel de dar sentido a uma linguagem visual em contínua transformação” (BOMENY, 2009, p.162). Seu desafio, então, é conseguir organizar cada trabalho realizado, de forma a dar união ao projeto final. Guiado por sua visão sistêmica e pela capacidade de agir transversalmente entre diversas áreas, o designer de produção é capaz de desenvolver um projeto bem estruturado, que consiga codificar cada conceito desenvolvido, de forma a realizar uma “representação parcial do universo” (FERRARA, 2007, p.7).Como um investigador, o designer mapeia tudo o que deve ser estudado e analisado, antes mesmo de iniciar um projeto. Essa fase precisa ser feita com total maestria, já que a qualidade e compreensão do produto a ser desenvolvido depende de uma pesquisa bem feita, o que só atinge-se através de um trabalho colaborativo com equipes multidisciplinares. Desse modo, fica a encargo dodesigner conduzir o grupo de profissionais à realização de um produto final que seja capaz de se comunicar com o público desejado, através do uso de elementos do alfabetismo visual.

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Num filme tudo está muito pensado. Não se deixa nada para o livre arbítrio. Sempre há a possibilidade de improvisar, mas tenta-se que tudo esteja muito estudado e muito especificado. (RUIZ apud CARPINTEIRA, 2011, p.4)

Como o Design pode contribuir na constituição de personagens tão distintos Design de Produção. Esta atividade está relacionada à concepção visual (...) de um modo geral. Tem por objetivo definir o aspecto (...) como um todo levando em consideração elementos principais tais como cenários, ambientes, ângulos de câmera, objetos e arte gráfica de cena, iluminação, figurino, efeitos especiais e visuais. (JUSSAN, 2005, p.87)

Conscientes de que “O processo de composição é o passo mais crucial na solução dos problemas visuais” (DONDIS, 2003, p.29). As análises seguintes, se ativeram em estudar alguns elementos compositivos necessários ao entendimento de como se desenvolveu a composição dos personagens. É importante lembrar que todos os elementos são utilizados em concordância e de maneira sistêmica, a separação em tópicos é apenas para ajudar na decupagem e compreensão da pesquisa.

Cenários, objetos e figurinos Malcolm Gladwell (2007) escreve que se pode descobrir mais sobre alguém ao se observar rapidamente seu ambiente íntimo, do que conversando com ele por horas. Portanto, é muito importante, que ao construir o cenário do ambiente de um personagem leve-se em consideração todas as possíveis representações de cada objeto. Para um teórico em avaliações cognitivas, a emoção depende de como a pessoa caracteriza seus objetos e como ela desenvolve seu relacionamento com os mesmos. 43 (SMITH, 2003, p.18, tradução nossa)

A congruência e analogia definida entre o cenário, o figurino e os objetos de um personagem, são cruciais para que suas características sejam assimiladas e compreendidas pelos fãs, afinal “trata-se do tom e de como tudo se combinará.” (POPE apud JACKMAN, 2010, p.256). Tashiro (1998), afirma que o figurino é a primeira coisa a ser notada pelo público, sendo seguido das correlações entre este e o ambiente que o cerca. Repara-se que o protagonista ou os protagonistas diferenciam-se rapidamente dos outros personagens pela sua forma de vestir e pelas cores que utilizam (JOVIER apud CARPINTEIRA, 2011, p.7)

Em House M.D., tem-se o protagonista como sendo um especialista em nefrologia e doenças infecciosas, que fala sete idiomas, tem mil habilidades, mas é mal-humorado e dependente químico de Vicodin. Por isso suas roupas foram pensadas, como explica a 43

No original: “For a cognitive appraisal theorist, emotion depends on how people characterize objects and how they assess their relationships with those objects.” (SMITH, 2003, p.18)

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Figura 41 – Fotogramas do Episódio Um dia daqueles. Fonte: Ep 14 - Te 06

designer Cathy Crandall, para revelar esse homem, através das camisas amarrotadas, os ternos desajustados e velhos, (MUNIZ & VIANA, 2012, p.33). Tais informações se agregam às encontradas na casa de House, que, assim como suas camisas, tem a capacidade de revelar o lado mórbido do personagem, (MUNIZ & VIANA, 2012, p.33).

Figura 42 – Fotogramas do episódio Por Baixo da Pele. Fonte: Ep 23 - Te 05

Através da observação das imagens, é possível apontar que dono desta casa é extremamente desorganizado e não se importa em viver meio ao caos. Há também objetos que identificam a profissão de House, mesmo assim, seu desleixo e reclusão são bastante reforçados. Existem também objetos que retratam além do óbvio, os vinis ao fundo sugerem, mais do que a apreciação por músicas, indicando que o médico é apegado ao passado e tem medo de mudanças. Já Adrian Monk, sempre está eximiamente vestido, seu Transtorno Obsessivo Compulsivo é ressaltado na sua roupa milimetricamente passada e ajustada ao seu corpo. “Monk está vestido impecavelmente. Como sempre, ele usa apenas duas cores”44 ( BRECKMAN, 2001, p.1, tradução nossa). Mesmo o seriado sendo uma comédia, a seriedade de Monk como detetive é muito importante para o discurso narrativo. Por isso, as cores utilizadas nas roupas do investigador variam entre tons marrons, tons de cinza, preto e branco, dando ao protagonista o ar sóbrio necessário. 44

No original: “Monk is dressed impeccably. As always, he wears only two colors” (BRECKMAN, 2001, p.1)

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Figura 43 – Fotogramas dos episódios: Sr. Monk e a Vidente, Fonte: Ep 02 – Te 01 e Sr. Monk e o Peixe Japonês, Fonte: Ep 10 – Te 03.

Figura 44 – Fotogramas dos episódios: Sr. Monk e o Remédio, Fonte: Ep 09 – Te 03 e Sr. Monk e o Peixe Japonês, Fonte: Ep 10 – Te 03.

As roupas de Adrian também conversam com seu ambiente, o qual é montado de forma a retratar a personalidade do detetive, permitindo que os telespectadores detectem o perfeccionismo e cuidado que Adrian tem ao organizar todo seu entorno. É importante perceber que os quadros de Truddy, sua falecida esposa, não obedecem ao alinhamento estável, horizontal e vertical, do resto da casa, mas formam uma linha diagonal, indicando tensão e enfatizando o incômodo que a perda da esposa ainda tem sobre o detetive.

Iluminação e cores Carpinteira (2011) afirma que a cor utilizada na iluminação tem uma grande gama de possibilidades funcionais, entre estas, uma das mais recorrente, é o seu uso para expor as sensações internas vividas pelos personagens. O designer de produção pode criar uma paleta de cores para a ambiência que pretende, mas estas cores resultam sempre de uma relação entre a cor produzida pelo designer e o tratamento da cor dada pelo diretor de fotografia. (CARPINTEIRA, 2011, p.49)

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Figura 45 – Fotograma do episódio E Agora? Fonte: Ep 01 - Te 07

O jogo de luz e sombra realça o sofrimento do personagem, na penumbra encontrase o preto, que, de acordo com o DSC45 , representa a introspecção e auto análise, a que House está se impondo. A luz amarelada está esquálida e quase não consegue se sobrepor ao marrom, formando uma camada de cor castanho sobre toda a cena. Esta mistura ilustra um momento de ansiedade e isolamento, enquanto o uso do espelho, como explica Machado (2009, p.101), reflete a complexidade interior do momento vivido pelo personagem.

Figura 46 – Fotogramas do episódio Sr. Monk e o Candidato. Fonte: Piloto

Em contraposição, o seriado Monk tem, na maioria de seus episódios, uma iluminação clara e embranquecida. Reitera-se, assim, a sensação de limpeza, na qual o protagonista luta, todos os dias, para viver. 45

Dicionário da Simbologia das Cores

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Composição diagonal Dondis (2003) explica que o uso da diagonal como ponto central da composição produz uma peça gráfica tensa, isso porque a mesma não se ajusta ao eixo horizontal e vertical que estabiliza o olhar. “Tanto para o emissor quanto para o receptor da informação visual, a falta de equilíbrio e regularidade é um fator de desorientação” (DONDIS, 2003, p.35).

Figura 47 – Fotogramas do episódio Todo Mundo Mente. Fonte: Piloto

Em House M.D. é possível perceber o uso constante de diagonais, o que provoca nas cenas uma sensação de instabilidade, já que tem-se a “ausência de equilíbrio e uma formulação visual extremamente inquietante e provocadora” (DONDIS, 2003, p.141). Conclui-se portanto, que essas organizações visuais são a externalização de House, um personagem tão instável, inquieto e provocador quanto a montagem gráfica de suas cenas. No caso de Monk, percebe-se a coexistência do equilíbrio e tensão, variando-se de acordo com o tom da cena.

Figura 48 – Fotogramas do episódio Sr. Monk e o Candidato. Fonte: Piloto

Na figura à esquerda, o protagonista está no estacionamento onde o carro de sua esposa, Truddy, fora explodido. Observa-se que a imagem está levemente inclinada, impossibilitando a sensação de equilíbrio e impondo instabilidade a cena. As cores verde a azul são novamente utilizadas para deixarem o ambiente frio e solitário, bem como o ângulo aberto da câmera que diminui Monk, mostrando a insignificância que sente diante do maior e pior mistério de sua vida, porque e por quem Truddy fora

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assassinada. Já na outra imagem, Monk passeia com Sharona após resolver o caso de Sr. Monk e o Candidato, a composição já está baseada em eixos horizontais e verticais, reavendo a sensação de equilíbrio.

Sobreposição de camadas É interessante perceber que ambos personagens são apresentados através de camadas sobrepostas, porém com significados distintos. No piloto de House M.D., Rebecca Adler, que já havia passado por diversos tratamentos tendo contato somente com a equipe do protagonista, o vê, pela primeira vez, através das persianas de seu quarto.

Figura 49 – Fotogramas do episódio Todo Mundo Mente. Fonte: Piloto

Na Figura 49 anterior observa-se a utilização de camadas e transparência na constituição da imagem, que, como explicam Lupton e Phillips (2009), são fenômenos correlativos. A sobreposição de camadas e a tênue transparência refletem a forma de ser do médico, um pessoa composta por várias cascas que só permite uma rasa parte de seu ser complexo se tornar visível. Transparência significa uma percepção simultânea de diferentes localizações espaciais... A posição das figuras transparentes tem um significado equívoco, na medida em que vemos cada uma delas ora como a mais próxima, ora como a mais distante. (KEPES apud LUPTON & PHILLIPS, 2009, p.147)

A transparência utilizada no contexto desse episódio funciona como explicado acima, se opondo a ideia de clareza e honestidade e criando um contexto falso, no qual nunca se sabe ao certo o que realmente enxerga-se. Através deste recurso gráfico Mark Hutman (production designerdeste episódio) ilustra como House se expõe ao mundo. No caso de Monk a sobreposição de camadas é muito recorrente durante todo o piloto. O interessante é que na primeira vez em que aparece nas cenas o protagonista da série sempre é colocado no plano de fundo, somente depois dessa visualização é que há uma inversão. Ao empregar o personagem no plano de fundo, faz-se uma moldura desfocada que direciona o olhar do espectador à ele, colocando-o como o ponto central da história. Porém, há outra denotação implícita, que reflete o complexo de inferioridade de Monk, pois apesar de ser o principal da série, dentro da polícia ele é apenas um consultor, o que significa estar sempre em segundo plano.

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Figura 50 – Fotogramas do episódio Sr. Monk e o Candidato. Fonte: Piloto

Considerações finais A importância de um personagem bem constituído para que o resultado final de um projeto audiovisual obtenha sucesso é inegável, como Comparato afirma, “as personagens sustentam o peso da ação e são o ponto de atenção mais imediato para os espectadores... e para os críticos” (2000, p.24). Um personagem, porém, tem sua formação na mão de vários profissionais, portanto por trás das excelentes atuações há muito trabalho desenvolvido. Entre os envolvidos destaca-se o do production designer, responsável, como explica Carpinteira (2011), por criar uma imagem com o intuito de cumprir com um determinado objetivo, que neste caso é atingir a verossimilhança do personagem. Não se deve, porém, ignorar o trabalho do ator, que carrega uma grande responsabilidade sobre o vigente sucesso daquele personagem. Mesmo assim, como explica Stanislavski (2012), o visual definido é o responsável por ajudar na total compreensão, por parte do público, de quem é aquela pessoa representada. Consciente da importância do design na criação imagética dos personagens e a par do processo desenvolvido, as figuras plásticas que configuram Monk e House se tornam melhor compreendidas. Percebe-se na concepção de ambos, um estudo aprofundado sobre como tornar esses personagens verossímeis e aproximá-los de seu público. O segredo encontrado na medida certa da caracterização foi a peça chave para o resultado de sucesso obtido por esses dois protagonistas, sem deixá-los caricaturados demais a ponto de parecerem irreais, mas ressaltando suas particularidades até se tornarem excêntricos carismáticos. Durante os estudos de caso realizados encontra-se, também, a relação das formas compositivas utilizadas em peças gráficas com as concepções filmográficas. Esta afirmação compreende tanto o relacionamento formado entre as duas formas de comunicação que resulta, de acordo Machado (2009), em uma produção melhor fundamentada, quanto como na construção de significados a partir da relação proposta entre os objetos de cena e sua significância já conhecida. O design então, está presente em todo o desenvolvimento do projeto audiovisual, fazendo parte de todas as relações criadas e compartilhadas durante a construção do mesmo, sua ação inicia-se na conceituação do projeto e termina somente após a trabalho de pós-produção. A busca pela representação imagética perfeita é contínua e, provavelmente, inalcançável. O que não desanima nenhum bom designer, que continuará a dosar as intervenções gráficas que podem interferir na credibilidade da obra, mas que são indispensáveis para seu significado.

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em:

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