A PARTICIPAÇÃO DO EMPRESARIADO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

June 5, 2017 | Autor: C. Da Silva Junior | Categoria: Urban Planning, Planejamento Urbano, Espírito Santo
Share Embed


Descrição do Produto

CLEUBER DA SILVA JUNIOR

A PARTICIPAÇÃO DO EMPRESARIADO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O caso do “Plano dos Empresários” em Cariacica, Grande Vitória – ES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Fabrício Leal de Oliveira

Rio de Janeiro 2015

CLEUBER DA SILVA JUNIOR

A PARTICIPAÇÃO DO EMPRESARIADO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O caso do “Plano dos Empresários” em Cariacica, Grande Vitória – ES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Dr. Fabrício Leal de Oliveira Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ (orientador) _________________________________ Prof. Dr. Pedro de Novais Lima Junior Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ _________________________________ Prof. Dr. Glauco Bienenstein Professor Associado da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense – EAU/UFF

AGRADECIMENTOS “Não mereceu tudo quanto teve”. Ao olhar para trás (pois o ato de agradecer envolve sempre uma atividade retrospectiva), penso que esta frase pode seguramente estampar minha lápide. No que tange ao apoio que tive dos amigos para conseguir concluir este trabalho, não poderia haver expressão mais verdadeira. Impossível nominar aqui a todos os que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização deste trabalho. Tentei fazer isto ainda na época da graduação e, já naquele momento, ocupei umas boas páginas. Aqui não será possível fazer isto. Entretanto, aos que contribuíram com a minha formação (pessoal e acadêmica, porque considero impossível dissociar uma da outra) até a época de minha graduação, saibam que seus nomes certamente figuram nas últimas páginas do meu trabalho de conclusão de curso. Aos que apareceram posteriormente, tenham certeza de que seus nomes figuram em meus pensamentos e em minhas orações. De Dona Zezé à Cris, passando por todos das minhas queridas turmas de 2012 (mestrado, doutorado e especialização): muito obrigado! Como diria Gonzaguinha: “Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas”. A gente é tanta gente, e eu agradeço a Deus por vocês fazerem parte disso! Contudo, alguns agradecimentos específicos precisam ser feitos. Papai do Céu, Nossa Senhora, Minha Mãe, e todos os anjos e santos que não se cansam de nos proteger, nos guardar e nos guiar: obrigado, Meu Pai! À tia Selma, tio Orly e toda essa “família buscapé” que me acolheu em Niterói durante os anos em que precisei morar no Rio de Janeiro para cursar o mestrado, vocês sabem que sem vocês não seria possível. Muito obrigado! Axé! À Leonora, ao mestre Eduardo Simões Barbosa e toda a equipe do Ateliê de Ideias, que me permitiu trabalhar com o que mais gosto e, plagiando o saudoso botafoguense Nilton Santos, “ainda me pagam por isso!”, um muito obrigado! Um agradecimento especial a Reinaldo Rocha da Silva, grande irmão que aceitou segurar as pontas no Ateliê enquanto eu finalizava a dissertação! Muito obrigado, amigo! Sem você também não teria sido possível! Aproveito para agradecer a meu primo Thiago pela parceria e pelas impressões das versões preliminares. Obrigado, velho! E à Isabela Souza, pela correria para a impressão final. Obrigado, querida!

A dois outros mestres, Clara Miranda e Marco Romanelli, que me ensinaram que “as boas intenções também precisam de munição”. Obrigado por me acompanharem sempre e por estarem sempre dispostos a me receber para conversar sobre qualquer coisa (mesmo que seja uma sexta-feira à noite!). Aproveito para agradecer ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFES e ao Instituto Jones dos Santos Neves, por seus arquivos e bibliotecas que ajudaram enormemente. Agradeço ainda a Ricardo Vereza e, em especial, Sonia Mareth, cujas conversas foram valiosíssimas e os documentos e arquivos disponibilizados imprescindíveis. Da mesma forma, um obrigado a Lauriéte Caneva e Giovana Camiletti pelas informações prestadas a respeito do processo de elaboração da Agenda Cariacica. Ao André Victor e à direção da Companhia de Desenvolvimento de Cariacica, por possibilitarem elucidativas conversas a respeito do Plano, e à Lorena Toledo, por ter disponibilizado as informações necessárias a respeito do Programa de Mobilidade do Governo do Estado: muito obrigado! Aos grandes amigos que fizeram com que os momentos de cansaço e tristeza fossem mais suaves e suportáveis com a mesma facilidade com que souberam fazer com que os momentos de lazer e boemia fossem ainda mais felizes e prazerosos: muito obrigado! Eu não mereço tanto! Preciso nominar aqui Laura Rougemont e Rodrigo Lobo, ambos representantes legítimos do que a palavra “amizade” pode significar! A vocês, um muito obrigado extensivo a toda a nossa turma de 2012! Aproveito para agradecer, nas pessoas de Nirvana de Sá e Gustavo Gaviria, aos amigos conquistados das outras turmas do IPPUR. Obrigado, galera! E não posso deixar de mencionar também: Flora Oliveira, representando a Casa Azul, e Samira Proêza, em nome da Casa da Mangueira, Conrado Carvalho, eterno representante da Casa Amarela e todos os amigos de Vitória, e Carol Moura, representando “A Rosa”, de Djavan e Chico, e outras entidades endiabradas! Amo vocês! Aproveito para pedir desculpas aos amigos de que me afastei. Por favor, não desistam de mim! Também entram neste contexto meus parentes, familiares e amigos, aos quais agradecerei nas pessoas de meu pai, Seu Cleuber, e minha mãe, Dona Terezinha, símbolos de integridade, correção, força e sabedoria. Obrigado por me criarem! Aos meus irmãos, Cleuser e Camille, e aos meus sobrinhos, obrigado por estarem perto e pelas vezes que me ajudaram a sorrir!

Aos membros da Banca de Qualificação, professores Pedro Novais e Adauto Cardoso,

obrigado

pelos

comentários

que

tanto

contribuíram

para

os

desdobramentos do trabalho. Ao professor Glauco Bienenstein, obrigado por aceitar fazer parte da banca final de avaliação. É um privilégio poder ouvi-los. Deixado propositalmente para o fim, posto que, sem dúvida, o personagem mais importante e mais presente nesta reta final, agradeço ao professor e amigo Fabrício Leal de Oliveira. Muito mais do que um orientador, acumulou diversas outras funções ao longo do processo de desenvolvimento deste trabalho, fazendo com que pudesse ser concluído. Obviamente, não possui culpa alguma pelos erros que o trabalho contém. Pelo contrário, fez o possível para que eu não os cometesse. A você, talvez mais do que a nenhum outro, cabe aqui o meu reconhecimento de que, sem a sua ajuda, nada disto seria possível. Muito obrigado! Eu não merecia tanto.

RESUMO O objetivo deste trabalho foi o de compreender a influência de setores da iniciativa privada no processo de transformação urbana e produção do ambiente construído da cidade de Cariacica, no estado do Espírito Santo. Para este fim, analisou-se um estudo macroviário para Cariacica – elaborado pela Associação Empresarial do município – e suas possíveis relações com os planos oficiais existentes para o município e com a dinâmica imobiliária da Grande Vitória, região metropolitana da qual Cariacica faz parte. O município de Cariacica, acompanhando a tendência metropolitana, apresentou elevados índices de crescimento demográfico, sem que, contudo, esse crescimento fosse acompanhado de ganhos sociais e urbanos. A hipótese, portanto, é a de que o espaço urbano de Cariacica tem sido fisicamente produzido por interesses particulares sem que haja um direcionamento planejado da administração municipal a respeito desse “crescimento”. A discussão gira em torno de alguns autores que indicam que, apesar de ser uma prática recorrente, a busca desenfreada pelo crescimento pode ser perversa para inúmeros seres humanos.

Palavras-chave: Cariacica. Produção do espaço urbano. Crescimento urbano. Planejamento Urbano. Interesses privados.

ABSTRACT The aim of this study was to understand the influence of sectors in private enterprise in the process of urban transformation and production of the built environment of the city of Cariacica, state of Espirito Santo. For this purpose, a macro road system study for Cariacica was analyzed - which was elaborated by “Associação Empresarial de Cariacica” - and its possible relationships with other official plans for the city and with the real state dynamics of Grande Vitória, metropolitan area that Cariacica is part. The city of Cariacica, following the metropolitan trend, showed off high rates of population growth, without, however, presenting social and urban earnings. The hypothesis, therefore, is that private interests have produced the urban space of Cariacica without a direction planned by the municipal administration on this "growth". The discussion pervades some authors who indicate that, even though it is a recurrent practice, the unbridled pursuit of growth can be perverse for countless human beings.

Keywords: Cariacica. Production of urban space. Urban growth. Urban planning. Private interests.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 1 – Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e da Grande Vitória e localização do município de Cariacica. ..................................................................... 26 Imagem 2 – Município de Cariacica, localidades e municípios vizinhos. .................. 27 Imagem 3 – Localização do Espírito Santo em relação a Minas Gerais, 1821 (detalhe). ................................................................................................................... 28 Imagem 4 – Microrregiões do Espírito Santo. Detalhe para: Cariacica (vermelho), Santa Leopoldina (verde escuro) e Domingos Martins (amarelo escuro). ................. 29 Imagem 5 – Município de Cariacica: Localidades e principais vias. .......................... 30 Imagem 6 – Grandes Projetos, estruturas portuárias e empreendimentos. .............. 33 Imagem 7 – Distritos de Cariacica-Sede (rosa) e Itaquari (amarelo) e a localização dos respectivos bairros. ............................................................................................ 38 Imagem 8 – Empresas em Cariacica e estrutura viária. ............................................ 41 Imagem 9 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1940. ....................... 43 Imagem 10 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1950. ..................... 44 Imagem 11 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1960. ..................... 45 Imagem 12 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1970. ..................... 46 Imagem 13 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1980. ..................... 47 Imagem 14 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1990. ..................... 48 Imagem 15 – Loteamentos aprovados pela PMC a partir da década de 2000. ......... 49 Imagem 16 – Localização de empreendimentos MCMV na faixa 0 a 3 SM x empreendimentos imobiliários de mais alto padrão protocolados em 2010. ............. 50 Imagem 17 – Ocupação urbana do município. Ano de referência: 2008. .................. 51 Imagem 18 – Em amarelo, os subcentros destacados no Plano Diretor do município. .................................................................................................................................. 52 Imagem 19 – Atuação das empresas da construção civil listadas na BOVESPA no Espírito Santo .......................................................................................................... 114 Imagem 20 – Shopping centers na Grande Vitória.................................................. 122 Imagem 21 – Em amarelo, centralidades, subcentros e polos de atração da Grande Vitória. ..................................................................................................................... 123 Imagem 22 – Evolução da produção imobiliária por bairros em municípios da RMGV. ................................................................................................................................ 124

Imagem 23 – Detalhe do Estudo Macroviário de Cariacica. .................................... 148 Imagem 24 – Os Terminais Urbanos do Sistema TRANSCOL. .............................. 158 Imagem 25 – A “lógica” do Sistema TRANSCOL. Detalhe. ..................................... 159 Imagem 26 – Estudo Macroviário do Município de Cariacica: o Plano dos Empresários. ........................................................................................................... 161 Imagem 27 – Diferentes níveis de detalhamento entre os diversos desenhos. ...... 163 Imagem 28a – Semelhanças entre o desenho que aparece no Plano dos Empresários e o que foi executado pelo Governo do Estado: Trevo da CEASA, em Cariacica. ................................................................................................................ 164 Imagem 28b – Semelhanças entre o desenho que aparece no Plano dos Empresários e o que foi executado pelo Governo do Estado: Trevo da Rodovia Darly Santos, em Vila Velha. ............................................................................................ 164 Imagem 28c – Semelhanças entre o desenho que aparece no Plano dos Empresários e o que foi executado pelo Governo do Estado: Rodovia Leste-Oeste, ligando Vila Velha a Cariacica. ................................................................................ 165 Imagem 29 – Programa de Mobilidade Metropolitana. ............................................ 166 Imagem 30 – Plano Diretor Viário de Cariacica....................................................... 167 Imagem 31 – Estudo Macroviário do Município de Cariacica / Plano dos Empresários. ........................................................................................................... 167 Imagem 32 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o Programa de Mobilidade do Governo do Estado. ......................................................................... 168 Imagem 33 – Detalhe da Imagem 32. ..................................................................... 169 Imagem 34 – Detalhe da Imagem 32. ..................................................................... 171 Imagem 35 – Detalhe da Imagem 32. ..................................................................... 172 Imagem 36 – Detalhe da Imagem 32. ..................................................................... 173 Imagem 37 – Detalhe da Imagem 32. ..................................................................... 173 Imagem 38 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o Plano Diretor Viário de Cariacica (PDV).................................................................................................. 174 Imagem 39 – Detalhe da Imagem 38. ..................................................................... 175 Imagem 40 – Detalhe da Imagem 38. ..................................................................... 176 Imagem 41 – Detalhe da Imagem 38. ..................................................................... 177 Imagem 42 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o PDV somado às propostas para Cariacica do Programa de Mobilidade Metropolitana. .................... 178 Imagem 43 – Detalhe da Imagem 42. ..................................................................... 179

Imagem 44 – Proposta Viária para o município constante na Agenda Cariacica. ... 180 Imagem 45 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o Sistema Viário Proposto pela Agenda Cariacica. ............................................................................ 181 Imagem 46 – Detalhe da Imagem 45. ..................................................................... 182 Imagem 47 – Preço do metro quadrado e as vias propostas pelo Plano dos Empresários. ........................................................................................................... 183 Imagem 48 – Intervenção no Trevo da Ceasa. ....................................................... 184 Imagem 49 – Estudo Macroviário de Cariacica (Detalhe). ...................................... 185 Gráfico 1 – Taxa de crescimento da população de Cariacica, RMGV e do ES. ........ 54 Gráfico 2 – Residentes por município da RMGV que trabalhavam ou estudavam em outro município do ES. .............................................................................................. 56 Diagrama 1 – Processo que resultou na Agenda Cariacica e no Plano dos Empresários: ........................................................................................................... 142 Quadro 1 – Empresas que fazem parte da Associação Empresarial de Cariacica...................................................................................................................145

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Evolução da população dos municípios que compõem a GV. ................. 54 Tabela 2 – População de Cariacica por faixa de renda. ............................................ 55 Tabela 3: Empresas da construção civil listadas na BOVESPA que atuam no Espírito Santo ....................................................................................................................... 113

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEC – Associação Empresarial de Cariacica AGEPLAN – Associação Gestora do Plano Estratégico de Cariacica AMBEV – Americas’ Beverage Company (Companhia de Bebidas das Américas) APRA – Associação das Empresas Permissionárias de Regime Aduaneiro BNH – Banco Nacional de Habitação BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo BRT – Bus Rapid Transit (Transporte Rápido por Ônibus) CDC – Companhia de Desenvolvimento de Cariacica CDL – Câmara de Dirigentes Lojistas CEASA – Centrais Estaduais de Abastecimento CETURB-GV – Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória CIAM – Congresso Internacional da Arquitetura Moderna CIVIT – Centro Industrial de Vitória CMPDC – Conselho Municipal do Plano Diretor de Cariacica CODESA – Companhia Docas do Espírito Santo S/A COFAVI – Companhia Ferro e Aço de Vitória COHAB-ES – Companhia Habitacional do Espírito Santo CST – Companhia Siderúrgica de Tubarão CVRD – Companhia Vale do Rio Doce EADI – Estação Aduaneira Interior EFLR – Estrada de Ferro Leopoldina Railway EFVM – Estrada de Ferro Vitória-a-Minas FAESA – Faculdades Espírito Santo S/A FAMOC – Federação das Associações de Moradores de Cariacica FCA – Ferrovia Centro-Atlântica FLS – Ferrovia Litorânea Sul GV – Grande Vitória (conformada por Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana) IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IJSN – Instituto Jones dos Santos Neves INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INOCOOP-ES – Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais no Espírito Santo MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia PDE – Plano Diretor Econômico PDM – Plano Diretor Municipal PDU – Plano Diretor Urbano PDV – Plano Diretor Viário PE – Planejamento Estratégico PIB – Produto Interno Bruto PMC – Prefeitura Municipal de Cariacica PMCMV – Programa Minha Casa, Minha Vida PND – Plano Nacional de Desenvolvimento RMGV – Região Metropolitana da Grande Vitória (conformada por Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra, Viana, Fundão e Guarapari) SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEMDETUR – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo SEMDUR – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação SEMGE – Secretaria Municipal de Governo SEMPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento SEP – Secretaria do Estado de Economia e Planejamento SETOP – Secretaria do Estado de Transportes e Obras Públicas SINDUSCON-ES – Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Espírito Santo SM – Salário Mínimo TIMS – Terminal Industrial Multimodal da Serra TRANSCARES – Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística no Espírito Santo TRANSCOL – Sistema Metropolitano de Transportes Coletivos da Grande Vitória UFES – Universidade Federal do Espírito Santo VLT – Veículo Leve sobre Trilhos

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................. 15 1.1 Motivações Iniciais ............................................................................................ 16 1.2 A produção do espaço urbano em Cariacica .................................................. 21 1.3 A dissertação ..................................................................................................... 23

2 O MUNICÍPIO DE CARIACICA ......................................................... 25 2.1 O início do processo de ocupação .................................................................. 26 2.2 Estruturação urbana ......................................................................................... 31 2.3 Demografia......................................................................................................... 52 2.4 Oportunidades de trabalho e renda ................................................................. 55

3 PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DA CIDADE: ALGUMAS REFERÊNCIAS PARA A ANÁLISE DO CASO DE CARIACICA ........ 58 3.1 A produção do espaço urbano ......................................................................... 58 3.2 O planejamento urbano e a produção da cidade: perspectivas e práticas .. 72 3.3 A produção do espaço urbano e o crescimento das cidades ....................... 81 3.4 O processo de produção do espaço urbano da Grande Vitória e o planejamento urbano na região metropolitana e no município de Cariacica .... 95

4 O PLANO DOS EMPRESÁRIOS .................................................... 131 4.1 Antecedentes da Agenda Cariacica: o Programa Cariacica Vale Mais....... 131 4.2 O Planejamento Estratégico ........................................................................... 133 4.3 A Agenda Cariacica 2010-2030 e a elaboração do Plano dos Empresários ................................................................................................................................ 141 4.4 O Plano dos Empresários: apontamentos iniciais ....................................... 149 4.4.1 A inserção do Plano dos Empresários na Agenda Cariacica ......................... 149 4.4.2 A visão do empresariado local sobre o Plano e a produção do espaço urbano em Cariacica ........................................................................................................... 152 4.4.3 O Plano dos Empresários e as condicionantes dadas pelo planejamento do setor de mobilidade urbana ..................................................................................... 156 4.5 O Plano dos Empresários: um estudo macroviário .............................. 160

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 186 REFERÊNCIAS .................................................................................. 194

15

1 INTRODUÇÃO Pretende-se investigar, ao longo deste trabalho, em que medida um projeto exógeno ao Estado (órgão planejador por excelência 1) interfere no processo de produção da cidade. Para essa tarefa, o “projeto exógeno” que será apresentado é o estudo Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas, aqui chamado de “Plano dos Empresários”, contratado pela Associação Empresarial de Cariacica (AEC)2. A cidade a ser analisada a respeito das possíveis interferências desse Plano é o Município de Cariacica, localizado na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), no Espírito Santo. Entre os vetores que contribuem para a produção do ambiente construído, podem ser destacados o planejamento oficial/institucional do poder público, as propostas motivadas por interesses privados (algumas das quais ratificadas em projetos do próprio poder público) e a mobilização de agentes da sociedade civil frente a tais proposições (às vezes em consonância, às vezes conflitando com as mesmas). Esses agentes interagem de alguma maneira entre si, gerando conflitos, dando origem a mecanismos de cooptação, instaurando processos de participação e negociação, entre outras possibilidades de interação. O resultado desse processo tende a se materializar no espaço urbano como coisas construídas: equipamentos públicos, estrutura viária, edificações etc. É lícito supor que existam outros vetores que colaborem para a produção do espaço urbano. A iniciativa privada individual ou não planejada em grupo, por exemplo, é uma amostra disso. Entretanto, como se pretende mostrar até o final deste trabalho, esses vetores parecem ser os que melhor podem contribuir para a discussão que se pretende abordar. A hipótese inicial dessa pesquisa é a de que não tem sido, pelo menos nos últimos anos, um planejamento específico da administração pública municipal que guiou os rumos do desenvolvimento de Cariacica até aqui, mas uma coletânea de interesses externos. O que não parece ser exclusividade ou privilégio de Cariacica:

1

“É um truísmo dizer que todos nós planejamos. Mas o planejamento como uma profissão possui um domínio muito mais restrito”. David Harvey: On Planning the Ideology of Planning, 1985. 2 Este Plano, apresentado à municipalidade em 2010 como contribuição da AEC ao processo de elaboração da Agenda Cariacica 2010-2030, será detalhado no capítulo 4.

16

O processo [...] é o seguinte: o setor privado necessita resolver questões sociais e urbanísticas, mas são aquelas que ele próprio considera como operacionalmente indispensáveis ao seu exercício. Dispondo de meios, opera com rapidez. Mas há abandono quanto aos problemas sociais de interesse coletivo, alguns dos quais são criados pela sua própria presença. Tais preocupações, afinal privatísticas, transbordam do âmbito particular para contaminar o resto da vida urbana, enquanto o poder público, sem rapidez na decisão, é deixado sem meios para resolvê-los. (Milton SANTOS, 1998, Prefácio do Livro de Rosélia Piquet: Cidade-empresa: presença na paisagem urbana brasileira, 1998).

David Harvey, Milton Santos e Ermínia Maricato, entre muitos outros autores, já apontaram – inúmeras vezes e de inúmeras maneiras – que uma cidade não cresce de acordo com um planejamento prévio exclusivamente. Já há algum tempo se denuncia que interesses privados participam ativamente dos rumos que uma cidade toma. Mesmo assim, interessa entender de que maneira isso acontece em um caso específico (se é que acontece), ainda que seu potencial de interferência seja espacialmente limitado. Interessa saber o que leva um grupo de empresários a despender seus esforços, recursos e tempo na elaboração de um estudo para uma cidade. Mesmo por que sempre está presente o risco de o projeto não ser assumido nem pelo poder público nem pela comunidade local e, portanto, de não se concretizar. Há, pelo menos no campo do discurso, uma convergência em torno da ideia de crescimento do município de Cariacica. Seja motivado por interesses privados ou não, este “crescimento” se materializa na produção do espaço urbano. Quais necessidades – muitas vezes assumidas como necessidade geral, conforme argumenta Bourdieu (1989) – orientam a produção dessa materialidade? Qual a influência que necessidades privadas têm tido na transformação urbana do município? De que forma as ações do poder público têm influenciado decisões privadas? Como a sociedade civil tem se comportado em relação a isso? São algumas das perguntas que motivaram este trabalho.

1.1 Motivações Iniciais

Entre os anos de 2010 e 2012, era possível ler recorrentemente nos jornais da RMGV que Cariacica era “a bola da vez” na Região Metropolitana3 e que

3

“Cariacica é a 'bola da vez' na venda e valorização de imóveis”. Manchete do Jornal A Gazeta (jornal de maior circulação na RMGV) do dia 09/02/2010, em matéria assinada por Abdo Filho. A

17

“Cariacica não para de crescer” (bordão oficial da administração à época). A verdade é que, embora os slogans pudessem indicar que o município “crescia”, havia certa imprecisão a respeito de como crescia e para onde se direcionava este crescimento. Era difícil saber se havia, de fato, um crescimento ou se se tratava apenas de uma estratégia de marketing político ou econômico. O que estava crescendo? População? Renda? Receita? Infraestrutura física? Número de vias asfaltadas? Número de empreendimentos de alto padrão? Entretanto, ainda que fosse possível questionar se o município estava ou não crescendo, ou mesmo qual a qualidade desse crescimento, era necessário admitir que a imagem de “cidade-dormitório” que o município tinha4 estava sendo transformada. Se não era possível ainda afirmar a independência de Cariacica frente os outros municípios da RMGV, podia-se, pelo menos, indicar que o município possuía, em 2012, uma arrecadação bem maior que aquela de oito anos atrás5. Não obstante, é necessário investigar as causas desse crescimento e, principalmente, suas consequências. Sobretudo por que tal crescimento, ao que parece, obedece a uma lógica que não encontra necessariamente rebatimento nos planos oficiais do município. A questão é: se esse crescimento existe e está acontecendo, o que o move? Por outro lado, esse crescimento pode ser questionado se não vier acompanhado de mais oportunidades de emprego/estudo, lazer, maior facilidade de locomoção, melhor qualidade de vida para a população residente. É principalmente esta inquietação que move este trabalho, ainda que, por se tratar de um fenômeno recente, talvez seja ainda muito cedo para se tecer maiores considerações a seu respeito. A verdade é que existe uma série de vetores que atuam em relação ao crescimento de uma cidade, e o planejamento oficial – ao qual eu devotava uma importância enorme – é apenas mais um deles. Outro vetor, muitas vezes difícil de identificar, já que em diversas situações não deixa rastros documentais, é direcionado por iniciativas privadas, ocorram elas em conjunto, de forma planejada, ou em aparente desconexão umas com as outras, de maneira dispersa. O vetor privado pode, efetivamente, se inserir nas instâncias oficiais de planejamento mesma expressão aparece em matéria do Jornal Folha Vitória do dia 26/01/2012, dessa vez referindo-se ao potencial logístico do Município. 4 Será falado mais sobre esta característica do Município no Capítulo 2. 5 Segundo informação da Revista Cariacica em Dados (2011, p. 55), o Produto Interno Bruto (PIB) do Município passou de 1.478.899 (2002) para 3.552.563 (2008) – valores corrigidos para o ano da publicação, em mil reais.

18

(participando do processo de revisão do Plano Diretor Municipal, por exemplo) – e, neste caso, sua presença é facilmente identificável, posto que registrada de alguma forma. Mas pode também ignorar tais instâncias e atuar de maneira menos explícita, como em uma reunião de gabinete ou num almoço de negócios – e, neste caso, tanto a presença quanto as intenções da iniciativa privada por trás de determinado projeto podem, simplesmente, desaparecer. A partir desta constatação, percebeu-se que era necessário entender a relação entre dois desses vetores: entender essa queda de braços entre o planejamento oficial e a iniciativa privada (queda de braços que muitas vezes termina em um aperto de mãos). Que seja explicitado desde já: há uma série de contaminações tanto em um quanto em outro. Por um lado, toda proposta ou projeto do corpo técnico pretensamente neutro de uma administração pública estará sempre impregnado das relações econômicas e sociais que o circundam6 e, em casos extremos, pode mesmo ser apenas um cumpridor das ordens acordadas em instâncias superiores – como afirma Santos (1988, p. 22), “são os políticos, e não os arquitetos, que impõem reflexões sobre a organização do espaço das cidades”. Por outro lado, o setor privado é constituído por inúmeros interesses, muitas vezes conflitantes entre si – David Harvey (2013) informa, ao longo de seu trabalho, as inúmeras vezes em que os capitalistas, enquanto grupo, precisam refrear seus desejos individuais. Além dos interesses assumidos como privados, há ainda aqueles que se apresentam como interesses das administrações públicas em jogo, como no caso da competição entre municípios por recursos e investimentos, a qual tende a concentrar cada vez mais recursos onde estes já estão presentes e a preterir os espaços historicamente preteridos. Bourdieu afirma que: O espaço ou, mais precisamente, os lugares e os locais do espaço social reificado, e os benefícios que eles proporcionam são resultados de lutas dentro dos diferentes campos. Os ganhos do espaço podem tomar a forma de ganhos de localização [...] O bairro chique, como um clube baseado na exclusão ativa de pessoas indesejáveis, consagra simbolicamente cada um de seus habitantes, permitindo-lhe participar do capital acumulado pelo conjunto dos residentes; ao contrário, o bairro estigmatizado degrada simbolicamente os que o habitam, e que, em troca, o degradam simbolicamente, porquanto estando 6

Mesmo o que está sendo considerado neste trabalho como produto do Estado (Plano Diretor Municipal, Plano Diretor Viário, planos estratégicos, Agenda 21, conselhos municipais) não está livre de influências externas.

19

privados de todos os trunfos necessários para participar dos diferentes jogos sociais, eles não têm em comum senão sua comum excomunhão. (BOURDIEU, 2003: 163; 166)

No texto acima, Bourdieu se referia ao status que se adquire ao frequentar determinados lugares ou habitar próximo a determinados locais. Contudo, de maneira semelhante podemos pensar que, dentro de uma determinada região, um município mais importante ou mais preparado para captar recursos tenderá a polarizar investimentos em detrimento das cidades menos importantes que compõem esta mesma região. De qualquer maneira, sejam representantes de esferas do poder público, sejam representantes de segmentos do empresariado, esses agentes têm sido exitosos em disseminar, junto ao discurso oficial dominante, a necessidade de impor determinados rumos ao município, sobretudo no que diz respeito ao imperativo de “crescer”. Contudo, é importante lembrar sempre que “as ideologias [...] servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo” (Bourdieu, 1989, p. 10). O Estado segue cumprindo sua função de mediador entre capital e trabalho, mas assume cada vez mais nitidamente que há um lado desta balança que pesa mais do que o outro. “O Estado entra diretamente nas relações de produção – na valorização do capital. Assim, no estágio monopolista do capitalismo, as funções do Estado se estendem diretamente à produção” (CARNOY, 1988, p. 144). O Estado tende, portanto, a representar os interesses ora dominantes, podendo, em casos de conflito, atuar como intercessor, mas dificilmente estará completamente neutro. Em Cariacica, o poder público municipal, sem recursos suficientes para fazer mais do que manter a máquina administrativa funcionando, e com um corpo técnico que mal dá conta dos burocráticos processos cotidianos7, tem poder limitado tanto para planejar o município quanto para levar tal planejamento a cabo. Por outro lado, o Governo do Estado do Espírito Santo parece ter mais fôlego para realizar obras de

7

Apenas para efeito de comparação, em 2010, a Receita do Município de Cariacica ficou em torno dos 350 milhões de Reais, ao passo que a do Município de Vitória superou a casa de 1 bilhão e 200 milhões de Reais, e a do Município do Rio de Janeiro superou os 15 bi e 200 milhões de Reais (Fonte: http://www.fnp.org.br/Documentos/DocumentoTipo82.pdf; acesso em 25/08/2014). Ao lado disso, a Prefeitura de Cariacica extinguiu mais de 70 cargos em julho de 2014 (matéria publicada em http://leiase.com.br/sem-dinheiro-prefeitura-de-cariacica-extingue-mais-de-70-cargos-e-acaba-comsecretarias/; acesso em 14/07/2014).

20

maior vulto, e efetivamente tem interferido em alguns pontos que considera estratégicos. De acordo com o que é apresentado por Carnoy (1988: 13), um Estado capitalista moderno deve garantir a produção e reprodução do capital ao mesmo tempo em que precisa se legitimar. O Governo do Estado do Espírito Santo consegue fazer as duas coisas quando intervém na produção física de determinado município: consegue tanto legitimidade entre os eleitores (que conseguem visualizar o dinheiro sendo investido em uma obra que, pelo menos na argumentação, servirá para “melhorar a vida” dos cidadãos), quanto garantir a produção/reprodução do capital. Assim, alguns dos projetos de determinados agentes ou grupos de agentes da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) acabam sendo balizados a partir de projetos assinados pelo Governo do Estado, os quais precisam ser acatados pelos municípios (às vezes de bom grado; às vezes com conflitos e resistências, pelo menos parciais). Entretanto, mesmo tendo uma capacidade mais limitada de investimento, o poder público municipal pode se esforçar por atender a determinados interesses privados (e muitas vezes o faz). Seja através de uma obra viária de menor porte (como o calçamento de uma rua específica) ou mesmo por meio da aprovação de um projeto em um tempo reduzido (como a aprovação do projeto de um hotel de luxo em 30 dias8), a municipalidade também atua de modo a garantir a produção e reprodução do capital. Contudo, a administração pública municipal também é Estado, e, como tal, precisa também se legitimar. Neste caso, a legitimação pode vir tanto através da execução de uma obra equivalente (como o calçamento da rua de um bairro residencial popular ou a construção de algumas unidades habitacionais de interesse social) quanto através do próprio discurso de que, ao atender ao interesse de determinada empresa, está, na verdade, atraindo novos empregos para a região ou garantindo a permanência de antigos postos de trabalho. Discurso que, como mostram Logan e Molotch (1987), muitas vezes não se sustenta na prática. No caso de Cariacica, pelo menos aparentemente, os rumos que têm sido impostos ao município pelas administrações têm levado (i) à manutenção dos mais 8

Informação obtida com empresário da RMGV, em reunião realizada em 30/06/2014 na Companhia de Desenvolvimento de Cariacica (CDC). Segundo o empresário, o normal seria que um projeto deste porte fosse aprovado em cerca de 90 dias, podendo demorar até 6 meses em alguns municípios da Região Metropolitana.

21

pobres nos lugares menos próprios para a habitação, mais distantes dos postos de trabalho e com menor número de equipamentos públicos; (ii) à instalação de obras, intervenções e instalação de empreendimentos privados nas áreas mais bem infraestruturadas do município; (iii) à aceitação de grandes obras e grandes projetos ratificados pelo governo estadual, mas que parecem ser essencialmente de interesse privado, já que servem principalmente para o escoamento de produtos e cargas.

1.2 A produção do espaço urbano em Cariacica

O conflito que este trabalho quer inicialmente tratar diz respeito à aparente incapacidade do poder público municipal de Cariacica em planejar seu próprio território, bem como entender de que modo agentes externos (sobretudo o Governo do Estado do Espírito Santo e parte do setor econômico da Região Metropolitana da Grande Vitória) se utilizam dessa incapacidade para atingir determinados objetivos (os quais podem, muitas vezes, conflitar com os interesses municipais). A hipótese é a de que o espaço urbano de Cariacica é produzido (fisicamente mesmo) por esses interesses externos muito mais do que por um direcionamento planejado da administração municipal. Não que isso seja uma novidade, ou um privilégio de Cariacica; o que se quer tentar aqui é entender como isso se deu no caso específico deste município. O objetivo deste trabalho é compreender a influência do empresariado de Cariacica no processo de transformação urbana e produção da cidade. Entender se o empresariado planeja o território de Cariacica, em que medida o planeja, como planeja (se a partir de ações planejadas em conjunto ou através de atuações dispersas) e quais as características desse planejamento. Entender, enfim, qual a estratégia utilizada por parte do setor econômico de Cariacica para direcionar (ou pelo menos tentar direcionar) recursos públicos e investimentos municipais e estaduais em benefício próprio. A ideia é que esta investigação consiga demonstrar de que forma e em que medida o planejamento oficial de Cariacica (incluindo projetos do Governo do Estado que tenham interferência no município) atende às necessidades do capital naquele lugar e, se possível, identificar mesmo quem se beneficia (qual capital? Que agentes?).

22

Para tanto, o objeto escolhido como pano de fundo para esta discussão é um estudo intitulado Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas, o qual será chamado, neste trabalho, de Plano dos Empresários, posto que tal estudo foi apresentado à municipalidade pela Associação Empresarial de Cariacica (AEC), como uma contribuição da AEC à Agenda Cariacica, elaborada em 2010. Embora o nome possa sugerir o contrário, o documento Agenda Cariacica: Planejamento sustentável da cidade – 2010-2030 não foi formulado nos moldes de uma Agenda 21, mas nos moldes do Planejamento Estratégico. Como será demonstrado mais adiante, a história que envolve a elaboração deste documento servirá para explicitar essa afirmação. Para tentar validar a hipótese inicialmente levantada, o Plano dos Empresários será confrontado com planos oficiais que tenham relação direta com a produção do espaço urbano de Cariacica, dentre os quais se destacam o Plano Diretor Municipal (PDM), o Plano Diretor Viário de Cariacica (PDV) e o Plano de Mobilidade do Governo do Estado do Espírito Santo. Como o Plano dos Empresários pode ser lido como um “estudo macroviário” de Cariacica, faz sentido utilizar como objeto de comparação os planos oficiais que tratam de intervenções viárias. Mesmo o PDM, que não trata exclusivamente deste assunto, será analisado em seu capítulo que o faça. Como será visto mais adiante, o Plano dos Empresários foi apresentado como sendo um esforço da AEC em coletar informações a respeito dos principais projetos viários que tivessem interface com o município de Cariacica. Realizaram, para tanto, uma pesquisa nas prefeituras da Grande Vitória, nos órgãos de planejamento do Governo do Estado e em grandes empresas (como Vale, CST e CODESA) à procura de projetos que estivessem sendo considerados por cada um desses órgãos e empresas que pudessem interferir no território de Cariacica. A partir das informações coletadas, elaboraram este mapa de “estudo macroviário”. A estratégia metodológica adotada a seguir foi a de identificar, no Plano dos Empresários, o que consta nos planos oficiais (sejam eles municipais ou estaduais) e o que aparece como interesse privado. Detalhes em relação ao Plano dos Empresários e as respectivas comparações serão abordados no Capítulo 4.

23

Outros elementos construídos no espaço urbano podem vir a ser analisados no decorrer da pesquisa. Importa não perder de vista a dinâmica imobiliária metropolitana: quais as tendências espaciais de crescimento, quais as áreas de concentração da dinâmica formal e informal e como essas tendências se relacionam com a distribuição dos equipamentos e investimentos públicos. Não sendo possível maior detalhamento, deve ser apresentado um quadro geral de tal dinâmica a partir de estudos existentes9.

1.3 A dissertação

Neste capítulo introdutório buscou-se apresentar a problemática, o objeto e os objetivos desta dissertação. No próximo capítulo, será apresentado o município de Cariacica, sua evolução histórica e organização territorial, bem como o papel que ocupa no contexto da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), da qual faz parte. Para esta tarefa, serão utilizados: o estudo do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN)10 intitulado “Política de Desenvolvimento Urbano para Cariacica”, dados do IBGE e do Observatório das Metrópoles, além de documentos produzidos pela própria Prefeitura de Cariacica, o que pode ajudar a entender como a administração pública municipal vem se colocando nesse debate. Sempre que possível, esses dados e informações serão espacializados, no intuito de ajudar o leitor a visualizar a estrutura do município e da própria Região Metropolitana. O terceiro capítulo será dedicado à discussão sobre o planejamento urbano em Cariacica e à relação entre o setor econômico e o poder público na produção do espaço urbano municipal. Em especial, busca-se construir elementos para caracterizar em que medida os processos relacionados à elaboração do Plano dos Empresários representa alguma ruptura ou continuidade com o que vem sendo feito já há algum tempo em termos de planejamento urbano no município. Inicialmente 9

Em especial, foram utilizados estudos produzidos recentemente pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFES a respeito da dinâmica imobiliária atual da Grande Vitória e do Município de Cariacica. 10 Autarquia do Governo do Estado do Espírito Santo criada em 1975, o IJSN está vinculado à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP) do Espírito Santo e “tem como finalidade produzir conhecimento e subsidiar políticas públicas através da elaboração e implementação de estudos, pesquisas, planos, projetos, programas de ação e organização de bases de dados estatísticos e geo-referenciados, nas esferas estadual, regional e municipal, voltados ao desenvolvimento socioeconômico do Espírito Santo”. (In: http://www.ijsn.es.gov.br/Sitio/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=21&Ite mid=207; acesso em 14/10/2013).

24

são recuperadas as discussões de Henri Lefebvre, Mark Gottdiener, Roberto Lobato Corrêa, Peter Hall, John Logan e Harvey Molotch, entre outros autores, sobre a produção do espaço e o planejamento urbano. A seguir, é abordado o processo específico de produção do espaço urbano da Grande Vitória em sua relação com algumas intervenções no espaço urbano metropolitano e os desdobramentos disso na forma de ocupação do município. O capítulo posterior se concentra no Plano dos Empresários e nas propostas dos governos estadual e municipal acerca do espaço urbano de Cariacica, sobretudo no que tange ao seu sistema viário. Será apresentado então o estudo intitulado Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável

de

Cariacica,

denominado,

neste

trabalho,

como

Plano

dos

Empresários. A apresentação do contexto de criação do Plano e a discussão sobre sua finalidade e objetivos ocorrerão em paralelo à apresentação de alguns documentos publicados pelo poder público relacionados com o planejamento urbano, em especial o Plano Diretor Municipal (PDM), o Plano Diretor Viário de Cariacica (PDV), o Programa de Mobilidade Metropolitana do Governo do Estado do Espírito Santo e a Agenda Cariacica 2010-2030. Tal análise será de fundamental importância na tentativa de entender o quanto as iniciativas públicas e privadas influenciam na produção do espaço (físico) da cidade. Finalmente, são apresentadas as considerações finais.

25

2 O MUNICÍPIO DE CARIACICA Antes de apresentar mais detalhadamente os referidos projetos a fim de descobrir quais as concessões e impasses de um lado e de outro (e o resultado disso na produção do espaço urbano), será necessário apresentar o município de Cariacica. Para isso, é preciso realizar uma breve evolução histórica do município, acompanhada

de

uma

contextualização

do

município

dentro

da

Região

Metropolitana da Grande Vitória (RMGV)11, da qual faz parte. A partir dos anos 1970/1980, o Governo do Estado começa a se preocupar objetivamente com a estruturação de Cariacica, e dá início a ações de apoio ao planejamento municipal, tanto em relação à dinâmica administrativa (estudando as finanças municipais e propondo a criação e estruturação de algumas secretarias, por exemplo) quanto em relação ao desenvolvimento urbano. Neste período, o Governo do Estado, através do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), realiza uma série de estudos e projetos para Cariacica, de maneira que podemos iniciar a partir daí o recorte temporal da pesquisa. Ao lado disso, o processo de transformação econômica por que passou o Espírito Santo a partir da década de 1950 representa uma ruptura no desenvolvimento da Grande Vitória, como será visto adiante.

11

A aglomeração formada por estes cinco municípios será ratificada em 1995, quando da promulgação da Lei que criou a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Posteriormente, em 1999 e 2001, os municípios de Guarapari e Fundão, respectivamente, foram inseridos legalmente na RMGV. Entretanto, um estudo elaborado pelo Observatório das Metrópoles mostra que a ligação entre estes dois municípios e o restante da RMGV é bastante fraca, o que é possível verificar também empiricamente. Além disso, mesmo antes de 1995 a região formada pelos municípios de Cariacica, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória já era conhecida como aglomeração urbana da Grande Vitória (GV). Por conta disso, neste trabalho, quando nos referirmos à Grande Vitória (GV), estaremos nos referindo apenas aos cinco municípios que formavam originalmente a metrópole. Quando a referência for mais abrangente, utilizaremos a expressão Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV).

26

Imagem 1 – Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e da Grande Vitória e localização do município de Cariacica. Cariacica

ESPÍRITO SANTO

RMGV

RIO DE JANEIRO

Oceano Atlântico

RM do Rio de Janeiro Fonte: IBGE. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

2.1 O início do processo de ocupação Cariacica (ou Carijacica, que, em tupi, quer dizer “Chegada do Homem Branco”) era dominada pelos índios antes de ser colonizada pelos jesuítas a partir do final do século XVI e ao longo do século XVII. Subindo pelo Rio Jucu desde Vila Velha (à época o Rio Formate ainda era afluente do Rio Jucu), os jesuítas fundaram seu primeiro povoado no município, próximo ao Rio Cariacica, cuja nascente se localizava no monte denominado Mochuara. Os jesuítas se instalaram nas localidades de Itapoca (com igreja e residência), Caçaroca (onde hoje ainda existem ruínas e um canal por onde escoavam produtos cultivados), Maricará (com construções jesuíticas e cemitério), Roças Velhas (localizada perto da sede de Cariacica, com antiga fazenda) e Ibiapaba, onde implantaram engenhos e fazendas

27

de cultivo de cana, algodão e cereais (PMC, 2001). A Imagem 2 apresenta o núcleo urbano inicial e sua localização com relação às localidades citadas.

Imagem 2 – Município de Cariacica, localidades e municípios vizinhos.

Fonte: IBGE. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

A animosidade dos nativos e a proximidade com Salvador e Rio de Janeiro dificultaram o desenvolvimento das vilas e cidades fundadas no Espírito Santo. A situação foi agravada quando se descobriu ouro e pedras preciosas nas Minas Gerais: o Espírito Santo cumpre papel histórico na dinâmica econômica nacional ao proteger o acesso às Minas durante o século XVIII, servindo como “barreira verde” (MACEDO & MAGALHÃES, 2011). Araújo (2006 apud MENDONÇA; FREITAS, 2013) cita, inclusive, algumas ordens portuguesas que proíbem que, a partir de 1704, houvesse migração do Espírito Santo em direção às minas. Macedo e Magalhães (2011, p. 62/63) destacam a expulsão dos jesuítas do solo brasileiro pelo Marquês de Pombal (em 1759) como outro motivo responsável pelo atraso do Espírito Santo, já que “esses missionários constituíram aldeias [...] que produziam farinha de mandioca, açúcar e gado, contribuindo para a ocupação socioeconômica

28

da região”. Ainda que tal retrospectiva pareça exagerada, importa entender a dinâmica de ocupação do território e os aspectos econômicos do município. Imagem 3 – Localização do Espírito Santo em relação a Minas Gerais, 1821 (detalhe).

Fonte: http://www.taringa.net/posts/imagenes/16862302/Antiguos-mapas-de-America-del-sur.html.

A situação somente se altera quando, no século XIX, o governo brasileiro dá início à política de imigração europeia. A Região Serrana do ES, com clima mais parecido com o da Europa (em relação às demais regiões do Estado), foi o lugar que melhor acolheu os imigrantes (principalmente italianos, alemães, holandeses e pomeranos). O município de Santa Leopoldina, que integra a Microrregião Central Serrana e faz divisa com Cariacica, começa a receber imigrantes alemães e italianos em 1856 e chegou a ser uma das colônias de imigrantes mais populosas do país. A colônia de Santa Isabel – hoje Domingos Martins, município também limítrofe à Cariacica que faz parte da Microrregião Sudoeste Serrana – igualmente se destacou por ter recebido grande quantidade de pomeranos, a partir de 1847 (MACEDO & MAGALHÃES, 2011). São também deste período as colônias de Rio Novo (1855), Fransilvânia (1856), Santa Maria de Jetibá (1857) e Castelo (1880) (DARÉ, 2010, p. 56).

29

Imagem 4 – Microrregiões do Espírito Santo. Detalhe para: Cariacica (vermelho), Santa Leopoldina (verde escuro) e Domingos Martins (amarelo escuro). Legenda: RMGV

Bahia

Microrregião Central Serrana Microrregião Sudoeste Serrana

Minas Gerais

Oceano Atlântico

Rio de Janeiro Fonte: IBGE. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

30

Em 1837, Cariacica é promovida à condição de freguesia, recebendo o nome oficial de Distrito de São João Batista de Cariacica. Ainda na década de 1830 chegam os primeiros imigrantes, alemães e pomeranos, sobretudo. Estes foram empregados na agricultura e na limpeza da estrada que deveria ligar Itacibá ao Estado de Minas Gerais (PMC, 2001). Posteriormente, atuaram na construção da Estrada de Ferro Leopoldina Railway12 (inaugurada em 1895 e que atravessava fazendas de gado na região e deveria chegar às Minas Gerais) e da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), cujo primeiro trecho é inaugurado em 1904. Em 1865 chegam novos grupos de famílias alemãs, provenientes de Santa Leopoldina e Santa Isabel, que se instalaram em Biriricas, em Pau Amarelo, dedicando-se à agricultura. Além dos imigrantes, atraídos pela concessão de sesmarias, os negros foram trazidos para o município para trabalhar na cultura do café (IJSN, 1983, p. 20). Imagem 5 – Município de Cariacica: Localidades e principais vias. Serra

Ibiapaba

Santa Leopoldina

Área Rural

Maricará

Cariacica Sede Biriricas / P. Amarelo

Reserva de Duas Bocas

Perím. Urbano

N. Rosa da Penha

Roças Velhas

Moxuara

Vitória

Porto de Santana

Itapoca

Domingos Martins Itacibá Novo Horizonte

Viana

Campo Grande

Jd. América Bela Aurora

Vila Velha Pe. Gabriel

Legenda: Perímetro Urbano

Castelo Branco

Caçaroca

Prefeitura Municipal de Cariacica

Fonte: IBGE. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

12

A Estrada de Ferro Leopoldina, da década de 1870, é assumida pela Cia. Leopoldina Railway em 1898. Em 1957 passa a integrar a Rede Ferroviária Federal SA, a qual é dissolvida em 1957. Hoje pertence à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), criada pela Vale em 1996.

31

Cariacica é elevada à categoria de Vila através de Decreto de 1890, ano em que foi criada a sede do município, denominada Villa de Cariacica (atualmente Cariacica Sede), localizada num platô de onde era possível avistar três vales cultivados. Em 1906, a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) chegava à Colatina, auxiliando no escoamento dos produtos cultivados ao longo do Rio Doce, sobretudo o café. Aos poucos foi avançando em direção à Diamantina, chegando até Itabira em 1910, já objetivando transportar o minério de ferro da região (PMC, 2010). Além das obras ferroviárias, intervenções viárias também atraíram mão-de-obra para o município: em 1928, por exemplo, são realizadas obras de ligação entre a Ilha de Vitória e sua parte continental (IJSN, 1983, p. 21).

2.2 Estruturação urbana

O período compreendido entre as décadas de 1950 e 1970 representa um divisor de águas no Estado do Espírito Santo como um todo, e especialmente na Região Metropolitana da Grande Vitória. Foi nesse período que foram implantados os chamados “Grandes Projetos Industriais”, que compreendem uma série de investimentos e construções de plantas industriais importantes que ocorrem no Espírito Santo, localizando-se predominantemente na Grande Vitória. Uma antiga demanda capixaba dizia respeito a mais investimentos para melhor aproveitamento das ferrovias e rodovias federais que cruzavam a GV e do complexo portuário formado pelo Porto de Vitória e pelo Cais de Paul. Além da infraestrutura já instalada, a implantação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD, atual Vale) em solo capixaba em 1942 e a posição estratégica da região metropolitana em relação aos mercados nacional e internacional ajudaram a dar maior visibilidade a um Estado considerado periférico dentro da Região Sudeste. Não se pode ignorar que tais investimentos estão ligados a uma política nacional de crescimento econômico: a própria criação da CVRD, no Governo Vargas, é um exemplo disso. Com o intuito de aproveitar tais vantagens, são criados, na GV, o Porto de Tubarão (em 1967, no município de Vitória), cinco usinas de pelotização de minério de ferro (entre os anos de 1969 e 1979), o Cais de Capuaba (no início da década de 1980, em Vila Velha), e a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST, atual ArcelorMittal, criada em 1983, também no complexo de Tubarão, em Vitória). Além destes empreendimentos, foram implantados, no município de Anchieta, uma usina

32

de pelotização da Samarco (em 1977) e o Porto de Ubu (na década de 1970), operado pela mesma empresa. No município de Aracruz, a Aracruz Celulose (atual Fibria, criada em 1972) e o Portocel (na década de 1980), na localidade de Barra do Riacho. Dentre os projetos executados no período, destacam-se ainda a conclusão da Ponte do Príncipe (conhecida como Segunda Ponte), em 1979, e a construção Terceira Ponte, ligando Vila Velha a Vitória, cujo período de execução vai de 1978 a 1989, além da conclusão das Rodovias Federais BR-101 e BR-262 entre as décadas de 1960 e 197013. “Esses investimentos [...], além das melhorias no sistema de transportes, incluindo a infraestrutura portuária, representaram o que na literatura do estado ficou conhecido pela denominação de „Grandes Projetos‟ e marcaram um redirecionamento da integração da economia capixaba aos mercados nacional e internacional”. (MACEDO; MAGALHÃES, 2011, p. 93)

Consta também deste período a implantação da Companhia de Ferro e Aço de Vitória (atual Belgo Mineira), em 1946, e da CVRD, ampliando suas instalações na GV, com destaque para a instalação de galpões, postos telegráficos e estações nas localidades de Itacibá, Flexal e Porto de Santana, no município de Cariacica, entre 1943 e 1955. Tem-se ainda a inauguração da CEASA em Cariacica, em 1977, que passa a receber produtos agrícolas tanto do próprio município quanto de Viana (município que, apesar de fazer parte da RMGV, ainda apresenta traços predominantemente rurais) e dos municípios da Região Serrana (especialmente Santa Leopoldina, Santa Teresa e Domingos Martins). A imagem a seguir ajuda a situar o leitor quanto à localização de tais estruturas e empresas. Nela estão marcados os seguintes empreendimentos: Porto de Vitória (1), o complexo portuário de Vila Velha, composto pelo porto de Argolas e pelos cais de Paul e Capuaba (2), estruturas e instalações da Vale (3) e da CST (4), a COFAVI/Belgo Mineira (5), a CEASA (6), o Centro Industrial de Vitória – CIVIT (7) e o Terminal Industrial Multimodal da Serra – TIMS (8) e a Braspérola (9).

13

A Rodovia BR-101 é uma das rodovias federais que possuem sentido longitudinal, ligando o Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul pelo litoral brasileiro. Na Grande Vitória, passa por Serra, Cariacica, Viana e Vila Velha, ligando a GV ao Rio de Janeiro e Bahia. Já a Rodovia BR-262 é uma das rodovias transversais que liga o Espírito Santo a Mato Grosso do Sul. No antigo sistema de numeração das rodovias federais era denominada BR-31. Na Grande Vitória, cruza os municípios de Cariacica e Viana, ligando a GV a Minas Gerais.

33

Imagem 6 – Grandes Projetos, estruturas portuárias e empreendimentos. Serra BR-101

7 8

Santa Leopoldina

Complexo Portuário de Tubarão

3 ES-080 4

Cariacica 2ª Ponte

Vitória 6

Viana

9

Aeroporto

1

3

Aracruz

2

5

3ª Ponte

4 BR-262

Domingos Martins

BR-101

Vila Velha

Oceano Atlântico

Anchieta RMGV

Legenda: Indústrias / Empresas

Estações Aduaneiras do Interior (EADIs)

Subcentros e polos de atração

Instalações portuárias

Estabelec. de ensino superior

Terminais do TRANSCOL

Fontes: IBGE / IDAF / PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Além dos Grandes Projetos, a Política Federal de Erradicação dos Cafezais influenciou sobremaneira a forma de ocupação do espaço da Grande Vitória. De acordo com Daré (2010), foi nos governos estaduais de Carlos Lindenberg (19591962) e de Dias Lopes Filho (1967-1970) que uma série de medidas foi tomada com o objetivo de impulsionar o “desenvolvimento” no Estado. Algumas ideias circuladas naquele momento foram importantes para que se caminhasse em direção ao objetivo estipulado. A primeira delas diz respeito ao próprio conceito de desenvolvimento. Por essa época, o discurso dominante no País afirmava a cidade como “sinônimo de progresso e modernidade” ao mesmo tempo em que enxergava o campo como “atrasado”. A visão desenvolvimentista que se inseriu no Espírito Santo a partir da década de 1960 era fortemente influenciada pela conjuntura nacional, que se caracterizava pela adoção de políticas de superação das desigualdades regionais, combinadas à ideologia do desenvolvimento industrial e da cidade como locus privilegiado da produção de riqueza. Essas ideias

34

encontravam-se fortemente enraizadas no pensamento dualista, que interpretava a economia através da coexistência de setores “modernos” (ligados à indústria e às atividades urbanas) e setores “atrasados” (geralmente associados ao campo), base de uma definição do rural em oposição à cidade, sendo esta sinônimo de progresso e de modernidade. (DARÉ, 2010, p. 199)

Ora, o conceito de desenvolvimento traz, subjacente, o seu contraponto: a ideia de atraso. Era, portanto, funcional aos promotores do desenvolvimento que o campo fosse visto como atrasado e, principalmente, que a pequena propriedade e a agricultura familiar representassem o símbolo deste atraso. Associado a isto, foi amplamente divulgada a ideia de que este atraso colocava o Espírito Santo “na periferia do desenvolvimento nacional” (DARÉ, 2010, p. 143). Era preciso, portanto, introduzir um novo padrão técnico no campo, o que incluía não somente a introdução de um “pacote tecnológico” (insumos, defensivos, máquinas, tecnologia e novas relações de trabalho), mas também a inserção de “uma nova variedade de café, mais favorável às condições físicas do ES” (DARÉ, 2010, p. 172). Aliado a isto, a divulgação de que a crise do café era generalizada cumpriu um importante papel neste processo. A crise do café existiu14 e provocou mudanças profundas no País, culminando no Programa Federal de Erradicação dos Cafezais, em 1962. Mas a interessante pesquisa de Daré comprova que os produtores capixabas pouco contribuíram para a superprodução a nível nacional (um dos fatores da crise) e, além disso, possuíam uma produção diversificada, a qual lhes permitia subsistir, mal ou bem, a despeito da crise mundial. Segundo Daré (2010, p. 165), “os agricultores familiares não sofreram com a “crise” dos preços, pois desenvolviam uma agricultura diversificada e possuíam um maior grau de autonomia, uma vez que não dependiam apenas do café para sua sobrevivência”. Nota-se que mesmo na década de 1960, quando o discurso desenvolvimentista apontou que a agricultura familiar estava em “crise”, houve aumento das áreas cultivadas com arroz, feijão, mandioca, milho, cacau e cana-de-açúcar [...]. Outro fator que indica que a agricultura familiar não estava em “crise” e nem foi responsável por ela foi a rápida recuperação do café capixaba, que a partir da década de 1970 já voltou a apresentar crescimento. (DARÉ, 2010, p. 170/171). 14

Houve, a nível mundial, uma substancial melhoria dos preços do café no período posterior à 2ª Guerra Mundial, o que incentivou, a nível nacional, novas áreas de plantio e cultivo. Em meados da década de 1950, houve uma superprodução, que atingiu a casa dos 22 milhões de sacas, forçando os preços vertiginosamente para baixo. A solução adotada foi a da “destruição criativa”: entre os anos de 1962 a 1967, o Grupo Executivo de Recuperação Econômica, numa tentativa de elevar os preços do produto, erradicou 1.379.343.000 pés de cafés, liberando 1.492.248 hectares de terra por todo o país (DARÉ, 2010, p. 52).

35

A respeito das pequenas propriedades, talvez seja necessário retomar um ou dois pontos que ajudam a entender o papel que tiveram. O processo de consolidação da economia cafeeira no Espírito Santo, do início do século XIX até a década de 1870, passando pela promulgação da Lei de Terras, de 1850, levou a inúmeras irregularidades fundiárias e ao favorecimento de latifúndios 15. Entretanto, fatores como a Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889) instauraram um problema de mão-de-obra que, aliado à baixa dos preços do produto no mercado, obrigaram muitos fazendeiros a abandonar, desmembrar ou vender suas propriedades. Mesmo com a política de incentivo à imigração europeia, que ganha força após a Abolição, o problema de mão-de-obra não seria resolvido, posto que a precária capacidade financeira dos fazendeiros impedia que pagassem salários satisfatórios aos trabalhadores, agora assalariados. Como as condições de trabalho nas fazendas de café não se mostravam satisfatórias para os imigrantes recém-chegados, muitos preferiram seguir por conta própria16. Neste ponto, a figura do comerciante ganha destaque. Muitas firmas comerciais “adquiriram grandes glebas de terra, fazendas falidas, para dividir em lotes e vender a preços módicos e a prazo aos colonos”, de forma que os comerciantes lhes proporcionavam um pedaço de terra e alguns gêneros básicos para sua subsistência (cf. CAMPOS JR. apud DARÉ, 2010, p. 157/158). Em troca, os imigrantes se comprometiam a vender suas sacas de café obrigatoriamente para esses comerciantes, a um preço mais baixo do que o de mercado. Assim, as pequenas propriedades se multiplicavam à medida que se enfraqueciam os grandes proprietários e crescia o poderio econômico e político dos comerciantes. Daí porque Saletto (apud DARÉ, 2010, p. 159) pôde dizer que “a pequena produção foi uma forma de organização da produção perfeitamente adequada às condições da economia cafeeira capixaba”. De onde se pode concluir que a base agrária capixaba daquele período, fundada na pequena propriedade onde se praticava a agricultura familiar diversificada, no lugar de ser a “origem da crise” e a 15

Daré (2010, p. 148) informa que a extensão média das fazendas capixabas chegava a ser três vezes maior do que a extensão média das fazendas de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, ao passo que, em relação ao número de pés de cafés, apresentava uma média bem inferior. Por outro lado, só perdiam em número de escravos (média) para o Rio de Janeiro. 16 Importa ressaltar que chegaram ao Espírito Santo não somente os colonos de origem europeia, mas muitos imigrantes de outros estados e regiões do país, dentre os quais Daré (2010) destaca Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e o Nordeste. A autora destaca ainda que o maior número de imigrantes europeus chegou ao Estado entre 1888 e 1896: quase 28 mil. A partir de 1897, o movimento migratório no Estado praticamente cessa (DARÉ, 2010, p. 152).

36

“causa do atraso” poderia ter sido, ao contrário, uma forma de o Espírito Santo passar por aquele momento de crise sem que tantas pessoas tivessem que ter abandonado suas terras e o campo de maneira geral. Tudo isso Marcou uma nova forma de produzir no campo, caracterizada pela expansão de monoculturas e pela mudança nas relações de trabalho e no modo de produzir a terra. As consequências não poderiam ser outras: concentração fundiária, perda de diversidade, esvaziamento das áreas rurais, concentração urbana. (DARÉ, 2010, p. 199)

Ao se difundir a ideia de que o Espírito Santo era um estado atrasado em relação aos demais estados do País, e que a raiz de tal atraso encontrava-se na base econômica predominantemente agrária, vinculada à pequena propriedade de origem familiar, os defensores do desenvolvimento no Estado apontaram a solução para o problema: a diversificação da estrutura produtiva. A partir da consolidação deste discurso, a “diversificação” foi fomentada nas seguintes direções: indústria siderúrgica e de transformação, pecuária, celulose e outros produtos para exportação, além do apoio logístico a essas atividades. É interessante notar que tais atividades, em sua maioria, demandam grandes porções de terra para que possam ser desenvolvidas, além de uma mão-de-obra disponível e, de preferência, barata, de forma que desestruturar o sistema produtivo vigente era necessário. Segundo Ferreira (2012, p. 150), a Política de Erradicação dos Cafezais suprimiu 71% da área de café plantada no Estado, e liberou um exército de aproximadamente 60 mil trabalhadores. Em relação à estrutura fundiária, Daré (2010, p. 183) aponta uma “significativa concentração fundiária a partir de 1970. Por outro lado, houve também uma fragmentação dos estabelecimentos menores que 100 ha nas últimas décadas”. Não à toa, o período coincide com a chegada ao Estado de empresas como a Aracruz Celulose S/A (atual Fibria), a Floresta Rio Doce S/A e a Bahia Sul Celulose, promovendo o surgimento de grandes latifúndios de monocultura do eucalipto no litoral norte do Espírito Santo. Políticas de cunho nacional também contribuíram para o fato: o Código Florestal “incentivava a formação de „florestas‟ homogêneas para o consumo das empresas que utilizavam a matéria-prima florestal e as isentava de impostos”; o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) tinha como objetivo “coordenar todas as atribuições referentes à exploração e comercialização da madeira, ao plantio de árvores e à proteção das florestas”; e o II Plano Nacional

37

de Desenvolvimento (PND) instituía um Programa Nacional de Papel e Celulose (cf. DARÉ, 2010, p. 176/177). Não à toa, também, o período coincide com a implantação dos Grandes Projetos Industriais no Estado do Espírito Santo. Associadas ao programa de erradicação dos cafezais, transformações na base técnica e das relações de trabalho na agricultura, além do aumento da concentração de terras na área rural do ES, fizeram com que milhares de trabalhadores rurais migrassem para a Grande Vitória nos anos 1960 (PALHANO, 2010, p. 51). Houve grande êxodo rural, alterando a estrutura fundiária das regiões produtoras: as pequenas propriedades familiares são vendidas, concentrando a terra nas mãos de um menor número de proprietários. Nota-se que, além da inserção econômica, a Região Metropolitana da Grande Vitória, como um todo, e o município de Cariacica, em particular, iniciam, na década de 1960, um processo de crescimento populacional mais intenso, motivado em grande medida pelos processos descritos acima (ver Tabela 1 e Gráfico 1 no item Demografia). Assim, na década de 1950, a população de Cariacica contava com 21.741 habitantes, dos quais apenas 32% (8.312) habitavam a área urbana. Havia, basicamente, dois núcleos urbanos: um nas proximidades da Sede do município e outro polarizado pelo Distrito de Itaquari, o qual era composto pelos bairros Itaquari, Jardim América, Itacibá e Bela Aurora. Este segundo distrito contava com 6.547 habitantes nessa época (PALHANO, 2010, p. 53). O alto nível de concentração populacional no Distrito de Itaquari em relação ao restante da área urbana pode ser justificado pela presença de algumas instalações da CVRD (estação e oficinas de vagões) e da Companhia Ferro e Aço de Vitória (COFAVI), inaugurada em 1946. Muito provavelmente por conta dessas instalações, encontram-se ali os primeiros loteamentos urbanos realizados fora da região polarizada pela Sede. A Sede do município estava localizada a aproximadamente 15 km de Vitória, e seu acesso era difícil. A principal ligação da Sede se dava com os municípios da região serrana (Santa Leopoldina e Domingos Martins), de forma que a Sede se configurava como um “pequeno e isolado núcleo urbano” que funcionava como entreposto para as mercadorias agrícolas produzidas na região serrana e na área rural do próprio município (PALHANO, 2010, p. 53). Até a primeira metade do século XX, Cariacica tinha como principal atividade econômica a agricultura e a pecuária, servindo como um dos centros de abastecimentos de Vitória.

38

Imagem 7 – Distritos de Cariacica-Sede (rosa) e Itaquari (amarelo) e a localização dos respectivos bairros.

Cariacica Sede

Itaquari

Legenda: Terminais do Sistema TRANSCOL Fontes: IBGE / IDAF / PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

A ascensão de Vitória (como polo econômico e político) e a construção de linhas férreas atravessando Cariacica afetou sua condição de entreposto comercial de tropas vindas do sertão. As tropas traziam mercadorias que eram levadas à capital atravessando pela baía na localidade de Porto Novo. Com o advento ferroviário a convergência de mercadorias, que passaram a ser transportadas por ferrovias, deslocou-se para Argolas, [em Vila Velha]. Dessa localidade partiam as linhas ferroviárias que ligavam o sul do Estado [do Espírito Santo] a Vitória (hoje, Ferrovia Centro-Atlântica) e Vitória ao Estado de Minas Gerais (Estrada de Ferro Vitória-Minas). (BARBOSA, 2013, p. 46)

39

Como resultado do processo descrito por Barbosa, restaria para Cariacica (em especial para a região do bairro Jardim América) a atividade de armazenamento de produtos agrícolas. A estrutura administrativa de Cariacica nesse período não dá conta de fiscalizar o território municipal como um todo, e tem início uma série de loteamentos que são implantados sem o consentimento do poder público ou em desconformidade com o que fora aprovado. Segundo Palhano (2010), estaria aí a gênese de um urbanismo excludente17. Esta forma de organizar o espaço urbano, aliada ao impulso que as atividades industriais e de comércio e serviços começam a ter, inicia um processo de expansão da malha urbana do próprio município de Cariacica, pressionando assim a área rural, onde predominavam as pequenas propriedades. Esta área rural, somada às áreas de proteção ambiental presentes no perímetro urbano, ainda hoje corresponde a mais da metade do município (cf. Lei Complementar nº 018/2007). Tanto Palhano (2010) quanto Barbosa (2013) relatam que as áreas vazias situadas no limite entre o rural e o urbano, bem como os vazios intersticiais existentes no interior da própria malha urbana de Cariacica, foram alvos de loteamentos irregulares e clandestinos. Essas áreas tornaram-se a principal forma de ocupação de uma população recémchegada ao município que não conseguia participar do mercado imobiliário formal. Como aconteceu em muitas cidades brasileiras, um número significativo de loteamentos foi sendo criado ao longo dos principais eixos rodoviários e ferroviários existentes no município. Em 1955, 10 loteamentos foram aprovados. Entre 1953 e 1956 (em quatro anos apenas) foram aprovados 26 loteamentos, muitos localizados ao longo da BR-262. Já entre 1967 e 1970, foram aprovados 25 loteamentos, também na região do entorno da BR-262. Entretanto, a aprovação desses loteamentos não significava garantia de instalação de equipamentos públicos ou de infraestrutura adequada (PMC apud PALHANO, 2010 e BARBOSA, 2013). Já na década de 1960, o distrito de Itaquari passa a ter 23.556 dos 39.608 habitantes de Cariacica, superando a marca dos 59% da população total do município. Palhano (2010, p. 55) informa que, no período compreendido entre 1960 e 1970, “o número de indústrias no município passou de 7 para 33, sendo que boa 17

Para Palhano (2010, p. 58), o Município de Cariacica “Cresceu de forma espraiada, ao mesmo tempo em que deixou inúmeros vazios urbanos, com a malha urbana avançando cada vez mais sobre a área rural”. Os termos “urbanização dispersa”, “crescimento desordenado” e “ocupação fragmentada” são termos que também são encontrados nos trabalhos de Ferreira (2012), Barbosa (2013) e Ferreira (2014).

40

parte delas instala-se nas proximidades da BR-262”. Nos anos 1960, Cariacica chega a ser considerado o mais importante polo industrial da Grande Vitória. O autor reforça que contribuíram para isso os importantes eixos viários e ferroviários, o preço acessível da terra, a oferta de mão-de-obra e a isenção de ICMS. Ao mesmo tempo, o IJSN aponta o município também como locus da reprodução do capital, referindo-se às estruturas industriais e de armazenamento localizadas no município. Para se ter uma ideia, entre as décadas de 1960 e 1970, o número de estabelecimentos industriais em Cariacica mais que dobra, e multiplicouse por cinco o número de pessoas ocupadas na indústria no mesmo período. “Podese dizer, que em relação à Grande Vitória – onde se localizava um grande número das indústrias espírito-santenses – Cariacica era o seu polo mais dinâmico”. (IJSN, 1983, p. 24). Eram, sobretudo, indústrias de bens não duráveis e de artigos relacionados à construção civil (madeira, minerais não metálicos e parte da metalurgia). O fato de passarem pelo município duas rodovias federais (BR-101 e BR-262) e um importante ramal ferroviário da Vale fez com que Cariacica se destacasse no setor terciário, servindo seu território de base tanto para os armazéns e estabelecimentos de comércio atacadista como para os serviços de apoio aos transportes (oficinas de reparos, borracharias, postos de gasolina, restaurantes, hotéis etc.), sediando mesmo as próprias empresas de transporte. Além destas, destacam-se as empresas ligadas a alimentos e bebidas. Merece realce a presença da Belgo Mineira (1), ArcelorMittal (2), Vale (3), AMBEV, Coca-Cola (4), CEASA (5), Brasitália (6), Viação Águia Branca (5), Viação Itapemirim (7) e Viação Planeta, além de Estações Aduaneiras do Interior (EADI – os chamados Portos Secos) (8).

41

Imagem 8 – Empresas em Cariacica e estrutura viária. Serra Santa Leopoldina 8

Complexo de Tubarão:

8 Aeroporto

Cariacica Sede

ArcelorMittal e Vale

UFES

4

Vitória 6 3 7 5

1 2

Viana

Oceano Atlântico

Vila Velha

Legenda: Prefeitura Municipal de Cariacica

Mancha urbana

Atividades relacionadas aos portos (incluindo os portos secos) Grandes empresas Terminais do Sistema TRANSCOL

Principais vias

Universidades e faculdades mais relevantes

Vias em execução

Shopping centers

Ferrovias

Fontes: IBGE / IDAF / PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Entretanto, a partir da década de 1980, tal processo irá perder força. Isto se deveu ao fato de que outros municípios passam a ser mais atrativos para as indústrias que visavam se instalar na Grande Vitória. A inauguração, em 1967, do Porto de Tubarão na parte continental de Vitória e o início das atividades da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) em 1983 e a implantação do Centro Industrial de Vitória (CIVIT), localizado na Serra, são exemplos de que outros municípios disputam com Cariacica pela implantação de novas indústrias.

42

Nos anos 1980, o IJSN reforçava que Cariacica figurava como “periferia de Vitória” em relação à sua função urbana e produção do espaço, embora ressaltasse: “Cariacica, atualmente, já cresce de dentro para fora e não de fora para dentro, como ocorreu até aqui. Já não é mais a pobreza que busca espaço em Cariacica, mas a pobreza que se reproduz em Cariacica”. (IJSN, 1983, p. 29). O Instituto Jones dos Santos Neves (1983) assim entendia a dinâmica da Grande Vitória: “Serra representa o centro industrial; Vitória centro financeiro e metropolitano; Vila Velha o centro turístico e de diversões. Cariacica manifesta apenas uma tendência de ser entreposto comercial de cargas e serviços na aglomeração, alem de dividir com Viana o papel de fornecedor de alimentos, principalmente os hortigranjeiros”. (IJSN, 1983, p. 19).

Cariacica passa então a assumir, dentro de um sistema urbano que tinha como núcleo o município de Vitória, algumas funções mais ou menos específicas: provisão de habitação para a população de baixa renda; fornecimento de serviços de transportes e armazenamento de comércio atacadista; concentração de indústrias de pequeno e médio porte; local para instalação de alguns equipamentos estaduais, tais como o Hospital Psiquiátrico Adalto Botelho (hoje desativado) e a Escola de Formação de Oficiais da Polícia Militar. O território de Cariacica passa, então, a ser o lugar da reprodução da força de trabalho (uma força de trabalho menos qualificada) e de parte do exército industrial de reserva. “Este processo, apoiado na expansão industrial, transmutou-se na miséria e no desemprego urbano, ampliando, ainda mais, o chamado „caos urbano‟, verificado na Grande Vitória a partir da década de 1970” (IJSN, 1987, p. 16, v. 1, Tomo I). A área urbana do município passa a ser efetivamente ocupada, seja a partir de loteamentos ou por meio de ocupações irregulares. Até o início da década de 1980, havia em Cariacica 211 loteamentos ao todo18. Em 14 destes não havia informação sobre a quantidade de lotes e sobre existência de área pública. Nos 197 loteamentos restantes, havia um total de 51.122 lotes, embora muitos loteamentos 18

A pesquisa realizada por Palhano (2010, p. 58) afirma que a Secretaria Municipal de Planejamento contabilizava, em 2008, cerca de 398 loteamentos distribuídos em 290 bairros, sendo que, destes loteamentos, apenas 132 estavam regularmente aprovados e registrados. Entretanto, CAMPOS JR. (2006 apud BARBOSA, 2013, p. 50) afirma que, “de um total de 211 loteamentos, 61 eram clandestinos, 150 eram aprovados pela prefeitura municipal e apenas 69 estavam registrados em cartório”. De todo modo, em 2010, o Plano de Organização Territorial (POT) conseguiu reduzir para 100 o número de bairros do Município (cf. Lei 4772/2010, PMC), e o PDM indicava que as áreas ocupadas irregularmente até a data de sua aprovação (em 2007) deveriam ser regularizadas pelo Município.

43

estivessem total ou parcialmente desocupados (estimava-se um número entre 25 e 30 mil lotes ainda não ocupados no município). Os mapas a seguir ajudam a dar uma noção de como se deu a ocupação do território. Imagem 9 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1940. Serra Santa Leopoldina

Núcleo urbano BR-101 inicial

1 Porto Novo

Vitória Porto de Santana

Domingos Martins

2 BR-262

3 Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Durante a década de 1940 pouca coisa foi loteada formalmente no município, com destaque para três núcleos urbanos, polarizados pelos bairros de CariacicaSede (1), Itacibá (2) e Jardim América (3). Destaca-se também a região de Porto de Santana (Porto Novo), ponto de travessia de produtos da/para a Capital antes da construção da Ponte Florentino Avidos (popularmente conhecida como Cinco Pontes), em 1928. O município contava com 15.228 habitantes em 1940 (IBGE, 1940).

44

Imagem 10 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1950. Serra Santa Leopoldina

Núcleo urbano BR-101 inicial

6 Flexal

3

Vitória

Porto de Santana

Domingos Martins

5 2 1

BR-262

4 Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Legenda: Loteamentos aprovados até a déc. de 1950 Loteamentos aprovados na déc. de 1950 Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Já durante a década de 1950, são aprovados cerca de 30 loteamentos, ocorrendo uma dispersão da área loteada ao longo da BR-262, da região de Porto de Santana e de Flexal. O município tinha, então, 21.741 habitantes. Datam desta década uma série de loteamentos localizados em Campo Grande (1) e Itanguá (possibilitados pela BR-262), em Jardim América (2) (movidos pelas empresas ligadas à siderurgia ali instaladas), em Tucum, Flexal e Porto Novo (3) (aproveitando as instalações da EFVM), em Sotelândia (4) (impulsionados pela proximidade com Vila Velha, pelo Rio Marinho), e em Itacibá (5), Tabajara, e São João Batista (6) (loteamentos ligados à Cariacica Sede pela BR-101 ou pela ES-080). Durante a década de 1960, cerca de 25 loteamentos são aprovados, consolidando o que já estava ocupado, mas iniciando uma expansão em direção ao sul e ao interior do município (para a área rural, a oeste). A população passa para 39.608 pessoas. Data desta década a pavimentação da Rodovia BR-262, importante ligação viária entre o Espírito Santo e Minas Gerais, atraindo para as margens da Rodovia uma diversidade de atividades, bem como a implantação de alguns

45

loteamentos. Também neste período a região de Campo Grande (1) começa a se destacar com principal centro comercial e de serviços do município, vindo a se tornar nas décadas posteriores um importante subcentro econômico da Grande Vitória. Ressalte-se que nos anos 1960 a população urbana do município já superava a rural.

Imagem 11 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1960. Serra Santa Leopoldina

BR-101 Núcleo urbano inicial

Vitória

Domingos Martins 1

BR-262

Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Legenda: Loteamentos aprovados até a déc. de 1960 Loteamentos aprovados na déc. de 1960 Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Na década de 1970, a população chega a 101.422 habitantes, confirmando o efeito da política de erradicação dos cafezais. Nesse período, aproximadamente 60 loteamentos são aprovados, aumentando a pressão sobre a área rural.

46

Imagem 12 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1970. Serra Santa Leopoldina

BR-101 Núcleo urbano inicial

Vitória

Domingos Martins BR-262

Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Legenda: Loteamentos aprovados até a déc. de 1970 Loteamentos aprovados na déc. de 1970 Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Já nos anos 1980, cai para aproximadamente 30 o número de loteamentos aprovados pela Prefeitura. Este número cai para menos de 10 loteamentos aprovados durante a década de 1990, já demonstrando a desaceleração provocada por investimentos em outras áreas da RGMV (e também, possivelmente, um maior rigor quando da aprovação de loteamentos, já que a Lei de Parcelamento do Solo data de 1979). A população de Cariacica, no entanto, continua em ascensão: 189.099 (1980) e 274.532 (1991). Tal fato parece reafirmar o fato de que muitos dos imigrantes que chegaram ao município no período se dirigiram a loteamentos clandestinos e ocupações irregulares. Contudo, Serra foi o município da Grande Vitória com as maiores taxas de crescimento do período: sua população passa de 82.568, em 1980, para 222.158 habitantes em 1991.

47

Imagem 13 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1980. Serra Santa Leopoldina BR-101

Vitória

Domingos Martins BR-262

Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Legenda: Loteamentos aprovados até a déc. de 1980 Loteamentos aprovados na déc. de 1980 Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

O enfraquecimento no número de loteamentos a partir da década de 1980 se justifica também pela opção de várias empresas por se instalarem em outros municípios da Grande Vitória, em que pese a inauguração dos CIVIT I e II, na Serra, em 1974 e 1979, respectivamente. Soma-se a isso o encerramento das atividades da COFAVI, na década de 1990, a falência da Braspérola e a transferência de parte das atividades da Vale (então CVRD) para o Porto de Tubarão, reduzindo sensivelmente a arrecadação municipal. “Desde então o município tem se especializado em atividades retroportuárias de armazenagem e apoio à logística de comércio exterior ligada aos portos de Vitória e Tubarão” (PALHANO, 2010, p. 62).

48

Imagem 14 – Loteamentos aprovados pela PMC na década de 1990. Serra Santa Leopoldina BR-101

Vitória

Domingos Martins BR-262

Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Legenda: Loteamentos aprovados até a déc. de 1990 Loteamentos aprovados na déc. de 1990 Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Por fim, são aprovados apenas 2 loteamentos entre os anos de 2000 e 2010, ambos na fronteira do perímetro urbano (um deles, inclusive, altera o perímetro urbano para poder abrigar um empreendimento financiado pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal). O IBGE informa os dados de 324.285 e 348.738 habitantes, respectivamente, para os Censos de 2000 e 2010.

49

Imagem 15 – Loteamentos aprovados pela PMC a partir da década de 2000. Serra Santa Leopoldina BR-101 Universo

Limão

Vitória

Domingos Martins BR-262

Viana Vila Velha Legenda: Perímetro Urbano

Oceano Atlântico

Legenda: Loteamentos aprovados até a déc. de 2000 Loteamentos aprovados na déc. de 2010 Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Com respeito aos empreendimentos financiados pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), observa-se que a municipalidade tem aceitado, por um lado, a manutenção das pessoas de mais baixa renda nos locais onde a terra é mais barata (por que não têm infraestrutura adequada e por que estão mais distantes dos centros onde se localizam os postos de trabalho e outros serviços urbanos) e, por outro lado, a implantação das pessoas com maior poder aquisitivo nas áreas mais centrais da cidade. Isto pode ser averiguado a partir da observação da imagem a seguir, elaborada tendo como base as consultas prévias e anuências de empreendimentos imobiliários solicitadas à Prefeitura que foram aprovadas no ano de 2010. Em vermelho, as solicitações para implantação de empreendimentos financiados pelo MCMV para faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos; em azul, um shopping e dois empreendimentos imobiliários também financiados pelo MCMV, mas para faixas de renda acima de 3 Salários Mínimos.

50

Imagem 16 – Localização de empreendimentos MCMV na faixa 0 a 3 SM x empreendimentos imobiliários de mais alto padrão protocolados em 2010. Serra

Santa Leopoldina BR-101

Vitória

Domingos Martins

Itacibá Shopping Moxuara

BR-262 Campo Grande

Viana Vila Velha

Oceano Atlântico

Legenda: Perímetro Urbano

MCMV

Empreend. Imob. de mais alto padrão

Terminais TRANSCOL

Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Nota-se que os empreendimentos marcados em azul (Residencial Serra do Anil, Residencial Mochuara e Shopping Moxuara) encontram-se próximos às principais vias do município (BR-262 e BR-101), enquanto os marcados em vermelho (projetos financiados pelo Programa MCMV para a faixa de renda até 3 salários mínimos) pressionam o perímetro urbano em direção à área rural. Por fim, a imagem a seguir ajuda a ilustrar a ocupação do território atualmente19. Em cinza, a ocupação efetiva do perímetro urbano. As regiões marcadas em cinza mais escuro representam uma ocupação mais densa.

19

A ilustração foi elaborada tendo por base fotos aéreas fornecidas pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do ES (IDAF, 2008), além do Mapa do Município (PMC).

51

Imagem 17 – Ocupação urbana do município. Ano de referência: 2008.

Serra

Santa Leopoldina Cariacica Sede

Vitória Domingos Martins

Itacibá

Campo Grande

Viana

Legenda:

Áreas mais densamente ocupadas

Jardim América

Vila Velha

Áreas menos densas

Ocupação inexpressiva

Terminais de ônibus do TRANSCOL

Fonte: PMC / IDAF. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Ainda sobre a estrutura urbana municipal, cabe ressaltar a região polarizada pelo bairro de Campo Grande, que assume atualmente, ao lado do Polo da Glória, em Vila Velha, o status de principal centro de comércio varejista popular do Estado, rivalizando, inclusive, com o comércio varejista mais sofisticado da Praia do Canto, em Vitória. Além de Campo Grande, o bairro de Jardim América também é apontado como importante centro do comércio a varejo no município, mas não somente: o Plano Diretor Municipal (PDM) aponta áreas nos bairros de Cariacica Sede (1), Nova Rosa da Penha (2), Porto de Santana (3), Novo Horizonte (4), Itacibá (5), Bela Aurora (6) e Castelo Branco (7) como Subcentros. De acordo com o PDM, “os Subcentros correspondem às áreas dentro do perímetro urbano, formadas por centros localizados estrategicamente, que têm fortalecida sua identidade e

52

autonomia local e funcional” (PMC, 2008, Art. 117) e possuem como objetivo “consolidar o comércio, a prestação de serviços, as áreas de lazer e cultura de apoio à vida urbana nos diferentes bairros e localidades” (PMC, 2008, Art. 118). Imagem 18 – Em amarelo, os subcentros destacados no Plano Diretor do município. Serra Santa Leopoldina

1

2

Vitória 3 Domingos Martins 5 4 Campo Grande

Jardim América

6

Viana

Vila Velha

7

Fonte: PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

2.3 Demografia

Ainda na década de 1950, a população urbana de Cariacica ultrapassa a rural (IJSN, 1983, p. 21), algo que só aconteceria com o Brasil entre as décadas de 1960 e 1970, embora o número de residentes ainda fosse relativamente baixo: 21.741 habitantes no total (enquanto Vitória já contava com 50.922 moradores). Foi somente a partir da década de 1960, com a combinação da derrocada do café com a implantação dos Grandes Projetos na região metropolitana que o município passa por um aumento populacional expressivo.

53

De acordo com a pesquisa publicada pelo Instituto Jones em 1983 20, cerca de 40% da população residente no município era natural de Cariacica; os outros 60% eram compostos por migrantes, a maioria vinda do interior do Estado. Dentre os migrantes, cerca de 60% residia no município há menos de 10 anos quando elaborada a pesquisa. Acontece que, como citado anteriormente, a dinâmica urbana do município ainda não garantia postos de trabalho para muitos desses trabalhadores, de forma que era então possível afirmar que, para cerca de 50% da população trabalhadora, Cariacica assumiu o papel de “cidade-dormitório”. (IJSN, 1983, p. 23). Já de acordo com o Censo Demográfico de 2010, apenas cerca de 7% da população do município com mais de 5 anos não residia em Cariacica em 31/07/2005. A maioria dos moradores de Cariacica é proveniente da própria região sudeste (cerca de 94%), ficando a segunda posição com moradores provenientes da região nordeste (com pouco mais de 4%). Até a década de 1980, Cariacica contava com um contingente populacional expressivo oriundo de áreas rurais e, portanto, despreparada para o trabalho mais bem remunerado (IJSN, 1983). Portanto, a base da pirâmide social do município (cerca de 70%) era composta por trabalhadores do setor de serviços – considerado, segundo a Política de Desenvolvimento Urbano para Cariacica (IJSN, 1983), um setor que agregava “uma gama de atividades mal remuneradas, em geral temporárias, informais”, que abrigava “uma grande massa de trabalhadores de baixa renda” (IJSN, 1983, p. 23). Fato que nos leva a uma espécie de “moto-contínuo”, já que a baixa remuneração da população explica, pelo menos em parte, a baixa diversificação das atividades econômicas locais. O crescimento da população de Cariacica em relação ao dos demais municípios que compõem a Região Metropolitana da Grande Vitória pode ser resumido pela tabela que segue:

20

O Estudo Básico de Organização Sócio-Econômica do Município de Cariacica integra a Política de Desenvolvimento Urbano para o Município de Cariacica, elaborada pelo IJSN no final da década de 1970 e início da década de 1980, e leva em consideração tanto os levantamentos dos Censos Demográficos do IBGE quanto levantamentos específicos, elaborados por equipes formadas dentro do próprio IJSN.

54

Tabela 1 – Evolução da população dos municípios que compõem a GV. 1960 1970 1980 1991 2000

1950

2010

Cariacica

21.741

39.608

101.422

189.099

274.532

324.285

348.738

Serra

9.245

9.192

17.286

82.568

222.158

321.181

409.267

Viana

5.896

6.271

10.529

23.440

43.866

53.452

65.001

V. Velha

23.127

55.589

123.742

203.401

265.586

345.965

414.586

Vitória

50.922

83.351

133.019

207.736

258.777

292.304

327.801

GV

110.931

194.011

385.998

706.244

1.064.919

1.337.187

1.565.393

ES

861.562

1.418.348

1.599.333

2.023.340

2.598.505

3.097.232

3.514.952

51.944.397

70.191.370

93.139.037

119.002.706

146.825.475

169.799.170

190.732.694

Brasil

Fonte: IBGE. Organização: PMC, 2011, p. 29.

Na

década

de

1960,

Cariacica

teve

uma

taxa

de

crescimento

consideravelmente superior à taxa de crescimento da RMGV como um todo, atraindo, como foi dito, uma mão-de-obra não muito qualificada. O fato de os produtos imobiliários de mais alto padrão estarem concentrados nos municípios de Vitória e Vila Velha permitiu que os terrenos localizados nos municípios de Serra e Cariacica fossem obtidos por uma população de menor poder aquisitivo. Por conta da precariedade na fiscalização desses municípios, muitos loteadores clandestinos ocupavam porções de terra e vendiam lotes para essas pessoas.

Gráfico 1 – Taxa de crescimento da população de Cariacica, RMGV e do ES.

Fonte: IBGE. Organização: PMC, 2011.

55

2.4 Oportunidades de trabalho e renda

Cariacica possuía, no início da década de 1980, um alto grau de pobreza, se considerada a renda familiar: 9,11% das famílias recebiam uma renda inferior a 1 salário mínimo; 28,82% entre 1 e 2 salários mínimos; e 44,69% entre 2 e 5 salários mínimos. No mesmo período, apenas 3,24% recebiam mais do que 10 salários mínimos (IJSN, 1983, p. 31). Segundo os dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010), considerando os domicílios permanentes, a população de Cariacica se distribui da seguinte forma, segundo a faixa de renda: mais de 5% não tem rendimento, e pouco mais de 10% recebe até 1 SM; aproximadamente 22% recebia entre 1 e 2 SM; mais de 41% recebe entre 2 e 5 SM; quase 16% recebe entre 5 e 10 SM; e pouco mais de 5% recebe acima de 10 salários mínimos21. Mesmo considerando-se a mudança no poder de compra do salário mínimo entre 1980 e 2010, observa-se que a situação se altera pouco. Em 1980, 17,38% das famílias tinham rendimento nominal mensal superior a 5 salários mínimos e, em 2010, cerca de 21% das famílias encontra-se nesta situação. Já a taxa de desemprego no município, que era de 17,5% em 1998 (IJSN, 2002), cai para 7% em 2010 (para pessoas entre 20 e 60 anos, em ambos os casos). A tabela a seguir compara a distribuição da população de Cariacica por faixa de renda segundo os Censos de 2000 e 2010 (contando apenas pessoas que possuem rendimento): Tabela 2 – População de Cariacica por faixa de renda.

Faixa de Renda Ano Censo

Até 1 SM

1 a 3 SM

3 a 5 SM

5 a 10 SM

Acima de 10 SM

2000

21,19%

51,90%

14,54%

9,18%

3,15%

2010

35,07%

50,46%

8,60%

4,77%

1,07%

Fonte: IBGE. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2013.

Em 2010 o setor de Serviços continua absorvendo a maior parte desses trabalhadores: quase 36% (excetuando-se as que trabalham na administração pública22, que emprega quase 13%). O Comércio é o segundo setor que emprega mais gente, com quase 22% dos trabalhadores, seguido de perto pela Indústria, que emprega pouco mais de 21% (sendo que pouco mais da metade desse total está empregado

21

pela

indústria

da

Construção

Civil).

A

agropecuária

continua

Para melhor comparar os dados relativos ao salário mínimo convém entender a evolução de seu poder de compra, o que está fora do escopo deste trabalho. 22 Estão inseridos neste item os trabalhadores da área da saúde, educação, assistência social e esportes e cultura.

56

empregando a menor quantidade de pessoas, com pouco mais de 1% dos empregados (IBGE, 2010). De acordo com estudo do IJSN de 2001, os postos de trabalho se concentravam em Vitória e Vila Velha: Em relação à distribuição do emprego, a pesquisa acima citada mostra a concentração de postos de trabalho em uma região a qual se pode denominar como a área de centralidade da RMGV, formada por boa parte da cidade de Vitória e pelo centro de Vila Velha e suas áreas de influência. Em Vitória, estão localizados 41,2% dos postos de trabalho, enquanto que em Vila Velha 23,0%, o que representa mais de 60,0% dos empregos da RMGV. (IJSN, 2001, p. 38)

Segundo o Censo de 2000, a situação pouco se altera em relação às oportunidades de trabalho, como mostra o gráfico a seguir. Gráfico 2 – Residentes por município da RMGV que trabalhavam ou estudavam em outro município do ES.

Fonte: IBGE (Dados do Censo de 2000). Organização: PMV, 2008, p. 34.

De forma semelhante à observada em 2000 (Gráfico 2), a condição periférica de Cariacica se mantinha em 2010, quando mais de 45% da população economicamente ativa tinham o trabalho principal em outro município ou em mais de um município (Fonte: Censo IBGE 2010). A urbanização dispersa do município dificultou a fiscalização, a provisão de infraestrutura, a articulação entre os bairros e o próprio planejamento urbano, ao mesmo tempo em que permitiu um avanço desnecessário sobre a área rural e a especulação, além do aumento dos custos de urbanização. A existência de grandes áreas destinadas a atividades industriais (como a CVRD e a Companhia Ferro e Aço de Vitória – COFAVI) e a equipamentos institucionais de âmbito estadual (tais como

57

a Empresa Capixaba de Pesquisa Agropecuária, o Instituto Espiritossantense do Bem-Estar do Menor, o Hospital Adalto Botelho, o Leprosário Alzira Bley, a Escola de Formação de Oficiais, entre outros) foi outro fator que contribuiu para a existência de grandes vazios no interior da mancha urbana. Os estudos existentes demonstram que o crescimento de Vitória deu origem à proliferação de loteamentos nos “municípios periféricos” vizinhos (Serra, Vila Velha e Cariacica). Vila Velha abrigou parte da população com maior poder aquisitivo, restando para Serra e Cariacica a ocupação por uma população de mais baixa renda. Em Cariacica, segundo o IJSN (1983), se observou o aumento de áreas invadidas ao lado de “um número expressivo de loteamentos populares”, fossem eles clandestinos ou aprovados pela Prefeitura: 30% dos loteamentos eram considerados clandestinos (não passaram por qualquer processo de aprovação por parte do poder público ou cartório) e 40% eram irregulares (foram aprovados pela prefeitura, mas não foram registrados em cartório). A distribuição espacial desses assentamentos mostra-se por demais dispersa, configurando uma expansão da estrutura urbana desarticulada. A exacerbação dessa expansão leva à localização de loteamentos em áreas progressivamente mais distantes do principal centro do município (a região ao longo da BR 262) em detrimento da existência de grandes vazios em regiões mais próximas. (IJSN, 1983, p. 36).

No próximo capítulo, será abordado o ambiente construído de Cariacica (e sua necessária inserção na Grande Vitória) em sua relação com algumas intervenções no espaço urbano metropolitano, assim como os desdobramentos disso na forma de ocupação do município. Em capítulo posterior, será efetuada a tentativa de diálogo entre as proposições do poder público (estadual ou municipal) para o município e as possíveis estratégias de acumulação de capital a partir da alteração do espaço urbano por meio de empreendimentos privados.

58

3 PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DA CIDADE: ALGUMAS REFERÊNCIAS PARA A ANÁLISE DO CASO DE CARIACICA Algumas questões norteiam a construção deste capítulo. Como se dá, de maneira geral, a produção do ambiente construído? Quais as lógicas que regem a expansão urbana, de modo geral? Qual o papel do Estado nesse processo? Como essas questões têm se expressado em Cariacica? Quais os outros agentes que têm produzido o espaço urbano são relevantes neste caso específico? De que modo têm feito isso? Espera-se que até o final deste capítulo algumas dessas questões sejam, ao menos, tangenciadas, já que esgotá-las não é o objetivo deste trabalho. Apenas pretende-se tentar entender como tem se processado a produção do ambiente construído em Cariacica e sua forma de ocupação. Inicialmente, é apresentada uma discussão mais abrangente sobre a produção social do espaço urbano, a partir das perspectivas de Henri Lefebvre, John Logan e Harvey Molotch, Mark Gottdiener, Roberto Lobato Corrêa, Peter Hall e David Harvey, entre outros autores. A seguir, aborda-se o papel do planejador e do próprio planejamento urbano na reprodução da cidade e são feitas considerações sobre os instrumentos de planejamento mais relevantes no Brasil. No terceiro tópico, a discussão sobre produção do espaço enfatiza os pontos levantados por Logan e Molotch (1987) sobre o uso do lugar, o papel dos empreendedores locais e o crescimento das cidades. Finalmente, o texto se detém no processo específico de produção do espaço da Região Metropolitana da Grande Vitória e sua relação com as ações de planejamento urbano das administrações públicas municipais da região e de Cariacica em particular.

3.1 A produção do espaço urbano Lefebvre (1974), na tentativa de conceituar o espaço (então “na moda”, como ele afirma, por conta das recentes aventuras espaciais), elabora seu discurso introduzindo a questão social a este conceito. No decorrer de sua obra, enxerga o espaço constituído de três dimensões: o espaço praticado (experimentado/percebido pelos sentidos); a representação do espaço (concebido/ representado por signos, diagramas, mapas, etc.); e os espaços de representação (vivido/imaginado, remetendo à dimensão imaterial do espaço, sonhos, emoções...). Harvey (2006), por

59

sua vez, relaciona as dimensões do espaço de Lefebvre respectivamente a: espaço material, espaço relativo e espaço relacional. Dessa forma, os referidos autores propõem, em pleno acordo com a abordagem marxista, o Espaço como produto material de uma dada sociedade. Por seu turno, Logan e Molotch (1987, p. 45), afirmam23 que os limites e as identificações do lugar são construções sociais. A cidade é, portanto, um produto coletivo, fruto de uma série de bens, serviços e relações produzidos coletivamente. Ou, nas palavras de Milton Santos (2006), o espaço deve ser visto como “um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações” (SANTOS, 2006, p. 12). Tendo isto por base, supõe-se que o espaço urbano seja constituído tanto de aspectos físicos (casas, fábricas, ruas, morros) quanto de relações sociais (as quais são resumidas pelo urbanismo moderno em quatro funções principais: habitar, trabalhar, circular e recrear24). No caso específico deste trabalho, o foco se encontra no aspecto físico do espaço urbano, mas isto não significa negligenciar as relações sociais que ocorrem neste mesmo espaço. Isto porque, assim como toda e qualquer relação social que se dê no espaço urbano necessita de uma base material (construída ou não) para acontecer (a casa, a fábrica, a rua, o morro etc.), todo produto material é construído e/ou apropriado com o objetivo de que alguma relação social possa ocorrer ali 25. Seguindo a linha de Lefebvre, Mark Gottdiener publica, em 1985, A Produção Social do Espaço Urbano. Ao se deparar com uma realidade urbana da qual não davam conta mais as abordagens em voga26 (desde a ecologia urbana, a economia e a geografia urbanas, defendidas pela Escola de Chicago de MacKenzie, Park e Burgess, até a economia política marxista, em diálogo com o próprio Lefebvre, Harvey e Castells27), o autor procura demonstrar o espaço urbano como produto (e produtor) de transformações da vida em sociedade.

23

Com base em Hunter (1974) e Lynch (1960). As funções do urbanismo modernista podem ser encontradas na Carta de Atenas, documento síntese do IV Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM), redigido por Le Corbusier em 1933. 25 A abertura de uma rua só faz sentido se houver pessoas para circular por ela; a fábrica é instalada tendo em vista o trabalho que ali será desenvolvido, ainda que, a rigor, a fábrica possa ser fechada mesmo antes de abrir as portas; as unidades habitacionais são construídas para que as pessoas possam habitá-las, mesmo que existam tantos prédios vazios em algumas cidades; assim por diante. 26 “Entre outras limitações, elas se restringiriam ao estudo da morfologia, sem contemplarem a organização social que pode produzir, manter e reproduzir os padrões de usos da terra”. (p. 311) 27 Segundo Ana Paula Medeiros (A Produção Social do Espaço Urbano: Resenha. 2013, p. 313), Gottdiener punha o trabalho de David Harvey junto ao dos economistas políticos urbanos: autores 24

60

A realidade urbana da qual Gottdiener falava remonta à desconcentração metropolitana dos anos 1980 dos EUA: a passagem de uma relação centro x periferia para uma forma urbana polinucleada e integrada. Segundo o autor, não se tratava apenas de uma ampliação da cidade pré-existente, mas de uma forma qualitativamente nova de espaço, “produto de transformações da organização social”. E a organização da vida cotidiana (conceito caro também a Lefebvre) estaria sendo determinada por essa nova forma urbana, posto que o espaço é socialmente produzido. Sendo o espaço uma dimensão da reprodução social, Gottdiener enxerga a necessidade de se conhecer/entender a relação entre espaço e sociedade, já que os problemas da sociedade com os quais se deparava estariam vinculados, portanto, às questões da natureza espacial. Como as teorias de então se debruçavam sobre uma forma confinada de cidade, Gottdiener propõe uma interpretação atualizada para os novos (segundo o autor) padrões urbanos. Aqui no Brasil, Roberto Lobato Corrêa (1985) realiza uma tentativa de trazer para a realidade brasileira o tipo de abordagem do espaço urbano realizada pelos autores do norte. Inclui-se aí, em especial, uma leitura da obra de David Harvey (1980), na qual o autor especula sobre os principais agentes que operam no mercado de moradia. Para Harvey (1980), estes seriam: 1. Os usuários de moradia; 2. Os corretores de imóveis; 3. Os proprietários; 4. Os incorporadores; 5. As instituições financeiras; 6. As instituições governamentais. Neste ponto, Corrêa (1985) parece realizar um esforço de tradução para as cidades brasileiras, encontrando os seguintes agentes espaciais que estariam constantemente reorganizando o espaço urbano: proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos. Interessante notar que cada vez mais se entende que esses agentes podem estar encarnados sob a figura de uma mesma pessoa, como o incorporador e o proprietário, por exemplo.

que “Encaram a mecanização do crescimento urbano como uma conspiração capitalista perpetrada por um seleto grupo de indivíduos contra a massa dos habitantes, que são chamados a classe trabalhadora”. Já o de Manuel Castells figuraria junto ao dos estruturalistas, sendo criticado por Gottdiener por não produzir uma “teoria do espaço”, mas uma “teoria dos problemas urbanos” ou uma “teoria das relações entre o Estado e o espaço de assentamento”. “Já Lefebvre, ao apresentar a sua acepção sobre a produção do espaço, resgata o princípio fundamental da teoria de Marx, que enfatizava o homem como sujeito da sua história”, abordagem que interessa a Gottdiener.

61

Em O Espaço Urbano, Corrêa enxerga três razões para retomar o tema da produção do espaço urbano: a cidade é onde se concentra a maior parte da população; é onde se concentram os investimentos de capital (seja na produção de mercadorias, seja na produção da própria cidade); e é o principal lugar onde ocorrem os conflitos sociais (CORRÊA, 1985, p. 5). Para o autor, cidade e espaço urbano são sinônimos, e podem ser abordados de diferentes maneiras: como conjunto de pontos, linhas e superfícies (áreas); como forma espacial em suas conexões com estrutural social, processos e funções; segundo um paradigma de consenso ou de conflito; e, ainda, a partir da percepção que seus habitantes têm dele ou de suas partes. Em sua definição, o espaço urbano aparece como “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É, assim, a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais” (CORRÊA, 1985, p. 9). O espaço fragmentado de Corrêa é, na prática, articulado por fluxos de pessoas e mercadorias, dos deslocamentos cotidianos e das relações entre os diversos espaços da cidade. Há, no entanto, articulações menos visíveis (ou mesmo invisíveis) entre esses espaços, como as que envolvem decisões de investimento, a circulação de informações, relações de exploração, relações que envolvem “a prática do poder e da ideologia”. Segundo o autor, as relações espaciais (visíveis ou não) são responsáveis por integrar as diversas “partes da cidade, unindo-as em um conjunto articulado cujo núcleo de articulação tem sido, tradicionalmente, o centro da cidade”. (CORRÊA, 1985, p. 8). Neste ponto, o autor se distancia de Gottdiener, para quem a forma urbana mononucleada estaria sendo substituída por aquela polinucleada. Talvez por estar Corrêa interessado nos processos que estavam acontecendo no Brasil, enquanto Gottdiener lidava com as transformações nas cidades norte-americanas. Entretanto, Corrêa volta a se aproximar dos autores citados anteriormente ao admitir o espaço urbano como um reflexo da sociedade (CORRÊA, 1985, p. 8). Mas o trabalho de Corrêa interessa principalmente por realizar duas tarefas adicionais. Primeiro, passa a analisar os atores que produzem o espaço urbano, explicitados anteriormente. Depois, relaciona os diferentes usos do solo a diferentes formas espaciais28. 28

Embora o autor ressalte que a forma espacial não possui existência autônoma: existe por que nela se realizam uma ou mais atividades. Segundo o autor, a estrutura social demanda da forma espacial

62

Como foi visto anteriormente, Corrêa enxerga o espaço urbano na sociedade capitalista como uma soma dos “diferentes usos da terra justapostos entre si”. Portanto, fragmentado. Para o autor, diferentes processos sociais produzem diferentes formas espaciais. Como foi dito, o autor dedica parte de sua obra a relacionar os processos sociais às suas respectivas formas. Eis as relações: Centralização e Área central; Descentralização e os Núcleos secundários; Coesão e as Áreas especializadas; Segregação e as Áreas sociais; Dinâmica espacial da segregação; Inércia e as Áreas cristalizadas. Apesar de terem sido caracterizados separadamente, os processos espaciais são complementares entre si. Mas é a questão dos agentes produtores do espaço urbano a que pode trazer mais insumos para a discussão deste trabalho. A este respeito, Logan e Molotch (1987) abordam o tema pelo viés das cidades como “máquinas de crescimento”. Segundo os autores, vários agentes têm influenciado direta ou indiretamente na produção do espaço a partir da disseminação do discurso do crescimento. Num primeiro momento, os autores identificam três tipos de empresários que teriam seu lucro ampliado substancialmente caso o discurso do crescimento fosse colocado em prática em nível local: empresários acidentais [Serendipitous Entrepreneurs], que são os que herdaram um imóvel ou tiveram suas terras, antes situadas em área rural,

englobadas

pelo

perímetro

urbano;

os

empresários

ativos

[Active

Entrepreneurs], que são os que “procuram o lugar certo para estar no futuro”; e os especuladores estruturais [Structural Speculators], que são os que possuem abertura

(e

influência)

suficiente

para

direcionar determinados

rumos do

crescimento. A partir dessa tipologia, os autores listam os seguintes agentes capazes de impulsionar o crescimento urbano (e, consequentemente, influir na produção do espaço urbano): políticos, mídia local e concessionárias (os autores destacam agências de fornecimento de água e empresas de transporte), além de alguns “auxiliary players”, tais como universidades, equipamentos culturais (museus, teatros etc.), equipes esportivas, o trabalho organizado, capitalistas corporativos e profissionais autônomos e pequenos varejistas. Harvey faz uma abordagem parecida em “Do Administrativismo ao Empreendedorismo: A transformação da governança urbana no capitalismo tardio” determinadas funções que possam abrigar as atividades e os processos daquela sociedade (CORRÊA, 1985, p. 9).

63

(2005a), explicitando alguns agentes que atuam para formar coalizões e alianças que conformam o que ele denomina “governança urbana” (estrutura que extrapola o conceito de administração pública municipal em seu sentido estrito, englobando também uma “coalizão mais ampla de forças” externas ao poder público). No texto citado, publicado pela primeira vez em 1989, Harvey fala sobre a transformação ocorrida na governança urbana em países do capitalismo avançado, sobretudo a partir do momento em que o keynesianismo perde força – fato que possui relação direta com a desindustrialização dos países capitalistas centrais nas décadas de 1970 e 1980. Entre outros aspectos, que fogem ao escopo deste trabalho, pode-se aproveitar o texto de Harvey29 para entender como a reorganização econômica dos anos 1970/80 nos países do capitalismo avançado deixou reflexos na administração local desses e de outros países. O keynesianismo, adotado em larga medida pelos países do capitalismo avançado no período do pós-guerra, enfatizava a importância da interferência do Estado na economia e na manutenção do chamado welfare state (aqui traduzido como “estado de bem-estar social”). Durante as décadas de 1950 e 1960, o mundo viu o que talvez tenha sido “o mais longo período de crescimento contínuo que a economia capitalista jamais conheceu” (HALL, 2007, p. 407), mas as sucessivas crises da década de 1970 (a começar pela crise do petróleo, em 1973) modificaram este ambiente. Além das crises do petróleo, mudanças no processo de produção (passando do fordismo ao pós-fordismo), as inovações tecnológicas, as fusões de grandes empresas, as novas possibilidades de gerenciamento das estruturas produtivas (que permitiram que centros de decisão estabelecidos em um lugar controlassem diversas unidades de produção e distribuição de seus produtos), a redução das barreiras espaciais, as novas formas e caminhos de acumulação do capital (como o capital fictício, a criação de um mercado mundial e a cada vez maior mobilidade do capital), tudo isso contribuiu para que os anos 1970 fossem marcados por uma significativa diminuição do emprego industrial nos países centrais. Hall (2007, p. 408) aponta que 29

Antes, contudo, é necessário ressalvar que trata-se de um dos textos mais ambíguos do autor. Harvey procura, em grande parte de sua obra, explicitar as falhas, brechas e contradições do modo de produção capitalista para que seja possível, se assim desejado, a elaboração de um contradiscurso e uma atuação contra-hegemônica. Neste texto, porém, às vezes parece informar que a situação já está dada e que não restam às municipalidades outras opções.

64

foram perdidos cerca de 2 milhões de empregos fabris entre 1971 e 1981 na Inglaterra, ao passo que nos Estados Unidos os números foram ainda mais alarmantes. A resposta de Margareth Thatcher na Inglaterra e de Ronald Reagan nos EUA foi parecida: era necessário fazer exatamente o contrário do que pregara Keynes, o que resultou num período de grande austeridade fiscal. Assim, o governo central desses países deveria gastar cada vez menos recursos com o bem-estar social, ao mesmo tempo em que precisavam dar cada vez mais liberdade aos agentes econômicos para que estes voltassem a ter interesse em investir. Do ponto de vista dos governos locais, isso significava que estes receberiam uma quantidade cada vez menor de recursos do governo central, necessitando arrumar outras formas de garantir a máquina pública funcionando ao nível local. Na prática, isso significou que as administrações locais foram impelidas a competir pelo capital que intencionava se mudar para onde fosse mais vantajoso. Dessa forma, as autoridades locais estariam gozando do que Harvey chama de “autonomia relativa” e, segundo o autor, “não há nada que, em princípio, diferencie o empreendedorismo urbano da „autonomia relativa‟ que possuem todas as empresas, instituições e empreendimentos capitalistas na exploração de diversas vias relativas à acumulação do capital” (HARVEY, 2005a, p. 188). Ou seja, praticamente abandonados à sua própria sorte, os governos locais passam a gozar de uma relativa autonomia para captar recursos fora das esferas públicas federal e estadual, já que os repasses vinham diminuindo paulatinamente. Harvey cita quatro estratégicas básicas que o empreendedorismo urbano pode adotar, mas informa que é “a combinação dessas opções que proporciona a chave para as rápidas e recentes mudanças no desenvolvimento desigual dos sistemas urbanos do mundo capitalista avançado” (HARVEY, 2005a, p. 174). São elas: Primeira: dentro da divisão internacional do trabalho, pode obter vantagem nessa competição o lugar que apresentar determinadas vantagens específicas. “Dificilmente, na atualidade, desenvolvimento algum em larga escala acontece sem que o governo local (ou a coalizão mais ampla de forças que constitui a governança local) ofereça, como estímulo, um pacote substancial de ajuda e assistência” (HARVEY, 2005, p. 175). Isso pode ser feito através de renúncias fiscais, crédito barato ou aquisição de terrenos, por exemplo. Há também a possibilidade de se oferecer uma mão-de-obra mais barata ou mais qualificada. Nestes casos, tanto o

65

governo local quanto grandes instituições (tais como hospitais e universidades) podem ajudar. A segunda estratégia envolve a oferta de um ambiente de consumo atrativo. Mais do que atrair turistas, o discurso da “qualidade de vida” associado com uma “regeneração urbana” cria uma imagem de cidade que parece, ao mesmo tempo, inovadora, estimulante, criativa e segura para se viver ou visitar, para se divertir e consumir (HARVEY, 2005, p. 176). Em muitos casos, o que está à venda aqui é a própria cidade. A terceira envolve investimentos maciços em transporte e comunicações, essenciais quando se compete por “atividades de controle e comando referentes às altas finanças, ao governo, à coleta de informações e ao seu processamento (incluindo a mídia)”. Esse tipo de atividade exige também a “oferta de espaço adequado de trabalho, equipado com as ligações internas e externas necessárias para minimizar os tempos e os custos das transações”. Harvey reforça que esta competição é um tanto desleal, pendendo para os “centros estabelecidos”: Nova Iorque, Chicago, Londres e Los Angeles. Nessas cidades, “a exportação de serviços (financeiros, informacionais, produção de conhecimento) se torna a base econômica para a sobrevivência urbana” (HARVEY, 2005, p. 177). Cabe notar, entretanto, que, nesta competição, se todas as cidades criam as mesmas condições, oferecem os mesmos atributos, o capital aumenta seu poder de mobilidade, ao passo que a suposta “vantagem competitiva” desaparece. A quarta estratégia diz respeito à competição pela redistribuição dos superávits dos governos centrais. Os governos centrais, em geral, diminuíram significativamente o aporte de recursos para a manutenção do estado de bem-estar social, mas ainda é compelido a financiar determinados projetos e programas de governo. Alguns governos locais têm se especializado na captação desses recursos. “Os canais mudaram”, mas muitas alianças ainda são estabelecidas visando “utilizar mecanismos redistributivos como meio de sobrevivência urbana” (HARVEY, 2005, p. 178). As autoridades locais passam então a se tornar o agente mais ativo na busca por investimentos, numa tentativa de reverter os processos de desindustrialização e de desemprego que os atingiam. Assim, cada vez mais o governo local vai se distanciando do papel de administrador de um determinado território para ir se confundindo com o empreendedor, a ponto de Harvey denominar o processo de

66

“empreendedorismo urbano”. Harvey aponta algumas características deste novo modelo de governança: Primeira: noção de parceria público-privada (PPP), em que “a iniciativa tradicional local se integra com o uso dos poderes governamentais locais, buscando e atraindo fontes externas de financiamento, e novos investimentos diretos ou novas fontes de emprego” (HARVEY, 2005, p.172). Segunda: nessa “parceria”, o setor público assume os riscos (existentes em toda atividade especulativa 30) e o setor privado fica com os benefícios. Terceira: o foco de tais projetos concentra-se muito mais na “economia política do lugar” do que no espaço urbano municipal como um todo. A “construção especulativa do lugar” é seu “objetivo econômico imediato”, embora não seja o único (HARVEY, 2005, p. 173/174). Como foi dito, uma consequência mais ampla de todo esse processo foi justamente a competição entre cidades, ou, melhor dizendo, entre administrações públicas municipais. Consequência que reverberou pelo mundo todo, fazendo com que mesmo as administrações públicas de cidades de menor expressão de países do capitalismo tardio aderissem a esse discurso e passassem a traçar estratégias que as deixassem mais competitivas31. Obviamente, as diversas administrações das diferentes cidades e regiões competem por questões diferentes; os governos das cidades globais (Saskia Sassen, 1991) se estruturaram para competir por determinado tipo de equipamentos e pela atração de determinados tipos de empresas e empreendimentos, ao passo que Prefeitura de Cariacica compete com as de Serra e Vila Velha, por exemplo, para abrigar a população e as empresas que já não cabem mais em Vitória; ou o governo do Estado do Espírito Santo competiu recentemente por investimentos do Governo Federal para a implantação de portos no litoral capixaba. E, ainda assim, o que se assiste atualmente é a uma espécie de homogeneização da forma de governança urbana, impulsionada pela competição interurbana, e a uma respectiva homogeneização das soluções: os exemplos de sucesso tendem a ser copiados (na medida do possível) como modelos de best practices – boas práticas que devem, por serem supostamente boas, ser adotadas. 30

Ver em Harvey, 2005, p. 173, os argumentos que o autor utiliza para mostrar o caráter especulativo das iniciativas oriundas das parcerias público-privadas. 31 A esse respeito, podemos citar o fato de que o prefeito de Cariacica entre 2005 e 2012, Helder Salomão, foi eleito por duas vezes (2007 e 2010) pelo “Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor” como o prefeito mais empreendedor do país, o que dá a dimensão de onde o discurso do empreendedorismo na governança urbana pôde chegar.

67

Há uma concordância generalizada de que a mudança tem algo a ver com as dificuldades que atingiram as economias capitalistas desde a recessão de 1973. Desindustrialização, desemprego aparentemente generalizado [...] combinados com uma onda crescente de neoconservadorismo e um apelo muito mais forte à racionalidade do mercado e da privatização fornecem um quadro para compreender porque tantos governos locais, muitas vezes de diferentes conotações políticas tomaram todos uma direção bastante semelhante. (HARVEY, 1989, p. 168)

Quanto ao planejamento, o que se verificou foi a substituição de um planejamento urbano mais abrangente por um planejamento pontual, que enxerga a cidade como algo fragmentado (nos moldes de Corrêa), e já não dá conta do território como um todo. Já em A Geografia da Acumulação Capitalista, publicado pela primeira vez em 1975, Harvey (2005b) explicita sua teoria do desenvolvimento geográfico desigual, a qual se relaciona com sua teoria da acumulação e seus impactos sobre o espaço. O objetivo do capitalista é sempre obter mais dinheiro do que investiu no final de um determinado processo de produção (processo que engloba produção, circulação e consumo). Não por que seja uma pessoa perversa, mas por que a lógica interna do capitalismo o impele a isto. Harvey tenta mostrar como esse imperativo atua na produção de uma geografia específica. Segundo Harvey (2005b, p. 44/45), o processo de acumulação progressiva depende: 1) da existência de um excedente de mão-de-obra que possa alimentar a expansão da produção; 2) da existência de quantidades necessárias dos meios de produção (máquinas, matérias-primas, infraestrutura física etc.); 3) da existência de um mercado apto a absorver as quantidades crescentes de mercadorias produzidas. O desequilíbrio em qualquer um desses pontos acarretará uma crise de determinada natureza. Portanto, por sua própria dinâmica interna, o capitalismo está fadado a crises periódicas. Pode ocorrer, por exemplo, de haver excesso de mão de obra em um determinado local, o que implica em certa quantidade de pessoas desempregadas, além de empurrar os salários das pessoas empregadas para baixo. Pessoas desempregadas não conseguem consumir, e as que recebem pouco tendem a consumir apenas o básico para sua reprodução. O resultado disso se reflete em uma quantidade relativamente grande de mercadorias encalhadas, evento descrito como “crise de realização” (HARVEY, 2005b, p. 46). Geralmente, tais crises tendem a

68

“expandir a capacidade produtiva e de renovar as condições de acumulação” (HARVEY, 2005b, p. 47), elevando o processo de acumulação a outro patamar. Quais as soluções possíveis quando tais crises ocorrem? Como o capitalista pode empreender seus investimentos depois que a crise passa e o processo atinge um novo patamar? Pode-se optar pelo investimento em inovação (resposta temporal que visa processo de acumulação futura), pela criação de novos produtos, pela criação de novos mercados, outros investimentos em acumulação futura (educação, tecnologia,

descoberta

de

mercado

para

novos

produtos),

por

respostas

geográficas/espaciais (construção de infraestrutura) ou mesmo pela destruição física das mercadorias. Entretanto, todas essas respostas são apenas adiamentos do problema, seja temporal, seja espacialmente, o que leva Harvey a acreditar que as crises podem ser proteladas, mas não evitadas. Marx afirma que “a criação [...] da mais-valia absoluta [...] depende da expansão – especificamente da expansão constante – da esfera da circulação” (apud HARVEY, 2005, p. 71). Isso implica em produzir, constantemente, uma esfera cada vez maior de circulação das mercadorias produzidas (expansão do mercado). Para tanto, é imprescindível, no decorrer do processo de expansão da esfera de circulação, que uma significativa quantidade de capital seja investida na produção de infraestruturas físicas. Ao lado disso, o acesso a mercados cada vez mais distantes “possui o efeito de aumentar o tempo de giro do capital” (HARVEY, 2005b, p. 50). Ao mesmo tempo, os preços “tanto das matérias-primas como dos bens acabados são sensíveis aos custos do transporte” (HARVEY, 2005b, p. 49), o que leva à conclusão de que “o imperativo da acumulação implica consequentemente no imperativo da superação das barreiras espaciais”, já que quanto mais longo o tempo de giro de determinado capital, menor é o rendimento anual da mais-valia. Há, portanto, uma constante tendência a que o espaço seja anulado pelo tempo, já que “o importante não é a distância do mercado no espaço, mas a velocidade [...] pela qual o mesmo pode ser alcançado” (MARX, apud HARVEY, 2005b, p. 51). O tempo médio de giro do capital no processo de produção (circuito de valorização do capital) possui na reorganização geográfica (produção do espaço) um fator preponderante para sua realização. Assim, as respostas às crises cíclicas do capitalismo tendem a reestruturar o próprio sistema, como visto antes. Isto porque a busca pela acumulação tende a aniquilar o espaço pelo tempo (ou pelo menos a uma busca incessante disso), já que quanto mais rápido o investimento puder dar

69

seu retorno, melhor para o capitalista individual. Isto interessa em nossa investigação pois tal operação requer produção ou reformulação de infraestrutura espacial – ou produção de cidade. O objetivo é sempre o de otimizar o processo de produção, circulação e distribuição de mercadorias, encurtando o tempo de giro do capital investido, de modo que a reorganização geográfica, atrelada ao mercado consumidor, é um fator imprescindível para a realização de tal objetivo. E esta é a justificativa para os investimentos feitos em logística, tão cara ao empresariado capixaba (e mesmo ao poder público). Não se trata exatamente de uma retomada do texto anterior, mas A Geopolítica do Capitalismo (2005c), publicado pela primeira vez em 1981, aprofunda algumas questões que também têm como pano de fundo o interesse que o capital possui no espaço e a forma como o transforma continuamente (ou pelo menos tenta) para sua realização. Para Harvey (2005c, p. 142), Marx privilegia a discussão sobre o tempo e a história em detrimento da discussão sobre o espaço e a geografia (algo que Harvey considera coerente com a linha de raciocínio de Marx e com as questões que o perturbavam). Harvey parte desta lacuna para afirmar que as crises no capitalismo são sempre “periódicas e inevitáveis” (HARVEY, 2005c, p. 136) e questiona: “Será que há um „ajuste espacial‟ para as contradições internas do capitalismo? [...] Será possível a elaboração de uma teoria do concreto e do específico [do espaço geográfico, portanto] no contexto das determinações universais e abstratas da teoria de Marx sobre a acumulação capitalista?” (HARVEY, 2005c, 142/145). Veja-se o que ele diz. Harvey elucida no texto visto anteriormente que todo capitalista investe intencionando o lucro. Este será obtido ao final do processo de produção, circulação e consumo de determinado produto – processo que se completa em um determinado espaço de tempo: o tempo de giro do capital. Ao “tempo médio necessário para girar certa quantidade de capital” Harvey chama de “tempo de rotação socialmente necessário”. Resumidamente, Harvey afirma que os capitalistas individuais que conseguem girar seu capital mais rápido do que a média social obtém lucros excedentes, ao passo que os que o fazem mais demoradamente (em relação ao tempo médio) estão sujeitos à desvalorização de seu capital. Portanto, todo o esforço possível será feito na tentativa de acelerar o tempo de rotação do capital (HARVEY, 2005c, p. 136). Isto possui ligação direta com a transformação do

70

espaço. Tal discussão será importante para a futura análise do Plano dos Empresários, essencialmente viário, como será possível observar mais adiante. Num primeiro momento, o espaço é visto, do ponto de vista do capital, como um obstáculo a ser vencido. De acordo com o próprio Marx, o capitalismo é “caracterizado necessariamente por um esforço permanente da superação de todas as barreiras espaciais e da „anulação do espaço pelo tempo‟” (apud HARVEY, 2005c, p. 145). Isto já foi dito antes. Mas aqui, Harvey acrescenta uma consequência importante: a “anulação do espaço pelo tempo” só pode ser alcançada através da produção de “configurações espaciais fixas e imóveis”, ou seja, “a organização espacial é necessária para superar o espaço”. Uma contradição e tanto. As relações espaciais estão, portanto, sujeitas à transformação contínua. É óbvio que o mesmo objetivo (o de diminuir o tempo de rotação do capital) pode ser alcançado por vias diferentes (através dos avanços tecnológicos, por exemplo), mas a tendência é de que o primeiro momento (em que o espaço é uma barreira a ser superada) prevaleça, e o espaço passe a ser organizado num processo que Harvey (2005c, p. 146) denomina “coerência estruturada”. Não é objetivo deste trabalho um aprofundamento deste conceito. Portanto, este será entendido aqui como um espaço onde capital, força de trabalho, processo produtivo e acumulação possam se encontrar em equilíbrio (embora o autor ressalte que tal equilíbrio é sempre instável, posto que permeado de crises cíclicas). Em outras palavras, um espaço que promova o encontro entre o circuito de valorização do capital e o circuito de reprodução de força de trabalho. Harvey ressalta o fato de que os limites geográficos de uma determinada coerência estruturada podem ou não refletir os limites geográficos institucionalizados (de uma cidade, região ou país, por exemplo), mas não necessariamente. Ainda assim, “depois de formalmente representada pelo Estado, a coerência territorial torna-se muito mais perceptível” (HARVEY, 2005c, 146). Essa reorganização geográfica inclui a garantia de alguns objetos físicos materializados no espaço, tais como redes de infraestrutura, equipamentos industriais, locais de produção, consumo, moradia, portos, aeroportos etc., os quais são responsáveis por garantir tanto a reprodução material do capital quanto a reprodução social dos indivíduos. Uma crise pode decorrer deste fato, pois os lugares mais bem aparelhados com tais objetos podem atrair mais capital ou mais força de trabalho (ou ambos) do que outros lugares, desequilibrando o sistema. Por

71

conta disto, além do Estado, também o capital pode entrar no processo de produção das estruturas físicas necessárias para que determinado local se torne ou continue viável econômica e socialmente. Há processos em andamento, portanto, que definem os espaços regionais, em que a produção e o consumo, a oferta e a procura (por mercadorias e força de trabalho), a produção e a realização, a luta de classes e a acumulação, a cultura e o estilo de vida permanecem unidos como certo tipo de coerência estruturada, em uma soma de forças produtivas e de relações sociais. No entanto, também há processos em andamento que solapam essa coerência. (HARVEY, 2005c, p. 147).

Esses processos, Harvey procura demonstrar, não são externos ao sistema mas, ao contrário, fazem parte da incessante busca por acumulação, a qual passa pela mudança tecnológica e implica em luta de classes. A capacidade de “solapar” uma determinada coerência estruturada depende de uma série de fatores que Harvey apresenta, mas que não serão esmiuçados aqui. O que importa é ter em mente o caráter instável da coerência estruturada. Instabilidade a qual, segundo Harvey, “intervencionismo algum pode sanar” (HARVEY, 2005c, p. 150). Continuamente, portanto, o capitalismo se esforça para criar uma paisagem social e física da sua própria imagem, e requisito para suas próprias necessidades em um instante específico do tempo, apenas para solapar, despedaçar e inclusive destruir essa paisagem em um instante posterior do tempo. As contradições internas do capitalismo se expressam mediante a formação e a reformação incessantes das paisagens geográficas (HARVEY, 2005c, p. 150).

Harvey dedica as páginas seguintes do texto a mostrar as operações econômicas através das quais o capital procura adiar sempre mais a crise inevitável. Conclui, assim como havia feito no texto anterior, que o máximo que pode fazer é “difundir as contradições do capitalismo em esferas sempre maiores”, mas que é impossível escapar a elas. No entanto, acrescenta, “o capitalismo é capaz de fazer uma pausa considerável para tomar fôlego, e garantir sua própria sobrevivência. [...] É como se, depois de ter tentado anular o espaço pelo tempo, o capitalismo adquirisse tempo para si, fora do espaço conquistado. Assim, embora possamos continuar asseverando que as crises não podem, em longo prazo, ser evitadas, temos de considerar a possibilidade de que esse longo prazo talvez seja muito longo” (HARVEY, 2005c, p. 156).

72

E, segundo sua crença, passado esse período, o sistema estaria apto para atingir um “nível novo e superior” (HARVEY, 2005c, p. 47). Um aspecto importante encontra-se presente nas obras dos autores citados, qual seja o da produção do espaço como fruto de uma determinada realidade social. Quando se trata da produção da materialidade física que compõe o espaço urbano, um elemento que participa ativamente deste processo é o planejamento. Tal planejamento, como Harvey (1985) coloca, possui um domínio muito mais restrito, sobretudo enquanto prerrogativa do Estado. Logan e Molotch (1987, p. 27) já afirmavam que “construir e manter infraestruturas urbanas deve envolver o governo” (grifo nosso), e tal envolvimento determina os rumos do mercado. Além de ser uma obrigação de responsabilidade da administração pública (a rigor, um morador não pode construir um quebra-molas que seja na frente de sua casa sem o consentimento do poder público), os investimentos em muitos casos representam somas em grandes quantias, as quais poucos empresários poderiam empreender individualmente. Mas isto não significa que outros atores não estejam envolvidos. Aliás, podem ser citados não apenas os casos em que ocorrem parcerias entre a esfera pública e a esfera privada na elaboração de planos para uma cidade, mas também casos onde há todo um processo de planejamento desenvolvido independentemente do poder público. De qualquer forma, concordando com Harvey, mesmo nestes casos, para que o planejamento idealizado possa ser materializado ele precisa ser corroborado pelo Estado, que é a instituição que possui a prerrogativa legal de levar a cabo as transformações estruturais do espaço urbano. Antes de prosseguir, faz-se necessário esboçar algumas linhas gerais sobre o planejamento e sobre seus tipos, suas formas atuais.

3.2 O planejamento urbano e a produção da cidade: perspectivas e práticas

Alguns autores dedicaram parte de seus estudos à análise do papel do planejador e do próprio planejamento urbano. Muitos deles apresentam uma visão crítica ou pessimista sobre esse profissional e o resultado de seu trabalho. É o caso de Lefebvre, por exemplo, para quem “o urbano não tem um inimigo pior que o planejamento urbano e o urbanismo, que é o instrumento estratégico do capitalismo e do Estado para a manipulação da realidade urbana fragmentada e a produção do

73

espaço controlado” (LEFEBVRE apud GOTTDIENER, 1993, p. 149). Lefebvre concebe mesmo o planejamento como “um instrumento estratégico do capitalismo e do Estado” (OLIVEIRA, 1997, p. 30), da mesma forma como Milton Santos “enfatiza o papel do planejamento urbano como viabilizador das estratégias de acumulação das grandes firmas, encontrando „os meios e as formas de transformar o Espaço Urbano‟ para beneficiá-las” (OLIVEIRA, 1997, p. 10). Apesar de a visão pessimista desses autores ter sido apresentada em seu trabalho, Oliveira (1997) assegura, ao final de sua análise, a importância do planejamento enquanto “mediador entre capital e espaço” (OLIVEIRA, 1997, p. 11). Aqui, o planejamento será entendido como instrumento de poder político (posto que serve de base para a definição de políticas econômicas e territoriais) utilizado prioritariamente pelo Estado, figurando como forma de controle social (posto que sinaliza os rumos que a sociedade deve seguir). Entender-se-á, portanto, que “o planejamento urbano interfere na reprodução do ambiente construído”, e sem sua interferência “o ambiente construído se reproduziria de outra maneira”. Deve ser, então, entendido como “um campo de luta” (OLIVEIRA, 1997, p. 22). Em relação ao planejamento urbano, Hall (2007) argumenta que “uma escola agora poderosa, e mesmo dominante, afirma que o planejamento, em todas as suas manifestações, é uma resposta do sistema capitalista – e particularmente do Estado capitalista – ao problema da organização da produção e, em especial, ao dilema das crises constantes”. (HALL, 2007, p. 5/6). Segundo o autor, “é o motor tecnológicoeconômico que dirige o sistema socioeconômico e, através dele, as respostas da válvula de segurança política” (HALL, 2007, p. 6). Em seu livro Cidades do Amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto urbanos no século XX, Peter Hall se propõe a investigar a história do planejamento urbano e do urbanismo desde a virada do século XIX para o século XX até o ano de 1987. “Na prática, o planejamento de cidades funde-se, quase imperceptivelmente, com os problemas das cidades, e estes, por sua vez, com toda a vida socioeconômico-político-cultural da época” (HALL, 2007, p. 7). Segundo o autor, a história toda começa quando, a partir da Revolução Industrial, as cidades passam por um aumento populacional para o qual não estavam preparadas. Como não havia moradia para todo mundo, a elite urbana passou a se deparar com uma massa de pessoas que ou não tinham onde morar ou

74

moravam em condições completamente insalubres32. Como não havia emprego para todos, se depararam também com uma grande quantidade de desempregados. Consequentemente, era, possivelmente, a primeira vez em que “alguns milhares de ricos e alguns milhões de indivíduos da classe média foram levados a um estreito contato com milhões de pobres e indigentes” (HALL, 2007, p. 50). Além do problema social, a própria estrutura física das cidades não estava preparada para aquela demanda inteiramente nova em termos de quantidade. Portanto havia também uma preocupação com a cidade, que passa a ser vista como lugar feio, sujo e, não raramente, doente. Curioso notar que, nos Estados Unidos, a resposta normativa teve maior aceitação. Por volta de 1894 uma Comissão para Prédios de Habitação Coletiva, criada em Nova Iorque, chegou à conclusão de que a construção de moradias populares por via do Estado não faria mais do que “melhorar a qualidade de vida de uns poucos favorecidos” (HALL, 2007, p. 43). A saída, portanto, estava no empreendedor privado: uma lei foi aprovada em 1901, definindo as regras segundo as quais as edificações deveriam ser construídas33. Um dos fatores apontados por Hall como favorável à resposta normativa foi a proteção do valor dos imóveis. Não sendo suficientes as respostas que se deram via produção (de iniciativa pública ou privada) de moradias operárias, uma primeira resposta para “sanar” os males da “cidade adoecida” foi a da suburbanização em massa. Para atingir este fim, os estudos de Hall mostraram três alternativas possíveis para os problemas da cidade vitoriana: os subúrbios dos conselhos municipais e da iniciativa de mercado; a cidade-jardim, de Ebenezer Howard; e a “cidade regional”, de Patrick Geddes e da Regional Planning Association of America. O grande problema das iniciativas de planejamento ligadas à criação de subúrbios foi que não foram os pobres os reais beneficiados com a produção suburbana, mas a burguesia. Embora a maioria dos subúrbios iniciais contasse com uma rede de transporte ferroviário, a popularização do automóvel privado (o modelo T de Henri Ford é criado no início dos anos 1900) permitiu que os grandes insatisfeitos com toda aquela situação – a “sociedade de classe média” – fossem os 32

Para uma noção geral a respeito da situação dos pobres nas cidades recém-industrializadas deste período, ver HALL, 2001, pp. 17-53. Para uma situação específica, ver A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, F. Engels, publicado pela primeira vez em 1845. 33 Estabeleceu, por exemplo, padrões mínimos para os espaços da habitação, proteção contra incêndio, sistemas de encanamento.

75

primeiros e principais moradores suburbanos (HALL, 2007, p. 50). “„É evidente que o grosso das classes laboriosas continuará vivendo em habitações coletivas‟, visto que não dispõem de recursos para mudar” (HALL, 2007, p. 68). As duas Guerras Mundiais devastaram muitas cidades, sobretudo na Europa, de modo que muitos dos problemas urbanos de fins do século XIX retornam com grande força na primeira metade do século XX. Da mesma maneira, algumas soluções já testadas anteriormente foram revistas e adaptadas para o novo contexto. Um exemplo disso pode ser encontrado na visão de Le Corbusier sobre o urbanismo moderno, segundo a qual “um mestre urbanista todo-poderoso demoliria por completo a cidade existente, substituindo-a por outra feita de altas torres erguidas no meio de um parque” (HALL, 2007, p. 11). Apesar das diferenças projetuais e dos resultados estéticos bastante diferentes, o princípio da “tabula rasa” remonta às intervenções de Haussmann em meados do século XIX. Outra linha analisada preconizava que “as formas construídas de cidades deveriam [...] provir das mãos de seus próprios cidadãos” (HALL, 2007, p. 12). Tal ideologia reaparece em outros momentos, com outras características, como no caso do planejamento comunitário, planejamento insurgente e planejamento participativo. Posteriormente, o autor dedica um capítulo da obra ao período de introversão da própria teoria do planejamento: A partir dos anos 50, à medida que o planejamento se tem mais e mais transformado em ofício que se aprende através da educação formal, foi ele progressivamente adquirindo um corpo mais abstrato e mais formal de teoria pura. Parte dessa teoria, segundo o jargão que lhe é próprio, é teoria sobre planejamento: conhecimento das técnicas e metodologias práticas, sempre tão necessárias aos planejadores, se bem que antes eles as adquirissem no processo do próprio trabalho. Mas a outra, a teoria do planejamento, é cavalo de cor diferente: sob essa rubrica tentam os planejadores compreender a verdadeira natureza da atividade que exercem, incluídas as razões que lhe justificam a existência. (HALL, 2007, p. 13)

Hall passa então a estudar um período em que enxerga certa concordância quanto à irrelevância do planejamento urbano como vinha sendo feito: “irrelevante num nível estratégico mais alto e abstrato, e pernicioso no chão, onde os resultados emergem e ficam à vista de todos” (HALL, 2007, p. 13). Como alternativa, vários países adotaram um tipo de planejamento “simplificado”, criando secretarias “agilizadas” que pudessem vencer a burocracia e “gerar uma cultura vigorosa,

76

independente, empreendedora, sem excessivos acidentes de percurso” (HALL, 2007, p. 13/14). Por fim, ao analisar as cidades tal como se encontravam (lembrando que o livro foi publicado a primeira vez em 1988 e que utiliza como referência predominante as grandes cidades dos países ocidentais), Hall questiona os motivos que mantinham a cidade sendo vista como “lugar de decadência, pobreza, mal-estar social, intranquilidade civil e possivelmente até mesmo de insurreição”. (HALL, 2007, p. 14). No capítulo final, arrisca alguns palpites sobre o futuro das cidades (bem como do planejamento urbano e do urbanismo). De maneira geral, é possível observar que o planejamento assumiu, ao longo do tempo, determinadas formas que predominaram (ou, pelo menos, se destacaram em determinado momento). Em uma breve investigação, algumas formas de enxergar a atividade do planejador podem ser identificadas. Importa reforçar aqui que não se pretende esgotar o tema, e que não se tentará uma narrativa linear (espacial ou temporal) dessa história. Apenas uma pequena amostra do que se fez ao longo do tempo a fim de ser possível relacionar, de alguma maneira, tais visões e práticas de planejamento com o que acontece hoje em Cariacica. Ignoradas as formas de planejamento militar e as de cunho essencialmente econômico, uma primeira forma de planejamento pode ser encontrada nas atividades de consultoria, prestadas, no início, por profissionais de áreas variadas (de médicos a engenheiros sanitaristas, passando por biólogos e cientistas sociais), como visto anteriormente. Mas houve também quem se ocupasse da atividade de dentro dos gabinetes das administrações locais e comissões criadas para discutir os rumos das cidades no período imediatamente posterior à Revolução Industrial. Duas frentes eram necessárias: intervir nas cidades existentes (abrir ou alargar vias, construir casas, demolir cortiços, criar leis e planos que assegurassem determinadas regras que pudessem impedir que os aspectos indesejados da cidade de então voltassem a surgir) e planejar como deveriam ser as cidades (os subúrbios) que deveriam existir (não apenas suas características físicas, mas seus aspectos econômicos, as relações de emprego, o transporte e a moradia dos operários etc.). No aspecto físico, determinadas formas se destacam, como nos casos da remodelação de Paris34, de um lado, e da cidade-jardim35, de outro.

34

Levada a cabo por Georges-Eugène Haussmann, em meados do século XIX.

77

Tal forma de planejar se assemelha ao que se denomina Planejamento Racionalista, o qual possui como características a elaboração de um diagnóstico e a fixação de objetivos, culminando na elaboração de um plano que contenha as diretrizes e projeções desse plano. Por fim, o controle e a avaliação dos resultados também fazem parte do processo. Este tipo de planejamento costuma assumir uma abrangência territorial na escala da cidade (se não o seu redesenho por completo, pelo menos diretrizes sobre o que se deseja para as várias áreas da cidade). O modernismo (que pode ter seu período mais maduro situado, ainda que imprecisamente, entre os anos 1920 e 195036) trouxe uma crença ainda maior no progresso técnico e científico. Isso provocou alterações também na forma de planejar, atividade que se voltou cada vez mais para a técnica e a razão. O funcionamento do mundo passa a ser visto como o funcionamento de uma máquina, e a cidade precisa funcionar como uma fábrica. O período se caracteriza por um planejamento impositivo, “de cima para baixo”, frequentemente rotulado no Brasil como “planejamento tecnocrático”: em teoria, planejadores e profissionais urbanistas conceberiam, de dentro de seus escritórios, o tipo ideal de cidade, com algum tipo de neutralidade permitida pela busca de uma resposta puramente técnica37. Juntamente com a evolução da informática, modelos e esquemas matemáticos passam a assumir o papel de protagonistas, sobretudo nas questões relativas à circulação do automóvel. A forma de planejar o futuro das cidades tendo como base esses modelos e esquemas matemáticos pode ser encarada como uma modalidade à parte de planejamento. A prática do zonning já não era novidade por esse período, e a forma de planejar a partir do zoneamento do uso do solo não era excluída nas formas de planejamento anteriormente citadas. “Na prática, o sistema norte-americano de zonear o uso do solo parece terse originado de uma tentativa de controlar a disseminação de tinturarias chinesas na Califórnia, primeiro na cidade de Modesto e, em seguida, em São Francisco, nos anos 80 do século XIX; e de 1909 em diante, Los Angeles já desenvolvia um zoneamento abrangente de uso do solo. Mas foi o modelo alemão de zoneamento conjugado de uso do solo e altura de 35

Concebida e divulgada por Ebenezer Howard através de seu livro Garden Cities of To-morrow, publicado inicialmente em 1898. 36 David Harvey (2011, p. 38) considera o “período heroico” do modernismo aquele compreendido pelo período entre-guerras. Para mais detalhes, ver HARVEY, D. A Condição Pós-moderna, 2011. 37 Algo que Lefebvre (1999) critica veementemente: para ele, as decisões “técnicas” estavam sempre permeadas por interesses políticos e econômicos.

78

edifícios que, importado pela cidade de Nova York quando da aprovação da lei de zoneamento de 1916, consistiu – segundo acreditavam os contemporâneos – o mais significativo avanço já registrado na história ainda incipiente do planejamento urbano norte-americano” (HALL, 2007, p. p. 69).

O planejamento impositivo dos modernistas passa a ser duramente criticado por diferentes grupos e pessoas a partir da metade do século XX. Além de não terem conseguido obter o sucesso desejado a partir de suas propostas, vários conflitos urbanos ocorridos por volta de 1960 expuseram alguns problemas graves do urbanismo modernista. Jane Jacobs, Robert Venturi, Aldo Rossi, entre outros, passaram a questionar tanto a ordem física do urbanismo moderno quanto o fazer do planejamento. Uma das manifestações que mereceu destaque logo de início foi a do planejamento advocatício. De acordo com essa visão, a atividade do planejador autônomo deveria abranger o suporte técnico que faltasse a uma comunidade em contexto de conflito em função de iniciativas de planejamento oficiais. A ideia era levar as questões para julgamento num fórum onde os diversos pontos de vista seriam defendidos em discussão com a comunidade. Outra forma que atuava na contramão do planejamento oficial na verdade pode ser encarada como um “anti-planejamento”, posto que advogava em favor do crescimento espontâneo de determinadas partes da cidade. De acordo com essa concepção, os caminhos e vielas caóticos da cidade informal passaram a ser encarados como “o subproduto da vida prática, seu movimento e experiência e, portanto, necessitavam apenas de melhorias” (HALL, 2007, p. 291). A comunidade local ideal para esses planejadores seria constituída de “uma sucessão de aldeamentos”, e o papel do planejador era o de “organizar o processo de construção autônoma” (HALL, 2007, p. 292/299). O povo, mais do que ninguém, sabia o que queria para si, e o problema habitacional não seria resolvido “de cima”. O planejamento poderia ajudar, “mas só na medida em que fosse concebido „como manifestação da colaboração comunitária‟” (HALL, 2007, p. 294). A realidade urbana é percebida cada vez mais como algo complexo, e começa-se a se pensar que um planejamento abrangente que desse conta de toda essa complexidade seria impossível. Os efeitos indesejados do planejamento modernista serviriam como prova disso. Desse pensamento surge a ideia de planejamento incremental, o qual propunha mudanças paulatinas e pontuais. Como

79

seria impossível um planejamento global de todas as variáveis, um planejamento em que cada gestor trabalharia pontualmente dentro da sua realidade contribuiria para um ajuste global do espaço urbano no futuro (LINDBLOM, 2009). Este pensamento corroborou diretamente para a manutenção do discurso conservador. Também entendendo que a realidade urbana é cada vez mais complexa e mutável, adeptos do planejamento estratégico passam a divulgar uma forma de planejamento cujo discurso prevê o envolvimento dos diferentes agentes que produzem a cidade em um acordo que deveria conduzir o lugar em questão aos rumos desejados. Esta forma de planejamento criticava que os planos tendiam a formalizar excessivamente uma realidade em constante mutação, e concebem esta ideia de planejamento como uma agenda de compromissos coletivos. A forma de funcionamento das empresas virou forma de referência para todas as coisas – para as cidades, inclusive (planejamento estratégico empresarial para estatal). Como este trabalho possui um espaço especificamente destinado a este tipo de planejamento, não avançaremos nas discussões aqui. Há ainda outras modalidades eventualmente presentes nas discussões sobre planejamento, como o planejamento participativo, o planejamento insurgente e o planejamento subversivo. Embora possam ter sido, em maior ou menor grau, internalizadas pelo Estado, são formas que possuem como prerrogativa a democratização do planejamento. Da mesma forma, em maior ou menor grau, serão mais ou menos espontâneas, auto-organizadas, contra-hegemônicas e, até mesmo, utópicas38. De todo modo, o planejamento mais abrangente nunca saiu completamente de cena, e, em tempos mais recentes, tem sido denominado frequentemente de planejamento compreensivo. O significado de “compreensivo” aqui precisa ser mais bem explicitado: compreende a cidade como um todo e compreende suas diversas questões. O planejamento abrangente possui uma forma específica mais ou menos padrão no Brasil, que é a do Plano Diretor. Os planos diretores, ao menos ao nível do discurso, tenderiam a compreender os diversos aspectos do município como um todo. Os Planos Diretores muitas vezes são avaliados como mal sucedidos, e têm recebido duras críticas por quererem versar sobre tudo e não conseguirem 38

As visões a respeito de tais tipos de planejamento podem ser verificadas respectivamente em: Maricato (2001), Faranak (2009) e Randolph (2008).

80

implementar nada. Entretanto, tais críticas precisam ser relativizadas, pois os Planos Diretores, mal ou bem, podem servir para refrear determinados interesses econômicos que não estejam em consonância com o que foi acordado no Plano 39. Isto reforça a importância da participação da sociedade (em termos não só quantitativos, mas, sobretudo, qualitativos) no processo de elaboração da Lei. Como os planos diretores geralmente são muito mais reguladores do que propositivos, tornou-se prática, pelo menos aqui no Brasil, a inserção de instrumentos que permitam que o governo local possa assumir a dianteira em alguns projetos. Durante as décadas de 1970 e 1980, os Planos foram criticados por seu caráter tecnocrático, por contar com pouca ou nenhuma participação popular, se resumir ao zoneamento e por não alterar as relações fundiárias (em especial, MARICATO, 2001). A partir dessas críticas, aparecem alguns instrumentos que, ao menos na teoria, permitiriam uma reorientação dos rumos do planejamento e representariam novos meios para a intervenção pública na reprodução do espaço urbano e para a gestão social das rendas fundiárias. Dentre os instrumentos mais discutidos no Brasil, podemos citar a outorga onerosa do direito de construir, as operações urbanas consorciadas e o IPTU progressivo no tempo, sancionados em 2001 no Estatuto da Cidade40. Nesses mais de 20 anos em que a outorga onerosa e o IPTU progressivo no tempo vêm merecendo tentativas de implantação, o que se observou foi que sua regulamentação tem sido geralmente frágil, o que dificulta sua implementação de acordo com os princípios que orientaram, ao menos inicialmente, sua proposição (SMOLKA; FURTADO, 2001). Apesar de poderem ser “auto-aplicáveis” (SANTOS JR.; MONTANDON, 2011), a informação da possibilidade de auto-aplicabilidade dos instrumentos geralmente não considera as condições políticas – muito mais do que as técnicas – dos municípios brasileiros. Alguns autores, como Smolka e Furtado (2001) argumentam que a resistência é mais ideológica do que lógica e apontam, dentre outras razões para a debilidade na implementação, a falta vontade política ou 39

Não é à toa que setores da sociedade privada (sobretudo do setor imobiliário) tendem a pressionar o poder público municipal na tentativa de alteração do Plano Diretor sempre que este se mostra restritivo demais. Um caso recente na história do Espírito Santo se deu na gestão do então prefeito de Vila Velha, Neucimar Fraga, em que a Câmara Municipal aprovou tantas emendas no Projeto de Lei original que o Ministério Público revogou o Plano Diretor aprovado pela Câmara e sancionado pelo Prefeito. 40 O Estatuto da Cidade é uma Lei Federal (Lei 10.257) aprovada em 2001 que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, os quais compõem o capítulo da política urbana na Constituição do Brasil.

81

as objeções de agentes do próprio mercado imobiliário e dos proprietários fundiários. Em alguns lugares do país os instrumentos têm sido utilizados justamente para favorecer determinados grupos e interesses em detrimento de uma coletividade maior, servindo na prática para propósitos opostos aos inicialmente previstos (OLIVEIRA; BIASOTTO, 2011). Alguns instrumentos têm sido utilizados, por exemplo, para recolocar o solo no circuito do capital, para retomada de prédios abandonados que tenham sido ocupados por populações de baixa renda, como no caso da regulamentação do IPTU progressivo em Curitiba (FARIA, 2013). Por outro lado, os instrumentos de regularização fundiária do Estatuto da Cidade e a implantação de zonas especiais de interesse social têm sido encarados como um dos principais avanços recentes, posto que conseguem, minimamente, permitir acesso legal à terra a uma população historicamente privada disso.

3.3 A produção do espaço urbano e o crescimento das cidades

Outra questão que interessa investigar em relação à produção do espaço urbano diz respeito ao crescimento das cidades. Aspecto que tem sido em maior ou menor grau entendido como um processo natural pelo qual as cidades dos países periféricos têm de passar, o crescimento urbano é, ao contrário, produto de intencionalidades. É sabido que Marx não dedicou, em O Capital, muitas páginas à análise das transformações que o capital pode (ou mesmo tende a) realizar no espaço. Sua preocupação foi sempre maior, como nota Harvey (2013), com as questões temporais e históricas. Mas alguns pensadores – dentre os quais, o próprio Harvey – se dedicaram a essa tarefa. Em Urban Fortunes: The political economy of place, Logan e Molotch (1987) discutem formas através das quais determinados agentes conseguem retirar verdadeiras fortunas a partir de operações que envolvem o espaço urbano. Para os autores, o mercado de terras e o imobiliário ordenam fenômenos urbanos e determinam qual tipo de vida uma cidade pode assumir. Para eles, a substância dos fenômenos urbanos pode ser encontrada nas operações reais de mercado. Acreditam que os preços das propriedades fundiárias urbanas são fixados pela busca de determinados agentes por valores de uso e por valores de troca. Esta

82

mesma busca seria responsável por determinar os usos do solo e a distribuição de fortunas (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 17). Esta análise remonta a Henri Lefebvre, em seu livro “O Direito à Cidade” (1969), no qual analisa a busca por valores de uso e de troca dentro da sociedade urbana. Para o autor, a própria cidade é tanto um produto (portanto, valor de troca) quanto uma obra (valor de uso). Embora advertisse: A cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do uso (LEFEBVRE, 1969, p. 12).

O valor de uso indica a “utilidade de algum objeto particular”, enquanto o valor de troca indica o “poder de compra de outros bens que a posse daquele objeto transmite” (SMITH, apud HARVEY, 1980, p. 131). Portanto, chegaremos à conclusão de que o espaço urbano (a cidade) é atravessado por uma multiplicidade de agentes e interesses variados, os quais terão relações diferentes com esse espaço (às vezes como valor de uso, às vezes como valor de troca, por exemplo). Ter esse último aspecto em mente ajuda a entender que o espaço urbano é produto de negociações e embates entre os que o utilizam pelo seu valor de uso (moradores e comerciantes varejistas, por exemplo) e os que o utilizam pelo seu valor de troca (como os proprietários de terra, em muitos casos). Ajuda também a desmistificar a ideia de reificação da cidade, de uma cidade unificada em seu interesse, em sua vocação. Obviamente, atores e agentes podem assumir mais de um papel, o que torna o entendimento desse processo ainda mais nebuloso. Se, de acordo com Marx, toda mercadoria deve possuir valor de uso e valor de troca, os pensadores marxistas entendem que o lugar, dentro da sociedade capitalista, é uma mercadoria. Contudo, uma mercadoria especial. Para Logan e Molotch, por exemplo, o lugar é indispensável: toda atividade humana precisa ocorrer em algum lugar. Tal abordagem será encontrada também em David Harvey (1980), que demonstra de que forma o lugar (o solo) possui, mesmo quando adentra o mercado, características especiais. Antes de prosseguir, um alerta: para Marx, a terra não era mercadoria, já que ela não seria fruto de trabalho socialmente produzido; apenas as vantagens que a localização lhe dá. Já o solo urbano, bem como as benfeitorias que abriga, é fruto do trabalho socialmente produzido e,

83

portanto, é mercadoria (a qual, segundo Lefebvre, pode ser observada simultaneamente tanto como obra quanto como produto). Entretanto, o solo urbano, assim como suas benfeitorias, deve ser encarado como uma forma especial de mercadoria. O solo urbano e suas benfeitorias diferem das demais mercadorias por uma série de fatores: 1. não podem deslocar-se livremente (ou seja, têm localização fixa); 2. são mercadorias indispensáveis (como já haviam afirmado Logan e Molotch); 3. são mercadorias que mudam de mão com pouca frequência; 4. têm grande durabilidade, o que permite acumular riqueza e não depende de ser mantido em ordem para continuar com seu potencial de uso; 5. a troca/venda ocorre num momento específico, mas seu uso se estende por um longo período de tempo (por tudo isso, são bens relativamente caros, e “são obtidos com grande desembolso num momento de tempo”); 6. têm diferentes e numerosos usos, que não se excluem entre si41. É, portanto, um bem que permite diferentes tipos de uso e apropriações em relação a ele e que incide diretamente sobre a forma como se organiza a vida do indivíduo/usuário. Os diversos autores abordados até o momento parecem concordar que a cidade possui espaços diferenciados, ou seja, não é vista como algo homogêneo. Esta afirmação questiona a reificação da cidade e a ideia de que cada cidade tem uma vocação específica. É preciso entendê-la como resultado da ação de grupos com interesses particulares, que podem ter o poder e os meios para convencer e naturalizar sua necessidade como necessidade/vontade de todos. Se a cidade (e as coisas materiais que abriga) possui valor de troca para uns e valor de uso para outros (ou mesmo os dois, simultaneamente), e possui, ainda, espaços diferentes (heterogeneidade), é possível entender que haja grupos de pessoas (agentes) que entendem os diversos espaços da cidade de maneiras diferentes (e, muitas vezes, conflituosas). Neste contexto, o Estado é um agente especial que, por um lado, precisa garantir a reprodução do capitalismo (que implica em sua própria reprodução) e, por outro, precisa se legitimar. O que interessa aqui é justamente mostrar que é muito arriscado abraçar uma teoria universal do uso do solo, justamente por conta da diversidade de atores e vontades. 41

É importante ter em mente que a financeirização alterou algumas dessas características. O tempo de retorno de um investimento imobiliário, por exemplo, hoje pode ser menor do que antigamente, por conta dos instrumentos financeiros que passaram a fazer parte desse tipo de operação. Da mesma maneira, a forma de acesso ao bem imóvel e a frequência com que muda de mãos precisam ser relativizadas hoje em dia. Para mais informações, ver FIX, Mariana. Financeirização e Transformações Recentes no Circuito Imobiliário no Brasil. Campinas, 2011.

84

Nas palavras de Logan e Molotch (1987), o uso de um lugar em particular (como uma casa, por exemplo) cria e sustenta o acesso a valores de uso adicionais (sua vizinhança e seus vizinhos, a distância até o trabalho ou a escola e a determinados serviços essenciais, como o supermercado). As formas pelas quais se usa determinado espaço determinam, segundo os autores, a forma como outros elementos, incluindo outras mercadorias, serão utilizados. Daí que o preço pago pela moradia (comprada ou alugada) não diz respeito apenas a quanto a casa vale enquanto objeto físico construído a partir de uma série de materiais, mas, sobretudo, às suas relações locacionais, que são, como já foi ilustrado, sempre únicas para cada lugar específico. Cada lugar possui uma posição política ou econômica especial em relação a outros lugares que afetam a qualidade de vida e as oportunidades disponíveis para aqueles que vivem dentro de seus limites. Um bairro rico pode proteger o estilo de vida de seus moradores de ameaças externas (plantas de esgoto, habitação pública) de uma maneira que transcende os recursos pessoais, mesmo aqueles normalmente associados com os ricos. A comunidade, em si mesma, pode ser uma força local. (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 19)

É, portanto, uma questão relacional: um bairro “vale” mais ou menos do que outro por estar mais próximo ou mais distante de determinadas externalidades, as quais podem ser positivas (proximidade do local de trabalho ou de compras) ou negativas (proximidade a um aterro sanitário). Assim, deve-se considerar a estratificação hierárquica dos lugares ao lado da estratificação social dos indivíduos, quando se pretende entender a distribuição das “oportunidades de vida” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 20). Os autores admitem que os moradores são os principais tipos de usuários que utilizam o lugar a partir de seu valor de uso, mas não são os únicos. “Comerciantes varejistas, por exemplo, também dependem de um contexto geográfico específico e desenvolvem conexões duradouras com um determinado local” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 20). Em determinados períodos, os próprios capitalistas podem se beneficiar mais do valor de uso de um lugar do que do lugar enquanto valor de troca. Os autores citam o exemplo de empresas que acabam tendo nas suas propriedades imobiliárias o seu maior patrimônio. Há, porém, aqueles que, como Logan e Molotch adiantaram, enxergam o valor de troca de determinado lugar como seu principal atributo. Os que alugam ou

85

estão vendendo sua propriedade imobiliária ou fundiária, corretores de imóveis, credores hipotecários, advogados imobiliários, empresas de título e assim por diante. Mesmo nesses casos, é necessário entender que o lugar como “mercadoria” também difere das outras mercadorias: todos os lugares consistem, pelo menos em parte, em terra, e os que fornecem tal mercadoria não podem simplesmente “produzir espaço” no sentido usual do termo (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 23). A rigor, há uma quantidade fixada de terra disponível no mercado. É importante ter em mente que os diversos agentes, tendo cada qual o seu interesse específico num determinado lugar, tendem a agir de maneira diferente em relação às transformações pelas quais o espaço passa ao longo do tempo. Já foi abordada anteriormente a capacidade de transformação do espaço que o capital possui na sociedade capitalista, portanto o assunto não será aprofundado aqui. Entretanto, cabe ressaltar o caráter de iminente conflito quando se trata de intervenções no espaço, e o fato de que aqueles que têm maior poder de escolha (mais possibilidades) estão em vantagem em relação aos que não têm opção. Necessário reforçar também que os próprios grupos de agentes não serão homogêneos (pode haver dissenso entre os diversos moradores de um lugar em relação a determinado projeto, por exemplo), bem como pode haver agentes que assumam mais de um papel dentro dessa disputa. Como já foi visto, cada porção de terra (lote, gleba e assim por diante) é única e possui um único dono ou grupo de donos (uma família ou uma empresa, por exemplo). Isso confere um caráter monopolista no acesso a esta porção de terra. Cada uma dessas porções terá, também, uma relação específica com outros lugares (lugares esses onde são produzidas ou trocadas outras mercadorias ou fornecidos determinados serviços). Portanto, cada porção terá uma vantagem ou desvantagem em relação às demais porções por estarem mais próximas ou mais distantes de determinadas externalidades. A renda que um proprietário ou empresário pode extrair de uma determinada porção de terra varia, portanto, de acordo com a vantagem locacional “diferencial” de um local em detrimento de outro. “Na linguagem dos economistas, cada propriedade utiliza o „transbordamento‟ para outras parcelas e, como uma parte desses „efeitos de externalidades‟, determina crucialmente o que cada propriedade será” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 24).

86

Cada parcela de terra é única no acesso idiossincrático que proporciona a outras parcelas e usos, e essa qualidade ressalta a excepcionalidade da propriedade como uma mercadoria. [...] o proprietário de uma parcela particular controla todo o acesso a ela e seu conjunto de relações espaciais. [...] O preço das propriedades sobe e desce, mas menos por conta do que os empresários fazem com seus próprios terrenos do que por causa de mudanças nas relações entre propriedades. (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 23/24; grifo nosso).

A durabilidade de um bem imóvel ou fundiário também é uma característica a ser notada. Isso implica que podem possuir “infinitas vidas”, alertando também para o fato de que são, geralmente, mercadorias “de segunda mão”. Entretanto, o fato de possuírem uma sucessão de proprietários não desvaloriza este tipo de mercadoria; pelo contrário: investimentos sucessivos podem mesmo valorizar determinado bem. Entretanto, ressalte-se que quanto mais elevados os níveis de investimento num lugar, mais os preços de toda a estrutura (preço da terra e o aluguel dos imóveis existentes) são empurrados para cima. Portanto, o valor de um aluguel, por exemplo, não é determinado apenas pelo balanço entre a oferta e a demanda, ou o preço de uma propriedade rural pelas melhorias que o antigo proprietário realizou; “o preço é impulsionado pela oferta competitiva de um recurso fixo por investidores que assumem que o preço futuro será maior do que o atual. Essa é a essência da especulação” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 26/27). Entretanto, apesar de seu caráter especulativo, os investidores tendem a levar em consideração uma série de fatores concretos que podem interferir no investimento feito. As atividades governamentais, por exemplo, são um bom parâmetro. A compra de um terreno em área alagadiça quando se sabe da intenção do poder público em realizar uma obra de drenagem pode ampliar bastante os lucros desse investimento. “O mais interessante é que, para que isso aconteça, não importa o quão duro o proprietário trabalhou ou não em sua propriedade; não importa sequer o que é produzido ou não” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 27). Portanto, a atividade do governo possui a capacidade de distribuir e redistribuir rendas entre proprietários e empreendedores locais. Como visto anteriormente, Logan e Molotch identificaram três tipos de empreendedores locais contemporâneos, cada um com relações sociais diferentes quanto ao lugar-mercadoria [place commodity] e cada um gerando tipos diferentes de renda. São os empresários acidentais, os empresários ativos e os especuladores estruturais. Estas três formas de gerar ganho material do lugar refletem diferentes

87

graus de intencionalidade e de controle institucional, e uma série de consequências sociais. Os empresários acidentais adquirem terra, mas ignoram seu uso eventual e mesmo o papel representado pelas autoridades governamentais. A renda que pode extrair de sua propriedade pode advir, por exemplo, de uma lei que alterou o perímetro urbano, englobando sua propriedade, a qual passa a ter um preço muito maior. Pode também ser o caso de alguém que herda uma determinada porção de terra ou um bem imóvel. Os empresários acidentais, portanto, não fizeram qualquer esforço para ter sua renda aumentada; apenas aconteceu. Os empresários ativos situar-se-iam num meio-termo entre os empresários acidentais e os especuladores estruturais. O grupo é formado por aqueles indivíduos que possuem certo tino para perceber “o lugar certo para se estar no futuro”. Podem, inclusive, prestar consultoria, descobrindo o “lugar certo” para outras pessoas ou empresas estarem no futuro. Esses empresários procuram monitorar outros investimentos, usando uma boa rede de relacionamentos (ou mesmo pesquisas sobre a realidade econômica dos lugares), para poder saber quem está indo fazer o que e onde. Sua atividade básica se resume em especular sobre o futuro de determinados lugares. Trata-se, portanto, de uma atividade essencialmente especulativa, baseada na previsão das tendências de desenvolvimento. Os empresários ativos procuram renda por meio do ganho de controle sobre os locais que possam se tornar mais estratégicos ao longo do tempo. Eles se esforçam para capturar rendas diferenciais por colocarem-se no caminho do processo de desenvolvimento. Já o especulador estrutural possui um campo de operação muito mais amplo, e possuem uma visão mais ampla tanto do papel do governo quanto das operações que podem lhes transferir um lucro maior. Não se contentam em esperar que o mercado siga determinado curso previsto, como os empresários ativos, mas agem efetivamente para mudar as relações de um lugar específico. Especuladores estruturais criam situações, interferem no futuro, procuram alterar as condições que estruturam o mercado. Podem, por exemplo, pressionar o governo local para alterar a rota de uma via ou encorajar o poder público a executar determinado plano ou projeto que lhe beneficie. Fica óbvio que um bom acesso à administração local é imprescindível. Podem criar rendas diferenciais e mesmo rendas de monopólio, mas, dado o “extraordinário impacto nos preços” que as ações do governo pressupõem,

88

os especuladores estruturais buscam, sobretudo, rendas redistributivas (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 31)42. Finalmente, também existe uma série de tipos de renda solicitadas. O especulador estrutural ambiciosamente se esforça pelas rendas de monopólio e redistributivas, não apenas pelas rendas que são acidentais ou diferenciais. Precisamente por que entendem a natureza social dos preços de propriedade, os empreendedores sofisticados estão dirigindo as manipulações organizacionais que irão impulsionar seus retornos. Cada tipo de empresário ativamente tende a afetar diferentes tipos de vizinhos e a envolver distintos tipos de esforços organizacionais (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 29).

Para Logan e Molotch, os empreendedores estruturais são os mais relevantes dos três tipos de empresários citados quando se trata de transformações no espaço urbano. São eles os que se encontram em “uma busca incessante, mesmo em lugares já bem sucedidos, por mais e mais” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 32). Para obter o sucesso desejado, os empreendedores estruturais tendem a estabelecer alianças com pessoas que compartilhem de seus interesses. Podem tanto estabelecer essas alianças com outros empreendedores estruturais da mesma quadra, cidade ou região, dependendo da escala, quanto com outros grupos, tais como políticos, empresários e pessoas de negócios. Podem ter várias alianças diferentes para defender interesses variados em ações variadas. Tais coalizões de interesse tornam-se unidades de cooperação, mesmo que seus membros tenham interesses diferentes em outros campos de atuação. A essas “associações de engrenagem pró-crescimento” Molotch (1976) denomina “máquina de crescimento”. Os entusiastas da máquina de crescimento tendem a se unir em oposição a qualquer intervenção que possa regular as formas que estabeleceram para extrair renda de determinado lugar. Encontram-se unidos em torno da noção de que o mercado deva determinar o uso da terra. Ainda que possa haver disputas internas para decidir como essa renda será distribuída, “todo empreendedor local e suas máquinas de crescimento associadas, independentemente da localização geográfica ou social, facilmente concorda com a questão do crescimento em si” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 32).

42

No próximo capítulo, será feita uma tentativa de enquadramento do perfil da parte do empresariado de Cariacica que se envolveu na elaboração do Plano dos Empresários (especificamente, os ligados à Associação Empresarial de Cariacica) de acordo com os tipos apresentados por Logan e Molotch.

89

O discurso dos entusiastas afirma que o crescimento é sempre positivo, e que deve ser sempre buscado. Os benefícios que porventura apareçam são divulgados como um bem coletivo, mesmo quando são apropriados apenas por interesses privados e individuais. O crescimento na atividade econômica é sempre difundido como sendo capaz de ajudar a toda uma localidade, posto que traz empregos, expande as bases tributárias e paga pelos serviços urbanos. O governo municipal é, portanto, considerado sensato quando faz o que está a seu alcance para atrair investidores. A classe dos rentistas, apresentada por Logan e Molotch no texto, torna-se importantíssima em termos ideológicos, atuando como mediadores entre a elite corporativa e os cidadãos locais. “Os rentistas não apenas cumprem uma „função ideológica e legitimadora‟ da propriedade privada em geral (HARVEY, 1982: 360), mas também coordenam as necessidades das elites corporativas com o comportamento do governo local e grupos de cidadãos” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 33/34). Logan e Molotch dedicam boa parte de seu estudo para provar que esse discurso não necessariamente se verifica na prática. Mesmo quando ajuda nas condições fiscais da cidade, as consequências em longo prazo do crescimento podem ser negativas, o que os autores chamam de “efeitos regressivos do desenvolvimento”. Além disso, projetos de desenvolvimento tendem a alterar a escala dos lugares e, consequentemente, as relações espaciais entre os diversos locais da cidade, afetando diretamente as oportunidades de vida. Em outras palavras, as atividades humanas geram custos e benefícios, alguns dos quais são suportados por aqueles que os criam (eles são “internalizados”) e alguns dos quais não são (estes são “externalizados”). As pessoas que compartilham o controle dos lugares tentam capturar o crescimento. Eles se unem em intuito de trocar os custos internos das atividades para outras áreas ou para outros [personagens] em sua própria área, e para capturar os benefícios de suas atividades, particularmente rendas, para eles mesmos. Esse comportamento, quando replicado através do país, envolve tirar partido de praticamente toda instituição ou sistema político, econômico e cultural. Atores de todas essas esferas participam de uma complexa “ecologia de jogos” (LONG, 1958) sustentada pela luta das elites de crescimento por fortunas privadas através do processo de desenvolvimento (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 34).

De acordo com o que é relatado pelos autores, pode-se prever duas formas de conflito urbano: uma diz respeito à luta entre valor de uso e valor de troca; a outra

90

à batalha externa das elites locais contra a outra – a batalha entre máquinas de crescimento. Acrescentam que, para eles, esta disputa acontece em todos os níveis geopolíticos. Às vezes, arenas e unidades de concorrência correspondem a entidades governamentais formais, como cidades, estados e nações. Em outras instâncias, as entidades são mais informais, como regiões nacionais e mesmo associações voluntárias. As instituições governamentais possuem papel de destaque, pois podem assumir tanto um papel mais ativo em relação ao crescimento (quando, por exemplo, a elite mobiliza o governo local a perseguir os objetivos do crescimento) quanto um papel mediador entre agentes que enxergam o território de maneiras diferentes (valores de uso e valores de troca). Quando a reivindicação em nome dos valores de uso ameaça minar o crescimento, o governo pode ainda invocar seu poder de polícia ou contribuir com melhorias, como a construção de casas para os desalojados por determinado projeto. Pode ainda atuar na mediação entre interesses conflitantes dentro da própria máquina de crescimento, assegurando a cooperação dos envolvidos. Além disso tudo, quando um arranjo pró-crescimento recebe apoio de um governo local, a impressão de que os ganhos serão coletivizados aumenta, dando a “aparência de uma campanha cívica travada em nome de uma entidade legal e seus cidadãos, e não de uma conspiração de interesses escusos” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 36). Nós argumentamos, por exemplo, que o maior movimento de reforma deste século, o qual trouxe para nós inovações como os subúrbios das cidades e o ordenamento profissional do uso do solo, deve sua existência mais a empreendedores à procura de retornos mais altos de seus investimentos do que aos moradores tentando construir uma vida melhor. De fato, este é o verdadeiro caminho para os limites da cidade que foram esculpidas do interior, assim como para as funções administrativas e funções do uso do solo dadas à cidade. A criação legal e a regulação de lugares têm estado primeiramente sob a dominação daqueles que procuram por ganhos de valor de troca, embora, por vezes, em face de contrademandas de valor de uso. (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 37)

Se existem os que buscam o lugar pelo seu valor de uso (os moradores, por exemplo) e os que buscam o lugar por seu valor de troca (especuladores estruturais e empresários ativos, nos termos de Logan e Molotch), e se estes últimos tendem a se unir (ainda que em algumas situações possam brigar entre si) numa coalizão prócrescimento, é possível entender que os autores estejam certos ao afirmar que a competição pelo crescimento habitualmente não trabalha a favor dos moradores

91

(LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 37). Também é possível admitir que os moradores frequentemente utilizem suas próprias organizações para manter os locais em que vivem. Segundo os autores, é esta necessidade que impulsiona os moradores a se organizarem em organizações comunitárias e outras “associações que têm o lugar relacionado a valores de uso como pelo menos uma de suas preocupações centrais” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 37). Tais organizações estariam em frequente confronto com forças que se esforçam pela obtenção de rendas cada vez maiores, o que resultaria no conflito urbano43. O sucesso ou o fracasso dos empresários em sua competição por renda com outros locais às vezes depende de sua habilidade de colocar uma grande variedade de unidades comunitárias por trás deles. Da mesma forma, a sobrevivência e prosperidade das organizações de bairro podem requerer deles que se juntem a pelo menos alguns de seus potenciais adversários empresariais (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 39).

Do ponto de vista da economia, sabe-se que alguns investimentos são mais móveis do que outros. Dinheiro, ações e outras formas de financiamento podem ser transferidos quase que imediatamente de um lugar para o outro. Especialmente dentro de um sistema econômico completamente integrado mundialmente, o capital pode escolher migrar para uma cidade, estado ou país de acordo com a necessidade do momento. Os autores reforçam que tais mudanças geográficas são o que determina quais cidades irão crescer e quais irão entrar em declínio, quais grupos sociais (entre trabalhadores, cidadãos, proprietários de terra etc.) serão mais ou menos beneficiados ou prejudicados, quem poderá migrar junto com o fluxo do capital e quem permanecerá. Já os investimentos em propriedade fundiária, em bem imóveis e equipamentos são bem menos móveis44. Por isso, os rentistas locais são os que possuem a mais limitada mobilidade de todos os empreendedores. Além dos rentistas, os trabalhadores tendem a assumir a liderança na luta por permanência em um lugar. Isto porque o valor de uso de uma residência – extremamente 43

Embora os autores alertem para o fato de que as organizações comunitárias podem ser movidas por sentimentos um tanto perversos: moradores de certo bairro podem se organizar a fim de evitar que moradores de determinada etnia ou padrão social tenham acesso a ele, por exemplo. Por outro lado, Mike Davis, em Cidade de Quartzo (2009), apresenta uma realidade em que, em determinado período da história de Los Angeles, as classes média e alta foram justamente as que se opuseram à ideologia do crescimento naquele lugar. 44 Afirmação que, mais uma vez, precisa ser relativizada quando consideramos as possibilidades da financeirização.

92

importante para o sentimento de pertencimento – está unicamente ligado a um cenário particular. Os autores reforçam que, embora algumas mudanças sejam bemvindas nas chances de vida, a maior parte delas resulta em sofrimento, geralmente causados por desmatamento, despejo ou aumentos excessivos no aluguel (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 40). Ao provarem que o trabalhador nem sempre está apto para escolher livremente os lugares com as melhores ofertas de emprego, Logan e Molotch contradizem a teoria neoclássica de Charles Tiebout (1956), segundo a qual os lugares (bairros, cidades, municípios) estabeleceriam “pacotes de custos e benefícios” através dos quais os consumidores (moradores, trabalhadores, empresários) poderiam fazer suas escolhas livremente. De acordo com essa teoria, o resultado seria uma “feliz colocação de cada um de acordo com seu próprio gosto” e vontade (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 41). Para os autores, a única “coisa” que parece seguir esse modelo de livre escolha é o capital. Portanto, assumir esta ação autônoma e livre por parte dos moradores implica em negar, por exemplo, as ligações das pessoas com os lugares que utiliza. Além disso (e, segundo os autores, ainda mais importante), as pessoas tendem a residir onde podem obter emprego, o que torna a oferta de empregos de uma região muito mais importante do que as preferências pessoais. E, de acordo com os autores, a “dinâmica da máquina de crescimento é parte crucial do processo que empurra as pessoas de uma localização para outra, de uma cidade para outra” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 42). A maioria das pessoas generaliza a partir do encontro microeconômico do comprador e do vendedor chegando a um acordo com o sistema de mercado mais amplo. Elas separam a micro-troca [microexchange] das organizações sociais que permeiam cada ato econômico. [...] Essa falta de entendimento do mercado leva a uma permanente assimetria ideológica entre aqueles que lutam entre uso e troca, com aqueles que perseguem a troca levando vantagem (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 47/48).

Ao ser entendido como um produto social e coletivamente construído, os lugares precisam ser definidos tanto por configuração topográfica e composição física quanto por sua posição em uma cadeia organizacional particular – política, econômica, cultural. Para os autores, os atributos do lugar devem muito mais à ação social do que às suas qualidades inerentes. A realidade de um lugar está, portanto, sempre em aberto, e será construída “a partir da ação política, com o termo política

93

englobando tanto esforços individuais quanto coletivos, através tanto de associações informais e instituições governamentais quanto da economia” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 48). Como foi dito anteriormente, Logan e Molotch dedicam boa parte do texto a mostrar que os benefícios provocados pelo crescimento (mais oportunidades de emprego, incremento na renda do município, a partir de impostos, mais oportunidades de consumo etc.), difundidos como um “bem coletivo” de uma comunidade, não necessariamente encontram rebatimento na realidade. Algumas dessas afirmações são verdadeiras, mas apenas para algumas épocas e lugares específicos. As vantagens e desvantagens do crescimento de determinado lugar dependem sempre de circunstâncias locais e não podem, por isso, serem generalizadas como inerentemente alinhadas “com os interesses da comunidade como um todo” (PETERSON, 1981, apud LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 85). Em relação ao fortalecimento da base tributária local, por exemplo, os autores mostram que isso depende do tipo de crescimento envolvido (industrial versus residencial, e os subtipos de cada um) e das capacidades existentes da infraestrutura local. No caso do crescimento industrial, por exemplo, depende se o governo isentou de impostos determinadas empresas por um determinado período de tempo para se instalarem em determinado local. Além disso, o caráter especulativo de determinadas operações podem colocar em risco a saúde fiscal de um município. Se a administração emprega uma quantidade relevante de recursos em obras de infraestrutura para atrair determinado tipo de empresa ou mesmo uma quantidade específica de moradores e o previsto não se cumpre, o prejuízo pode ser devastador. Sobre o emprego, ou melhor, sobre o discurso de que o crescimento “cria empregos”, os autores reforçam o fato de que o crescimento em si não possui a capacidade de produzir empregos, mas tão somente de distribuir os existentes; o máximo que pode fazer é deslocar determinados postos de trabalho de um lugar para o outro. Quando uma área se encontra sob um surto de crescimento acelerado, a mídia tende a desempenhar o papel de divulgação das vantagens daquele lugar em relação a outros, sobretudo em relação aos postos de trabalho. O que acontece, segundo os autores, é que os trabalhadores de outras áreas são atraídos para preencher as vagas em desenvolvimento. Entretanto, no global, é mantida a mesma taxa de desemprego que se tinha antes do surto de crescimento. E o pior: o número

94

de postos de trabalho gerado, normalmente, fica abaixo do número de trabalhadores atraídos pelo surto de crescimento, aumentando a taxa de desemprego tão logo o “boom” chega ao seu fim inevitável. Em qualquer ano dado, os Estados Unidos verão a construção de um certo número de novas fábricas, unidades de escritório e rodovias – independentemente de onde eles são colocados. Semelhantemente, um dado número de automóveis, mísseis e abajures será fabricado nesse país, independentemente de onde sejam manufaturados. O número de empregos nesta sociedade, quer seja no mercado da construção ou em qualquer outro setor da economia, será, portanto, determinado por taxas de retorno sobre os investimentos, política comercial nacional, decisões federais que afetam a oferta de moeda e outros fatores não relacionados à tomada de decisão local (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 89).

Outra questão interessante é a de que os postos de trabalho que porventura forem criados em determinado local podem não servir para diminuir a taxa de desemprego desse local. Isto porque, de acordo com as pesquisas realizadas pelos autores, é bastante comum que os empregos “criados” sejam ocupados por trabalhadores de outras regiões, mantendo os desempregados locais na mesma situação que tinham antes do surto de crescimento. Ou seja, o crescimento local pode ser apenas uma questão de fazer os ricos locais ainda mais ricos, ou então de mover os já privilegiados em seus trabalhos de uma parte do país para outra parte do país. Em relação ao discurso de que os maiores lugares pagariam os melhores salários, Logan e Molotch apresentam estudos em que não conseguiram estabelecer uma relação direta entre essas duas variáveis. Aqui também o tipo de crescimento influencia muito no resultado salarial. E, mesmo nos casos em que se verifica um aumento nos salários, verifica-se também um aumento do custo de vida, de maneira que a vantagem salarial acaba se tornando nula. Por outro lado, os aspectos negativos de um crescimento acelerado de um lugar tendem a ser ignorados pelos entusiastas do crescimento. Logan e Molotch acreditam, por exemplo, que o tamanho e a taxa de crescimento de um lugar tenham alguma relação com a criação e exacerbação de problemas urbanos, como a segregação e a desigualdade. Os autores não afirmam que o crescimento seja a causa exclusiva dos problemas citados, mas acreditam que, quanto maior a escala, mais se torna difícil lidar com os problemas existentes. Em relação ao mercado imobiliário, por exemplo, um aumento na escala urbana significa um aumento na

95

demanda pelos mesmos lotes de terra, inflacionando os preços da terra em relação aos salários e outras fontes de riqueza. “O crescimento desproporcional aumenta o valor de parcelas estratégicas, gerando efeitos de monopólio para os seus proprietários. Assim, em termos de riqueza de aluguel [rental wealth], o crescimento urbano provavelmente aumenta a desigualdade” (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 95). Outra desvantagem promovida pelo crescimento diz respeito ao meio ambiente. Isto se mostra particularmente preocupante se forem analisadas as diferentes capacidades entre os mais ricos e os mais pobres de se mudarem de um lugar para o outro. O crescimento tem, obviamente, consequências negativas para o meio ambiente físico; o crescimento afeta a qualidade do ar e da água, e a facilidade de se locomover em um município ou cidade. O crescimento elimina espaços abertos e danifica as características estéticas de um terreno natural. Ele diminui a variedade ecológica com a consequente ameaça ao ecossistema maior. [...] Talvez em nenhum lugar os efeitos do declínio ambiental sejam apresentados de forma mais dramática do que nos locais com o crescimento mais rápido (LOGAN; MOLOTCH, 1987, p. 95/96).

Em resumo, de acordo com a pesquisa realizada pelos autores, as vantagens e os lucros originados a partir do crescimento de determinado lugar tende a, no lugar de ser coletivizado, se tornar apenas uma “transferência de riqueza e oportunidades de vida do público em geral para os grupos rentistas e seus associados”. Ao mesmo tempo, muitas das intervenções desejadas pelos ativistas do crescimento podem sacrificar o lugar enquanto valor de uso, prejudicando a maioria em favor de ganhos de poucos.

3.4 O processo de produção do espaço urbano da Grande Vitória e o planejamento urbano na região metropolitana e no município de Cariacica Impossível abordar o processo de urbanização do município de Cariacica sem contextualizá-lo dentro da dinâmica metropolitana da Grande Vitória, sobretudo no que diz respeito às transformações ocorridas no município de Vitória entre as décadas de 1960 e 1970. As formas de Planejamento Urbano na Grande Vitória parecem ter seguido o que acontecia pelo país, talvez apenas com algum atraso em termos cronológicos. O primeiro ponto a ser ressaltado é o fato de que o município econômica e politicamente mais importante do Estado do Espírito Santo foi sempre privilegiado

96

em detrimento dos demais (da mesma forma que a cidade do Rio de Janeiro polariza as intervenções no Estado do Rio de Janeiro desde muito cedo, e assim por diante). Desse modo, analisar as intervenções, os planos e projetos urbanos feitos para o município de Vitória significa analisar o que de mais relevante foi feito em termos de planejamento na Grande Vitória, pelo menos até a primeira metade do século XX. É neste contexto, que surgem no Brasil, os chamados planos de melhoramentos e de embelezamento urbano, que vão resultar principalmente em obras de saneamento e higienização, além da abertura de novas vias que favoreceriam a inserção de novos meios de transporte de então, como o bonde e, posteriormente, o automóvel. Frisa-se o caráter pontual dessas intervenções, que em sua maioria, ocorriam na área central das principais cidades daquele período. (PALHANO, 2010, p. 27 – grifo nosso)

Para a cidade de Vitória, a imagem de uma “cidade colonial portuguesa” estava justamente na contramão das tendências da época, com suas ruas estreitas, íngremes, tortuosas, não pavimentadas, sujas e mal iluminadas. Tudo isso “começava a incomodar os governantes locais” (KUSTER, apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 59), pois a forma que Vitória assumia estava associada a uma cidade e uma sociedade atrasadas – aspectos que precisavam ser modificados. Assim, teremos um primeiro projeto de expansão do núcleo urbano original proposto pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, em 1896, durante o governo de Muniz Freire (1892-1896). Saturnino era um dos principais nomes na época, e realizou estudos e planos também para as cidades portuárias de Santos e Recife. Uma ideia de “modernização” das cidades permeava os discursos quanto às intervenções, e o caráter sanitarista dessas intervenções era bastante forte. Para Saturnino, o Novo Arrabalde constituía-se "campo verdadeiro de expansão para uma vida muito diferente do viver acanhado que ofereceu a velha cidade" (IJSN, 1987, p. 29). Seu plano, portanto, estava direcionado a outra área da cidade, a qual só começou a ser ocupada efetivamente a partir da década de 196045. No Brasil, de modo geral,

45

Segundo Ramires e Gomes (2002, p. 102/103), embora o projeto de Saturnino de Brito date de fins do século XIX, a ocupação desta porção do território só é efetivada quando se dissemina a visão do Centro de Vitória como local que não comporta mais abrigar as atividades e a moradia da elite capixaba. O movimento se desloca primeiro para o bairro Praia do Canto (déc. de 1960) e, posteriormente, para o bairro Jardim da Penha (déc. de 1970).

97

O planejamento urbano promovido pelo Estado no período compreendido entre o último quarto do século XIX e as primeiras décadas do século XX, surge basicamente para atender aos interesses de uma diminuta elite dominante, que utilizando à sua maneira ideias vindas, principalmente, da Europa, propagava a necessidade de intervenções do Estado no espaço urbano sob a justificativa principal da contenção de doenças e sob um incipiente discurso de “modernização”. (SOUZA apud PALHANO, 2010, p. 27)

Em Vitória, ainda que o projeto de Saturnino para o Novo Arrabalde só viesse a ser implementado anos mais tarde, muitas intervenções em nome da “higiene” e da “modernização” foram executadas desde o começo do século XX. As obras de “melhoramentos urbanos” na região central de Vitória no início do século XX para o alargamento de ruas e avenidas, responsáveis por dezenas de desapropriações e demolições (PALHANO, 2010, p. 28), são exemplo disso. Hoje, o que se observa de maneira geral é que o discurso sanitarista acabou, mesmo que indiretamente, servindo aos interesses de uma elite ao mesmo tempo em que contribuiu para segregar a população mais pobre, afastando-a das áreas mais valorizadas. Por essa época, a base da economia do Estado do Espírito Santo era cafeeira, com os comerciantes do produto exercendo um papel de destaque. As intervenções realizadas durante os governos de Muniz Freire (sobretudo no mandato de 1900 a 1904) e de Jerônimo Monteiro (entre 1908 e 1912) dão mostras disso. Para Campos Jr. (apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 60), por exemplo, “A diretriz principal da administração Muniz Freire consistia em transformar Vitória numa grande praça comercial”. Já no governo de Jerônimo Monteiro, é elaborado o Plano de Melhoramentos e Embelezamento de Vitória, contendo a Planta Cadastral da Cidade, a qual propunha o alargamento da algumas vias, a abertura de novas e a criação/expansão de praças públicas. Além dessas ações, a cidade começa a ser equipada com água encanada, sistema de coleta de esgoto, bondes movidos a energia elétrica, executa-se a construção de novos prédios públicos – destacando o fato de que estas intervenções foram realizadas predominantemente no Centro de Vitória. (ZIPPINOTTI, 2014, p. 60)

O governo de Jerônimo Monteiro também ficou marcado pelas obras que estruturaram o Porto de Vitória, até então um aglomerado de “pequenos atracadores e cais com pouca infraestrutura de suporte para o embarque de mercadorias e pessoas” (MARTINS, 1993; GOMES 2012 apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 60). Além

98

disso, foi durante o seu governo que foram feitos alguns aterros na capital, o que proporcionou a criação de novas áreas para a construção. Merece destaque nessa questão o aterro da área do Campinho, onde hoje se localiza o Parque Moscoso, “um marco” no processo de “modernização” de Vitória (CAMPOS JR. apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 61). O aterro do Campinho, além de sanear uma área alagada e insalubre no Centro de Vitória, irá dotar a cidade com uma área que servirá, primeiramente, para a construção de residências destinada a trabalhadores (Vila Moscoso), depois, alguns anos mais tarde, nesta mesma área, será inaugurado o Parque Moscoso, o qual terá como desdobramento a valorização das áreas e construções em seu entorno, indicando assim, esta região como uma das áreas mais valorizadas de Vitória naquele momento, pois, a sua organização urbana e de suas construções arquitetônicas seriam uma espécie de contraponto à desorganização das construções e ruas localizadas na Cidade Alta. (MENDONÇA, 2000; SOUZA, 2006 apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 61/62)

As elites dominantes capixabas de então estavam ligadas diretamente à economia cafeeira, sendo que havia uma porção urbana desta elite, a qual estava ligada ao comércio do produto e residia no Centro da Cidade de Vitória (cf. MIRANDA apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 62). Portanto, as intervenções deste período reforçam o processo de modernização do Centro, confirmando o pensamento de que as intervenções do poder público deveriam atender, sobretudo, às demandas dessas elites dominantes. No governo de Nestor Gomes (1920-1924) é produzido o Plano de Melhoramentos da Capital, do qual participa Florentino Avidos, personagem que assume o governo no período imediatamente posterior (1924-1928). O governo de Florentino Avidos é um dos que se destaca neste início de século, já que sua administração visava tornar a cidade de Vitória “um local confortável para a vida urbana” (ZIPPINOTTI, 2014, p. 62). Segundo Gomes (apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 62/63), este plano tinha a ambição de resolver os problemas de habitação e transporte, fornecimento de água e energia elétrica, e tratamento de esgoto, já visando a “expansão da cidade em direção aos novos bairros que estavam em formação”. Dentre as primeiras ações realizadas por Florentino Avidos está o alargamento de determinadas ruas, além da drenagem e pavimentação destas, construção de praças, construção de escadarias visando ligar a “Cidade Baixa” com a “Cidade Alta” (MARTINS, 1993), a inauguração em

99

1926 da Praça Costa Pereira “que se transformou, juntamente com o Parque Moscoso, em uma área de intensa sociabilidade para os moradores não só no Centro, mas por toda a cidade de Vitória, na primeira metade do século XX”. (GOMES apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 63)

Avidos também dá continuidade às reformas no Porto de Vitória, além de promover a primeira ligação rodoviária entre os municípios de Vitória e Vila Velha. Esta ligação foi possível graças a uma doação da Alemanha de uma estrutura metálica que consistia de seis módulos. Cinco destes módulos foram suficientes para ligar os dois municípios, de forma que a ligação recebeu popularmente a alcunha de Cinco Pontes (embora o nome oficial seja Ponte Florentino Avidos). O sexto módulo foi utilizado para ligar a capital à Ilha do Príncipe. Depois dos aterros realizados no local durante a década de 1960, a estrutura hoje é conhecida como Ponte Seca. As intervenções viárias do governo Avidos também são relevantes, dentre as quais se destaca a construção da Avenida Capixaba46 (atual Avenida Jerônimo Monteiro), “um marco importante no processo de modernização da capital capixaba” (KUSTER, 2003; KLUG, 2009 apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 64). Isto porque a Avenida Capixaba passa a concentrar as principais casas de comércio de Vitória. Além de ter atraído o comércio mais sofisticado da região, a Avenida também passa a abrigar edifícios importantes, tais como a sede administrativa do Serviço de Melhoramentos de Vitória47 (em 1925), o prédio que abrigou o Grupo Escolar Gomes Cardim 48 (inaugurado em 1926), o Mercado da Capixaba (1926), e o Cinethearo Glória (finalizado somente em 1936). Além desses edifícios, no governo Avidos foram inaugurados o Mercado da Vila Rubim (de 1928), localizado numa porção mais ao sul do próprio Centro de Vitória, e o prédio do Archivo e Bibliotheca Publica (concluído em 1926), este localizado na Cidade Alta (GOMES apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 67). Outras intervenções executadas por Florentino Avidos correspondem a dois aterros realizados no Centro de Vitória. Assim, o primeiro aterro teve em 1924 o início de sua execução, localizando-se próximo ao Mercado da Vila 46

No início do século, a grafia oficial correta seria “Avenida Capichaba”. Entretanto, preferi utilizar a grafia atual, mesmo se tratando do nome de uma via do início do século. Isto serve para as demais vezes em que o termo aparece se referindo a nomes de lugares do passado. 47 O edifício atualmente abriga o Museu de Arte do Espírito Santo. 48 O edifício abrigou, entre 1948 e 1958, o Colégio Estadual. Posteriormente, até a década de 1990, abrigou a Faculdade de Filosofia do Espírito Santo (FAFI). Hoje, o prédio da FAFI abriga a Escola Técnica Municipal de Teatro, Dança e Música.

100

Rubim o qual possibilitou uma incorporação de cerca de quatro quarteirões de terra (CAMPOS, JR., 2002) utilizadas para a ampliação da área do Porto. Por sua vez, o segundo aterro teve início em 1927, localizado nas proximidades do Clube Saldanha da gama e “que possibilitou a abertura do traçado da futura Avenida Beira Mar, concretizada no governo de Jones dos Santos Neves (1951-1954)”. (GOMES apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 68)

Ainda em 1926 é aprovado o Código de Posturas do Município de Vitória, o qual indica o centro da cidade como local destinado a abrigar os edifícios mais altos. Segundo Zippinotti (2014), a década de 1930 não apresenta intervenções relevantes, e cita dois motivos: o primeiro é relativo à crise de 1929 que afetou a economia cafeeira, base produtiva do Estado; e o segundo está ligado à Era Vargas (que perdurou de 1930 a 1945), período em que Getúlio Vargas realiza transformações administrativas severas, inclusive nomeando interventores para governar cada um dos estados. O Espírito Santo deste período é governado quase exclusivamente pelo interventor federal João Punaro Bley (de 1930 a 1943). Segundo o autor, o governo de Bley não executa intervenções significativas. Ainda na Era Vargas, Jones dos Santos Neves é nomeado por Getúlio para assumir no lugar de Bley. O primeiro mandato de Neves dura até 1945, quando do fim da Era Vargas, mas o interventor ainda retornaria ao governo do Estado como representante eleito (entre 1951 e 1955). Neste meio tempo, contudo, o governador eleito é Carlos Fernando Monteiro de Lindenberg (de 1947 a 1951). “Devido a sua ligação com as elites agrárias do estado, as principais ações deste administrador [Lindenberg] serão destinadas a atender as reivindicações deste grupo social e político” (ZIPPINOTTI, 2014, p. 71). Mesmo assim, merece destaque nesse período a elaboração do Levantamento Cadastral e Plano de Urbanização da Cidade de Vitória, de autoria de Alfred Agache, em meados da década de 1940. “Este plano tinha o caráter de romper definitivamente com a feição atrasa da cidade de Vitória” (ALMEIDA apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 71). A nível nacional, o período que procede a década de 1920 reforça ainda mais o pensamento do planejamento enquanto atributo técnico e como instrumento do Estado. Palhano (2010, p. 29) afirma que o período entre 1930 e 1960 se configura como período de disseminação dos planos diretores pelo país, e que este está associado às ideias de “modernização da cidade” e de que o desenvolvimento urbano teria a pretensão de resolver os problemas urbanos, elaborando “planos de ordenamento espacial para a „cidade ideal‟” (SOUZA apud PALHANO, 2010, p. 29).

101

Assim, “a eficácia, a ciência e a técnica começam a substituir os conceitos de melhoramentos e embelezamento” (MARICATO apud PALHANO, 2010, p. 29). De acordo com esta visão, o planejamento urbano é reduzido, em maior ou menor grau, a um planejamento regulatório da organização espacial. Em outras palavras,

“chegou-nos

aqui

o

urbanismo

disciplinador,

normalizador,

regulamentador” (PECHMAN apud PALHANO, 2010, p. 32). Isto ajudou a conceber uma imagem do plano diretor em que se projeta uma imagem desejada para determinada localidade e que, se forem seguidas as normas estipuladas pelo plano, esta imagem será alcançada. De acordo com Villaça, os planos assim concebidos “vão se constituir, com o passar do tempo, cada vez mais em um discurso, pouco saindo do papel” (VILLAÇA apud PALHANO, 2010, p. 31). Outros autores, como Espinheira (apud PALHANO, 2010, p. 33), vão afirmar que a maior parte dos estudos feitos quando da elaboração dos planos diretores “é feita para justificar decisões previamente tomadas e para implementar programas que estejam na esfera de determinados interesses”. Portanto, não podemos perder de vista que as intervenções propostas nestes planos que digam respeito a determinadas partes da cidade, as quais contenham algum interesse privado subjacente, “em especial imobiliários, como a abertura de avenidas para novas áreas da cidade (que se expande horizontalmente) e instalação de infraestruturas pelo poder público que atendessem às áreas „interessantes‟ ao mercado”, correm sério risco de serem concretizadas (PALHANO, 2010, p. 31). Segundo o autor, uma série de estudos produzidos nos últimos 30 ou 40 anos informa que A falta deste planejamento “racional” foi, e é ainda hoje, o que segundo um discurso dominante, conduz(iu) ao famigerado “caos urbano” e ao crescimento “desordenado” do espaço urbano no Brasil. Este tipo de expectativa em relação ao planejamento urbano, que convencionalmente fora associado à figura do Estado, advém de um discurso que historicamente reforçou o planejamento como campo restrito aos “técnicos”. Estes seriam alçados ao patamar de “especialistas” responsáveis pela produção de planos que conduziriam a uma pretensa cidade ideal. (PALHANO, 2010, p. 25)

Rezende (1982) e Villaça (1999) (apud PALHANO, 2010, p. 30) apontam o Plano de Alfred Agache para o Rio de Janeiro, da década de 1930, como sendo o primeiro plano diretor produzido no Brasil. Apesar de abordar a cidade de uma perspectiva mais ampla, o Plano Agache dedicava uma atenção especial à área

102

central do Rio de Janeiro. Várias outras cidades também elaboraram seus planos diretores (em alguns lugares denominados de “planos de conjunto”): São Paulo (basicamente um projeto de reestruturação viária promovida pelo Plano de Avenidas Prestes Maia), Porto Alegre, Recife. Outros municípios vão aderindo ao plano diretor ao longo dos anos de 1950 e 1960. A cidade de Vitória, como visto, foi contemplada com um plano urbanístico elaborado por Agache em meados da década de 1940. Segundo Gomes (apud PALHANO, 2010, p. 31) esse plano “serviu de referência para parte das intervenções no início dos anos de 1950, como o aterro da Esplanada Capixaba, no centro da capital”. De volta ao governo do Espírito Santo em 1951, Jones dos Santos Neves “terá

como

plataforma

de

governo

as

questões

ligadas

à

urbanização”

(VASCONCELLOS apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 71). Uma das ações que reforçam esta afirmação é o aterro da Esplanada Capixaba, o qual adiciona uma área de aproximadamente 96.000m² ao Centro de Vitória. Tal intervenção proporcionou não somente a ampliação do Porto como também aumentou a área edificável nas proximidades do núcleo original da cidade, onde a demanda ainda era sensivelmente maior. Sua execução será realizada para atender a escassez de terras, nesta área da cidade, direcionadas a construção de novos edifícios e empreendimentos comerciais, criando, deste modo, uma zona comercial fundamental para a cidade de Vitória. (CAMPOS JR. apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 71)

Klug (apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 71) ressalta que o traçado proposto para a Esplanada estava disposto de forma a romper com a morfologia antiga da cidade, “reduzindo a visualização da baía através da Avenida Capixaba (atual Jerônimo Monteiro)”. O parcelamento também era substancialmente diferente, com quadras de dimensões maiores e mais ortogonais. Da mesma forma, a altura permitida ali (até 12 pavimentos) diferia do gabarito dos edifícios construídos até então. Além disso, chama a atenção a quantidade de área disponibilizada para a circulação de veículos: 48.000m² dos 96.000m² que o aterro possuía. A ideia era não só o rompimento físico, mas também ideológico (ZIPPINOTTI, 2014, p. 72), visando alterar a imagem de cidade atrasada e dos resquícios coloniais que a ela eram atribuídos – algo que já vinha sendo tentado desde o início do século.

103

Além do aterro, é aprovado nesse período o Código Municipal de Vitória (Lei nº 351 de 1954), “um marco urbanístico de Vitória” (GOMES apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 72). O Código, além de possuir alguns artigos gerais sobre responsabilidades do poder público e da sociedade civil, infrações e respectivas penas e outros assuntos que não são relevantes para este trabalho neste momento, menciona a elaboração, no prazo de um ano, de um “Plano de Urbanismo”, o qual deveria integrar o Plano Diretor Urbano do Município. Entretanto, antecipando-se a este, o Código já apresenta algumas diretrizes quanto a zoneamento, gabarito, alinhamento das edificações, execução das construções, possíveis usos para cada uma das zonas, implantação de loteamentos etc. Em relação à Esplanada, por exemplo, estabelece um gabarito mínimo de 8 pavimentos e um limite máximo de 12. Esta área da cidade era conhecida como “Bairro Comercial Especial” (BCE), pertencente à Zona Urbana49. Na década de 1960, nova alteração na legislação urbanística na Esplanada faz com que o gabarito mínimo desta área da cidade passe a ser de 12 pavimentos, aumentando o máximo para 25 pavimentos para construções futuras (Klug apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 75). As décadas de 1950 e 1960 reforçam o Centro de Vitória como um principal local da região para as atividades de comércio e serviços, sobretudo destinadas às classes mais altas. Além de proporcionarem as atividades e produtos mais sofisticados para a população de Vitória, o Centro também passa a ser protagonista de um comércio especializado, de forma que muitos produtos eram comercializados exclusivamente naquele local. Este fato marca o início de uma aglomeração urbana dependente de Vitória, pois além de os postos de trabalho se concentrarem na capital, os residentes de Vila Velha, Cariacica, Serra e mesmo Viana precisavam se deslocar até o Centro de Vitória para satisfazerem alguns de seus desejos de consumo, sobretudo de produtos e serviços mais especializados (ARAÚJO apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 75). O Centro de Vitória tornava-se, desta maneira, a partir da década de 1960, ao mesmo tempo, tanto o centro que concentra o comércio e serviços mais especializados para a população de toda a aglomeração urbana da Grande Vitória, quanto, também, o lugar de residência da população de mais alta renda da cidade. (REIS apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 76) 49

Interessante notar que o Município foi dividido apenas em três zonas: Urbana, Suburbana e Rural. Cada Zona, por sua vez, era dividia em “Bairros”, estes podendo ser comercial, industrial ou residencial. Lei Municipal nº 351/1954, Prefeitura Municipal de Vitória. Capítulo II (Do Zoneamento); Seção I (Da Divisão e Sub-Divisão de Zonas).

104

Todo esse processo acarretará na valorização do Centro, de forma que, já na década de 1960, as classes de menor poder aquisitivo ficam praticamente excluídas da possibilidade de comprar imóveis no local (GOMES apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 76). Uma parcela significativa da população vai sendo empurrada para os morros e áreas ambientalmente frágeis (áreas alagadiças, principalmente), ainda que continuassem conseguindo se manter morando nas proximidades do Centro. Em paralelo, Carvalho e Rothschedl (apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 76) apontam que os espaços urbanos livres remanescentes passam a ser ocupados pelo “comércio informal, formado por trabalhadores subempregados ou desempregados”. O processo descrito acima trata dos pobres que já habitavam o centro da cidade quando houve o processo de valorização relatado. A ocupação da periferia metropolitana vai ocorrer também nesse período, mas abrigará sobretudo migrantes vindos tanto do interior do Estado como também de estados vizinhos 50. Os migrantes que chegavam neste período, e que foram ocupar as áreas mais afastadas do centro de Vitória (indo mesmo residir nos municípios vizinhos51), eram, de maneira geral, oriundos de dois processos complementares: a Política de Erradicação de Cafezais, do Governo Federal (que se deu entre 1962 e 1967) e a política de incentivo à industrialização dos Grandes Projetos Industriais, nas décadas de 1960 e 1970. Tem-se início, assim, um processo de alteração das bases econômicas do Espírito Santo, de predominantemente agrícola para uma indústria de transformação de produtos primários. Altera-se também o espaço urbano da Grande Vitória, que recebe um número significativo de migrantes, aumentando a população da região e promovendo a expansão de sua mancha urbana (cf. FERREIRA, 2014, p. 37). Em relação aos Grandes Projetos, a implantação de grandes empresas em solo capixaba (tais como a Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Tubarão, Aracruz Celulose, Usiminas, Samarco) foi acompanhada de um investimento considerável em infraestrutura: na década de 1960 são concluídas as 50

Palhano (2010, p. 51) ressalta que “Entre 1970 e 1980, 70% do crescimento populacional da aglomeração urbana da Grande Vitória deu-se devido à imigração”, e que muitos desses migrantes vieram de estados vizinhos, “quando se intensificaram as atividades da CVRD, da CST e de outras grandes companhias”. 51 “Como boa parte desses migrantes pertencessem às classes mais pobres, a maior parte dos fluxos migratórios ocorridos entre 1960 e 1970 destinou-se a Vila Velha e Cariacica, ficando Serra em terceiro lugar”. (PALHANO, 2010, p. 51)

105

Rodovias Federais BR-101 e BR-262, além da conclusão do Complexo de Tubarão (em 1967) e da construção dos portos de Capuaba, Praia Mole, Portocel e Ubu 52. Além disso, não podem ser desconsideradas as instalações e ampliações da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Ferro e Aço de Vitória nos municípios de Vila Velha e Cariacica, em regiões próximas ao Porto de Vitória. Também foram criados distritos industriais, tais como o Terminal Industrial Multimodal da Serra (TIMS) e os Centros Industriais de Vitória I e II (CIVIT I e II). É possível citar, ainda, a execução do aterro da Enseada do Suá, em Vitória na década de 1970, cujos efeitos são similares aos grandes aterros realizados na área central da capital em meados do século XX. Palhano (2010, p. 50) chama a atenção também para o fato de que, entre os anos de 1950 e 1954, “o Porto de Vitória foi responsável pela exportação de mais de 92% do minério de ferro extraído no país”. Até então [déc. de 1970], o Centro abrigava praticamente todas as instituições e repartições públicas municipais, estaduais e federais, a sede e os escritórios das empresas de maior expressão, as agências bancárias, consultórios médicos e escritórios de profissionais liberais, as unidades de prestação de serviços, os hospitais, colégios e quase a totalidade das casas de comércio [...] Era também o ponto de encontro, lazer e diversão. Os teatros, cinemas, bares, restaurantes, clubes e casas noturnas estavam, praticamente todos, situados na região da capital. Pode-se dizer que, até o final dos anos 70, o Centro funcionava de fato como o centro vital da cidade de Vitória e também como núcleo central da região que englobava os demais municípios vizinhos. (CAROL apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 77/78)

Em relação à política de erradicação dos cafezais, o que ocorreu foi que a base econômica do Espírito Santo foi transformada (por isso afirma-se serem processos complementares). Entretanto, conforme ressalva Daré (2010), tal “crise” não necessariamente deveria causar tamanha transformação no cenário econômico do Espírito Santo. Segundo a autora, houve um forte apelo ideológico para que a crise mundial que afetou os preços das sacas de café fosse sentida localmente como um problema de atraso da base agrária capixaba, àquela época dominada, em relação á sua produção, por pequenas propriedades familiares, conforme visto no capítulo 2.

52

Os Portos de Tubarão e de Praia Mole são estruturas privadas, pertencentes à CST e à Vale, respectivamente. Já os dois últimos portos citados, também privados, localizam-se respectivamente em Aracruz e Anchieta, Municípios que não fazem parte da Região Metropolitana da Grande Vitória.

106

Reis (apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 79) enxerga uma sobrecarga à qual o Centro de Vitória foi submetido, paulatinamente, desde o início do século XX, e que acarretaria a saída das elites capixabas desta porção do território. Para o autor, a concentração excessiva de imóveis e serviços na região contribuiu tanto para a “perda

de

amenidades”

quanto

para

que

ocorressem

“deseconomias

de

aglomeração”, provocadas por congestionamentos e pela ausência de áreas para expansão das atividades existentes e implantação de atividades complementares às que já existiam. Paralelo a isso, o autor reforça a lógica da expansão do capital imobiliário que, sobretudo a partir do final da década de 1970, “irá promover a Praia do Canto como lócus privilegiado da expansão imobiliária voltada para população de alta renda” (REIS apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 79). Consequentemente, devido a este movimento de deslocamento intra-urbano da elite de Vitória, este bairro passa também a ser um grande receptor de boa parte dos investimentos públicos, investimentos do mercado imobiliário, além de receber concomitantemente um volume significativo das atividades institucionais, públicas e privadas, bem como as atividades do setor terciário que se descentralizavam do Centro da capital (GOMES apud ZIPPINOTTI, 2014, p. 80).

Diante deste quadro, o período que se inicia na década de 1960 possui um efeito de “transbordamento” (PALHANO, 2010, p. 51) da saturada capital Vitória para os municípios do entorno, incluindo Cariacica. Segundo o autor, esse período configura uma aglomeração que ficou conhecida como Aglomeração Urbana da Grande Vitória ou, mais simplesmente, Grande Vitória (GV). Esta aglomeração abarcava os municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana, sendo que a dependência em relação à capital por parte dos demais municípios era visível, conforme relatado anteriormente. Infelizmente, o aumento em superfície e em população da Grande Vitória não foi acompanhado proporcionalmente por investimentos. Conforme lembra Palhano (2010, p. 51), “A concentração econômica e demográfica na região não foi acompanhada de igual ganho em termos sociais para a imensa maioria da população”. Cariacica é um dos municípios que passa a abrigar alguns dos “não contemplados”. A falta de investimentos pode ser observada também nos “vários problemas e entraves viários e de mobilidade urbana existentes”, os quais se agravam à medida que a população da Grande Vitória aumenta (cf. FERREIRA, 2012, p. 151).

107

O duplo processo relatado anteriormente (a política de erradicação do café e a de incentivo às grandes indústrias) resultou num crescimento populacional expressivo na região. Entretanto, mesmo as iniciativas de expansão física da cidade de Vitória (como o projeto do Novo Arrabalde) se mostraram insuficientes para abrigar tal contingente. Mesmo por que tais áreas valorizaram-se rapidamente quando a elite capixaba decidiu abandonar o Centro de Vitória. Assim, o processo de expansão pelo qual passou a cidade de Vitória dos anos 1960 em diante se desdobrou em um processo de ocupação dos demais municípios da Grande Vitória. Dessa forma, a atividade de loteamento ganha vulto, não somente na Capital, mas nos municípios de Vila Velha, Cariacica e Serra também (mais ou menos nessa mesma ordem). Para Palhano (2010, p. 49), no que tange à Cariacica, grande parte desse contingente se dirigiu a diversos “espaços periféricos que se formaram no município”. Estes locais eram desprovidos de uma série de serviços e necessidades básicas (infraestrutura, esgotamento sanitário, calçamento de vias, equipamentos públicos e comunitários etc.), o que, na visão do autor, contribuiu para a formação de um sentido crítico de reivindicação por parte de alguns setores populares do município entre os anos de 1970 e 1980. Assim, com uma administração deficiente, com um governo estadual que privilegiava a capital em detrimento dos demais municípios metropolitanos e com uma receita que, historicamente, não permitiu que a municipalidade equipasse o espaço urbano com uma infraestrutura minimamente satisfatória53, o Instituto Jones dos Santos Neves já apontava Cariacica como o município que possuía os “maiores índices de carência habitacional” da Grande Vitória, apresentando “carência em praticamente todos os seus bairros” (IJSN, 1987, p. 22). Para Palhano (2010, p. 57), contribuía para isso o fato de que, entre os anos de 1970 e 1980, das 16.155 unidades produzidas pela Companhia de Habitação do Espírito Santo (COHAB-ES)

53

O termo “historicamente” aqui empregado diz respeito ao fato de que a situação vem se mantendo ao longo dos anos. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em 2007, Cariacica ainda era o município com maior número de famílias pobres na RMGV (PALHANO, 2010, p. 58). Ao mesmo tempo, em 2008, Cariacica possuía a 5ª maior Receita Municipal do Estado (R$ 269.578.708,00), mas, a despeito disso, ocupava o último lugar do ranking estadual que analisava a relação Receita Municipal x População Absoluta: R$ 744,10 por habitante em 2009. (PALHANO, 2010, p. 61)

108

e pelo Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais no Espírito Santo (INOCOOP-ES) na Grande Vitória, apenas 488 foram construídas em Cariacica54. Com traços comuns e típicos de áreas de expansão urbana periférica de diversas cidades brasileiras, a maioria dos loteamentos se caracteriza pela diversidade, desarticulação e descontinuidade entre os traçados; pela produção de vazios continuamente preenchidos com o prolongamento sem critério do parcelamento do solo; pela ausência de equipamentos públicos; pela precariedade da infraestrutura urbana de saneamento básico; entre outras características. Em suma, os loteamentos registraram a condição de pobreza em que se encontra a maioria dos bairros de Cariacica, resultantes de um longo processo de abandono social e de ausências de políticas públicas de urbanização. São notórias a carência de infraestrutura urbana e social nos bairros, a precariedade dos serviços de saúde, educação e habitação, a ausência de esgoto sanitário e o impacto ambiental. (CAMPOS apud BARBOSA, 2013, p. 56. Grifo nosso)

À medida que o município crescia, cresciam também os problemas relativos à escassez de equipamentos públicos e comunitários, infraestrutura urbana precária, carência de empregos formais e o aumento da criminalidade. Uma série de reportagens da década de 1990 é apresentada por Palhano (2010, p. 60), dando conta principalmente de que a falta de regras em relação à implantação dos loteamentos e a ausência de um planejamento urbano (vinculado à ausência também do PDM) são os problemas mais sérios do município. Houve muito desmando com relação a loteamentos no município, com o patrocínio de político. (...) A inexistência de um Plano Diretor Urbano em Cariacica e a facilidade garantida por administrações anteriores garantiu o agravamento do quadro. (Depoimento de membro da Comissão de Regularização de Loteamentos Ilegais da Prefeitura de Cariacica. Jornal A Gazeta – Classificados. 02 de junho de 1991, p. 11) Cariacica tem problemas sérios de infra-estrutura pelo crescimento desordenado, ausência de planejamento urbano e de Plano Diretor Urbano, e inchaço de suas periferias. (Jornal A Gazeta – Caderno Projeto Educar. 12 de setembro de 1994, p. 10) Em muitos loteamentos não foram planejadas faixas de proteção ao longo dos cursos d‟água, muito menos ruas ao lado de suas margens. (Jornal A Gazeta – Caderno Projeto Educar. 12 de setembro de 1994, p. 10) Por abrigar os migrantes que chegavam à Grande Vitória à procura de emprego e viviam à margem do processo de produção, Cariacica ficou conhecida, a partir dos anos 70, como o “espaço dos rejeitados”. (...) “Paraíso dos corretores desonestos e inescrupulosos”, que vendiam 54

Barbosa (2013, p. 49/50) apresenta estes dados de uma maneira diferente. Abrangendo um período maior de tempo, a autora informa que a COHAB-ES construiu 1.968 unidades habitacionais entre os anos de 1960 e 1980. A Companhia teria ainda “urbanizado” cerca de 5 mil lotes na região da Fazenda Itanhenga, onde hoje se localiza o Bairro Nova Rosa da Penha, em Cariacica. Informa, ainda, que o INOCOOP-ES não realizou projetos no município neste período.

109

lotes clandestinos e irregulares mais de uma vez, e lugar “feio e violento”, foram outras designações de Cariacica. (Jornal A Gazeta – Classificados. 07 de dezembro de 1995, p. 4 apud PALHANO, 2010, p. 60. Grifos do autor).

A crença no plano diretor como instrumento capaz de resolver os problemas urbanos, implícita nas entrevistas apresentadas, não era exclusiva de Cariacica ou da Grande Vitória. O período em que o país esteve sob regime de ditadura militar (entre 1964 e 1984) contribuiu para confirmar o planejamento urbano como um campo restrito aos especialistas, “portadores de uma pretensa „neutralidade científica‟” (PALHANO, 2010, p. 32). Dentro de um governo centralizado, o planejamento urbano exercido pelo Estado se fortalecia cada vez mais, e alimentava a ideologia do plano diretor como solução dos problemas urbanos. Ironicamente, justamente neste período, “boa parte do crescimento urbano se deu fora de qualquer lei ou de qualquer plano” (MARICATO apud PALHANO, 2010, p. 34). O pensamento a respeito do plano diretor naquele momento conduz às elaborações dos planos diretores da Grande Vitória dentro do formato que possuem hoje. O atual Plano Diretor Urbano55 (PDU) da cidade de Vitória data de 1984, tendo sofrido alterações periódicas, conforme o entendimento a respeito da necessidade de sua atualização56. Sua última versão data de 2006. Segundo Garcia, (2013, p. 12), o primeiro Plano Diretor para o Município de Vila Velha é ainda anterior, datando de 1979. Mas, de acordo com a autora, não possuía força suficiente para “impedir que áreas inapropriadas fossem habitadas”. Sua versão mais recente data de 2013, após sua versão anterior ter sido julgada inconstitucional pelo Ministério Público Estadual, em 2008. Já os planos diretores dos municípios de Serra e Viana, assim como o de Cariacica, são frutos da exigência do Estatuto da Cidade, o qual estipula que todos os municípios com população superior a 20 mil habitantes e/ou integrantes de região metropolitana são obrigados a elaborar seus respectivos planos diretores. Esses municípios tiveram, a contar a partir da data de promulgação da Lei, o prazo de 5 anos para encaminhar seus respectivos planos diretores à Câmara de Vereadores57. Serra teve seu Plano Diretor atualizado em 2012; já os

55

Em Vitória, o Plano Diretor é dito “Urbano” – e, não, “Municipal” – pois a Cidade não delimitou uma área rural. Ou seja, é considerado, legalmente, um município totalmente urbano. 56 Ressalte-se que o próprio Estatuto da Cidade indica que os Planos Diretores precisam ser atualizados, no mínimo, a cada 10 anos. 57 Mais tarde este prazo seria prorrogado até 28 de fevereiro de 2008 (PALHANO, 2010, p. 80).

110

Planos de Viana e Cariacica datam de 2006 e 2007, respectivamente, não tendo sofrido ainda atualizações. Quanto a Cariacica, embora o Plano Diretor do Município só tenha sido aprovado em 2007, já em 1971 o município contava com um Código de Obras e, em 1988, com um Código de Posturas que norteavam algumas diretrizes a respeito da ocupação do espaço urbano. Além disso, data de 1997 o Plano Diretor Viário do município. Podemos citar também a elaboração, por parte do IJSN, de vários estudos que visavam preparar um material que pudesse servir de base para o planejamento de Cariacica num momento futuro. Dentre estes documentos, destacamos a Elaboração da Política de Desenvolvimento Urbano para o Município de Cariacica, que data da década de 1980. Assim, de acordo com o que foi exposto até o momento, o que se observa é um município onde apenas muito recentemente é dada alguma importância à forma como seu espaço urbano vinha sendo construído. Sem qualquer visão de conjunto ou proposta acerca de um “futuro desejado”58, os loteamentos eram aprovados (ou as invasões e os loteamentos clandestinos e irregulares eram tolerados), as edificações eram edificadas seguindo um instrumento frágil (o Código de Obras) se considerarmos a cidade como um todo, os traçados das vias mais importantes eram estabelecidos a partir do interesse de circulação de mercadorias, as linhas de ônibus e as redes de abastecimento de água e de fornecimento de energia eram estabelecidas de acordo com o interesse das empresas concessionárias (levando em consideração o lucro, e não necessariamente a necessidade da população), as obras de infraestrutura e o posicionamento dos equipamentos públicos obedecia à lógica de privilegiar determinados espaços da cidade, e assim por diante. O contexto político começa a se alterar a partir da aprovação do Estatuto da Cidade, sobretudo por conta da pressão dos movimentos populares estabelecidos no município, dentre os quais se destacam a Federação das Associações de Moradores de Cariacica (FAMOC) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). Mas não foi apenas o contexto político que se alterou: a dinâmica imobiliária metropolitana vinha se reconfigurando desde a década de 1970, e municípios historicamente depreciados (vide as reportagens citadas anteriormente), 58

Com todas as ressalvas que se possa fazer a essa expressão; afinal, desejado por quem? Entretanto, parece interessante que os projetos existentes para uma cidade sejam expostos e discutidos em alguma instância – até mesmo para que a população possa inserir também seus projetos e visões de cidade desejada.

111

tais como Cariacica e Serra, passam a se tornar interessantes do ponto de vista do mercado. Principalmente por possuírem uma infraestrutura mínima de acesso (sobretudo pelas rodovias federais que atravessam esses municípios) associada a um preço da terra mais baixo do que Vitória e Vila Velha. Segundo Campos Jr. (apud FERREIRA, 2014, p. 44), a consolidação do mercado imobiliário em Vitória acontece durante a década de 1970, período em que o modo de produção imobiliária passou a ganhar um caráter empresarial que não possuía: se consolidam a produção por incorporação e a produção para o mercado59. Isso dá início também a novas relações de produção nas empresas de construção e nos canteiros. Até este período, a produção imobiliária na RMGV era realizada principalmente por empresas locais (CAMPOS JR. apud FERREIRA, 2014, p. 44), e construtores e incorporadores se confundiam numa mesma figura 60. No Espírito Santo [...] a origem do incorporador não é externa ao setor de construção. Seu surgimento pertence ao contexto histórico de evolução da construção capixaba. A atividade de incorporação surgiu no mercado capixaba como uma etapa do desenvolvimento histórico da construção. (FERREIRA, 2010, p. 33/34)

É possível perceber que a necessidade de diversificação dos produtos imobiliários (as classes de renda mais altas já apresentavam uma demanda saturada) coincide com o período em que o Governo Federal volta a investir em habitação de interesse popular. De acordo com Ferreira (2014, p. 79), “Até então, a produção imobiliária estava voltada para o segmento de alto padrão. Entretanto, como aponta Maricato (2011), esse é um segmento limitado”. Assim, para que os empreendimentos continuassem sendo lucrativos mesmo sendo destinados a uma população que não poderia pagar muito caro pelo imóvel, a solução encontrada estava em encontrar as terras mais baratas. Entretanto, não basta que sejam apenas baratas; o Governo só financia os projetos que se localizem em áreas minimamente urbanizadas, de forma que precisa haver um equilíbrio entre esses 59

Ferreira (2010, p. 23) define a produção para o mercado como aquela que não é feita sob encomenda. Ou seja, “é a produção para venda sem o prévio comprometimento de compra por pessoas, entidades, empresas ou instituições. Os empreendimentos são „lançados‟, expostos à apreciação da opinião pública, e adquiridos por aqueles interessados e com poder de compra” para tal. 60 “No Espírito Santo, o incorporador surge, aproximadamente, na década de 1960 [período em que a atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH) impulsionou significativamente o setor], no interior do setor da construção, quando todas as etapas dessa já eram realizadas pelas construtoras. Sendo assim, pode-se afirmar que no desenvolvimento do setor da construção capixaba, o construtor tornouse também, incorporador”. (BARBOSA, 2013, p. 38)

112

fatores: preço da terra, processo construtivo, existência de infraestrutura, capacidade de pagamento (ou subsídio) das classes mais pobres61. Nesse novo movimento, essas áreas, antes desprezadas pelo mercado formal, são inseridas no mercado imobiliário através das recentes estratégias adotadas pelo setor, que expandiu suas atividades para municípios e bairros com disponibilidade de grandes porções de terra a preços menos elevados. [...] As determinações dessa política [MCMV] ampliou o estímulo do crescimento das cidades em direção às áreas periféricas com terras ainda com preços baixos. (BARBOSA, 2013, p. 12)

Estudos recentes62 relatam a existência de um terceiro fator que contribuiu para a alteração do mercado imobiliário na Grande Vitória: a chegada de empresas que possuem capital na Bolsa de Valores. De acordo com Ferreira (2014, p. 9), “o espaço da RMGV vem passando por um processo de reestruturação, liderado pela produção imobiliária baseada em princípios rentistas”. O autor relaciona as empresas de construção civil que atuam no Espírito Santo e que possuem capital na Bolsa de Valores e espacializa em um mapa o local de atuação dessas empresas (FERREIRA, 2014, p. 49-50). Adiante, a Tabela 3 traz a lista feita por Ferreira (2014) com as empresas da construção civil que possuem ações na BOVESPA e a Imagem 19 traz o mapa elaborado pelo mesmo autor. Cunha Ferreira (2014, p. 77) e Lima Ferreira (2010, p. 10) informam que alguns instrumentos legais permitiram que as empresas do setor imobiliário aderissem à abertura de capital e à oferta de suas ações na Bolsa de Valores. Isso possibilitou a expansão geográfica dessas empresas, que passaram a construir fora de suas cidades e estados de origem. A MRV Engenharia e Participações S.A., por exemplo, iniciada em Belo Horizonte, hoje realiza empreendimentos em 120 cidades de 18 estados diferentes, além do Distrito Federal. Por sua vez, a PDG Realty, do Rio de Janeiro, atua em 16 estados e no Distrito Federal. Já a Cyrela Brazil Realty, originalmente de São Paulo, também atua em 16 estados diferentes do país. As pesquisas feitas tanto por Cunha Ferreira (2014) quanto por Lima Ferreira (2010) demonstram que as empresas recém-chegadas procuram estabelecer 61

Luiz Paulo Pompéia (da Empresa Brasileira de Patrimônio), em entrevista à Revista Exame (apud FERREIRA, 2014, p. 79/80), afirma que: “O segmento de alto padrão está muito próximo ao ponto de saturação, e para crescer, as construtoras vão ter de atender o mercado de baixa renda”. Em paralelo, para que conseguissem atender ao mercado de baixa renda de forma lucrativa, essas empresas “tiveram que realizar modificações em suas estruturas administrativas e societárias, e também nas estratégias do modelo de negócios e da sua produção em si”. (FERREIRA, 2014, p. 80) 62 Podem ser citados aqui, por exemplo, os trabalhos de Silma Lima Ferreira (2010) e Francismar Cunha Ferreira (2014).

113

parcerias com as empresas locais63. Tal parceria, em princípio, seria benéfica para os dois lados: para as empresas de fora, a vantagem estaria no fato de as empresas locais possuírem um conhecimento acerca do mercado local, das legislações urbanísticas, das ofertas de terra e das demandas por produtos imobiliários; para as empresas locais, o benefício está no aporte de capital que passa a ser disponibilizado, o que permite que as mesmas se mantenham competitivamente no mercado por mais tempo. Entretanto, segundo Campos Júnior e Gonçalves (apud FERREIRA, 2014, p. 52), “a grande „fatia‟ dos resultados do negócio imobiliário é apropriada pelas empresas de fora, enquanto as locais recebem um ganho correspondente à construção realizada por administração”. Tabela 3: Empresas da construção civil listadas na BOVESPA que atuam no Espírito Santo

Empresas

Sede da Empresa

Município de atuação no Espírito Santo

Cyrela Brazil Realty S/A Empreendimentos e

São Paulo

Serra, Vitória e Vila Velha

Direcional Engenharia S/A

Belo Horizonte

Serra

Gafisa S/A

São Paulo

Serra e Linhares

Participações

MRV Engenharia e Participações S/A

Belo Horizonte

Serra, Vila Velha, Cariacica e Vitória

PDG Realty S/A Empreendimentos e

Rio de Janeiro

Serra e Cariacica

São Paulo

Serra e Vila Velha

São Paulo

Vitória

Participações Rossi Residencial S/A Viver Incorporadora e Construtora

Tabela extraída de FERREIRA, 2014, p. 49.

63

Cita como exemplo a parceria estabelecida entre as empresas Cyrela Brazil Realty S/A, originalmente de São Paulo, e a capixaba Morar (FERREIRA, 2014, p. 51).

114

Imagem 19 – Atuação das empresas da construção civil listadas na BOVESPA no Espírito Santo

Legenda:

Mapa extraído de FERREIRA, 2014, p. 50.

115

O compromisso dessas empresas com o capital que lhes dá suporte faz com que a cidade se torne cada vez mais “um produto da necessidade (ou obsessão) especulativa do capital imobiliário no seu processo de valorização”, no lugar de ser fruto das necessidades de seus habitantes (PAIVA apud LIMA FERREIRA, 2010, p. 47). A produção do espaço urbano capixaba serve, “mais do que antes, à ampliação da valorização do capital investido na construção e não necessariamente às necessidades reais de reprodução da cidade” (LIMA FERREIRA, 2010, p. 6). Em outras palavras, quando empresas imobiliárias obedecem à lógica do capital financeiro, os motivos e interesses envolvidos nem sempre representam a necessidade real de um mercado local quanto ao volume de obras e à tipologia dos empreendimentos, como também o espaço construído que resulta dessa produção nem sempre corresponde à cidade justa e democrática que se deseja. (LIMA FERREIRA, 2010, p. 12)

Ainda que seja possível questionar: “cidade que quem deseja?”, as preocupações do mercado com as “bolhas imobiliárias” são sintoma de que os produtos imobiliários não necessariamente condizem com as demandas. As empresas precisam estar sempre construindo, mostrando ser lucrativas e remunerando muito bem seus investidores, pois uma característica do capital financeiro é a de estar sempre migrando para investimentos mais rentáveis. E, em relação a isso, chama a atenção o fato de o mercado imobiliário no Espírito Santo ser pequeno, se comparado aos outros centros do País (FERREIRA, 2010, p. 10). O preço dos imóveis, em média, é bem menor que em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo64. As mudanças no cenário imobiliário capixaba a partir da chegada dessas novas empresas inserem no processo novos atores, novos produtos, novas formas de construir, novas estratégias de marketing e venda, novas relações de trabalho e uma nova repartição da mais-valia (FERREIRA, 2010, p. 13). Mesmo as empresas locais que não estabelecem parcerias com as forasteiras acabaram adotando as inovações trazidas, a fim de se manterem competitivamente no mercado. Como aponta Pereira (1988), disputam a mais-valia gerada pelo setor imobiliário, além dos investidores, o construtor/incorporador e o proprietário da terra. 64

Embora o Bairro Praia do Canto, em Vitória, fosse o 19º bairro com o valor do metro quadrado mais caro do Brasil em 2012, de acordo com a Revista Exame (apud FERREIRA, 2014, p. 51), custando em média R$ 8.820,00.

116

Tanto construtor quanto incorporador são considerados capitalistas por Pereira, posto que extraem seus respectivos lucros a partir da exploração dos operários da construção civil, os quais mantêm sua posição de assalariados. Já o proprietário fundiário, ainda que “alheio ao processo produtivo”, participa da repartição da maisvalia gerada, porque a propriedade privada da terra, enquanto monopólio sobre uma condição não-reprodutível, permite ao seu titular exercer um poder de tributação sobre a produção, circulação e o consumo das mercadorias, participando assim da distribuição da mais-valia, sem nada contribuir para a sua geração e realização. (PEREIRA apud FERREIRA, 2010, p. 27)

Segundo Ferreira (2014, p. 8), a inserção desses novos atores no processo permitiu a dispersão, o aumento da produção e a valorização imobiliária e fundiária na região metropolitana. O autor reforça que isto não é exclusivo da Grande Vitória, mas ocorreu de forma mais ou menos generalizada nas cidades brasileiras, sobretudo a partir da criação do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), do Governo Federal. A partir disso, o que se tem observado em muitas cidades brasileiras é “uma reestruturação socioespacial (PEREIRA, 2011) que se verifica pelo espraiamento das cidades e pelo surgimento de novos produtos imobiliários [...] que se encontram espalhados pelo espaço urbano” (FERREIRA, 2014, p. 25). Parte desse processo se deve aos subsídios do Governo Federal. A relação entre o mercado imobiliário e o mercado financeiro não é um fenômeno novo no cenário mundial, mas as características do capitalismo contemporâneo promoveram o estreitamento dessa relação através da disseminação de novos instrumentos financeiros e novas práticas. (PAIVA apud FERREIRA, 2010, p. 16)

Esta forma contemporânea de produção imobiliária merece atenção, pois, de acordo com Pinto (apud FERREIRA, 2010, p. 11/12), esses instrumentos financeiros são mecanismos de subordinação do setor produtivo à lógica financeira. Como o objetivo do capitalista é produzir lucro no final do processo de investimento do capital, o capitalismo encontrou no mercado financeiro “o meio ideal de se valorizar sem passar pelo conflito com o trabalho, pelos constrangimentos e riscos do processo de produção. A essa lógica também se rendeu a produção imobiliária”. O cuidado que se precisa ter em relação a essa dinâmica se deve ao fato de que a

117

atuação dos investidores exerce, portanto, “crescente determinação sobre os destinos das cidades” (PAIVA apud FERREIRA, 2010, p. 47). Para Barbosa (2013), essas transformações representam, além de tudo, uma nova forma de ocupar das áreas de transição rural-urbana. Para a autora, as “periferias tradicionais”, até então “lócus da ocupação informal” passam a ser alvos do mercado imobiliário formal, sobretudo a partir de promulgada a Lei que cria o Programa Minha Casa, Minha Vida65. Na medida em que a urbanização se expande assumindo uma forma espraiada, as áreas rurais e de transição rural-urbana tornam-se zonas de interesses e conflitos diversos, pois concentram um grande estoque de terras, mananciais, matas, a produção rural, além dos conflitos urbanos como a questão da moradia. (BARBOSA, 2013, p. 12)

O estudo de Ferreira (2014) aponta dois processos simultâneos operando na valorização imobiliária. Um deles é interno ao próprio processo da construção, e envolve a localização e o preço do terreno e os custos com os materiais de construção, equipamentos e mão-de-obra. O outro é externo ao processo construtivo, e está relacionado com estratégias de apropriação do espaço construído (estratégias de marketing, de desvalorização do entorno antes da realização do empreendimento e de valorização do entorno quando da venda dos imóveis, informação privilegiada a respeito dos projetos previstos para o local, efeitos de externalidades, alterações do zoneamento ou do perímetro urbano e assim por diante). Além disso, o processo de financeirização da produção imobiliária contribuiu para que as empresas implantassem a “lógica do mercado financeiro” na produção do espaço, além de novas técnicas de construção, novos materiais e equipamentos, avanços tecnológicos, além de novas divisões do trabalho, seja na empresa ou no canteiro, resultando em “novas formas de produção e organização do espaço urbano”. (FERREIRA, 2014, p. 25)

Segundo Shimbo (apud FERREIRA, 2014, p. 25), uma estratégia adotada pelas empresas é a da criação de um “estoque de terras” (ou landbanks – bancos de terra). A criação desse estoque de terras permitiria um maior tempo de duração da empresa no mercado, além de servir para “comprovar certo poderio econômico 65

É necessário informar, contudo, que já havia a partir de meados do século XX – pelo menos em Cariacica – um mercado imobiliário que loteava e vendia terras a uma população de baixa renda em localidades afastadas dos subcentros existentes no Município. A própria autora reconhece este fato em seu trabalho (BARBOSA, 2013, p. 48).

118

frente a possíveis investidores” (FERREIRA, 2014, p. 25). Segundo Tavares (apud FERREIRA, 2010, p. 51), boa parte dos recursos captados pelas incorporadoras que emitiram ações foi destinada à formação do banco de terrenos, embora a maior parte deles continue sendo aplicada no mercado financeiro, reforçando a liquidez dessas empresas. Segundo Barbosa (2013, p. 104), a estratégia da constituição de um estoque de terras “fundamenta-se na premissa de obtenção de terrenos com preços baixos e aguardar as condições necessárias para a implantação de um empreendimento”. As empresas assim capitalizadas precisam construir cada vez mais, de modo que consigam cumprir suas obrigações para com seus acionistas. Como a terra é condição do processo de construção, a criação de um estoque de terras é funcional ao mercado. Entretanto, conforme aumenta a disputa por esse bem escasso, aumentam também os preços das propriedades fundiárias. Como resultado, temos um mercado buscando terra (e, consequentemente, produzindo o ambiente construído) em locais cada vez mais distantes, por um lado, e, por outro, a pressão por uma verticalização cada vez maior em determinados espaços da cidade (como encontrar um terreno barato o suficiente que permita que um investimento seja lucrativo se torna cada dia mais difícil, uma das soluções é construir o máximo de unidades que a legislação municipal permitir). Segundo Ferreira (2014, p. 26), quem mais lucra com esse processo são os proprietários de terra: “longe de serem resquício de aristocratas fundiários ou senhores feudais, assumem hoje em dia um papel ativo na produção e organização do espaço urbano”. Ao aceitarem a “ajuda” do capital financeiro, as empresas de construção se comprometem em dividir parte da mais-valia extraída no processo com esses novos atores. Como visto, para não perderem esse aporte de capital, precisam se mostrar lucrativas. Para tanto, precisam estar em constante processo de disponibilização de novos produtos no mercado. Acontece que a terra é condição de produção para a construção. Portanto, após a conclusão de cada empreendimento se faz necessária a disponibilidade de um novo terreno, já que, a rigor, construir sobre um terreno ocupado só é possível depois de um longo tempo e se for demonstrada sua viabilidade econômica. Assim, a construção civil está continuamente demandando novos terrenos, construindo novos espaços e consumindo o espaço pré-existente.

119

Objetivando lucros cada vez maiores, as empresas tendem a buscar, ao mesmo tempo, o duplo movimento de reduzir os custos da produção ao mesmo tempo em que procura elevar o preço das unidades habitacionais. Entretanto, o preço das unidades só pode ser elevado até certos limites, dependendo da faixa de renda à qual se destina aquele determinado empreendimento. É preciso, então, haver uma compatibilidade entre o valor da moradia e o preço que a população está disposta a pagar por ela, pois a renda dos potenciais compradores tem limite. Do outro lado, a busca pela redução dos custos da produção passa por reduzir o preço da terra: como a terra é condição da produção imobiliária, conseguir terras mais baratas significa automaticamente reduzir os custos de produção. Para alcançar este objetivo, algumas estratégias podem ser adotadas: a constituição de um estoque de terras, mudanças na legislação urbanística (em relação ao zoneamento

ou

ao

perímetro

urbano,

por

exemplo),

ou

até

mesmo

o 66

estabelecimento de parcerias entre as construtoras e os proprietários dos terrenos . Entretanto, algumas dessas medidas, como a criação de um estoque de terrenos, por exemplo, podem ser inviáveis para muitas empresas de menor porte, dado o alto investimento em capital que exigem. É então que o financiamento aparece como solução para os entraves do setor. Além disso, o financiamento aparece também na outra ponta do processo: a partir de financiamentos que permitem um maior número de parcelas a preços mais módicos, os produtos imobiliários passaram a ser mais acessíveis. Daí chegar-se à conclusão de que o financiamento é “uma necessidade constante para a produção habitacional” (FERREIRA, 2010, p. 30). Outra característica do período é a padronização dos produtos. Como o trabalho do profissional projetista é especializado e, portanto, mais caro, as empresas têm optado por projetos que possam ser reprodutíveis ao máximo, de forma que precise remunerar apenas uma vez a esses profissionais por um projeto que possa ser reproduzido em outros lugares67. Ferreira (2014, p. 81) apresenta, inclusive, uma comparação entre as plantas dos apartamentos-tipo de um

66

Em Cariacica, Barbosa (2013, p. 93) encontrou este tipo de parceria em dois empreendimentos: o Shopping Moxuara e o Residencial Serra do Anil. Ambas as empresas estabeleceram parcerias com os proprietários dos respectivos terrenos a fim de viabilizar os empreendimentos. 67 A pesquisa realizada por Ferreira aponta que “A reprodução de projetos permite a redução de até 10% dos gastos com engenheiros e arquitetos”. (FERREIRA, 2014, p. 80)

120

empreendimento em Cariacica (Espírito Santo) e outro em Jaboatão dos Guararapes (Pernambuco): as duas são idênticas. Um dos interesses do trabalho de Ferreira (2014) é o de analisar a implicação dessa dinâmica imobiliária sobre os vazios urbanos existentes (estejam eles nas “franjas” que pertencem às áreas de transição entre o rural e o urbano, estejam inseridos dentro do próprio perímetro urbano). Ferreira (2014, p. 40) levanta alguns problemas principais quanto à existência desses vazios. Primeiro por que determinam o que se configura como uma “urbanização dispersa”: aumentam as distâncias entre as áreas efetivamente ocupadas, acarretando maiores custos de investimento na produção e manutenção das infraestruturas (saneamento, pavimentação, iluminação etc.), além de aumentarem os tempos de translado entre as atividades a serem realizadas cotidianamente (habitar, trabalhar, estudar, recreação etc.). Segundo, quando se encontram no interior do perímetro urbano, à medida que o poder público passa por uma área vazia para atender a uma outra área, ocupada

(a

qual

demanda

investimentos

em

saneamento,

iluminação,

pavimentação, equipamentos públicos etc.), ele está, automaticamente, valorizando as áreas vazias existentes entre as áreas ocupadas, “fazendo com que seus proprietários fundiários tenham suas rendas aumentadas”, já que os preços pagos pelos vários pedaços de terra dentro da área urbana são aumentados quando há emprego de capital fixo no local. Este segundo problema acarreta um terceiro, este de ordem social: quando, por efeito de externalidades, uma ação do poder público valoriza uma porção do território, o acesso à terra se torna ainda mais restrito. Como as terras mais baratas tendem a ser ou as mais distantes dos centros urbanos ou as mais desprovidas de infraestruturas e equipamentos públicos, a tendência desse tipo de urbanização dispersa faz com que a cidade cresça de forma cada vez mais fragmentada, espraiada e segregada. Assim, uma densidade desejável (uma densidade que faça com que os investimentos em capital fixo realizados no espaço urbano sejam desfrutados pelo maior número de pessoas sem que, contudo, surjam conflitos de superpopulação, problemas de congestionamento etc.) jamais é alcançada, e a cidade se torna cada vez mais cara. Além disso, o autor cita um problema de ordem política, já que o poder público “possui grande poder de intervenção nas rendas da terra e na organização

121

do espaço por meio da definição de zoneamentos, construção e manutenção de equipamentos e elaboração de políticas que passam pelo crivo de questões fundiárias” (FERREIRA, 2014, p. 41). Zanotelli et. al. (apud FERREIRA, 2014, p. 43), por sua vez, argumentará ser possível entender a concentração fundiária como uma ameaça ao planejamento e ao controle do uso do solo, além de ser diretamente responsável pela especulação imobiliária. Na Região Metropolitana da Grande Vitória, conforme apontam os dados do censo agropecuário do IBGE de 2006, existe uma grande concentração fundiária. Muitas áreas rurais na área rural e no perímetro urbano estão sob o domínio de poucos proprietários fundiários, principalmente nos municípios de Serra, Vila Velha e Cariacica. Em Serra, a situação é a mais discrepante, pois 46,5% da área rural são controlados por 1,3% dos proprietários, três proprietários controlam perto de 14 mil hectares de terras, parte delas dentro do perímetro urbano (IBGE, 2006), em Vila Velha, 2,42% dos proprietários monopolizam uma área de aproximadamente 40,42% da área rural, em Cariacica, 1,55 possuem uma área de aproximadamente 28,03% (ZANOTELLI et. al. 2014 apud FERREIRA, 2014, p. 41).

No caso de Cariacica, por exemplo, Zanotelli (2013, p. 15) encontrou 83,28 km² de áreas vazias dentro do perímetro urbano, o que corresponde a 64,4% da área urbana do município. Apesar da dificuldade de se identificar todos os grandes proprietários de terra da Grande Vitória (ou mesmo os de Cariacica), Zanotelli et. al. (apud FERREIRA, 2014, p. 43), tendo como base os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), pôde identificar que muitos proprietários pertenciam a “famílias „tradicionais‟ das camadas sociais dominantes do ES, empresas do mercado imobiliário e grandes indústrias”. Além da dinâmica própria do mercado imobiliário, as intervenções do poder público também são capazes de alterar a produção e a ocupação do espaço urbano. Por exemplo: a construção da Ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça (ou, mais popularmente, Terceira Ponte), concluída em 1989, é uma das principais responsáveis pelo deslocamento da produção imobiliária de Vitória em direção a Vila Velha. Um movimento basicamente dominado pela orla de Vila Velha, iniciado no norte e caminhando em direção ao sul, que ainda não cessou. Logo depois de estabelecida a conexão (promovida pelo Governo do Estado), os municípios de Vitória e Vila Velha receberam a construção de dois shoppings (frutos de iniciativa privada), um de cada lado da Terceira Ponte: o Shopping Vitória (1) foi inaugurado em 1993 e o Shopping Praia da Costa (2) em 2002. Depois destes, outros sete foram construídos na GV: o Laranjeiras Shopping (3) e o Shopping Norte-Sul (4)

122

(nos anos de 2002 e 2003, respectivamente) e os shoppings Mestre Álvaro (5) e o Montserrat (6), todos em Serra (inaugurados respectivamente em 2011 e 2014), os shoppings Boulevard (7) (inaugurado em 2012) e Vila Velha (8) (em 2014), no município de Vila Velha, e o Shopping Moxuara (9), em Cariacica (de 2014)68. O mapa a seguir os espacializa. Imagem 20 – Shopping centers na Grande Vitória. Serra 3

6

Santa Leopoldina

Complexo Portuário de Tubarão

5 ES-080

4

Aeroporto

Cariacica Vitória

1

Viana 9

3ª Ponte

2

Domingos Martins

8 BR-262

BR-101

Vila Velha

7

Oceano Atlântico

RMGV

Legenda: Shopping centers

Terminais TRANSCOL

Fontes: IBGE / IDAF / PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

De acordo com Ferreira (2014, p. 45), a partir dos anos 2000 o município de Serra se insere na dinâmica imobiliária empresarial e, mais recentemente, o município de Cariacica também. A produção imobiliária de Serra nos períodos mais recentes ocorre em uma porção mais interiorana do território, sobretudo na região próxima ao bairro de Laranjeiras (um dos principais subcentros de comércio e serviços da RMGV) e seguindo a Rodovia BR-101, no sentido sul-norte. A região de Manguinhos, no litoral do município, também vem se destacando quanto aos empreendimentos imobiliários, sobretudo em relação aos condomínios de casas e apartamentos. Ressalve-se que é um balneário próximo à região de Laranjeiras. 68

Ressalte-se que quatro deles (o Praia da Costa, o Mestre Álvaro, o Montserrat e o Moxuara) pertencem ao Grupo Sá Cavalcante. Já o Shopping Vitória pertence ao Grupo Buaiz.

123

Imagem 21 – Em amarelo, centralidades, subcentros e polos de atração da Grande Vitória.

Serra 5 Santa Leopoldina

Complexo Portuário de Tubarão ES-080

Aeroporto

Cariacica Vitória 2 1 4

Viana

3 Domingos Martins

BR-262

BR-101

Vila Velha

Oceano Atlântico RMGV

Legenda: Shopping centers

Terminais TRANSCOL

1. Centro de Vitória

2. Reta da Penha

4. Polo de Campo Grande

5. Polo de Laranjeiras

3. Polo da Glória

Fontes: IBGE / IDAF / PMC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Em Cariacica, a produção mais recente também se concentra no interior, tanto às margens de um subcentro consolidado (região polarizada pelo bairro Campo Grande) quanto seguindo as estruturas viárias mais relevantes. Estas vias também acabam por permitir a expansão da malha urbana de forma espraiada, para locais mais distantes dos subcentros, onde a terra é mais barata, mas ainda próximos o suficiente de importantes eixos de transportes. Uma das provas do recente interesse imobiliário sobre Cariacica pode ser obtida a partir da análise do fato de que o município só aparece nos censos realizados pelo SINDUSCON-ES a partir do ano de 2007 (e, mesmo assim, apenas o bairro Campo Grande), sendo que os censos são realizados anualmente desde 2002 na Grande Vitória69. O mapa

69

De acordo com Barbosa (2013, p. 57), o fato de o bairro Campo Grande aparecer no Censo Imobiliário do SINDUSCON-ES demonstra “o incipiente interesse do setor nesse município”.

124

produzido por Ferreira (2014, p. 46) ilustra a produção imobiliária capixaba orientada para o mercado. Imagem 22 – Evolução da produção imobiliária por bairros em municípios da RMGV.

Serra-Sede

Jacaraípe

Laranjeiras

Carapina Jardim Camburi Praia do Canto

Campo Grande

Jardim da Penha Praia da Costa

Itaparica

Barra do Jucu

Mapa extraído de FERREIRA, 2014, p. 46.

Como é possível observar no mapa (Imagem 22), a ocupação dos municípios de Vitória e Vila Velha é predominantemente litorânea. Em Vitória, este predomínio pode ser mais ou menos justificado, se levarmos em conta a presença do Maciço Central (identificado por uma mancha verde na parte insular da Capital, onde não é

125

permitido construir). Em Vila Velha esta opção não encontra tal respaldo, já que as regiões onde não é permitido construir encontram-se justamente nas áreas mais próximas do litoral. Além disso, os bairros litorâneos de Vila Velha, considerados mais nobres em relação aos demais bairros do município, sofrem tanto quanto os demais bairros com o problema das enchentes. Portanto, a justificativa somente pode ser encontrada a partir de uma representação social historicamente construída de que tais bairros seriam “melhores” do que os demais. Obviamente, tal construção ideológica envolve não somente as estratégias de valorização do mercado imobiliário, mas também o poder público, o qual passa a ser pressionado por uma elite e por grupos de empresários a dotar a área de equipamentos públicos, policiamento e investimentos em infraestrutura, além de uma pressão constante para que os gabaritos das quadras mais próximas da orla sejam sempre aumentados. Observando a forma de atuação dessas empresas vindas de fora, as quais tendem a seguir as “tendências do mercado” e, portanto, podem tanto causar um superinvestimento em determinados locais quanto abandonar o território municipal sem aviso prévio, é comum observar uma preocupação com as chamadas “bolhas imobiliárias”. Como os produtos imobiliários feitos para o mercado, conforme demonstrado anteriormente, não necessariamente estão sendo construídos em resposta a uma demanda real, é bem possível que as expectativas em relação às vendas desses produtos não se concretizem. A este respeito, o Jornal A Gazeta de 15/02/2014 já informava que algumas das construtoras que haviam sido responsáveis por “marcar uma nova era no mercado imobiliário capixaba” estavam reduzindo o número de empreendimentos ou mesmo abandonando o Espírito Santo (Caderno de Economia do Jornal A Gazeta, 15/02/2014, p. 31). Entretanto, o período iniciado em meados dos anos 2000 é marcado por um surto de otimismo em relação ao Estado do Espírito Santo. Segundo Ferreira (2012, p. 140), o ES estava sendo projetado como uma das economias mais dinâmicas do país, o PIB havia crescido 3,2% entre 2002 e 2005, e 5% entre 2006 e 2010, a renda per capita, que era de R$ 13.846,00 em 2005, passou para R$ 16.242 em 2010, e um estudo do Instituo Jones dos Santos Neves70, em uma previsão do Estado para 2015, apontava para um contínuo investimento industrial acompanhado da diminuição da taxa de desemprego. 70

O estudo é denominado “Mapa Estratégico da Indústria Capixaba” e foi produzido pelo IJSN em 2010 (cf. FERREIRA, 2012, p. 140).

126

Dentro dessa perspectiva, de acordo com Ferreira (2012, p. 140/141), cada administração municipal da Grande Vitória tentou trilhar seu próprio caminho. A Prefeitura de Serra, aproveitando sua “vocação industrial”, previa a implantação do Polo Industrial Piracema, com 105 lotes empresariais em uma área de 1.416.420 metros quadrados. O Polo Piracema está localizado próximo ao aeroporto de Vitória, dos portos de Tubarão, de Praia Mole e outros grandes parques industriais da região (como o pátio de tubos da Petrobrás e o Terminal Industrial Multimodal da Serra – TIMS). A expectativa era que o negócio movimentasse R$ 180 milhões e R$ 1 bilhão em investimentos (por parte das empresas que ocuparão os lotes), além da perspectiva de gerar mais de 4 mil empregos diretos. Serra é destacada como o município do Estado que mais vinha recebendo investimentos no setor imobiliário. Já a Prefeitura de Vila Velha previa a implantação de um Polo de Desenvolvimento Sustentável em Xuri. Estão previstos sete distritos industriais dispostos em 16 milhões de metros quadrados entre a Rodovia do Sol e a BR-101. 4 milhões de metros quadrados estão reservados para uma Zona de Processamento de Exportação, 5 milhões para um aeroporto e 1,2 milhão de metros quadrados para empresas de logística. O restante será dividido em quatro distritos industriais. Os empreendimentos imobiliários margeiam o litoral, sentido norte-sul, seguindo a Rodovia do Sol. A Prefeitura de Cariacica também projetava a implantação de um polo industrial, em Nova Rosa da Penha. Foram destinados 7 milhões de metros quadrados, na antiga Fazenda Itanhenga, às margens da BR-101 (recentemente duplicada) e próxima ao porto. As vantagens locacionais apontadas diziam respeito a uma rede de gás encanado já pronta no local e à existência de grande população no entorno, a qual poderia ser absorvida como mão-de-obra. A expectativa era de atrair 150 empresas, gerando 12.500 empregos diretos e indiretos, além de aumentar em 1,2 bilhão o PIB do município. Além da implantação do Polo, a região polarizada pelo bairro Campo Grande continuava sendo apontada como área favorável à produção imobiliária, além de possuir comércio de qualidade, residências e serviços. De acordo com o que Ferreira (2012) apresenta, o Governo do Estado também se preparava para investir na região metropolitana. Isto porque, conforme o próprio autor relata, a Secretaria de Transportes e Obras Públicas do Espírito Santo (SETOP) realizou análises mercadológicas em 2011 que apontaram para a

127

necessidade de investimentos em mobilidade urbana e logística de transportes (Ferreira, 2012, p. 142). O Estado elabora, então, um Programa de Investimentos em Mobilidade Urbana e Circulação Viária da Região Metropolitana (Transcol III), o qual prevê uma série de projetos viários para a região. Conforme o próprio nome denuncia, o Programa está voltado para atender aos interesses do Sistema Transcol, o qual é operado por empresas privadas. Um dos projetos do Programa é o da construção da Rodovia Leste-Oeste, ligando a Rodovia Darly Santos, em Vila Velha, às Rodovias BR-101 e BR-262, em Cariacica. Do lado de Cariacica, o trecho que liga a BR-262 até o Bairro Campo Belo já está praticamente pronto; do lado de Vila Velha, o trecho entre a Darly Santos e o Bairro Vale Encantado também já foi inaugurado. Entretanto, a ligação entre os dois municípios (a qual inclui a construção de uma ponte sobre o Rio Marinho) ainda não foi concluída. Também não foram instaladas todas as placas de sinalização necessárias e a iluminação da via também não foi executada. Com todos esses contratempos, a obra, prevista para ser concluída em 2008 a um custo de R$70 milhões, hoje possui previsão para ser concluída em 2015, a um custo de R$180 milhões71. Quando concluída a via, o trajeto entre Vila Velha e Cariacica pode tornar as viagens entre os municípios até 20 minutos mais rápidas. A Rodovia possuirá duas funções estratégicas: a primeira, de ligar o Terminal de Campo Grande, em Cariacica, ao Terminal de Itaparica, em Vila Velha; a segunda, de retirar o tráfego de caminhões e carretas que tenham como origem ou destino o Porto de Capuaba de bairros consolidados, tais como Jardim América, Vasco da Gama, Rio Marinho e Cobilândia, efetuando uma ligação direta entre a estrutura portuária e as Rodovias Federais. Ferreira (2012, p. 142) apresenta também o Plano Estratégico 2011-2014 do Governo do Estado do Espírito Santo. O Plano identificou uma série de “gargalos” quanto a rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, e apontou onde deveriam ser feitos os investimentos para resolver os problemas. Listaremos a seguir as intervenções

71

Reportagem de Vilmara Fernandes para o site gazetaonline. As informações foram retiradas de: http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2014/05/noticias/cidades/1486250-rodovia-leste-oeste-soficara-pronta-em-2015.html. Acesso em 19/01/2015.

128

apresentadas por Ferreira (2012, p. 142-145) que tenham ligação direta com o município de Cariacica72. Ferreira (2012, p. 147) identifica uma relação entre a construção de vias e a produção imobiliária. A expansão da malha viária urbana tende a ser direcionada para atender a uma determinada demanda (levar infraestrutura e equipamentos para determinada localidade, ou mesmo melhorar seu acesso) ao mesmo tempo em que há uma série de terrenos (“vazios urbanos”) apenas aguardando a ação do poder público de melhorar a infraestrutura viária do entorno para que possam ser valorizados. Através de comparação de mapas com as linhas do TRANSCOL de 1980 com o atual, fazendo uma sobreposição com a mancha urbana neste período, foi possível concluir que o transporte coletivo atua como promotor do avanço da mancha urbana, de modo que em locais atendidos pelo sistema que inicialmente tinha pouca densidade demográfica ampliaram sua concentração populacional e sua área consideravelmente no período comparado, como visto nas imediações de Laranjeiras e Carapina na Serra e Campo Grande em Cariacica. (FERREIRA, 2012, p. 151)

O trabalho de Ferreira (2012) tem como produto um mapa em que o autor realiza uma projeção da expansão urbana da Grande Vitória até 203073. De acordo com sua análise, projeta um aumento da mancha urbana de 42% para 2030, prevendo um salto de 480 km² para 685 km² de área urbanizada. Em resumo, a ocupação será mais acentuada nos seguintes pontos: litoral do município de Serra, em direção ao município de Fundão, ao norte; ainda na Serra, prevê o adensamento da área do TIMS e às margens dos grandes eixos viários; litoral de Vila Velha em direção a Guarapari, dando continuidade à dinâmica em sentido norte-sul de ocupação da orla; e em Cariacica e Viana, o adensamento se dará na periferia dos principais eixos viários, destacando-se o entroncamento da Rodovia BR-101 com a Rodovia BR-262. Constatou-se que atualmente as áreas mais adensadas da área CentroMetropolitana da Grande Vitória encontram-se nas margens de grandes vias 72

Embora seja preciso reforçar que o Plano Estratégico do Governo do Estado apresenta propostas para a resolução de outros problemas metropolitanos, incluindo ações mais gerais, tais como a ampliação do Aeroporto de Vitória e a implantação do Sistema Bus Rapid Transit (BRT) na região metropolitana. 73 Na elaboração deste mapa, o autor leva em consideração documentos elaborados pelo Governo do Estado (Transcol III e Plano Estratégico 2011-2014) e projetos das prefeituras que compõem a GV, além de “observações feitas em imagens de satélite”. Também utilizou documentos de planejamento produzidos pelos municípios, tais como a Agenda Vitória 2028 e o Serra 21.

129

e estrategicamente próxima a grandes centros comerciais e industriais. [...] Outra grande aglomeração está na confluência das grandes rodovias federais que cortam a região, nos limites municipais de Viana e Cariacica e que segue cada vez mais adensado até o centro de Vitória. (FERREIRA, 2012, p. 151)

Por outro lado, segundo Ferreira (2012, p. 151), as áreas menos propensas ao adensamento futuro são as que se encontram mais distantes dos grandes centros industriais ou de serviços e que, concomitantemente, não são atendidas por um sistema viário regional. O autor identifica, nesses casos, as áreas rurais dos municípios de Cariacica, Serra (com exceção do Distrito de Queimados, previsto para passar a fazer parte do perímetro urbano do município) e Viana. Como foi visto anteriormente, o processo que resultou em uma ocupação inicial da periferia da Grande Vitória de forma mais acentuada foi decorrente de uma saturação do município de Vitória, iniciada entre as décadas de 1960 e 1970. Entretanto,

as

anteriormente

74

recentes

transformações

no

mercado

imobiliário

relatadas

passarão a alterar este quadro. Segundo Castiglioni (2009 apud

DARÉ, 2010, p. 187), houve, na verdade, um conjunto de vetores que eram “expulsores” na área rural e “dinâmicos” na Grande Vitória, os quais alimentaram “o processo de transferência da população em toda a segunda metade do século XX”. Como visto, no meio rural se destacam a formação de grandes latifúndios, sobretudo no norte do Estado, destinados à exploração de madeira e à pecuária (atividades que absorvem pouca mão-de-obra)75. Já na região metropolitana, se destaca a consolidação do Estado como uma economia urbano-industrial, sobretudo a partir da década de 1980. Em um trabalho que objetiva estudar a produção do ambiente construído, importa não perder de vista que “construir é produzir espaço” (FERREIRA, 2010, p. 28). E, de acordo com o processo relatado a respeito da ocupação e da produção imobiliária

na

Grande

Vitória, de maneira

geral,

e

em Cariacica,

mais

especificamente, o que se observa é que se tem construído espaços desiguais. Essa diferenciação do espaço é, na verdade, a expressão da divisão social e econômica do espaço, que se vale de aspectos reais ou simbólicos 74

A respeito do Estado do Espírito Santo, dão conta deste processo os citados trabalhos de Silma Lima Ferreira (2010), Kéliton Oliveira Ferreira (2012), Lívia Barraque Barbosa (2013) e Francismar Cunha Ferreira (2014). A nível nacional, o trabalho de Mariana de A. Barretto Fix (2011) é referência. 75 Castiglioni (2009 apud DARÉ, 2010, p. 187) informa que “a região norte [do Espírito Santo] foi a que mais expulsou população entre 1970 e 1980”.

130

usados como signos de elitização, como: as características naturais (como a proximidade com o mar); a infraestrutura e os equipamentos de uso coletivo; a acessibilidade; a distância dos centros de emprego; a distância de comércio e serviços; e a “divisão simbólica do espaço” através da qual as pessoas são rotuladas pelo lugar onde moram. (FERREIRA, 2010, p. 35)

Portanto, a localização tem grande importância na construção dos produtos imobiliários, pois atua como “fator de diferenciação do valor-de-uso da mercadoria moradia” – valor de uso que, por sua vez, é influenciado pelo “sistema espacial de objetos imobiliários que compõem o valor de uso complexo representado pelo espaço urbano” (RIBEIRO apud FERREIRA, 2010, p. 29). Segundo o autor, “O que é vendido não são apenas „quatro muros‟, mas também um „ticket‟ para o uso deste sistema de objetos e de „appartenance‟ à estratificação social representada pela divisão social e simbólica do espaço”. (RIBEIRO apud FERREIRA, 2010, p. 29). Assim, no próximo capítulo se pretende investigar a produção do ambiente construído de Cariacica, seja por parte do poder público, seja por parte de iniciativas privadas, tendo como objeto central o Plano dos Empresários, elaborado em 2010.

131

4 O PLANO DOS EMPRESÁRIOS O capital imobiliário disputa a semiperiferia e os pobres estão indo para mais longe. Temos uma reestruturação da ocupação metropolitana e urbana no Brasil a partir da especulação imobiliária sem controle fundiário e, finalmente, empresas de construção pesada priorizando o que decidem. Isso é incrível porque há cidades onde oferecem ao prefeito uma obra e não precisa ter Plano Diretor, nada... a obra sai e pronto! Se a obra é prioridade ou não, se está no Plano Diretor ou não, tanto faz. (Ermínia MARICATO, 2013, em entrevista a Rose Spina, disponível no site da Revista Carta Maior).

Se, como afirma Maricato, existem projetos (previstos ou em execução) em várias cidades que obedecem a uma lógica que ignora o planejamento oficial, interessa saber, em Cariacica, em que medida o planejamento influencia na produção da cidade ou é influenciado por essa dinâmica. Mesmo porque o Plano “oficial” (ou mesmo os projetos contratados) tende a ser, como visto no Capítulo 1, apenas mais um vetor dentre os vários que contribuem para a (re)produção urbana. Portanto, será fundamental identificar os principais atores sociais e vetores em ação, o que se pretende fazer nesta etapa do trabalho. Não se está dizendo aqui que instituições privadas ofereceram projetos ao poder público de Cariacica a fim de favorecer determinados interesses particulares. Muito menos que a prefeitura os tenha aceitado. Pelo menos, não por enquanto. O que se procurará fazer neste capítulo é, sobretudo, a exposição de um projeto elaborado pela Associação Empresarial de Cariacica (AEC), o qual foi apresentado à municipalidade e é mencionado em um documento oficial de planejamento do município. Os três primeiros tópicos são destinados à leitura do contexto que dá origem à Agenda Cariacica 2010-2030, à discussão das bases conceituais que sustentam seu discurso de justificação e à apresentação da Agenda e do envolvimento do empresariado local na sua elaboração. Os dois tópicos finais se detêm na apresentação e discussão do Plano dos Empresários.

4.1 Antecedentes da Agenda Cariacica: o Programa Cariacica Vale Mais

No ano de 2002, a Vale (então Companhia Vale do Rio Doce) contratou um estudo denominado “Cariacica Vale Mais: Plano Estratégico da Cidade de Cariacica", com formulações para o período de 2003 a 2022. Este documento fazia

132

parte de um projeto denominado “Programa Cidade Vale Mais”, em que a CVRD deveria ajudar municípios estrategicamente importantes para a empresa a desenvolver seu planejamento estratégico, a fim de atrair investimentos. O Programa começou, na verdade, na década de 1990, no Maranhão, mas chegou ao Espírito Santo nos anos 2000, começando por Cariacica. O Programa Cidade Vale Mais obedecia ao modelo de planejamento estratégico, devendo orientar os municípios em relação a: planejamento; fortalecimento da cultura local; gestão do conhecimento e da capacidade de inovação; comprometimento com a gestão pública compartilhada; fortalecimento do capital social local; e fomento do empreendedorismo das atividades produtivas. Segundo o Prefeito da época, “o Cariacica Vale Mais, estabeleceu as diretrizes para o planejamento estratégico do município até 2022” (Gazeta Mercantil, 2004). O Programa identificou, no município, 67 projetos que deveriam ser desenvolvidos, sendo que “49 deles não dependiam do governo para se desenvolverem e sim da sociedade, desde que organizada” (Gazeta Mercantil, 2004). Entre os projetos que dependiam da municipalidade, a reportagem aponta a elaboração do Plano Diretor Municipal, a modernização da Prefeitura de Cariacica, a instalação de um Conselho de Desenvolvimento e a produção de um pacto para o desenvolvimento da região. À época, segundo Luiz Soresini, responsável pelo Cariacica Vale Mais, o município não tinha “a menor perspectiva de atrair empresas e investimentos para alavancar o seu desenvolvimento” (Gazeta Mercantil, 2004). No ano de 2010, a Prefeitura Municipal de Cariacica (PMC) elaborou, em parceria com instituições da sociedade civil organizada – dentre elas, a Federação das Associações de Moradores (FAMOC), a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e a Associação Empresarial de Cariacica (AEC) –, entidades sem fins lucrativos e a Câmara Municipal de Cariacica, um relatório para avaliar o Programa Cariacica Vale Mais. Neste relatório foi constatado que cerca de 80% das ações estratégicas propostas pelo Programa já haviam sido executas ou estavam em execução (PMC, 2010). Tal constatação permitiu que a municipalidade iniciasse um processo semelhante, agora com ações planejadas para serem executadas entre 2010 e 2030. Desse processo surge a Agenda Cariacica: Planejamento sustentável da cidade – 2010-2030, também nos moldes do planejamento estratégico, mas agora sem a supervisão direta da Vale.

133

Como será visto adiante, o Plano dos Empresários é a contribuição da AEC à Agenda Cariacica. Contudo, antes de prosseguir nesta linha do tempo até chegar ao Plano dos Empresários, é necessário trazer à tona o significado de planejamento estratégico, e o motivo pelo qual, neste trabalho, o conceito por trás do produto “Agenda Cariacica 2010-2030” é considerado mais próximo do conceito de planejamento estratégico do que o de Agenda 21, como o nome poderia sugerir.

4.2 O Planejamento Estratégico

Na trajetória do Planejamento Estratégico (PE), a Harvard Business School foi o lugar de sistematização da abordagem estratégica para empresas, resultando no que é apontado como a primeira experiência de planejamento urbano estratégico: São Francisco (EUA), em 1983. Somente após essa experiência o PE foi incorporado por Barcelona (NOVAIS, 2010). Entretanto, Arantes (2011) lembra que, embora não tenham recebido a alcunha de “planos estratégicos”, as experiências de Baltimore, Boston e mesmo de Paris (que idealiza uma reforma em Beaubourg logo após os acontecimentos de maio de 1968 e a leva a cabo em 1977) já possuíam as estratégias que seriam compiladas posteriormente por Jordi Borja e Manuel Castells em um documento encomendado pela Agência Habitat das Nações Unidas para a Conferência Habitat II, ocorrida em Istambul em 1996. Como afirma Arantes (2011, p. 49), já “estava tudo lá”, desde a década de 1960, nas intervenções ocorridas nas citadas cidades. Barcelona, considerada a experiência de maior sucesso, seria, na verdade, “uma variante a mais” (ARANTES, 2011, p. 51), já que copiou o modelo que vinha “do outro lado do Atlântico”: “em fins dos anos 1970, segundo a sonora mensagem que vinha dessas bandas, as cidades norte-americanas haviam encontrado uma fórmula mágica” (HALL apud ARANTES, 2011, p. 24). Nas palavras de Arantes, “O famoso pacote catalão de estratégias urbanas tem muito de déjà vu” (ARANTES, 2011, p. 28). Ainda assim, foi a partir de Barcelona que o modelo de PE difundiu-se amplamente por outras cidades do mundo, incluindo as brasileiras, como o Rio de Janeiro. Arantes lembra que convém “não perder de vista a origem militar da palavra estratégia, que da esfera semântica da guerra econômica foi transplantada, com

134

involuntária precisão, para um urbanismo que pelo menos confessa precisar de adversários, aliás facilmente identificáveis” (ARANTES, 2011, p. 36). Borja e Castells (1997) propõem um modelo de planejamento estratégico, com ênfase nos pontos críticos e potencialidades. Esses autores apresentaram o PE de

maneira

sistemática,

destacando

as

principais

características

de

um

planejamento adequado ao cenário competitivo globalizado em que as cidades estão inseridas. Dado o seu aspecto genérico, o modelo proposto pode ser replicado em diferentes realidades. Tais “valores” foram incorporados em “pacotes „estratégicos‟ vendidos mundo afora como uma nova fórmula de sucesso e emparelhamento futuro com as metrópoles centrais que estavam dando certo” (ARANTES, 2011, p. 15/16). Vainer (2011, p. 110) já lembrava que a matriz vinha mesmo de Harvard: no modelo SWOT – Strengthenesses (Força), Weakenesses (Fraquezas), Oportunities (oportunidades) e Threats (Ameaças) – do planejamento estratégico empresarial. Identificar tais entraves e potencialidades em uma cidade era o que os planejadores urbanos precisavam fazer para que pudessem mantê-la competitiva. Assim, o modelo em questão estaria “muito mais próximo da gestão urbana empresarial de matriz americana que acabou se generalizando” (ARANTES, 2011, p. 20). Não foi difícil a propagação do modelo de PE esquematizado pelos catalães pelas maiores cidades do mundo. Isto porque seus promotores foram hábeis na difusão do modelo, o qual, por sua vez, era compatível com os interesses de determinados agentes. Estes, por seu turno, compartilhavam o ideário de que as cidades estariam submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas, devendo, portanto, ser geridas como tal. A principal “condição e desafio” a que estariam submetidas tanto as empresas quanto as cidades seria “um ambiente de concorrência, [...] incerto e instável”, possibilitado, sobretudo, pela mundialização da economia e pelos avanços tecnológicos, sobretudo em comunicação. Assim, as cidades, como as empresas, estariam vivendo um momento de “crescente competição” entre si (BORJA, 1995, p. 276). Portanto, “a nova questão urbana teria, agora, como nexo central a problemática da competitividade urbana” (VAINER, 2011, p. 76; grifos do original). A partir da constatação desse ambiente de incerteza (ou da divulgação da existência de tal ambiente), alguns teóricos iriam propalar a necessidade de as cidades adotarem o mesmo modelo de planejamento que as empresas estavam aderindo para obter sucesso em um “ambiente hostil”. Castells e Borja (1990)

135

afirmam, por exemplo, que “a globalização76 exige” das cidades metropolitanas e das grandes cidades que estas ofereçam “plataformas competitivas” e que promovam sua “imagem internacional”, funcionando “de forma eficiente e com regras e convenções claras e estáveis”, o que pode ser conseguido ao implantar o planejamento estratégico. Segundo Arantes, vários críticos e economistas de tendência mais conservadora “passaram a década de 1970 responsabilizando esse braço urbano das políticas keynesianas do Estado Social pelo desvirtuamento e inibição das localizações empresariais ótimas e, assim, pela decorrente degradação das áreas urbanas centrais” (ARANTES, 2011, p. 21). O fato é que a desindustrialização era real para muitas das grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos 77. É possível mencionar algumas situações que permitiram a saída de grandes plantas industriais e empresas de importantes cidades industriais norte-americanas e europeias: os novos instrumentos financeiros, os avanços tecnológicos em comunicação (que passaram a permitir que grandes fábricas e empresas fossem geridas a quilômetros de distância), os avanços também em ciência e tecnologia (que permitiram que várias partes de um mesmo produto pudessem ser fabricadas em lugares distintos e, muitas vezes, montadas em um outro lugar), a precariedade, em alguns países, na regulação de leis trabalhistas e ambientais (que permitiam que nos países menos desenvolvidos os salários fossem mais baixos e os danos ao meio ambiente fossem mais tolerados) etc. Para que pudessem retomar o status que estavam perdendo, tais cidades passaram a apostar na chamada “revitalização urbana”, termo que Arantes (2011, p. 14) aproxima do conceito de gentrification: “A gentrificação é uma resposta específica da máquina urbana de crescimento a uma conjuntura histórica marcada pela desindustrialização e consequente desinvestimento de áreas urbanas significativas, a terceirização crescente das cidades, a precarização da força de trabalho remanescente e sobretudo a presença desestabilizadora de uma underclass fora do mercado” (ARANTES, 2011: 31).

76

Termo que, para Arantes (2011, p. 27), não passa de uma forma vulgar de se referir à “retomada da hegemonia americana”. 77 Deste fato dão conta, ainda que de passagem, tanto Hall, em Cidades do Amanhã (2007; sobretudo no capítulo 11) quanto Harvey (sobretudo em Do Administrativismo ao Empreendedorismo, 2005). Hall chega a citar o livro de Barry Bluestone e Bennett Harrison, The Deindustrialization of America, de 1982.

136

Neste ambiente onde pairava uma “sensação coletiva de crise”, em cidades com “populações deprimidas por duas décadas de estagnação econômica e catástrofe urbana”, não seria difícil “persuadi-las a se tornarem „competitivas‟”, sobretudo se o senso comum econômico apela para a “fabulação” de que “o crescimento enquanto tal faz chover empregos” (ARANTES, 2011, p. 17/27). Assim, “a orientação e o controle da expansão urbana foram „repentinamente substituídos pela obsessão de encorajar o crescimento‟”; um “crescimento a qualquer custo” (ARANTES, 2011, p. 22). De acordo com tal ideologia, as administrações municipais precisavam garantir uma receita que mantivesse a máquina administrativa funcionando, mas recorrendo a outras fontes de recurso que não às dos governos federal e estadual, os quais alegavam a necessidade de manter a máquina enxuta. Dessa forma se fazia crer que às cidades (ou às coalizões de força dominantes por trás delas) não restava senão competirem entre si à procura de investimentos externos. Entretanto, num contexto de globalização, para que se tornassem atraentes a um capital cada vez mais móvel, as cidades precisavam parecer – talvez mais do que ser – um local de sucesso. E como tal deveriam ser divulgadas. E, segundo seus entusiastas, somente as cidades dotadas de um plano estratégico seriam capazes de realizar tal tarefa e gerar as respostas que a competição entre cidades requeria. A racionalidade do modelo catalão de Planejamento Estratégico está fundada no espaço metropolitano. Isso significa que sua espacialização se dá na escala urbano-regional, entendida por Borja e Castells como descontínua, funcional, objeto das atuações de futuro e esfera da integração sociocultural. Nessa linha, o espaço metropolitano ou urbano-regional assim considerado impõe-se como espaço (estratégico) do planejamento estratégico. O tipo de planejamento proposto por Borja e Castells parte de três princípios básicos: i) definição de objetivos urbano-regionais (metropolitanos) a partir das dinâmicas em curso; ii) dialética permanente entre objetivos-projetos-impactos; e iii) concertação [alinhamento de ideias] de agentes públicos e privados em todas as fases do processo de elaboração e execução. Trata-se, assim, na visão de Borja e Castells (1997), de uma forma de condução da mudança a partir de uma análise participativa da situação vigente e sua possível evolução, e da definição de uma estratégia de investimento de recursos

137

escassos em pontos críticos. A inovação em relação a outras modalidades de planejamento reside na difusão de uma visão de futuro aliada a um forte investimento em processos de participação e unificação da cidade, em torno de objetivos comuns, articulando desenvolvimento econômico e desenvolvimento e integração sociais. Como foi dito, em um ambiente tomado por uma sensação coletiva de crise não fica difícil “unificar a cidade” (criar consensos) em torno de um projeto que invoca sempre a “geração iminente de empregos” (ARANTES, 2011: 29). Não deve ser à toa que Borja e Castells (1997) dedicam boa parte de seu texto a demonstrar que o planejamento territorial convencional já não dava mais conta da realidade globalizada. Os autores apresentam essa “realidade”: uma crise da cidade vinculada à aparente ausência de planejamento por parte do poder público (ou pelo menos sua flagrante ineficácia). Afirmam que havia, na época em que escreveram o texto, duas formas predominantes de se “fazer cidade”: uma, na qual o Estado, entendido aqui como poder público sobretudo municipal, apenas fiscaliza os resultados das ações individuais de particulares, em que a cidade seria apenas o resultado dos fluxos formados a partir dos deslocamentos entre esses empreendimentos; e outra, na qual o Estado é propositivo, podendo atuar de duas maneiras diversas: através do que eles chamam de “Planos Gerais” (institutos normativos, como os Planos Diretores Municipais, por exemplo) ou através do que eles chamam de “Grandes Projetos”, que seriam intervenções, segundo os autores, desarticuladas entre si, mas com grande potencial de gerar centralidades e outros impactos (tanto positivos quanto negativos). Após

dedicarem

algumas

páginas

discorrendo

sobre

a

“crise

do

planejamento”, Borja e Castells apresentam uma solução para o problema: o planejamento estratégico. Interessante notar que o PE, da maneira como estes autores o formulam, não é avesso nem aos planos diretores nem aos grandes projetos; pelo contrário, teria a capacidade de dar unidade a essas formas de planejamento, de forma organizada, estratégica. Mas, segundo Borja e Castells (1997) a grande novidade é que não haveria como ficarem esquecidos numa gaveta, como muitos grandes projetos municipais, nem ficariam sobre a mesa dos técnicos como um instrumento normativo, esperando a iniciativa privada: no decorrer do processo seriam firmados uma série de acordos entre poder público e iniciativa privada que determinariam, de início, quais os resultados esperados e a quem cumpre executar cada uma das tarefas necessárias para se chegar a eles. Ainda

138

durante o processo, a sociedade civil seria chamada para validar o processo, de forma que pudesse ser chamado de participativo. Para Borja e Castells, o resultado positivo da mudança pretendida dependeria do grau de eficiência da avaliação inicial de fatores endógenos e exógenos, positivos e negativos, a partir dos quais são projetadas a situação possível e a situação desejável, capaz de direcionar as linhas de ação. O modelo de PE que os autores apresentam compreende ações relativas, principalmente, à acessibilidade e mobilidade, à busca de um consenso social, aos recursos humanos, à cultura, à infraestrutura econômica, à informação e telecomunicações e à qualidade dos serviços públicos. O discurso de legitimação construído por Borja e Castells (1997) sobre o Planejamento Estratégico afirma que o PE tende a conferir coerência territorial e econômica aos principais projetos e garantir que estes sirvam para desenvolver a articulação do conjunto do espaço urbano-regional. Para tanto, o processo de definição dos projetos prioritários se dá “coletivamente”, num processo em que se destaca a centralidade do PE, na medida em que opera objetivamente no sentido de legitimar os grandes projetos urbanos. Nessa linha, o caráter participativo do PE deve contribuir para manter um compromisso, e o Estado funciona como mediador e criador de consensos. Deve-se buscar, ao mesmo tempo, o equilíbrio entre os agentes mais fortes e os menos fortes, no âmbito do processo de definição dos conteúdos, das formas e dos tempos dos projetos. Por pretender representar um amplo consenso social, o plano estratégico transfere suas qualidades para os grandes projetos, numa estratégia de legitimá-los. Porém, destacam Borja e Castells, a complexidade desse processo quase sempre entra em contradição com os tempos políticos, eleitorais e administrativos, o que significa que o plano e os grandes projetos devem possuir um tempo próprio e independente. Algo raro de acontecer na realidade de muitas cidades brasileiras. O processo definidor dos grandes projetos, para além de um simples resultado da vontade dos atores implicados na sua elaboração, deve contar com instrumentos complementares capazes de proporcionar uma base política ou jurídica ao projeto e sua implantação. Em geral, segundo Borja e Castells, as fases por que passa a prática do planejamento estratégico são as seguintes:

139

i) etapa inicial (pré-diagnóstico); ii) diagnóstico pró-ativo, que permite que as Comissões do Plano, composição ampla e plural, definam atuações dos objetivos propostos; iii) uma vez definidos o cenário desejável, os objetivos e as linhas de ação, deve ser elaborado por parte das Comissões (aqui distintas daquelas da fase 2) uma listagem de projetos; a seguir, os órgãos centrais do Plano (políticos e técnicos) reelaboram e selecionam estas listagens de modo a conseguir a máxima coerência e estabelecer uma ordem de prioridades; iv) a etapa final do Plano compreende a formação de Comissões ad hoc, a partir da aprovação pelos órgãos centrais dos projetos pré-desenhados, que serão encarregadas do monitoramento, promoção e, quando necessário for, da implantação. Objetivamente, no caso da elaboração da Agenda Cariacica, 19 consultores específicos foram contratados para realizar o diagnóstico de cada uma das 15 áreas temáticas definidas: Mobilidade, Sistema Viário, Trânsito e Transporte; Uso e Ocupação do Solo no Meio Urbano e Rural; Habitação; Contexto Econômico: Potencialidades de Emprego e Renda; Tecnologia da Informação e Comunicação; Energia; Meio Ambiente, Humanização da Cidade e Saneamento; Turismo; Cultura; Esporte e Lazer; Saúde; Educação; Direitos Humanos e Juventude; Segurança Pública e Cidadania; Assistência Social; e Gestão Pública Municipal. Os diagnósticos foram discutidos com setores específicos da administração pública municipal (as informações sobre meio ambiente foram discutidas na Secretaria de Meio Ambiente; as de uso e ocupação do solo na Secretaria de Desenvolvimento Urbano; e assim por diante). A estas informações foram acrescidos os dados relativos à dinâmica populacional de Cariacica para, enfim, serem apresentadas à sociedade civil (em um evento de livre participação, ou seja, não era necessário fazer parte de nenhuma organização da sociedade civil; bastava ser morador de Cariacica). Após breve apresentação da dinâmica que deveria reger as atividades do dia, as pessoas foram separadas, segundo seu próprio interesse, de acordo com as áreas temáticas estabelecidas. Em salas separadas, cada grupo foi apresentado ao diagnóstico elaborado pelos consultores, já incluídos os devidos apontamentos feitos por cada secretaria afim, e o mesmo foi posto em debate. O objetivo do debate era obter, a partir do grupo, os principais problemas e potencialidades de cada área

140

temática, bem nos moldes do SWOT. Num segundo momento, o grupo discutia o que era necessário fazer para valorizar as potencialidades e superar os problemas, indicando ainda de quem era a responsabilidade por fazê-lo. Por fim, os resultados foram expostos em assembleia geral, e novamente postos em discussão. Aquele momento era também o de ver quais as propostas coincidentes entre as diversas áreas temáticas (soluções para o meio ambiente que passavam pela educação, por exemplo) e, sobretudo, de elencar os projetos prioritários. O resultado disso foi (ou deveria ter sido) compilado no documento

Agenda Cariacica 2010-2030:

Planejamento sustentável da cidade, documento municipal que se aproxima muito mais do conceito de planejamento estratégico, como foi visto, do que do conceito de Agenda 21, como o nome poderia supor. Isto porque, apesar de o processo de elaboração de uma Agenda 21 local ter alguns elementos que também se fazem presentes na elaboração do planejamento estratégico, como por exemplo, a criação de “Fóruns, Conselhos e outros formatos participativos e de formação de consenso” (BEZERRA, 2006: 91; grifos do original), a Agenda 21 focaliza o meio ambiente como assunto central. De acordo com Bezerra (2006: 91): A Agenda 21 é o documento assinado por 170 governos de países participantes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Rio-92, apresentando uma série de diretrizes para o desenvolvimento sustentável, dentre elas a elaboração de Agendas 21 pelos governos locais [...]. A Agenda 21 local veio assim se constituindo numa instância de articulação social apresentada como capaz de associar políticas públicas de ordenamento territorial a dinâmicas participativas no tratamento das preocupações com o meio ambiente (BEZERRA, 2006: 91. Grifo nosso).

De qualquer forma, é curioso como cidades do Brasil possam ter se apropriado de um produto que nasceu em contexto tão distinto. Na década de 1980, as possibilidades de flexibilização do modo de produção capitalista permitiram que, a princípio,

empresas

e

indústrias

pudessem

estar

em

qualquer

lugar

e,

principalmente, possam ser governadas de qualquer lugar. Dessa maneira, assistimos a um movimento que teve dois sentidos: para um lado, a migração e dispersão de uma série de plantas industriais e empresas para locais onde sua manutenção fosse mais barata (mão-de-obra mais barata, terra mais barata, maior flexibilização quanto às legislações, sobretudo ambientais, incentivos fiscais etc.); e, para outro lado, a concentração das sedes e dos centros decisórios dessas

141

empresas para locais hoje reconhecidos como “cidades globais”78, tal o grau de conexão das mesmas com o resto do mundo, de onde se tem acesso ao que há de mais novo em tecnologia de informação e comunicação.

4.3 A Agenda Cariacica 2010-2030 e a elaboração do Plano dos Empresários

Para

a

elaboração

da

Agenda

Cariacica

2010-2030:

Planejamento

Sustentável da Cidade foi composta uma estrutura que contava com uma Coordenação Técnica79, uma Coordenação Executiva80 e uma equipe de Consultores (coordenada por Carlos Teixeira Campos Junior, professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo). A responsabilidade pela elaboração da Agenda ficou a cargo da Secretaria de Governo (SEMGE) da Prefeitura Municipal de Cariacica, que a estruturou em 15 áreas temáticas, de modo que cada uma delas contasse com o auxílio de pelo menos um consultor, os quais tiveram o prazo de um ano para realizar os trabalhos. É na área temática “Meio Urbano e Rural: Uso e Ocupação do Solo”, que teve consultoria de Marco Antonio Romanelli e Patrícia Stelzer, que se encontram menções ao Plano dos Empresários. Além da SEMGE, faziam parte dos chamados “promotores da Agenda” a Câmara de Vereadores de Cariacica, a Federação das Associações de Moradores de Cariacica (FAMOC) e a Associação Empresarial de Cariacica (AEC). Esses “promotores” deveriam compor diretamente a Coordenação Técnica da Agenda, que tinha a finalidade de acompanhar diretamente a ação dos consultores. Segundo relatos de gestor da Prefeitura de Cariacica á época da elaboração do Plano 81, a AEC fez objeções diretas a esta proposta da PMC, e só aceitou a possibilidade 78

Conceito inicialmente proposto por Saskia Sassen em A Cidade Global, 1991. Da qual faziam parte: Auta Fernandes, da Federação das Associações de Moradores de Cariacica (FAMOC); Carlos Teixeira Campos Junior, Coordenador da Equipe de Consultores; Cleber José da Silva, da Câmara de Vereadores; Gabriela Gilles Ferreira, Subsecretária Municipal de Planejamento (SEMPLAN); Giovana Gava Camiletti, Subsecretária Municipal de Governo (SEMGE); Lauriéte Caneva, Secretária Municipal de Governo (SEMGE); Patrícia Sartini, da Associação Empresarial de Cariacica (AEC); Pedro Gilson Rigo, Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SEMDETUR); Renato Laures, Secretário Municipal de Planejamento (SEMPLAN); Zenóbio Eloy Fardin, da Associação Gestora do Plano Estratégico de Cariacica (AGEPLAN). 80 Composta por Lauriéte Caneva, Supervisora; Giovana Gava Camiletti, Coordenadora; e Gabriela Gilles Ferreira, Coordenadora; além de onze funcionários da PMC que assumiram a função de técnicos ou apoio da Coordenação Executiva. 81 Depoimento a respeito da participação da AEC na Agenda Cariacica. Entrevista concedida a Cleuber da Silva Junior. 79

142

dessa consultoria se a mesma tivesse como base um estudo que a própria AEC contrataria. Diagrama 1 – Processo que resultou na Agenda Cariacica e no Plano dos Empresários: Planejamento Estratégico da CVRD (hoje VALE) para cidades que a interessavam (Déc. 1990) Cariacica Vale Mais

Revisão do Plano Cariacica Vale Mais

(2003)

(2009)

Agenda Cariacica: 2010-2030

2010

Áreas Temáticas Dinâmica

Economia

Populacional

Emprego e

Gestão Pública

Educação

Saúde

Cultura

Renda Tec. da Inform.,

Assistência

Direitos

Segurança e

Comunicação e

Social

Humanos e

Cidadania

Energia Turismo

Juventude Esporte e Lazer

Uso e

Mobilidade,

Meio Ambiente

Ocupação do

Sistema Viário,

e Saneamento

Solo

Transporte

Área Temática: Uso e Ocupação do Solo (Meio Urbano e Rural) Analisa os seguintes Estudos e Projetos que têm interface com Cariacica: Programa de Mobilidade Metropolitana (Governo do Espírito Santo) Plano Diretor Viário de Cariacica (PMC) Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Des. Sust. de Cariacica (AEC)

Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica (Estudo Macroviário) (Elaboração: FUTURA / Agreste; Contratante: AEC)

Organização: Cleuber da Silva Junior, 2014.

143

O processo que resultou no Plano dos Empresários pode ser descrito em sete movimentos: 1º Movimento: A AEC se propõe a contribuir com o processo da Agenda Cariacica através da elaboração de um estudo denominado Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas (abreviado, no próprio documento, como Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica). 2º Movimento: A AEC contrata a empresa de consultoria Futura e a Construtora Agreste para elaborarem o respectivo estudo. 3º Movimento: As empresas contratadas percorrem os governos municipais da Grande Vitória e o Governo do Estado à procura de projetos (sobretudo viários) que tivessem interface com o município de Cariacica. Algumas empresas de grande porte, como a Vale e a Companhia Docas do Espírito Santo (CODESA), também foram consultadas a este respeito. 4º Movimento: O resultado gráfico desta investigação é plasmado em um mapa, denominado Estudo Macroviário de Cariacica. Apenas fragmentos (detalhes) deste Mapa aparecem no Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica; o Mapa em sua íntegra figura como um objeto independente. 5º Movimento: O Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica é apresentado à Coordenação Técnica da Agenda Cariacica, mas não o mapa. 6º Movimento: Este Estudo é repassado aos consultores da Agenda Cariacica cuja área temática tivesse interrelação com o assunto. 7º Movimento: O Estudo Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica é citado na Área Temática Meio Urbano e Rural: Uso e Ocupação do Solo e Habitação da Agenda Cariacica como um dos cinco projetos viários propostos para o município. Em um movimento paralelo, em 2010, o Mapa do Estudo Macroviário é apresentado formalmente (em arquivo e em versão impressa) pela AEC à municipalidade em uma reunião do Conselho Municipal do Plano Diretor de Cariacica82.

82

Interessante notar que, tanto Marco Romanelli (consultor da Agenda Cariacica na Área Temática de Uso e Ocupação do Solo) quanto Fernando Betarello (diretor-presidente da Companhia de

144

Assim, a AEC, enquanto promotora da Agenda, ficou responsável por intermediar a contratação de um estudo que iria servir de base para o trabalho dos consultores da Agenda. Este estudo foi chamado de “Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas” e foi a contribuição da AEC ao processo de elaboração da Agenda Cariacica. Acontece que a AEC é, como a mesma se define, “um braço” do Movimento Empresarial Espírito Santo em Ação, e alguns dos mais atuantes membros dessa organização eram diretores da Futura, uma empresa especializada em pesquisas no Estado do Espírito Santo. De fato, os três Diretores da Futura têm atuação direta no Espírito Santo em Ação: Orlando Caliman é Vice-Presidente Institucional do ES em Ação, ao passo que João Gualberto Moreira Vasconcellos e José Luiz Soares Orrico são Conselheiros da Entidade. De modo que a escolha da Futura como empresa ideal para realizar o estudo solicitado pela AEC foi quase que imediata. Aliás, a Futura já havia feito trabalho similar para outros municípios83 e, de acordo com Camiletti84, já tinham inclusive previsto esta possibilidade para Cariacica quando da constituição da AEC, que se deu em 2009. Há aí alguns pontos que merecem consideração. Em primeiro lugar, chama a atenção os atores que se repetem ocupando posições distintas. O Espírito Santo em Ação nasce de um grupo de empresários que se une para fundar, em 2003, uma entidade que “visa a tornar as empresas ainda mais conscientes e participativas em seu papel econômico e social”85. A partir daí, passa a incentivar que o mesmo tipo de associação possa acontecer localmente, nos municípios, e a Associação Empresarial de Cariacica é um exemplo disso. Entre as 34 empresas que integram o Espírito Santo em Ação, a Futura Consultoria e Pesquisa e pelo menos mais cinco empresas também estão presentes na constituição da AEC. Em

segundo

lugar, num ambiente

de extrema

imprevisibilidade,

é

extremamente funcional ao setor empresarial uma relação de proximidade com uma empresa de consultoria que realiza pesquisas de mercado e presta consultoria ao Desenvolvimento de Cariacica [CDC] desde 2012) e André Victor (então Subsecretário de Trânsito, hoje diretor-técnico da CDC) informaram nunca terem visto o Mapa de Estudo Macroviário na íntegra. 83 Desenvolveu, por exemplo, o Plano de Desenvolvimento Estratégico e Sustentável do Município de Itapemirim. 84 CAMILETTI, Giovana Gava (então Subsecretária de Governo). Entrevista a respeito da participação da AEC na Agenda Cariacica. Vitória, 30 jan. 2014, concedida a Cleuber da Silva Junior. 85 Texto retirado de http://www.esacao.org.br/index.php?id=/institucional/espirito_santo_em_acao/index.php; acesso em 27/08/2014.

145

setor econômico, atuando em estratégicas de mercado, políticas, governamentais, eleitorais e de relacionamento e sustentabilidade86. Por fim, salta aos olhos a quantidade de empresas que participam da AEC (e/ou do Espírito Santo em Ação) que atuam diretamente no setor de transporte e logística (tais como Cotia e Grupo Águia Branca) ou cuja movimentação envolve diálogo direto com áreas portuárias, retroportuárias e hinterlândias (como, por exemplo, Vale, Samarco e ArcelorMIttal). Quadro 1 – Empresas que fazem parte da Associação Empresarial de Cariacica

Empresa

Ramo de Atuação

Associação das Empresas Permissionárias de Regime Aduaneiro (APRA) Aquarela Silk e Sign ArcelorMittal Armazéns TERCA Viação Águia Branca Faculdades Espírito Santo SA (FAESA) Grupo Sá Cavalcante Hospital Meridional

Atividade Portuária

RMGV

Comunicação Visual Aço e Derivados Serviços Aduaneiros, Descarga, Separação e Distribuição de Cargas Transporte de Pessoas e Cargas

Municipal Internacional

Ensino Universitário

RMGV

Construção e Incorporação (geral) / Construção e Administração de Shopping Centers / Participação na TV Capixaba (Rede Bandeirantes-ES)

Nacional

Serviços Médicos Imobiliária, Loteamentos e Construção

Imobiliária Universal

Gerenciamento de Resíduos Sólidos (Coleta, Transporte, Tratamento e Disposição) Logística e Comércio Internacional

Marca Ambiental Multilift Logística

Área de Abrangência

Internacional Nacional

RMGV RMGV RMGV Internacional

Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do ES (TRANSCARES)

Associação Sindical

Estadual

Vale

Mineração

Internacional

Organização: Cleuber da Silva Junior, 2014.

86

Ainda mais quando, nas palavras da própria Empresa, “desde 1993, a Futura é sinônimo de acerto em estratégias que levam a compreender melhor o ambiente em que as mais diversas instituições estão inseridas”. Retirado de: http://futuranet.ws/institucional/; acesso em 27/08/2014.

146

A partir desta ótica, o conflito reside no fato de que o interesse da AEC em pautar questões na área do sistema viário estava exclusivamente ligado à necessidade de locomoção de cargas e mercadorias (basicamente, questões que envolvem a lógica de escoamento de produtos do/para o porto), ao passo que o interesse da PMC nessa área temática abrangia, além da questão econômica, questões ligadas ao transporte público (incluindo questões relativas à concessão de empresas e ao Sistema Transcol87, que abrange toda a Região Metropolitana), à resolução de problemas de tráfego em pontos específicos, à melhoraria no acesso de pessoas com dificuldade de locomoção a áreas importantes da cidade e outras questões ligadas à mobilidade urbana. Não é difícil perceber que são visões diferentes da cidade: a AEC enxerga o território do município apenas como um obstáculo a ser vencido da maneira mais rápida possível; a municipalidade88, como um ambiente complexo que precisa ser agenciado de modo a se manter competitivo na atração de empresas e geração de tributos, mas que também precisa garantir a reprodução da força de trabalho. Assim, a Associação Empresarial de Cariacica se propôs a intermediar o processo de contratação do estudo que mais diretamente poderia afetá-la, qual seja o de transporte de pessoas e mercadorias. Portanto, depois de “muitas reuniões bem difíceis”89, a Coordenação Técnica da Agenda pactuou com a AEC que a entidade contrataria um estudo “mais dinâmico”90, que tratava também de questões socioeconômicas do município (o já mencionado Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas). Dentro deste documento, a AEC inseriu detalhes de um documento gráfico mais técnico, um mapa, que recebe o nome de “Estudo Macroviário de Cariacica”. Este mapa consiste basicamente no levantamento de intervenções viárias sugeridas para a região, tratando basicamente das questões logísticas, com a finalidade de definir e/ou redefinir traçados de algumas vias – já que os empresários estavam interessados em descobrir meios de 87

O sistema de transporte coletivo que atua na Grande Vitória (TRANSCOL) será apresentado no próximo tópico. 88 Embora seja necessário ressaltar que a municipalidade (aqui entendida como administração pública municipal) não é constituída como um bloco homogêneo, mas um órgão cheio de contradições internas. Para mais sobre o assunto, ver BOURDIEU, P. A Mão Esquerda e a Mão Direita do Estado. In: Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 89 De acordo com o que foi relatado por Camiletti. Vitória, 30 jan. 2014. 90 Nas palavras de Camiletti. Vitória, 30 jan. 2014.

147

“viabilizar o transporte de cargas [na Rodovia do] Contorno para minimizar custos”, e o que havia sido proposto pela PMC “não atendia aos desejos e anseios diretos dos empresários”91. Para a elaboração deste mapa, a Futura contratou os serviços de Carlos Fernando Vasconcellos, Gerente de Projetos na Construtora Agreste Ltda. Ainda segundo relatos de gestor da PMC à época da elaboração da Agenda, o interesse de Vasconcellos seria também o de “vender o projeto para o Governo do Estado e prestar consultoria”. A impressão que se tem é a de que, se as propostas apresentadas pela AEC/Futura fossem executadas, seriam beneficiadas, em primeiro lugar, justamente as empresas que lêem o território de Cariacica como um obstáculo a ser vencido. Além da presença da AEC compondo a Coordenação Técnica da Agenda, chama a atenção, dentre os consultores, a presença da empresa Futura (que atua no ramo de pesquisas) e da Construtora Agreste, as quais prestaram consultoria na Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica, documento em que aparecem detalhes do “Estudo Macroviário”, mapa de intervenções viárias que aqui está sendo denominado Plano dos Empresários. Pelo que foi possível absorver das reuniões e entrevistas realizadas, este mapa foi elaborado a partir da coleta de informações sobre diversos projetos relacionados à RMGV, os quais foram espacializados por uma equipe técnica contratada (Futura/Agreste), resultando num grande mapa com intervenções viárias (o Estudo Macroviário) que, na verdade, constitui o conteúdo central do Plano dos Empresários. Não se sabe em que medida o Plano dos Empresários influenciou decisões públicas ou, por outro lado, ele simplesmente se constituiu em um meio para o acesso a informações privilegiadas que permitiriam aos empresários moverem melhor suas peças no tabuleiro urbano. Ou seja, em uma realidade em que o capital assume uma mobilidade cada vez maior, em que o lucro dos investimentos pode ou não se confirmar, se torna bastante pertinente saber que locais da cidade serão beneficiados por uma nova via, ou onde se pretende instalar um novo polo de atividade industrial.

91

Segundo relato de gestor da PMC à época da elaboração do Plano.

148

Imagem 23 – Detalhe do Estudo Macroviário de Cariacica.

Detalhe para a previsão de implantação do loteamento Orange Park. Fonte: Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica. AEC/Futura/Agreste, 2010, p. 20.

Tampouco é possível afirmar categoricamente que o Plano pode ser compreendido como um processo de planejamento, já que, apesar de figurar num instrumento do poder público (a Agenda Cariacica), não há indícios, até o momento, de que o Plano venha a ser adotado, como tal, pela municipalidade (e aqui o Estado está sendo considerado como órgão “planejador por excelência”). Inclusive, como será demonstrado adiante, a proposta viária apresentada pelos consultores da Agenda Cariacica que trataram do tema Uso e Ocupação do Solo: Meio Urbano e Rural difere em inúmeros pontos do Plano apresentado pelos empresários. Todavia, o Plano deve ser entendido como uma tentativa privada de planejamento, a qual, inclusive, é mencionada por um documento oficial do município (o que não é pouca coisa). Além disso, pode ser entendido como um processo de produção da cidade, já que, possivelmente, decisões foram tomadas tendo como base o Estudo Macroviário. Como mostra o caso do loteamento Orange

149

Park92, em Vila Velha, por exemplo, não parece exagero supor que a decisão dos irmãos Laranja em realizar o parcelamento esteja vinculada às obras de execução da Rodovia Leste-Oeste, incluída no estudo (ver Imagem 23). Entretanto (e isso se pretende mostrar mais adiante), se comparados o Estudo Macroviário com os projetos oficiais elaborados pelo poder público (Governo do Estado, Conselho Metropolitano de Desenvolvimento e Prefeitura de Cariacica), ficará nítido que muitas das intervenções que aparecem no Plano dos Empresários não constam em nenhum dos planos oficiais do poder público – que é a quem, ao fim e ao cabo, compete o planejamento do território. Esta comparação será demonstrada na parte final deste capítulo.

4.4 O Plano dos Empresários: apontamentos iniciais

Para uma primeira aproximação do Plano dos Empresários, é preciso examinar sua inserção na Agenda Cariacica e buscar compreender, ainda que superficialmente, as visões e motivações do empresariado local. Por outro lado, por se tratar basicamente de um estudo viário, é preciso conhecer as condicionantes dadas pelo planejamento e gestão do setor público em mobilidade urbana.

4.4.1 A inserção do Plano dos Empresários na Agenda Cariacica Como o Plano dos Empresários trata eminentemente de intervenções viárias, as duas áreas temáticas da Agenda Cariacica que mais interessam são justamente as que fazem interface com o sistema viário, quais sejam “Mobilidade, Sistema Viário, Trânsito e Transporte”, a qual contou com a consultoria de Paulo Roberto Simões, e “Uso e Ocupação do Solo no Meio Urbano e Rural”, que teve consultoria de Marco Antonio Romanelli e Patrícia Stelzer. Por incrível que pareça, na parte da Agenda que trata de mobilidade o Plano dos Empresários sequer é mencionado. Aliás, nenhum plano ou projeto viário, seja de iniciativa pública ou privada, é considerado neste capítulo (apenas a necessidade de revisão do Plano Diretor Viário aparece mencionada à página 24, nada mais). 92

Para mais informações, ver http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/01/592887vila+velha+se+prepara+para+crescer+pelo+lado+oeste.html. Acesso em 12/01/2015. A área, que pertence a cinco irmãos da Família Laranja, corresponde a 7.084.872,78 metros quadrados, o que equivale a aproximadamente 3% da área total do Município de Vila Velha. A família possui terrenos também em Cariacica.

150

Neste ponto, o consultor apresenta a definição de mobilidade como a “capacidade de deslocamento de pessoas e veículos no espaço físico do município para a realização de suas atividades cotidianas (trabalho, educação, saúde, cultura, abastecimento e lazer), num determinado tempo, segurança e conforto” (SIMÕES, 2012: 6). Curiosamente, ao longo de todo o texto, o autor não especifica o que está sendo locomovido, de maneira que é possível supor que esteja tratando apenas de um tipo especial de carga: o ser humano. Os locais de onde vêm os insumos e para onde vão os produtos não são levados em conta neste conceito de mobilidade. Talvez, por ter o autor partido de tal definição de mobilidade, os projetos viários que se preocupam em facilitar os deslocamentos de cargas (como parece ser o caso do Plano dos Empresários) não são considerados neste tópico. Ao invés disso, o consultor está preocupado com o aumento da frota de veículos, sobretudo particulares – carros e motos representando 90,8% do total de veículos (SIMÕES, 2012: 9) –, e com o transporte público – o Sistema TRANSCOL93, mais especificamente. Este sistema de transporte metropolitano atende ao município de Cariacica através de um convênio administrado pela Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (CETURB-GV), e se configura como única possibilidade oficial de transporte público do município. A relevância que o TRANSCOL possui para a análise do Plano dos Empresários é particularmente importante, de modo que a análise desse Sistema não se esgota aqui. O assunto será abordado novamente mais para frente. Voltando ao tópico sobre Mobilidade da Agenda Cariacica, o consultor dedica grande parte do capítulo ao estudo das principais vias do município: principais fluxos, características físicas, principais corredores viários, eixos secundários, pontos de conexão, capacidade viária, pontos de estrangulamento etc. É na área temática de “Uso e Ocupação do Solo” que serão encontradas menções ao que está sendo chamado aqui de Plano dos Empresários. Isto porque, segundo o próprio consultor deste tema, o uso e a ocupação do solo urbano não podem ser vistos – nem tratados – de maneira dissociada do sistema viário que permite ao cidadão acessar os usos possíveis num determinado espaço urbano. A 93

“O TRANSCOL é um sistema de transporte coletivo intermunicipal, funcionando através de uma estrutura tronco-alimentadora que interliga os cinco municípios da Grande Vitória. A interligação é feita através de terminais urbanos estrategicamente localizados, de onde são feitas as distribuições para os bairros, pagando, o usuário, uma única tarifa” (SIMÕES, 2012, p. 11).

151

definição dos consultores a respeito de Uso e Ocupação do Solo ajuda a ilustrar esse vínculo: uso do solo se refere a onde se instala o quê; já ocupação do solo se refere a quanto se instala do quê (ROMANELLI; STELZER, 2012, p. 5; grifos do original). Ou seja, só é possível instalar alguma atividade (habitação, trabalho, lazer) onde seja possível o acesso, da mesma forma que o quanto de cada atividade pode ser instalado deve estar intimamente vinculado à capacidade de suporte do eixo viário que lhe dá acesso (ainda que projetualmente). Assim, este capítulo da Agenda investiga alguns projetos que tratam não apenas de problemas como aumento da frota, transporte público ou capacidade física das vias, mas que estruturam fisicamente (ou propõem uma estrutura física) o território (onde acontecerá a troca, o mercado, o descanso etc.). Logo, o Plano dos Empresários não apenas aparece no capítulo sobre Uso e Ocupação do Solo, como é considerado como uma das alternativas a que o traçado de Cariacica poderia estar sujeito (da mesma forma que os projetos do Governo do Estado ou do próprio município). No item intitulado “Os diversos desenhos” da Área Temática Uso e Ocupação do Solo, Romanelli e Stelzer reconhecem a importância de Cariacica tanto como conexão entre o Espírito Santo e os principais eixos viários federais (a partir da BR101 e da BR-262) quanto como suporte através do qual passam (e, algumas vezes, ficam) as atividades de caráter produtivo e logístico no contexto metropolitano. Portanto, tendo o município estas características, “não lhe faltam projetos viários”: “Alguns destes buscam rever a conectividade metropolitana, outros promover novas áreas de expansão urbana e industrial e existem ainda aqueles com o intuito de reduzir a distância entre Rodovias Federais e a capital Vitória ou áreas portuárias de Vila Velha”. (ROMANELLI; STELZER, 2012, p. 20). Assim, os consultores apresentam os principais aspectos de três projetos distintos para o sistema viário de Cariacica: o Programa de Mobilidade Metropolitana, do Governo do Estado; o Plano Diretor Viário de Cariacica, de 1998, de âmbito municipal; e o estudo elaborado pela AEC intitulado Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: estudo da logística e do transporte de cargas e de pessoas, o Plano dos Empresários. O estudo da AEC existe também como documento independente, não apenas como citações na Agenda Cariacica. Este estudo, abreviado para “Estudo de

152

Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica” dentro do próprio documento da AEC/Futura, apresenta trechos do “Estudo Macroviário de Cariacica”, detalhando-o, mas o mapa geral, o Estudo Macroviário de fato, não aparece no documento. Este mapa (representado na Imagem 26) foi apresentado à municipalidade pela AEC em uma reunião ocorrida em 2010, e é a partir dessa apresentação que o Estudo Macroviário passa a existir oficialmente como um produto elaborado para dar suporte ao “Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos”94. Pode se considerar que o “Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos”, contratado pela AEC à Futura/Agreste no ano de 2010, acabou servindo como a contribuição da AEC ao processo de elaboração da Agenda Cariacica 2010-2030, que foi concluída em 2012. Considerando a elaboração do estudo apenas a partir deste ponto de vista, é possível argumentar que a AEC tenha apenas intermediado a contratação do Estudo. Entretanto, considerando o modo como a AEC, a Futura e a Construtora Agreste aparecem no processo de confecção da Agenda Cariacica, e o produto da participação dessas instituições sendo um mapa de intervenções viárias (quando muitas das empresas que participam direta ou indiretamente da AEC dependem de um alisamento do território para um escoamento mais rápido de seus produtos e chegada de mercadoria), e considerando ainda que muitas das intervenções propostas não partem do poder público (seja ele municipal ou estadual), como será visto adiante, é difícil não supor uma tentativa de direcionamento dos investimentos públicos no que tange ao sistema viário e às atividades do setor econômico do município (sobretudo no que diz respeito à sua localização).

4.4.2 A visão do empresariado local sobre o Plano e a produção do espaço urbano em Cariacica

Em função da dificuldade em obter informações diretamente das pessoas envolvidas na elaboração do Plano dos Empresários, a forma encontrada para aprofundamento do tema foi a realização de entrevistas com gestores da Prefeitura de Cariacica, representantes do setor econômico do município e com outros

94

Uma cópia impressa do mapa e sua versão digital foram disponibilizadas à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação da PMC.

153

profissionais que tivessem tido contato com o Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica95. Em especial, cabe destacar alguns pontos da entrevista realizada em junho de 2014 na Companhia de Desenvolvimento de Cariacica (CDC) com atores do setor econômico. Ao serem informados que a grande questão que motiva o trabalho é descobrir o que leva um grupo de empresários a gastar seus esforços, tempo e recursos em um estudo para uma cidade, Betarello respondeu: “É porque o poder público não faz. Não dá para ficar esperando. Então o segmento econômico tem que fazer”. Mas, fazer mesmo sem ter certeza sobre as possibilidades de ser colocado em prática, de ser adotado? Não seria muito arriscado para um segmento que, de acordo com as evidências, tende a planejar cada passo e a não desperdiçar tempo e dinheiro? Ao que tudo indica, e os presentes na reunião na CDC pareceram concordar, o esforço vale a pena. Donde se depreende que o retorno mínimo – o mínimo que pode acontecer – advém do fato de que um trabalho desse tipo os coloca a par de informações valiosíssimas a respeito do interesse de investimento do poder público. Retomando a ideia ingênua de que o papel dos empresários foi somente o de intermediar a contratação do Estudo e, portanto, não foram responsáveis pelo direcionamento dos projetos pesquisados, os envolvidos estariam cientes de onde investir ou não dentro do tecido urbano; onde adquirir um imóvel ainda de forma barata, posto que o entorno carece de infraestrutura, por exemplo, mas que pode se tornar um bom investimento, já que sabe-se de um projeto de melhoria viária ou da intenção do poder público em instalar um equipamento público na região. Ou seja, mesmo que não se trate de “especuladores estruturais”, nos termos de Logan e Molotch, trata-se, no mínimo, de “empreendedores ativos” (1987: 29-31). 95

Por parte do poder público, contribuíram com informações sobre o processo de elaboração da Agenda Cariacica e do Plano dos Empresários Sonia Mareth, Subsecretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEMDUR) da PMC entre os anos de 2006 a 2012, Lauriéte Caneva e Giovana Gava Camiletti, respectivamente Secretária e Subsecretária de Governo (SEMGE) da PMC quando da elaboração da Agenda Cariacica, além de gestores cuja identidade serão preservadas. Buscando a opinião de outros atores do setor econômico a respeito do Plano dos Empresários, duas reuniões foram marcadas na Companhia de Desenvolvimento de Cariacica (CDC). A CDC é uma sociedade de economia mista, criada em 1993 e regulamentada em 1997, da qual a Prefeitura de Cariacica é sócia majoritária. A CDC tem a missão de planejar, gerenciar e executar estudos, planos e projetos, além de realizar outras atividades solicitadas pelo município de Cariacica. Também presta assessoria e consultorias em geral a entes públicos e privados. Esses encontros ocorreram em 27/06/2014 e 30/06/2014, na Sala de Reuniões da própria CDC. O primeiro contou com a presença apenas de André Victor e Fernando Betarello (diretores da CDC). Do segundo participaram, além dos dois, os empresários José Luiz Kfuri (empresário do ramo imobiliário) e Ademar Brumatti (empresário do setor moveleiro e ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico da PMC).

154

Quando o Plano foi abordado mais diretamente, os presentes concordaram unanimemente que o setor imobiliário possui uma força muito maior de direcionamento dos investimentos públicos do que um Estudo como o da AEC 96. Mesmo que este estudo conste em um documento público (Agenda Cariacica); mesmo que este estudo tenha sido, pelo menos supostamente, realizado a partir de pesquisas nos próprios órgãos públicos de planejamento. De acordo com José Luiz Kfuri, há três fatores principais que influenciam na hora de realização de um empreendimento: o preço da terra ou imóvel; a infraestrutura existente ou prevista; a demanda por aquele serviço/empreendimento. Em uma expressão: pesquisa de mercado. “O empresário vai onde tem demanda”, argumentou Kfuri, que faz a seguinte leitura da evolução urbana da RMGV: Primeiro, os olhos de todos estavam voltados para Vitória. Só que o terreno em Vitória começou a ficar escasso e, portanto, caro. Quando ficaram sabendo da ligação com Vila Velha pela 3ª Ponte, todo mundo comprou terrenos em Vila Velha. Quando os problemas com a 3ª Ponte começaram a aparecer, migrou-se para a Serra. Já Cariacica sempre foi vista como o „primo pobre‟ da Região Metropolitana. (KFURI, 2014).

Segundo o empresário, graças a “uma nova visão da gestão atual”, a imagem de Cariacica começou a mudar. Na gestão anterior, eu vi um empreendimento de alto padrão ser recusado com louvor pelas mesmas pessoas que aplaudiram a viabilização de um empreendimento para baixa renda. O que acontece com um município destes? As pessoas se mudam daqui. Se você ascende socialmente, isso aqui já não é lugar para você. Você vai morar em Itaparica, depois em 97 Itapuã, e vai parar lá na Ilha do Boi . (KFURI, 2014).

Ainda segundo Kfuri, não havia, na gestão anterior, um entendimento de que as pessoas “sobem de vida”; não havia uma preocupação em manter essas pessoas no município. E, por conta dessa mentalidade, Cariacica acabou sendo considerada como “lugar de moradia para pobre”. Outro importante ponto debatido na reunião foi sobre as principais áreas de interesse no município de Cariacica. Para o setor imobiliário, foram citadas as 96

Foi a partir desta observação que optou-se por alinhar os estudos que fazem parte do Capítulo 3 à produção imobiliária na Grande Vitória e, mais especificamente, em Cariacica. 97 Ilha do Boi é um bairro do Município de Vitória, e é conhecido como um dos locais mais aristocráticos da RMGV. A Fala de Kfuri tem, portanto, uma denotação de escalada social: de um bairro de classe-média (Itaparica, em Vila Velha) a um bairro que possui status de nobre (Ilha do Boi), passando por um bairro intermediário (Itapuã, também em Vila Velha).

155

regiões de Vila Capixaba, Alto Lage e Dona Augusta, além da área no entorno do Shopping Moxuara, inaugurado em 2014. “Para não falar dos empreendimentos sociais, por que temos um monte de MCMV de 0 a 3 e de 3 a 6 sendo construídos por aqui” (KFURI, 2014). Fernando Betarello, urbanista de formação, argumentou que, além das localidades preferidas pelo setor imobiliário, “o município precisa ter algum controle sobre a ocupação de seu espaço”. A partir daí fez um levantamento de áreas que seriam prioritárias do ponto de vista do poder público, pelo menos na visão da CDC. Não é o caso de esmiuçar essa informação agora, posto que esses dados serão computados no final deste capítulo, quando da comparação entre o Plano dos Empresários e os projetos de iniciativa pública para o município. Betarello ressaltou ainda a importância da revisão do Plano Diretor Econômico (PDE), documento elaborado na gestão anterior e que foi, praticamente, esquecido pela municipalidade. O PDE teria, de acordo com Betarello, o poder de auxiliar na tarefa de desenvolver o município economicamente. Neste documento foram localizadas em todo o município as áreas superiores a 10 mil metros quadrados que fossem razoavelmente planas e vazias, de forma que pudessem abrigar empreendimentos econômicos. Além do levantamento das áreas, o Plano indica, de acordo com um diagnóstico realizado, qual seria a atividade mais propícia para cada uma dessas áreas. Para Betarello, seria extremamente importante dar continuidade ao trabalho, identificando os proprietários dessas áreas e propondo incentivos para que determinadas empresas viessem a se instalar nesses locais. Por fim, o diálogo rondou acerca das propriedades imobiliárias e do mercado fundiário e foi possível identificar alguns dos grandes proprietários em Cariacica. O Governo do Estado é proprietário de grande parte do território de Cariacica: a Fazenda Itahnenga, de propriedade do Estado, possui aproximadamente 7 milhões de metros quadrados, e a Fazenda do Estado possui área de cerca de 1,5 milhão de metros quadrados. Outra grande proprietária de terras é a Família Laranja, que possui também grande quantidade de terras no município de Vila Velha. Em Cariacica, a Família Laranja se divide em dois grupos, um com concentração de terras mais ao norte e outro mais ao sul. Uma terceira força é a Imobiliária Universal, de propriedade de Valdecir Torezani. Como as declarações anteriores se deram no âmbito do processo de elaboração da Agenda Cariacica (com foco no papel que a AEC teve nesse

156

processo) e em torno do setor econômico, uma caracterização do Plano exigia ainda informações sobre os aspectos técnicos do Plano em si, de modo a precisar melhor quem seria eventualmente beneficiado ou prejudicado. Recorreu-se, então, a um dos consultores da Agenda Cariacica sobre o capítulo de Uso e Ocupação do Solo, Marco Antonio Romanelli, para uma entrevista sobre o desenho elaborado pela AEC e suas possíveis conexões98. De acordo com Romanelli, a capacidade de investimento do município é limitada e, por conta disso, a Prefeitura decide muito pouco sobre o que ocorre dentro de seus próprios limites. Aliás, é possível afirmar que o município de Cariacica tem sido historicamente subordinado a processos decisórios que ocorrem fora de suas instâncias (não necessariamente sem sua participação e/ou aceitação). Já o Governo do Estado tem uma capacidade maior de financiar determinadas obras, e efetivamente o faz. Para o Governo, isso interessa por dois motivos: 1. agradar as elites do setor econômico (seja o proprietário fundiário, que precisa de um acesso para valorizar seu pedaço de terra, seja o sócio da empresa de logística, que precisa escoar mais facilmente os produtos do porto ou para o porto, seja do setor de comércio e serviços, como no caso dos investidores dos shopping centers99); 2. legitimar-se perante a sociedade. Em torno dessas duas tarefas, há um embate complexo que exige do Estado uma habilidade de equilibrar as tensões, ora agradando determinados setores da sociedade, ora compensando outros.

4.4.3 O Plano dos Empresários e as condicionantes dadas pelo planejamento do setor de mobilidade urbana É preciso destacar que o Plano dos Empresários trata de um estudo macroviário. Para entender qualquer proposição que passe pelo sistema viário da RMGV, é preciso entender, antes, o Sistema TRANSCOL. O Sistema TRANSCOL, originalmente copiado do sistema curitibano, é operado por um grupo de empresas de ônibus. O objetivo dessas empresas, como a de qualquer outra, é o de obter lucro. Portanto, muito mais do que atender à população que necessita do transporte coletivo para realizar as funções urbanas necessárias, como a concessão de

98

ROMANELLI, Marco Antonio Cypreste. Depoimento a respeito da participação da AEC na Agenda Cariacica. Vitória, 20 ago. 2014. Entrevista concedida a Cleuber da Silva Junior. 99 Já são 9 grandes shoppings na RMGV, como pôde ser observado na Imagem 19.

157

transporte público pode sugerir, o TRANSCOL atua como maximizador de lucros de determinados empresários. Entretanto, é um sistema que atende a milhares de trabalhadores da RMGV por dia, interferindo diretamente na vida dessas pessoas. Assim, todas as intervenções propostas pelos órgãos públicos alegando serem necessárias para a melhoria do sistema são recebidas com entusiasmo por toda a população – ainda que, muitas vezes, não consiga perceber muita melhoria na prática, já que continua, mesmo após cada nova intervenção, mal atendida por um sistema mal operacionalizado100. O Plano Diretor Viário de Cariacica assim se referia às viagens entre bairros do município: Dentro deste contexto, o maior agravante é que, na maioria dos casos, este precário e insuficiente sistema viário não direciona os deslocamentos para os principais centros de comércio, negócios e serviços do Município, notadamente Campo Grande. Assim, para inúmeros habitantes, é mais fácil deslocar-se para municípios vizinhos que para os centros dinâmicos de Cariacica. Esta carência de um sistema viário urbano estruturado no sentido de atender às suas necessidades internas, gera também um sistema de transporte coletivo com as mesmas características. O sistema viário atual ajuda a elevar o custo do sistema de transporte coletivo, além de aumentar em muito o tempo gasto com deslocamentos pela maioria da população. (Plano Diretor Viário de Cariacica, 1998, p. 28)

Tem-se, neste sentido, dois problemas: o primeiro diz respeito aos vários loteamentos implantados de forma inadequada e desarticulados entre si, sem obedecer a qualquer diretriz viária que pudesse dar conta dessa interligação. Como toda a ocupação urbana está estruturada a partir das rodovias federais e da rodovia José Sette (estadual), torna-se, muitas vezes, acessar essas rodovias e, a partir delas,

acessar

outro

município

da

Grande

Vitória

do

que

chegar

ao

loteamento/bairro vizinho. O segundo problema é relativo ao Sistema de transporte coletivo adotado para a região metropolitana. Este sistema opera a partir do princípio da integração entre as diversas linhas, o que efetivamente ajuda a manter o preço da passagem em um nível bastante acessível, já que é possível efetuar a transferência de linhas 100

Um resultado prático sensível que aponta para um sistema que funciona mal pode ser observado no crescimento da opção pelo automóvel individual como principal meio de transporte. O capítulo sobre Mobilidade e Trânsito da Agenda Cariacica informa, por exemplo, que o crescimento na frota de veículos do Município foi de 92,6% no período de 2002 a 2009, e a do Espírito Santo foi ainda maior, crescendo 95,9% no mesmo período (SIMÕES, 2012, p. 9)

158

nos terminais sem ter que pagar qualquer acréscimo ao valor pago inicialmente. Entretanto, a aposta pela integração, por ser feita ainda a partir dos Terminais Urbanos101, torna todo o sistema ineficiente102, já que as linhas, no lugar de circular entre os bairros, tendem a concentrar os passageiros nos terminais para, dali, direcioná-los aos seus destinos finais. As imagens a seguir ilustram o modelo adotado. Imagem 24 – Os Terminais Urbanos do Sistema TRANSCOL

103

.

10 9

8 Complexo de Tubarão Aeroporto

2 3

4 5

1

6

7

RMGV

Legenda: Terminais TRANSCOL Fonte: IBGE / IDAF. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

101

O que se torna injustificável atualmente, já que a tecnologia hoje em dia permite que tal integração seja feita em qualquer ponto do trajeto sem acréscimo no valor da passagem (vide o exemplo do Bilhete Único, no Rio de Janeiro), e não somente dentro dos terminais. 102 Em tempo: ineficiente do ponto de vista de uma população que gasta mais tempo e dinheiro com os deslocamentos, e que enfrenta, sobretudo nos horários de pico, consideráveis filas para conseguir entrar nos coletivos, já que o Sistema TRANSCOL concentra todos nos terminais. Muito provavelmente, não deve ser ineficiente do ponto de vista dos empresários que lucram com esse Sistema. 103 Os terminais de número 3, 6 e 8 foram inaugurados em 1989, o 9 em 1990 e o 5 em 1991. O terminal de número 1, em 2001, o 10 em 2008 e os demais em 2009. Município de Viana não possui Terminal do TRANSCOL e, em Vitória, o terminal Dom Bosco, inaugurado em 1989, foi desativado nos anos 2000.

159

Na Imagem 24, a numeração se refere a: Terminal Campo Grande (1), Terminal de Itacibá (2), Terminal de Jardim América (3), Terminal São Torquato (4), Terminal do IBES (5), Terminal de Vila Velha (6), Terminal de Itaparica (7), Terminal Carapina (8), Terminal de Laranjeiras (9) e Terminal de Jacaraípe (10). Imagem 25 – A “lógica” do Sistema TRANSCOL. Detalhe.

Fonte: Programa de Mobilidade do Governo do Estado do Espírito Santo / Secretaria Estadual de Transportes e Obras Públicas (SETOP).

De qualquer forma, o TRANSCOL é utilizado sistematicamente como justificativa para intervenções viárias de toda a sorte. Aliás, os políticos da RMGV já haviam percebido no problema da mobilidade um grande filão para se promoverem mesmo antes das manifestações ocorridas em julho de 2013. A campanha do Prefeito de Vitória, João Coser, em 2004, por exemplo, baseou-se na proposta de elaboração de um projeto que previa a implantação de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT) na congestionada região central do município. O mote para sua eleição acabou sendo o VLT, mesmo que alguns técnicos da Prefeitura de Vitória à época argumentassem que o VLT não resolveria o problema. Após a eleição, os mesmos técnicos pesquisaram em outros países o sistema do VLT e voltaram com a mesma conclusão com a qual partiram: não resolveria o problema. Posteriormente, a campanha do Governador Renato Casagrande (2010) foi toda baseada na promessa de implantação do BRT. A rigor, o BRT não melhora a forma de operar do TRANSCOL. Pelo menos do que é possível visualizar a partir das apresentações do projeto. A proposta do BRT

160

comete o mesmo erro do ponto de vista da estrutura operacional que o Sistema TRANSCOL, qual seja o de ignorar as possibilidades de integração ao longo da via (como Curitiba faz tão bem, com as estações-tubo, por exemplo) para levar todos os passageiros para dentro dos terminais. O BRT, pelo menos pelo que o projeto indica, segue a mesma lógica. A única melhora real do BRT em relação ao sistema existente, e o que tem justificado o investimento de milhões, é a inclusão de tecnologia e ganho em conforto. Fora isso, o BRT não tem condições de melhorar muito o que já é feito pelo TRANSCOL. Com uma população mal atendida e insatisfeita com o serviço oferecido (exceto pelo preço das passagens, considerado acessível, e pela integração feita nos terminais), não é difícil justificar as intervenções, mesmo que o objetivo real escondido por trás das mesmas seja o de obter votos, financiar campanhas, contratar determinadas empresas que atuam na construção de estradas e mesmo os projetos de determinados profissionais que prestam consultoria na área. Agora que já foi abordado o contexto em que foi elaborado o estudo elaborado pela AEC para a Agenda Cariacica, e já foram feitas observações a respeito de algumas condicionantes que interferem no espaço urbano do município, pode-se abordar o Plano dos Empresários mais diretamente.

4.5 O Plano dos Empresários: um estudo macroviário

Como se tentou explicitar até aqui, a AEC fez parte da Coordenação Técnica da Agenda Cariacica, e sua principal contribuição foi a contratação de um estudo sobre vocações e projetos estratégicos para o município. Este estudo, de acordo com os discursos a que se teve acesso, teve como base um apanhado dos diversos projetos que tivessem interferência no município de Cariacica. Este apanhado de projetos teria sido condensado num desenho único, o Estudo Macroviário de Cariacica. Embora este desenho não figure na íntegra no documento produzido oficialmente para a Agenda Cariacica, foi apresentado à municipalidade em 2010 em uma das reuniões do Conselho Municipal do Plano Diretor de Cariacica (CMPDC) como um documento independente104.

104

É perceptível que um desenho elaborado para ser impresso em um formato A-0 não permita a visualização de muitos detalhes quando impresso numa página formato A-4. Contudo, se quis trazer, em algum momento do trabalho, o estudo macroviário na íntegra, tal como apresentado pela AEC.

161

Imagem 26 – Estudo Macroviário do Município de Cariacica: o Plano dos Empresários.

Fonte: AEC, 2010.

162

Como o estudo exclusivo do Plano não se mostrou suficiente 105, lançou-se mão, então, do documento sobre vocações e projetos estratégicos entregue pela AEC à Prefeitura de Cariacica quando da elaboração da Agenda Cariacica. Segundo a AEC, o objetivo de desenvolver um estudo sobre vocações e projetos para o município estava ligado à necessidade de inserir competitivamente Cariacica no contexto metropolitano. Para os empresários, o município possui clara “vocação logística”, mas com vários entraves em infraestrutura viária e ocupação do solo. A partir disso, aponta, no decorrer do documento, os projetos previstos para o município. Entretanto, alguns detalhes chamam a atenção desde o início. A primeira questão é justamente aquela que motivou este trabalho: o que leva um grupo de empresários a investir tempo e dinheiro na elaboração de um estudo deste porte para o município? Ao lado disso, se se tratava apenas de um levantamento dos projetos previstos que tivessem ou pudessem ter interface com Cariacica, qual o sentido de realizar um levantamento tão detalhado dos projetos relacionados ao território de Vila Velha? Aliás, ao analisar o Estudo Macroviário, fica nítido que o desenho possui continuidade naquele município vizinho. Isto apenas não é apresentado, mas parece existir uma segunda prancha deste Estudo Macroviário que apresente os projetos previstos para Vila Velha. Somado a isto, o nível de detalhamento a que chegou o Estudo é incomum neste tipo de “levantamento” (vide os desenhos do Plano Diretor Viário de Cariacica e do Programa de Mobilidade Metropolitana, dos quais serão apresentados detalhes em imagens a seguir). Este nível de detalhamento remonta ao que foi dito por um gestor da PMC à época da elaboração do Plano sobre a possibilidade da contratação dos envolvidos na elaboração dos projetos executivos para o poder público estadual (embora seja notório que tais contratações sejam feitas por meio de editais, o que, em teoria, inviabilizaria a certeza de que esta ou aquela empresa sejam contratadas).

105

O mapa apresenta uma série de dificuldades para a leitura. Os itens da legenda, por exemplo, não correspondem às linhas desenhadas no mapa, indicando que a legenda foi erroneamente aproveitada de algum outro desenho, de forma que não há correspondência entre a mesma e o Estudo Macroviário apresentado.

163

Imagem 27 – Diferentes níveis de detalhamento entre os diversos desenhos.

Em cima, detalhe do Plano dos Empresários. Embaixo, à esquerda, detalhe do PDV e, à direita, detalhe do Programa de Mobilidade Metropolitana do Governo do Estado do Espírito Santo. Fontes: AEC, 2010; PMC, 1998; SETOP, 2014.

Independentemente do que quer que tenha motivado realmente o estudo feito pelos empresários, este Plano servirá, no mínimo, para ajudar a uma série de empreendedores a realizar suas decisões de investimentos. É sabido que, num cenário de incertezas e de mutação constante, qualquer segurança ou mesmo o vislumbre do que pode acontecer no território em termos de investimentos futuros (seja a decisão do poder público em executar um corredor metropolitano, seja a decisão do empreendedor privado de construir um shopping, por exemplo) pode representar ganhos reais de mais-valia. Isso remete ao que foi relatado por José L. Kfuri a respeito da visão dos empresários sobre a dinâmica urbana: o mercado imobiliário direciona, segundo Kfuri, os investimentos (comportamento de mercado). Além disso, mesmo que tenha um limitado potencial de direcionamento sobre as decisões de investimento do poder público, como se procurou demonstrar ao longo desta pesquisa, quando há uma série de desenhos e traçados propostos para determinado lugar, a tendência é de que seja efetivado o que estiver mais calcificado no imaginário dos envolvidos. A princípio pode haver algum tipo de estranhamento e

164

de conflito, mas aos poucos a ideia pode ir se assentando e, por fim, passar a ganhar forma antes mesmo de ser executado o projeto106. Nesse sentido, chama a atenção as semelhanças entre os desenhos presentes no Estudo Macroviário e os traçados de algumas vias recentemente executadas (ou em vias de execução) pelo Governo do Estado. Interessante notar que esses traçados não encontram rebatimento nos planos oficiais do poder público (pelo menos aos que se tem acesso publicamente), como as imagens a seguir demonstram. Além disso, quando há mais de uma opção para uma mesma proposta viária, a decisão de passar nesta ou naquela área pode acabar valorizando mais esta ou aquela porção do território. Imagem 28a – Semelhanças entre o desenho que aparece no Plano dos Empresários e o que foi executado pelo Governo do Estado: Trevo da CEASA, em Cariacica.

Imagem 28b – Semelhanças entre o desenho que aparece no Plano dos Empresários e o que foi executado pelo Governo do Estado: Trevo da Rodovia Darly Santos, em Vila Velha.

106

Um exemplo pode ser encontrado no projeto de um túnel que ligaria o Município de Vila Velha ao de Vitória, como alternativa à 3ª Ponte. Tendo causado estranhamento quando apresentado, hoje consta em muitos projetos a respeito da mobilidade na Região Metropolitana, sendo considerado apenas questão de tempo e recursos para que seja viabilizado.

165

Imagem 28c – Semelhanças entre o desenho que aparece no Plano dos Empresários e o que foi executado pelo Governo do Estado: Rodovia Leste-Oeste, ligando Vila Velha a Cariacica.

Fontes: Google Earth, 2015; AEC, 2010.

A partir dessas constatações, como foi dito anteriormente, o passo seguinte foi efetuar comparações entre o Plano dos Empresários e os projetos apresentados oficialmente pelo poder público. Para esta tarefa, dois projetos do poder público foram estudados: o Programa de Mobilidade Metropolitana (do Governo do Estado do Espírito Santo) e o Plano Diretor Viário de Cariacica (PDV). Apesar de o PDV ter sido aprovado em dezembro de 1997, ele será utilizado como representativo das intenções do poder público municipal no que tange ao sistema viário e à política de mobilidade do município. Isso por que o Plano Diretor Municipal (PDM), mais recente e, a rigor, mais completo do que o PDV, indica que as políticas de mobilidade a serem implementadas no município devem obedecer às diretrizes do PDV, o qual necessitaria apenas uma atualização107.

107

Conforme Capítulo 5 do PDM: da política de mobilidade e acessibilidade. PMC: Lei Complementar nº 018 de 2007.

166

Imagem 29 – Programa de Mobilidade Metropolitana. Fundão

RMGV Serra

Cariacica

Vitória

Viana

Vila Velha Guarapari

Oceano Atlântico

Legenda: Vias do Programa que não sofrem alterações Vias do Programa que já foram executadas Vias do Programa que estão em fase de estudo ou contratação Vias que receberão o corredor exclusivo de ônibus – BRT (1ª etapa) Fonte: SETOP, 2014. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

167

Imagem 30 – Plano Diretor Viário de Cariacica. Serra

Santa Leopoldina Cariacica

Vitória

Viana

Vila Velha

Domingos Martins

Oceano Atlântico

Legenda: Corredor Metropolitano Corredor Arterial Eixo Coletor Terminais TRANSCOL Zonas Retroportuárias e Industriais Fonte: PMC, 1998. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Imagem 31 – Estudo Macroviário do Município de Cariacica / Plano dos Empresários. Serra

Santa Leopoldina

Cariacica

Vitória Domingos Martins

Legenda: Intervenções apresentadas no Plano dos Empresários

Viana

Vila Velha

Oceano Atlântico

Fonte: AEC/Futura/Agreste, 2010. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

168

Apresentados os planos e seus respectivos traçados, passa-se às comparações entre os mesmos. Imagem 32 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o Programa de Mobilidade do Governo do Estado. Serra

Santa Leopoldina

Cariacica

Vitória 4ª Ponte

3ª Ponte

Viana

Domingos Martins

Vila Velha

Oceano Atlântico

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do Programa de Mobilidade Vias indicadas pelo Programa de Mobilidade que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Fontes: AEC/Futura/Agreste, 2010; SETOP, 2014. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Um dos principais pontos de contraste verificados quando comparamos o Plano dos Empresários com o projeto do Governo do Estado para a Grande Vitória diz respeito à saída da 4ª Ponte. Desde que os congestionamentos na 3ª Ponte se tornaram cada vez mais frequentes e intensos que se discute uma quarta ligação com a Capital. Discutidos abertamente existem duas propostas: uma ligação por meio de um túnel, ligando a Avenida Carlos Lindenberg, em Vila Velha, à Avenida Mal. Mascarenhas de Moraes, em Vitória, e outra ligação através de uma quarta ponte, que ligaria a BR-101 em Cariacica a Avenida Serafim Derenzi, em Vitória. Os dois projetos aparecem nos dois desenhos, com algumas diferenças de traçado em ambos os casos, mas a questão da 4ª Ponte interessa diretamente a Cariacica.

169

Isto porque a Prefeitura de Cariacica contratou um estudo para a elaboração do Parque O Cravo e A Rosa, situado na saída da 4ª Ponte, e a forma como esse acesso ao município se dará poderá prejudicar substancialmente o projeto elaborado. Na verdade, as duas propostas ignoram a existência do projeto do Parque, cortando-o ao meio com vias que pretendem efetuar uma ligação rápida com a Capital. Isto reforça uma das hipóteses levantadas no início do trabalho, de que muito do que acontece em Cariacica em termos de investimentos do Estado é imposto pelo Governo Estadual. Imagem 33 – Detalhe da Imagem 32. Cariacica

4ª Ponte

BR-101

Vitória

Parque O Cravo e A Rosa Orla ES-080

BR-262

Vila Velha

Viana Leste-Oeste

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do Programa de Mobilidade Vias indicadas pelo Programa de Mobilidade que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Caso sejam executados, ambos os traçados propostos ignoram e prejudicariam, cada um a seu modo, o Parque O Cravo e A Rosa, que a PMC pretende preservar. Da mesma forma, o Plano dos Empresários ignora o projeto da PMC para a Orla de Cariacica. Destaque ainda para as diferenças de traçado para a Rodovia Leste-Oeste. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

170

Além disso, o traçado do Governo do Estado se dirige à Rodovia José Sette (ES-080), ao passo que a ligação proposta pela AEC é feita diretamente com a BR101. São fluxos completamente distintos que percorrem essas duas rodovias. Outro ponto de divergência é a chegada em Vitória. Embora ambos os traçados direcionem o fluxo de automóveis para a Rodovia Serafim Derenzi, a forma como isto será feito ainda está em fase de estudos. Outro ponto de contraste é o percurso que a Rodovia Leste-Oeste (BR-447) percorrerá a partir do Bairro Bela Vista (Cariacica) até acessar a BR-262, já nas proximidades da divisa com Viana. Além dos pontos divergentes em termos de escolhas de traçado, há algumas propostas que aparecem no Plano dos Empresários que não aparecem na proposta do Governo do Estado. Uma delas pode ser conferida na imagem anterior, em relação à orla de Cariacica. Uma reivindicação do segmento do transporte de cargas a respeito da necessidade de efetuar melhorias na via da orla do município para dar vazão aos carregamentos que chegam ao porto de Vila Velha. Atualmente, a carga precisa ser transportada pela Estrada de Capuaba até o trevo da Rodovia Darly Santos com a Rodovia Carlos Lindenberg para dali ser direcionada às estações aduaneiras (EADIs) ou pela Avenida Sen. Robert Kennedy para seguir seu destino. Ambos os acessos são bastante estreitos e ocasionam congestionamentos consideráveis quando há chegada ou saída de mercadorias do porto. O projeto do Governo do Estado não apresenta proposta para o problema (embora ressalte-se: a proposta da AEC conflita diretamente com a proposta da Prefeitura de Cariacica, a qual prevê para a região um local calmo de lazer e contemplação108). Outra diferença nítida é o detalhamento de algumas regiões de Vila Velha, notadamente na área que corresponde ao “Orange Park”, prevista para abrigar um loteamento industrial. Dificilmente tal detalhamento será encontrado em algum projeto do poder público.

108

Neste caso também há um projeto contratado para captação de recursos por parte do Município para viabilizar as obras na Orla a fim de dotá-la de equipamentos de lazer e esportivos que foi igualmente ignorado pelos projetos em questão. A Imagem 30 contempla o trecho da Orla.

171

Imagem 34 – Detalhe da Imagem 32. Darly Santos Leste-Oeste

Cariacica Rodosol Orange Park

Vila Velha

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do Programa de Mobilidade Vias indicadas pelo Programa de Mobilidade que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Reparar o nível de detalhamento no desenho da AEC para o loteamento Orange Park, em Vila Velha. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Outro ponto de acentuada relevância é a inexistência, no projeto do Estado, da proposta de uma segunda Rodovia do Contorno. O traçado atual da BR-101 evita passar por dentro dos núcleos urbanos mais consolidados de Vila Velha e Vitória, contornando a Ilha de Vitória por meio do território de Cariacica (daí o nome “Rodovia do Contorno”, também chamada “BR-101 – Contorno de Vitória”). Já há algum tempo se discute a necessidade de um segundo contorno metropolitano, já que as margens da BR-101 foram densamente ocupadas em alguns pontos, como mostrou o estudo da evolução dos loteamentos, apresentado no Capítulo 2109. O projeto do Governo do Estado não contempla esta possibilidade, ao passo que o Plano dos empresários, sim. Indiretamente, a inexistência do Segundo Contorno no projeto do Governo do Estado implica em outras divergências. O Plano da AEC, a partir do trecho próximo ao Bairro Flexal, não detalha mais a BR-101, muito provavelmente prevendo que o fluxo que não tenha ligação direta com Cariacica passe a ser feito pelo Segundo Contorno. Outro motivo de contraste é o nível de detalhamento que o Plano dos Empresários dedica às EADIs na porção do território localizada entre a BR-101 e a

109

Notadamente nos bairros de Nova Rosa da Penha, Porto Belo e Flexal, onde são frequentes as matérias sobre atropelamentos e acidentes com óbito.

172

Baía de Vitória. O projeto da AEC ainda apresenta um novo traçado para a Ferrovia Litorânea Sul (FLS), o qual não é contemplado pelo Governo do Estado. Imagem 35 – Detalhe da Imagem 32. Serra

Santa Leopoldina

2º Contorno Metropolitano BR-101 Contorno

EADIs Área Rural de Cariacica

EADIs

FLS

EFVM

FLS Flexal

Baía de Vitória Vitória

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do Programa de Mobilidade Vias indicadas pelo Programa de Mobilidade que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos O Segundo Contorno Metropolitano e a Ferrovia Litorânea Sul aparecem apenas no desenho da AEC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Há também uma série de ligações diretas entre Vila Velha e Viana, passando pela porção sul de Cariacica, nas proximidades do Bairro Padre Gabriel, propostas pelos empresários. Em relação a esta proposição, ou há algo para acontecer no município de Viana (e, de fato, alguns empreendimentos de maior porte têm sido implantados às margens da BR-262) ou é a possibilidade de ligação com o futuro contorno metropolitano que interessa.

173

Imagem 36 – Detalhe da Imagem 32. Cariacica BR-262

2º Contorno Metropolitano

Viana Padre Gabriel

BR-262

Vila Velha

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do Programa de Mobilidade Vias indicadas pelo Programa de Mobilidade que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Uma série de vias constantes no Plano dos Empresários liga diretamente o município de Vila Velha ao de Viana, passando pelo sul de Cariacica. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Por fim, o escoamento do tráfego vindo da 4ª Ponte até chegar ao Segundo Contorno passando por uma estrutura paralela à BR-262 é proposta pelo Plano da AEC, ao passo que o Governo do Estado prefere concentrar esse fluxo na própria BR-262. Imagem 37 – Detalhe da Imagem 32. ES-080 Acesso 4ª Ponte 2º Contorno Metropolitano BR-101

BR-262

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do Programa de Mobilidade Vias indicadas pelo Programa de Mobilidade que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Plano dos Empresários direciona fluxo da 4ª Ponte para a BR-101 e o Programa de Mobilidade do Governo do Estado para a ES-080. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

174

Imagem 38 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o Plano Diretor Viário de Cariacica (PDV). Serra

Santa Leopoldina

Cariacica

Vitória

Viana

Domingos Martins

Vila Velha

Oceano Atlântico

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do PDV Vias indicadas pelo PDV que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Fontes: AEC/Futura/Agreste, 2010; PMC, 1998. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Desnecessário apontar o nível de detalhamento dado pela AEC ao município de Vila Velha, já que o PDV diz respeito apenas a Cariacica; não há, portanto, possibilidades de conexões. Mas logo de início, impressiona a quantidade de rebatimentos entre o Plano elaborado pela AEC e o PDV de Cariacica, dada a diferença de tempo em que foram produzidos (2010 e 1997 respectivamente). O que indica dois caminhos: o primeiro é o de que o PDV teria sido realmente levado em consideração pela AEC/Futura quando da elaboração do Plano dos Empresários; o segundo demonstra uma relativa qualidade no trabalho desenvolvido pelo PDV, cujas propostas se mantêm pertinentes depois de quase duas décadas. Mas pode indicar também que ambos os estudos se utilizaram das mesmas diretrizes. No caso do Plano Diretor Viário, o texto que acompanha o desenho indica algumas prioridades quanto ao traçado: ocupar preferencialmente os fundos de vale, leitos de ferrovia, faixas de domínio e as áreas menos ocupadas do núcleo urbano, já com

175

preocupação acentuada quanto ao valor das indenizações e remoções que se fizessem necessárias. O Plano dos Empresários parece seguir a mesma linha. Mas também nesta sobreposição são encontradas divergências importantes. Uma dos principais contrastes é conceitual. A comparação entre as duas propostas ajuda a perceber duas formas diferentes de enxergar o território. A proposta do PDV, tanto no desenho quanto no discurso presente no texto que o acompanha, reforça não apenas a necessidade de integrar Cariacica na dinâmica da Grande Vitória, mas, principalmente e antes de qualquer coisa, a necessidade de interligação entre os diversos bairros do próprio município. Por outro lado, tanto o desenho do Estudo Macroviário quanto o discurso presente no Estudo de “Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos...” reforçam a urgência de integração metropolitana para o escoamento cada vez mais rápido dos produtos que chegam/saem do porto, ao lado de uma necessidade de dotar de infraestrutura a área central do município (ao longo do entorno da BR-262) para que possam abrigar um processo de requalificação urbana, movido fundamentalmente por uma série de empreendimentos imobiliários. Isto pode ser observado no detalhamento dado à região de Nova Rosa da Penha por parte do PDV, conectando o populoso mas carente bairro ao subcentro de Cariacica Sede. As propostas do Plano dos Empresários apenas contornam o referido Bairro. Imagem 39 – Detalhe da Imagem 38. Serra

Santa Leopoldina BR-101 2º Contorno Metropolitano

Cariacica

Nova Rosa da Penha

Vitória

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do PDV Vias indicadas pelo PDV que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Uma série de vias (em verde) conectando o Bairro Nova Rosa da Penha e outras vias do município são propostas pelo PDV, mas ignoradas pela AEC. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

176

Embora tanto o PDV quanto o Plano dos Empresários indiquem a necessidade de uma nova ligação metropolitana com o município de Vitória a partir da 4ª Ponte, o traçado proposto pelo PDV respeita muito mais as propostas atualmente definidas para o Parque O Cravo e A Rosa e para a Orla do município, como pode ser visto na imagem que segue. Esta mesma imagem ilustra um cuidado muito maior por parte do PDV com a área de entorno do Estádio Kleber Andrade, ainda que o Estádio só tenha ganhado o porte necessário para abrigar grandes eventos esportivos e musicais muito recentemente. Imagem 40 – Detalhe da Imagem 38. Cariacica Monte Moxuara

Vitória

Parque O Cravo e A Rosa 2º Contorno Metropolitano Kleber Andrade

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do PDV Vias indicadas pelo PDV que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos O traçado do PDV não interfere no Parque O Cravo e A Rosa, ao contrário do Plano dos Empresários. Detalhe também para melhorias viárias no entorno do Kleber Andrade, previstas somente pelo PDV. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Por fim, o Plano Diretor Viário não apresenta a necessidade de um Segundo Contorno Metropolitano. O que, de certa forma, é um modo de salvaguardar a área rural do município, já que a execução deste Segundo Contorno, se for levada a cabo, tende a pressionar o poder público a ampliar o perímetro urbano em direção à área rural. E isto justamente num dos cartões postais do município: o Monte Moxuara. O traçado dos empresários, inclusive, apresenta um túnel que passaria pelo Moxuara, num claro desrespeito ou desconhecimento acerca da importância deste marco natural.

177

Imagem 41 – Detalhe da Imagem 38. Serra Santa Leopoldina 2º Contorno Metropolitano

Cariacica Monte Moxuara

Vitória

Viana

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam do PDV Vias indicadas pelo PDV que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos O Monte Moxuara, ícone natural do município, é cortado pela proposta do Plano dos Empresários para o 2º Contorno Metropolitano. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Foi realizada ainda uma comparação somando os dois desenhos propostos pelo poder público em rebatimento com o Plano dos Empresários. O resultado será demonstrado na Imagem 42. Dos pontos já citados anteriormente, destaca-se mais uma vez o nível de detalhamento dedicado pela AEC para a divisa entre Vila Velha e Cariacica sobre o Rio Marinho e as propostas de ligação direta a partir da Darly Santos, em Vila Velha, até chegar ao Segundo Contorno Metropolitano, já na divisa entre Viana e Cariacica (identificadas com o número 1 na Imagem 42). Inclui-se aí uma ligação direta a partir da Avenida Expedito Garcia (principal centro comercial do município e um dos principais da Grande Vitória) e a região de Cobilândia, já em Vila Velha (identificadas com o número 2 na mesma imagem). Além disso, apenas a inexistência do próprio Segundo Contorno nos projetos oficias também merece destaque.

178

Imagem 42 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o PDV somado às propostas para Cariacica do Programa de Mobilidade Metropolitana. Serra

Santa Leopoldina

Cariacica

Campo Grande

1

2º Contorno Metropolitano

2

Viana

1

Rio Marinho

Vitória

Cobilândia Darly Santos

1 1

Domingos Martins

Vila Velha

Oceano Atlântico

Legenda: Vias propostas pelo PDV + Vias propostas pelo Programa de Mobilidade Vias identificadas pela AEC Fontes: AEC/Futura/Agreste, 2010; PMC, 1998; SETOP, 2014. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Fora esses pontos, apenas algumas divergências em termos de traçado. Para entender o que motivou a decisão por passar por este ou aquele caminho, seria necessário um acesso maior às pessoas que elaboraram o Plano da AEC ou um maior conhecimento acerca da situação fundiária do município. Entretanto, os outros projetos apresentam algumas propostas que a AEC não contempla. Um detalhamento nas regiões próximas à CEASA e ao Estádio Kleber Andrade são bons exemplos. Nas proximidades do Kleber Andrade, destaque-se a presença de um eixo que ligaria a BR-262 à BR-101 passando por Oriente e Itanguá. Outro ponto interessante é a presença de um traçado para o transporte hidroviário, com estações na Prainha, em Vila Velha, e em Porto de Santana, em Cariacica, apresentado pelo projeto do Governo do Estado. Apesar de o Estudo da AEC falar sobre a importância desta hidrovia (mesmo para transporte de cargas), isto não aparece no desenho.

179

Imagem 43 – Detalhe da Imagem 42.

Cariacica Itanguá

Hidrovia Oriente

Kleber Andrade

CEASA

Vila Velha

Viana

Legenda: Vias propostas pelo PDV + Vias propostas pelo Programa de Mobilidade Vias identificadas pela AEC Em azul, as propostas dos projetos oficiais (PMC e Governo do Espírito Santo) e, em magenta, o Plano dos Empresários. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Foi efetuada também uma comparação entre o Plano dos Empresários e a proposta para o traçado viário municipal constante na Agenda Cariacica (tema Uso e Ocupação do Solo: Meios Urbano e Rural). Contudo, não é possível afirmar o que o Plano dos Empresários leve em consideração em relação à Agenda Cariacica já que a Agenda Cariacica é um documento posterior ao Plano dos Empresários (a Agenda é de 2012 e o Plano, de 2010). Neste caso, o que ocorre é o inverso: o Plano dos Empresários foi elaborado intencionando ser incorporado pela Agenda Cariacica (foi isto que motivou a sua elaboração, segundo os relatos apresentados). Por isso, a comparação aqui será feita no sentido de entender se o Plano dos Empresários foi ou não balizado pelo poder público municipal, através da Agenda Cariacica. Nesta comparação também o que chama mais a atenção são as diretrizes diferentes escolhidas. A principal preocupação explicitada na Agenda Cariacica corresponde àquela apresentada pelo PDV, qual seja a de criar uma estrutura viária interna ao município, não apenas enxergando-o como território de passagem. Por isso, o desenho da Agenda propõe uma hierarquização viária mais nitidamente legível.

180

Imagem 44 – Proposta Viária para o município constante na Agenda Cariacica. Serra

Santa Leopoldina Cariacica

Vitória Domingos Martins

Viana

Vila Velha

Fonte: PMC, 2012. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

A Proposta Viária para o Município de Cariacica, elaborada pelos consultores da Agenda Cariacica responsáveis pelo tema Uso e Ocupação do Solo, apresenta uma distinção hierárquica entre corredores metropolitanos, corredores primários e ligações secundárias. Esses tipos de eixos viários deveriam servir para estruturar o arruamento proposto pelos futuros loteamentos. Serviriam também para interligar entre si os bairros existentes no município, sanando uma defasagem reconhecida pelo menos desde a elaboração do Plano Diretor Viário, em 1997. A interseção entre esses eixos propostos deveria ser estudada e projetada caso a caso, de forma a evitar que interseções localizadas no interior da mancha urbana sejam resolvidas com estruturas de escala incompatível com a ocupação humana, como ocorreu nos casos dos trevos da CEASA, em Cariacica, e da Darly Santos, em Vila Velha (vide imagens 28a e 28b, respectivamente).

181

Imagem 45 – Comparação entre o Plano dos Empresários e o Sistema Viário Proposto pela Agenda Cariacica. Serra

Santa Leopoldina

Cariacica

2º Contorno pela Agenda 2º Contorno pela AEC

Moxuara

Vitória

Viana

Domingos Martins

Vila Velha

Oceano Atlântico

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam da proposta da Agenda Vias indicadas na proposta da Agenda que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Fontes: AEC/Futura/Agreste, 2010; PMC, 2012. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Falando sobre pontos específicos, o projeto apresentado pela Agenda indica, pela primeira vez nos planos oficiais, a necessidade de um segundo Contorno Metropolitano. Apesar de os traçados não serem coincidentes, ambos exercem forte pressão sobre a área rural do município, embora o Contorno no projeto da Agenda respeite o Moxuara. Outra divergência que se pode notar diz respeito, mais uma vez, ao nível de detalhamento proposto pelos empresários. Um detalhe sobre a região polarizada pelo Bairro Jardim América (bairro historicamente valorizado dentro do município) ajuda a ilustrar.

182

Imagem 46 – Detalhe da Imagem 45. Vitória

Cariacica BR-262 BR-101 Jardim América

Vila Velha

Campo Grande

Legenda: Vias demarcadas em ambos os desenhos Vias indicadas pelo Plano dos Empresários que não constam da proposta da Agenda Vias indicadas na proposta da Agenda que não constam do Plano dos Empresários Vias que constam nos dois desenhos, mas com traçados distintos Nível de detalhamento no Bairro Jardim América, em Cariacica, por parte do Plano dos Empresários. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Além destas comparações, efetuou-se também um rebatimento entre o Plano dos Empresários e as dinâmicas imobiliárias apresentadas nos trabalhos abordados no Capítulo 3. A intenção era tentar encontrar alguma correspondência entre a produção imobiliária na Grande Vitória (especialmente em Cariacica) e o que está sendo proposto pela AEC. Dentre as comparações feitas, merece destaque a que demonstra um relativo rebatimento entre as áreas da Grande Vitória com o preço do metro quadrado mais elevado e o nível de detalhamento da proposta da AEC, conforme ilustra a imagem a seguir.

183

Imagem 47 – Preço do metro quadrado e as vias propostas pelo Plano dos Empresários. Legenda:

Fonte: FERREIRA, 2014. Organização: Cleuber da Silva Junior, 2015.

Por fim, apesar de especulativas, algumas ponderações já são possíveis de serem feitas tendo como base o Estudo Macroviário (AEC/Futura, 2010), o Estudo de Vocações e Projetos Estratégicos para Cariacica (AEC/Futura, 2010) e alguns documentos do poder público estadual e municipal, como a Agenda Cariacica 20102030 (PMC, 2012) e o Programa de Mobilidade Metropolitana do Governo do Espírito Santo (Governo do Estado, 2014), além do Plano Diretor Viário do município, balizado pelo Plano Diretor Municipal (PMC, 2007). A primeira delas é que o Plano dos Empresários parece reforçar a visão que o Governo do Estado possui do município, qual seja a de que é necessário viabilizar projetos que auxiliem as atividades ligadas à armazenagem, processamento e transporte de cargas que passam por Cariacica a circular mais rápido, cuidando de assegurar a reprodução do capital. Um problema com esta visão é que, em vários pontos, esta velocidade é incompatível com a escala local e com as atividades urbanas realizadas cotidianamente. Uma das ações que ajudam a balizar esta afirmação é a construção do Trevo da CEASA, na interseção entre a BR-262 e a BR-101, concluída em 2013 pelo Governo do Estado. É possível ver na imagem abaixo que o Trevo aparece marcado

184

no Estudo Macroviário de 2010. Além dos impactos físicos sobre a própria CEASA, que esteve ameaçada de mudar para Vila Velha, a dimensão da obra assusta, sobretudo se for considerada a densidade populacional no entorno em que foi construído, evidenciando uma priorização pela celeridade no transporte de cargas e mercadorias em detrimento das ligações entre os bairros do entorno. Imagem 48 – Intervenção no Trevo da Ceasa.

À esquerda, trecho do Estudo Macroviário. À direita, inauguração, com presença do Governador. Fontes: AEC/Futura, 2010; Site da Prefeitura de Cariacica, 2013.

Uma segunda ponderação possível diz respeito a alguns trechos do Estudo Macroviário que apontam para intervenções no futuro, mas que não parecem (pelo menos numa primeira visualização) fazer parte de projetos do poder público. Pelo contrário: parecem intervenções que ligam vias importantes a lugares praticamente vazios ou pouco habitados. A impressão que se tem é de que há uma intenção de valorizar terras privadas ou viabilizar empreendimentos particulares futuros. Outro objetivo que parece bastante coerente quando analisamos o desenho é o de beneficiar determinadas porções de terra. De acordo com Logan e Molotch, existe uma série de pessoas que pode calhar de receber “fortunas urbanas”, que ele categoriza em três tipos: empresários acidentais (ou fortuitos); empreendedores ativos; e especuladores estruturais. Não é difícil enxergar esses tipos de agentes através da visualização do desenho.

185

Imagem 49 – Estudo Macroviário de Cariacica (Detalhe).

Os círculos tracejados em vermelho demarcam áreas predominantemente vazias que podem ser acessadas por uma série de infraestruturas apresentadas no estudo da AEC. Fonte: AEC/Futura, 2010.

Por fim, o que parece estar acontecendo – e o Plano dos Empresários parece confirmar – é um relativo abandono do tecido urbano existente (entendido como problemático) em favor de um novo tecido, o que tem acarretado em uma pressão sobre áreas pouco ocupadas e mesmo sobre a área rural do município. Até aí, nada novo, já que é justamente atuando desta forma que os agentes imobiliários conseguem maiores lucros.

186

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O plano pode nem ser realizado, mas cumpriu o papel de deslanchar um processo cujos objetivos sejam, inicialmente, mais econômicos do que urbanísticos. (MARICATO, 1997, p. 113 – 130)

Um grupo de empreendedores reunidos em uma associação empresarial participa da elaboração de um documento de planejamento do município de Cariacica, a convite de administração municipal, e produz, como contribuição ao processo, um estudo intitulado Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas. Este estudo tem como base, além de pesquisas sócioeconômicas realizadas no município, um estudo macroviário no qual são apresentados os principais projetos viários previstos para o município. Esta associação empresarial poderia aceitar o convite mas optar por não assumir cargos, responsabilidades, tarefas ou posicionamentos em público, aguardando para, num momento posterior, atuar nos bastidores, como em outros momentos o segmento econômico o fez110. Entretanto, preferiu investir tempo e recursos humanos e financeiros na elaboração do mencionado estudo. O que os agentes envolvidos ganhariam ou esperavam ganhar ao patrocinarem o estudo? Em que medida as propostas apresentadas por esse grupo interferem no processo de produção do ambiente construído? Tais foram as questões que compuseram o pano de fundo deste trabalho. Entretanto, outras questões mais abrangentes permearam a análise, dentre as quais se destaca a discussão acerca do crescimento acelerado por que passaram muitas cidades brasileiras a partir de meados do século passado, incluindo Cariacica. Existe todo um discurso em torno da necessidade de crescimento das cidades – um discurso que afirma que, crescendo, as cidades se tornam mais competitivas, geram mais empregos, aumentam a arrecadação etc. Contudo, muito pouco é divulgado a respeito dos malefícios que um crescimento acelerado pode 110

Conforme relata Palhano (2010, p. 126) ao abordar a participação do segmento econômico no processo de elaboração do Plano Diretor de Cariacica. Palhano observa que a participação dos empresários foi praticamente nula, e deduz que essa “pífia participação” se deve ao fato de o que o empresariado acreditava não precisar participar ou se envolver no processo de elaboração do PDM, já que poderiam (ou pelo menos pensavam que seria possível) arbitrar nas questões que lhes interessavam em um momento posterior (por exemplo, quando o Projeto de Lei estivesse sendo discutido na Câmara de Vereadores ou, mesmo depois, em reuniões a portas fechadas com prefeitos ou secretários municipais).

187

causar em uma localidade, embora os resultados sejam sensíveis. Necessário trazer à baila este debate, pois um dos grandes temas que motivou o trabalho foi a divulgação (fundamentada ou não) de que o município de Cariacica “não parava de crescer”. Logan e Molotch (1987) já alertavam para os perigos de um crescimento a todo custo, impulsionado apenas pela ganância dos agentes que poderiam se beneficiar diretamente de tal crescimento, de modo que a informação de que Cariacica não parava de crescer preocupava mais do que merecia aplausos. Dessa forma, entender pelo menos parcialmente quem estaria se beneficiando de tal crescimento se tornou um dos objetivos do trabalho. Na tentativa de encontrar respostas, o estudo elaborado pela Associação Empresarial de Cariacica se mostrou especialmente relevante, e mereceu uma posição de destaque no trabalho. O estudo do plano elaborado pelos empresários permitiu identificar uma relativa autonomia em relação aos planos e projetos previstos para a região metropolitana. Houve, é verdade, momentos em que o Plano dos Empresários pareceu incorporar projetos em discussão em instâncias do poder público, e houve, inclusive, momentos em que o estudo da AEC pareceu antever o que aconteceria, reforçando a tese de que um dos objetivos dos envolvidos na elaboração do Plano dos Empresários era vender os projetos executivos para o Governo do Estado. Há algum tempo, quando a força do “planejamento tecnocrático” indicava uma pretensa neutralidade racional, assumir que um traçado viário ou a implantação de um equipamento público estava vinculada a interesses políticos e econômicos era algo impensável111; hoje, corre-se o risco de o empresário proponente ser considerado um “empreendedor socialmente responsável”. Quando, por exemplo, se compara que o traçado proposto pela AEC negligencia atributos naturais considerados importantes pela administração local em função da criação de vias expressas (Imagens 33 e 41), ou ignora a necessidade de comunicação viária entre bairros mais pobres e os subcentros municipais (Imagem 39), ao mesmo tempo em que propõe dotar de infraestrutura viária áreas recém parceladas e ainda vazias dentro da malha urbana (Imagem 49), é possível perceber que exista um compromisso entre as propostas plasmadas no Plano dos

111

Neste período, assim como muitas obras aparentemente não precisavam constar de nenhum plano oficial para serem executadas, os planos oficiais não apontavam necessariamente as obras a serem executadas. (MARICATO, 1997).

188

Empresários e a necessidade de reprodução do capital em Cariacica e mesmo na Grande Vitória. Ao lado disso, uma das consequências da municipalização adotada hoje no Brasil é justamente a maior facilidade de acesso às instâncias decisórias. Se, por um lado, a centralização das decisões no governo central deixou um legado de austeridade e desconhecimento das realidades locais, por outro lado, conferir maior poder às autoridades locais fez com que as administrações municipais passassem a competir pela atração de recursos em um ambiente de crise fiscal, sofrendo a pressão do setor privado de uma forma que ainda não tinham experimentado. Os investimentos tomam cada vez mais a forma de uma negociação entre o capital financeiro internacional e os poderes locais, os quais fazem o melhor possível para maximizar a atividade local para o desenvolvimento capitalista. (HARVEY, 1989, p. 168).

Este estudo demonstrou pelo menos duas ocorrências deste tipo em Cariacica, quais sejam a interferência da Vale na elaboração dos planos estratégicos do município e a elaboração de um estudo macroviário por uma associação de empresários municipais. Isto apresenta algumas consonâncias com o que é relatado por Maricato (1997) como recorrências do atual planejamento urbano brasileiro: a) as obras são definidas pelas megamepreiteiras que financiam as campanhas eleitorais; b) suas localizações obedecem à lógica da extração da renda imobiliária; c) afirmação de uma imagem exclusiva em espaço segregado; d) as leis se aplicam apenas a uma parte da cidade. Aqui no Brasil, “os yuppies do mercado financeiro convivem com os coronéis regionais; a estética pós-moderna com os velhos empreiteiros corruptos de sempre” (MARICATO, 1997). Por seu turno, o poder público municipal aposta na condução dos trabalhos de forma mediadora, tentando sempre evitar os conflitos e estabelecer “pactuações” pela via do consenso. Tanto no caso da elaboração da Agenda Cariacica quanto no caso do processo de construção do PDM112, as secretarias executivas criadas buscaram sempre conciliar os diversos interesses envolvidos. Obviamente, o “consenso” entre interesses conflitantes precisa ser construído através do

112

A respeito do processo de elaboração do Plano Diretor em Cariacica, ver Palhano, 2010. Dentre os interesses conflitantes, o autor destaca os do governo municipal, do governo estadual (“que buscava implantar no município diversas atividades de seu interesse”), da Vale, de empresários do setor imobiliário e dos “diferentes anseios de uma heterogênea população” (PALHANO, 2010, p. 130).

189

convencimento. Nos casos relatados, fica aparente o poder de convencimento do poder público em favor das elites municipais e de interesses privados. Ao lado do estudo da AEC, as iniciativas das empresas do mercado imobiliário na Grande Vitória, em geral, e em Cariacica, mais especificamente, ajudaram a revelar em que medida tal crescimento poderia ser verificado na prática. Neste caso, aceitou-se a afirmação do empresário José L. Kfuri, segundo quem é o mercado imobiliário quem direciona os investimentos públicos e privados. Neste ponto, além da disseminação do discurso a respeito do crescimento de Cariacica (discurso que poderia não encontrar lastro na realidade, posto que um dos meios de valorização de um lugar passa pelas estratégias de marketing113), dois fatores levavam a crer que Cariacica crescia, acompanhando a tendência da Grande Vitória: em 2007, o bairro Campo Grande, em Cariacica, passa a figurar nas pesquisas do Sindicato da Indústria da Construção Civil (SINDUSCON-ES) a respeito do preço do metro quadrado, indicando um interesse em Cariacica que até então não se tinha; e a procura por terras no município por parte de empresas da construção civil listadas na BOVESPA. Não se pode ignorar que a dispersão dessas empresas por municípios que não os de origem só foi possível graças a novos instrumentos financeiros, que permitiram que as empresas do setor imobiliário aderissem à abertura de capital e à oferta de suas ações na Bolsa de Valores. Mas também se deve ressaltar que tal dispersão foi motivada, em grande medida, pela criação do Programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, que tornou lucrativa a produção de imóveis para a população de baixa renda, ao mesmo tempo em que criou subsídios que permitiram a essa população de renda mais baixa acessar a esses imóveis. Em paralelo, foi necessário entender o contexto de Cariacica na dinâmica metropolitana, a fim de entender o papel dos agentes do crescimento na produção do espaço do município. A ocupação do território municipal foi historicamente relegada a segundo plano, e só muito recentemente algumas ações no âmbito do planejamento urbano municipal têm sido praticadas. A malha viária do município, por exemplo, pode ser resumida em dois tipos de vias: os três eixos rodoviários, que também atendem à região metropolitana, e os vários arruamentos internos aos loteamentos, que muitas das vezes não se comunicam entre si. Isto demonstra que, 113

Para mais informação a respeito das estratégias adotadas por empresas que atuam na Grande Vitória para a valorização fundiária e imobiliária, ver Barbosa (2013).

190

por um lado, interesses externos ao poder público municipal, de caráter supralocal (sejam do Governo do Estado, sejam de empresas de abrangência nacional e internacional) vêm interferindo no território municipal, já há algum tempo, na tentativa de ligar as instalações portuárias (ou que lhes dão suporte) ao resto do país da maneira mais rápida possível, ao passo que, por outro lado, interesses externos locais (sejam de loteadores, sejam de proprietários fundiários) vêm historicamente interferindo no território do município na tentativa de criar o maior número de lotes possível. De qualquer forma, o espaço urbano do município ainda hoje pode ser percebido pelos empresários como lugar próximo à capital, com boas conexões e preço da terra ainda barato, se comparado com os demais municípios da Grande Vitória. Portanto, se Cariacica vem passando por um processo de crescimento, este é motivado, em grande parte, por interesses dos agentes que mais poderiam se beneficiar de tal crescimento: os proprietários fundiários e agentes do mercado imobiliário e empresários da construção civil. Isto não significa que o poder público local não seja entusiasta do crescimento. Ao contrário, como visto, o discurso do crescimento pode servir para legitimar a administração municipal, já que está associado a uma suposta melhoria da qualidade de vida, a uma maior oferta de empregos e a uma cidade mais competitiva. O fato de que interesses econômicos têm guiado os rumos do município não é novo nem exclusivo de Cariacica. Uma das formas de maximização dos lucros dos setores imobiliário e fundiário é justamente buscar a periferia, mas uma periferia que seja bem localizada (relativamente próxima a algum centro regional, por exemplo) e com boas conexões viárias, mas que, pela falta de infraestrutura ou mesmo por algum estigma social, ainda possua terras a um preço razoavelmente baixo. Tais áreas costumam ser mais facilmente encontradas nas franjas urbanas. A partir disso, o proprietário fundiário, por exemplo, conseguirá obter um lucro extraordinário quando o poder público decidir dotar o local de infraestrutura ou construir algum tipo de equipamento público ou mesmo quando outro(s) empreendedor(es) resolver(em) instalar no local alguma atividade que possua efeitos de externalidade positivos. Por sua vez, em tais circunstâncias, o agente imobiliário (supondo que sejam personagens distintos) poderá vender as unidades de seu empreendimento a um preço superior. Ressalte-se que, conforme informam Logan e Molotch (1987), estes ganhos podem ser obtidos por acaso (no caso dos empresários acidentais), na

191

busca por um melhor posicionamento dentro do ambiente urbano (como no caso dos empresários ativos) ou pressionando o poder público a direcionar os investimentos para determinados lugares (como fazem os especuladores estruturais). Observa-se, assim, que o capital imobiliário passa a competir por um filão de mercado até então pouco explorado formalmente, disputando entre si as franjas urbanas (no caso de Cariacica, a periferia da Grande Vitória), empurrando os mais pobres para mais longe ainda, levando à expansão da mancha urbana e à pressão (e supressão) das áreas rurais e de proteção ambiental das cidades. Tem-se, assim, uma cidade que cresce de forma espraiada, com alto índice de fragmentação de seu tecido urbano, cuja provisão de infraestrutura precisa ocorrer de forma difusa a fim de atender à população espalhada pelo perímetro urbano. Esta forma de crescimento tem levado muitas cidades brasileiras à produção de um urbanismo excludente, à gentrificação, mantendo os mais pobres nos lugares cada vez mais longes e segregados dos locais mais bem dotados de infraestrutura e serviços urbanos, assim como ao desperdício de dinheiro e investimentos públicos, onerando o poder público local, dada a necessidade de maior investimento em transporte público, rede de abastecimento de água e tratamento de esgoto, sistema viário e implantação de equipamentos públicos114. Em Cariacica, pelo que foi possível observar, os empreendedores não têm encontrado muita dificuldade para aumentar seus lucros a partir de estratégias de valorização fundiária. Conseguiram reservar a porção mais infraestruturada do solo urbano para as elites, mantendo os mais pobres sem condições de acesso, nos lugares mais distantes dos centros e subcentros municipais. Ao mesmo tempo, puderam se beneficiar das políticas de subsídio à habitação de interesse social e tiveram valorizadas porções de terra deixadas vazias por muito tempo, seja através da construção de outros empreendimentos imobiliários, seja através de obras executadas pelo poder público estadual. Ao lado destes, os empresários do segmento logístico e industrial são diretamente beneficiados a partir da aceitação social de uma vocação específica para o município. Ao ratificar a vocação logística e industrial do município, o poder público estadual e municipal ignora todas as outras possibilidades latentes, bem

114

A aparente falência dessa forma de produção das cidades tem levado alguns autores a discutir a respeito da eficácia da regulação da expansão urbana. A este respeito, ver a tese de Paula Freire Santoro, USP, 2012.

192

como os diferentes desejos e necessidades da população residente. É fato que a Grande Vitória apresenta uma localização estratégica, sendo cortada por duas importantes rodovias federais, duas linhas ferroviárias de relevo nacional e com uma baía que possui amplo acesso ao oceano. Cariacica idem. Entretanto, insistir no entendimento de que o território do município só serve de passagem para fluxos que extrapolam o território municipal contribui para a reprodução de um espaço urbano excludente e fragmentado, como visto nos estudos do Plano Diretor Viário. De todo modo, em sua ação individual, os capitalistas são apenas indivíduos buscando meios de maximizar seus lucros. Entretanto, ao enxergar o conjunto de suas ações em cadeia, podem acabar se configurando em promotores de um crescimento que representa risco ao ambiente natural adjacente, que acaba “urbanizado” em curto espaço de tempo, contribuindo ainda para a produção de um espaço urbano que obedece a uma lógica nociva do ponto de vista social (ainda que possa vir a ser saudável do ponto de vista econômico). Entretanto, mesmo quando representa lucro para alguns agentes, o crescimento não distribui igualmente os lucros entre todos, mas se apresenta através de desiguais benefícios e malefícios, lucros e prejuízos. Um crescimento a todo custo que tende a aumentar a distância entre pobres e ricos. Atrás da máscara de muitos projetos bem-sucedidos se encontram sérios problemas sociais e econômicos, os quais, em muitas cidades, estão assumindo a forma geográfica de uma cidade dual: de um centro renovado cercado por um mar de pobreza crescente. (CUNHA; BARBOZA, 2011)

Apesar de o crescimento ser apresentado como a única possibilidade e a melhor saída, a crise por que passa Cariacica e várias cidades do Brasil com características semelhantes não se dá por uma ausência de crescimento, mas parece ser a própria personificação da busca desenfreada por este. Nada pode substituir o papel do Estado na promoção da igualdade de oportunidades. Planos e projetos não devem ignorar a cidade, tampouco a relação entre circulação e uso do solo. Assim como Milton Santos pôde afirmar que a globalização é uma fábula, o crescimento, tal como vem acontecendo em muitas cidades periféricas do país, aparece como um mito, na medida em que possui efeitos perversos para inúmeros seres humanos. Na verdade, os locais que, assim como Cariacica, possuem um

193

histórico de crescimento desordenado atrelado à expansão urbana de um município central só apresentam ganhos reais para os agentes que podem ignorar os problemas sociais e humanos causados por este mesmo crescimento. Ou seja, pelos agentes que usam o território, mas não pertencem a ele.

Algumas lacunas neste trabalho foram evidenciadas durante a defesa, de modo que é interessante explicitá-las e, na medida do possível, apresentar algumas explicações. A despeito dos vários pedidos do orientador para que algumas conexões fossem estabelecidas no próprio texto (ao invés de deixar que o leitor tivesse que realizá-las por conta própria), uma série de dificuldades não permitiram que o texto pudesse conter apontamentos do tipo: “o que está acontecendo é isto; os personagens são estes; seus interesses são tais; quem sai ganhando e quem sai perdendo são estes e aqueles”, e assim por diante. Em resumo, o que ocorreu, conforme informado na página 151, foi que não foi possível ter acesso às pessoas envolvidas diretamente na elaboração do Plano dos Empresários (com exceção dos membros do poder público municipal). Não foi possível acessar os empresários que participaram do processo ou mesmo os desenhistas do Plano; nem informações, junto à Prefeitura, a respeito de processos de consultas prévias em determinadas áreas do município, nem às atas de reuniões do Conselho Municipal de Habitação e o do Plano Diretor (inativos quando da elaboração da dissertação, segundo funcionários da PMC); nem a situação fundiária, junto ao Cartório de Registro de Imóveis, de áreas específicas de interesse, de acordo com o que sugeria o Plano dos Empresários; a nada disso se teve acesso, embora se tenha tentado por diversas vias durante vários meses. De modo que, conforme sugestão do próprio orientador, fez-se necessário buscar uma alternativa de abordagem a qual, no lugar de possibilitar uma conclusão mais incisiva (que permitisse afirmar que “é isto” ou “é aquilo”), resolvemos apenas entender o Plano não como algo a ser implantado na íntegra, mas como uma coleção de projetos que podem vir a ser implementados ao longo do tempo. Proceder de outro modo, considerando as informações que se tinha e a dificuldade de se obter alguns dados mais contundentes, poderia ser demasiado arriscado e – o que seria pior – resultar num texto leviano, cujas afirmações poderiam não encontrar o respaldo necessário na realidade investigada. Optou-se por não correr este risco.

194

REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE CARIACICA (AEC). Identificação de Vocações e Projetos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável de Cariacica: Estudo da logística do transporte de cargas e de pessoas. 2010. Elaboração: FUTURA/Construtora Agreste.

______. Estudo macroviário do município de Cariacica. 2010. Elaboração: Carlos F. V. R. C. Albuquerque (Construtora Agreste).

ARANTES, Otília Beatriz F. Uma estratégia fatal: a cultura das novas gestões urbanas. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pp. 11-74.

BARBOSA, Lívia Barraque. A Produção do Espaço Urbano e as Áreas de Transição Rural-Urbana: O caso do município de Cariacica. Vitória, 2013.

BEZERRA, Gustavo das Neves. Consensualismo e competição interterritorial: a experiência da Agenda 21 no Estado do Rio de Janeiro. In: ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves (Org.). Cidade, ambiente e política: problematizando a Agenda 21 local. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Planos Estratégicos e Metropolitanos. Cadernos IPPUR/UFRJ. Rio de Janeiro, Vol XI, n. 1 e 2, pp. 207-231, 1997.

BOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (Org.). Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983. p. 82-121.

______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

______. Efeitos do Lugar. In: BOURDIEU, Pierre (Coord.). A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 150-166.

______. A Mão Esquerda e a Mão Direita do Estado. In: BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, pp. 7-13.

195

BRASIL. Lei nº 10.257/2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e dá outras providências. Estatuto da Cidade, 2001.

CARNOY, Martin. O Estado e o pensamento político norte-americano. In:______. Estado e Teoria política. Campinas, SP: Papirus, 1988, pp. 19-62.

______. Marx, Engels, Lênin e o Estado. In: ______. Estado e Teoria política. Campinas, SP: Papirus, 1988, pp. 63-87.

______. O Estruturalismo e o Estado: Althusser e Poulantzas. In: ______. Estado e Teoria política. Campinas, SP: Papirus, 1988, pp. 119-164.

CASTIGLIONI, Aurélia Hermínia; BRASIL, Gutemberg Hespanha. Agenda Vitória 2008/2028: Dinâmica Populacional. PMV. Vitória, 2008.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1999. DARÉ, Raquel. A “Crise” do Café e a Ideologia Desenvolvimentista no Espírito Santo. Vitória, 2010.

DAVIS, Mike. Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Boitempo, 2009. EMPRESAS de fora põem o pé no freio no Estado. Jornal A Gazeta Online – Caderno de Economia, 15 de fevereiro de 2014. Disponível em: http://goo.gl/FjzpWo. Acesso em: 20/01/2015.

ESPÍRITO Santo em Ação. Disponível em: http://goo.gl/gl4FFz. Acesso em: 27/08/2014.

FARANAK, M. Insurgent Planning: situating radical planning in the global south. Planning Theory, 2009. p. 32-50.

FARIA, José Ricardo Vargas de. Função social e IPTU progressivo: o avesso do avesso num desenho lógico. In: XV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 2013, Recife. Anais do XV Encontro Nacional da ANPUR. Recife: ANPUR, 2013, 20p.

196

FERNANDES, Vilmara. Rodovia Leste-oeste só ficará pronta em 2015. Jornal A Gazeta Online. Disponível em: http://goo.gl/QqXA6L. Acesso em: 19/01/2015.

FERREIRA, Silma Lima. A Produção Imobiliária Capixaba: Panorama atual. Vitória, 2010.

FERREIRA, Kéliton Oliveira. A Expansão Centro-Metropolitana da Grande Vitória nos Principais Eixos Viários. Vitória, 2012.

FERREIRA, Francismar Cunha. A Produção Imobiliária e a Renda da Terra: Estudo de alguns casos na Região Metropolitana da Grande Vitória. Vitória, 2014.

FILHO, Abdo. Cariacica é a 'bola da vez' na venda e valorização de imóveis. Jornal A Gazeta online, 09 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://goo.gl/Gp25Pl. Acesso em: 29/05/2013.

FIX, Mariana. Financeirização e Transformações Recentes no Circuito Imobiliário no Brasil. 2011. 263p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.

FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS. Disponível em: http://www.fnp.org.br/. Acesso em: 25/08/2014.

FUTURA Consultoria e Pesquisa. Disponível em: http://futuranet.ws/institucional/. Acesso em 27/08/2014.

GOTTDIENER, Mark. A Produção Social do Espaço Urbano. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo, SP: EDUSP, 1993. 315p. (Título original: The Social Production of Urban Space. University of Texas Press, 1985).

GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Plano de Desenvolvimento do Estado do Espírito Santo – ES 2030. Vitória, 2013.

GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Secretaria do Estado de Transportes e Obras Públicas. Programa de Mobilidade Metropolitana. Vitória, 2014.

197

HALL, Peter. Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto urbanos no século XX. São Paulo: Perspectiva, 2007.

HARVEY, David. A Justiça Social e os Sistemas espaciais. In: ______. A Justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980, pp. 81-100.

______. Valor de Uso, Valor de Troca e a Teoria do Uso do Solo Urbano. In:______. A Justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980, pp. 131-166.

______. On Planning the Ideology of Planning. In: ______. The Urbanization of Capital. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1985, pp. 165-184.

______. Do Administrativismo ao Empreendedorismo: A transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: ______. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005a, pp. 163-190.

______. A Geografia da Acumulação Capitalista. In: ______. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005b, pp. 41-73.

______. A Geopolítica do Capitalismo. In: ______. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005c, pp. 127-162.

______. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2011.

______. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico de 2000. Disponível em: http://goo.gl/DFJZqr. Acesso em 24/08/2014.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico de 2010. Disponível em: http://goo.gl/KjB2ZT. Acesso em 24/08/2014.

INSTITUTO DE DEFESA AGROPECUÁRIA E FLORESTAL DO ESPÍRITO SANTO (IDAF). Fotos Aéreas. Ano de referência: 2008.

INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES (IJSN). Disponível em: http://goo.gl/HJiS3p. Acesso: em 14/10/2013

198

______. Política de Desenvolvimento Urbano para o Município de Cariacica: Estudo Básico de Organização Sócio-Econômica do Município de Cariacica. Vitória, 1983.

______. Estudo Integrado de Uso e Ocupação do Solo e Circulação Urbana da Região Metropolitana da Grande Vitória. Relatório III: Diagnóstico Consolidado. Vitória, 2009.

______. Revista do IJSN. Ano VI, nº 2. Vitória, pp. 28-36. Jul/Set de 1987.

______. Análise do Mercado de Trabalho do Espírito Santo: Censo Demográfico 2010. Vitória, 2012.

LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Documentos, 1969.

______. A Produção do Espaço. Tradução de Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins. 4e ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000. 291p.

______. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. LIMA JUNIOR, Pedro de Novais. Uma estratégia chamada “Planejamento Estratégico”: deslocamentos espaciais e atribuições de sentido na teoria do planejamento urbano. 2003. 279f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.

LINDBLON, C. E. Muddling Through 2: a ubiquidade da decisão incremental. In: F. G. HEIDEMANN e J. F. SALM (Ed.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: Editora da UNB, 2009. p.181-202.

LOGAN, John R.; MOLOTCH, Harvey Luskin. Urban Fortunes: The political economy of place. Berkeley, Los Angeles, Londres: University of California Press, 1987.

LOGÍSTICA: Cariacica é a melhor alternativa na GV. Jornal Folha Vitória, 25 de janeiro de 2012. Disponível em: http://goo.gl/B7AMVx . Acesso em: Acesso em: 29/05/2013.

199

MACEDO, Fernando Cezar; MAGALHÃES, Diogo Franco. Formação Econômica do Espírito Santo: do isolamento econômico à inserção aos mercados nacional e internacional. Revista de História Regional 16(1), p. 61-99, 2011.

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

______. Brasil 2000: qual planejamento urbano?. Cadernos IPPUR, nº 1 e 2, Ano XI, p. 113 – 130, 1997.

______. Globalização e Política Urbana na Periferia do Capitalismo. In: RIBEIRO, Luiz César de Queiroz; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves (Org.). As Metrópoles e a Questão Social Brasileira. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: 2007, pp. 51-76.

OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES. Níveis de Integração dos Municípios Brasileiros em RMs, RIDEs e AUs à Dinâmica da Metropolização. Rio de Janeiro, 2012.

OLIVEIRA, Fabrício Leal. Grandes empreendimentos e a reprodução da estrutura urbana: desafios recentes para o planejamento da cidade do Rio de Janeiro. 1997. 139p. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.

OLIVEIRA, Fabrício Leal; BIASOTTO, Rosane. O acesso à terra urbanizada nos planos diretores brasileiros. In: SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (org.). Os Planos Diretos Municipais pósEstatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. 1 ed. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles - IPPUR/UFRJ; Letra Capital, 2011, p. 57 - 98.

PALHANO, Flávio Fernandes. Participação Popular e Plano Diretor Municipal (PDM): Estudo de Caso de Cariacica – Região Metropolitana de Vitoria – ES. Vitória, 2010.

PIQUET, Rosélia. Cidade-empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CARIACICA (PMC). Avaliação da Execução do Plano Estratégico da Cidade 2003 – 2022: Cariacica “Vale Mais”. Cariacica, 2010.

200

______. Agenda Cariacica 2010-2030: planejamento sustentável da cidade. Cariacica, 2012. 220 p.

______. Revista Cariacica em dados: indicadores socioeconômicos. Cariacica, 2011.

______. Plano Diretor Municipal. Lei Complementar nº 018/2007.

______. Plano Diretor Viário Urbano. Lei nº 3487 de 31 de dezembro de 97.

______. Plano Diretor Econômico. Etapa I: Perfil Econômico do Município, Identificação dos Arranjos Produtivos Locais e Vazios Urbanos Identificados. 2007.

______. Plano de Organização Territorial. Lei 4772/2010.

RAMIRES, Julio César de Lima; GOMES, Eduardo Rodrigues. Verticalização litorânea: uma análise preliminar. GEOGRAFARES, Vitória, nº 3, pp. 91-107, jun. 2002.

RANDOLPH, Rainer. A nova perspectiva do planejamento subversivo e suas (possíveis) implicações para a formação do planejador urbano e regional: o caso brasileiro. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008, vol. XII, núm. 270 (98). [ISSN: 1138-9788]. Acesso em: 12/07/2014.

ROMANELLI, Marco Antonio C.; STELZER, Patrícia. Agenda Cariacica 2010-2030: Meio Urbano e Rural: Uso e Ocupação do Solo. Cariacica, 2012.

SANTORO, Paula Freire. Planejar a expansão urbana: dilemas e perspectivas. 2012. 363f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

SANTOS, Carlos Nelson F. dos. A cidade como um jogo de cartas. Niterói: EDUFF; São Paulo: Projeto Editores, 1988. pp.11-72

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.

201

______. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 4. ed. 2. Reimpressão, São Paulo: EDUSP, 2006.

SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann. Síntese, desafios e recomendações. In: SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel Todtmann (org.). Os Planos Diretos Municipais pósEstatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2011, pp. 27-56.

SIMÕES, Paulo Roberto. Agenda Cariacica 2010-2030: Mobilidade, Sistema Viário, Trânsito e Transporte. Cariacica, 2012.

SMOLKA, Martim; FURTADO, Fernanda. Recuperação de mais-valias fundiárias urbanas na América Latina: Bravura ou Bravata? In: VII Curso Recuperação de Mais-Valias Fundiárias na América Latina: Financiamento do Desenvolvimento Urbano no Brasil: desafios para a implementação do Estatuto da Cidade, 2001.

TARINGA! Antiguos mapas de América del sur. Disponível em: http://goo.gl/AtqFPb. Acesso em: 26/10/2013.

VAINER, Carlos B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pp. 75-103. ______. Os liberais também fazem planejamento urbano? Glosas ao “Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro”. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pp. 105-119.

ZANOTELLI, Cláudio Luiz; FERREIRA, Francismar Cunha; ANTÔNIO, Larissa Marques; SILVA, Bruno. O planejamento e a concentração fundiária na expansão da Região Metropolitana da Grande Vitória. In: Anais do XIII Simpósio Nacional de Geografia Urbana, Rio de Janeiro: UERJ, 2013.

ZANOTTI, Daniella. Vila Velha se prepara para crescer pelo lado Oeste. Jornal A Gazeta online, 23 de janeiro de 2010. Disponível em: http://goo.gl/UQyUlT. Acesso em: 12/01/2015.

202

ZIPPINOTTI, Daniel Pitzer. As formas simbólicas espaciais e a dinâmica da centralidade em vitória: um esforço de análise. 2014. 188p. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.