A participação dos leitores na imprensa: uma proposta de análise às Cartas do Leitor do Jornal de Notícias

June 5, 2017 | Autor: Fábio Ribeiro | Categoria: Media Studies, Newspapers and online journalism, Democracy and Citizenship Education
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Comunicação Pública Vol.9 n15  (2014) Varia

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Fábio Fonseca Ribeiro

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Referência eletrônica Fábio Fonseca Ribeiro, « A participação dos leitores na imprensa: uma proposta de análise às Cartas do Leitor do Jornal de Notícias », Comunicação Pública [Online], Vol.9 n15 | 2014, posto online no dia 30 Junho 2014, consultado o 30 Junho 2014. URL : http://cp.revues.org/646 ; DOI : 10.4000/cp.646 Editor: Escola de Superior de Comunicação Social http://cp.revues.org http://www.revues.org Documento acessível online em: http://cp.revues.org/646 Este documento é o fac-símile da edição em papel. © ESCS

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A participação dos leitores na imprensa: uma proposta de análise às Cartas do Leitor do Jornal de Notícias Readers' participation in press: an approach to study Jornal de Notícias' Cartas do Leitor

Fábio Fonseca Ribeiro

EDITOR'S NOTE Recebido: 9 Dezembro 2013 Aprovado para publicação: 10 Março 2014

1.Factores para o aumento da troca de cartas: uma breve revisão histórica 1

A trajectória das cartas como espaço presente na imprensa conheceu um incentivo particularmente significativo após a massificação do jornalismo, que decorreu a partir de meados do século XIX. Este seria o período que prepararia a emergência dos primeiros jornais do século XVII, os ‘corantos’1, impressos de forma esporádica e irregular.A partir de 1830, os jornais começam a ser vendidos a baixo custo, proporcionando a produção em série, o que motivaria o agrado das multidões das grandes cidades. Os jornais deslocavamse assim de um elitismo associado à formação académica ou ao poderio económico para um novo público com menos instrução e que era satisfeito mais facilmente (da Silva, 2009; Park, 1923). Arelação de proximidade do jornalismo com comunidades mais isoladas geográfica e socialmente dependeu, em vários momentos, de denúncias dos leitores em espaços como os das cartas (Wahl-Jorgensen, 2006).

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A introdução do vector económico na gestão diária dos media levantou, desde cedo, receios de que a qualidade do trabalho dos jornalistas pudesse ser afectada por interesses de grupos, comunidades e personalidades com influências políticas, económicas e sociais. Neste contexto, Karl Kraus (1993) destaca a presença progressiva que os temas de âmbito sensacionalista viriam a ocupar nas páginas dos jornais pouco tempo depois da entrada de grupos económicos na imprensa, ao longo do século XIX. Kraus refere o crescente interesse mediático pelos aspectos ligeiros da vida quotidiana, privada e íntima, dos vícios e das imperfeições da sociedade em detrimento do debate dos verdadeiros assuntos de interesse público. Não obstante este panorama de alguma desconfiança, Dominique Wolton (2003) identifica alguns factores que viriam a alterar algumas destas concepções, entre eles o facto de a liberdade de imprensa se ter tornado num dos objectivos da comunidade internacional, respondendo positivamente aos anseios de quem defendia que a mundialização da informação só poderia ser alcançada na presença de uma imprensa desenvolvida e entroncada. Este desenvolvimento, sugere Wolton, promove a aparição de indústrias da informação e da comunicação cada vez mais atentas ao desenrolar do processo político e à sua ligação progressivamente mais estreita com os públicos.

3

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, as políticas deincorporação do público no discurso da imprensa começavam a surgir pela Europa. Em França, os quatro principais jornais da época abriram espaços que proporcionavam ao leitor a escrita em estilo conversacional e fluido (da Silva, 2009). Apesar de nos seus inícios os jornais pretenderem inscrever nestes espaços as opiniões de líderes destacados ou mesmo de personalidades reconhecidas publicamente, a evolução da história da imprensa deixaria de tomar este facto como uma obrigatoriedade. Neste contexto, o The New York Times foi o primeiro jornal a publicar uma carta de um leitor num espaço inteiramente dedicado à opinião dos cidadãos, a 18 de Setembro de 1851, apenas cinco dias após o seu lançamento. No caso português, seria o Expresso o primeiro a optar por esta mesma via, a 18 de Dezembro de 1972, seguido dos exemplos do jornal A Capital, já em finais de 1973, com a rubrica Opinião Pública 2.

4

De acordo com Marisa Torres da Silva, o espaço das cartas recupera «uma reminiscência de diálogo público, uma forma própria de debate público, no qual se efectua um debate crítico-racional sobre problemáticas diversas» (2009: 189). As dúvidas quanto à natureza do conteúdo e do discurso promovidos pelos cidadãos neste espaço levam a algumas reservas quanto ao tipo de debate sugerido anteriormente, em linha com uma proposta sensível a autores como Habermas. Por isso, sublinha a investigadora, o âmbito de actuação das cartas habilita-se preferencialmente a prestar um serviço aos interesses generalizados de um conjunto de indivíduos, em detrimento de uma acção discursiva estratégica e racional.

5

Embora não tenham estudado o caso das cartas em particular, Padilla et al. definem o envolvimento cívico junto da imprensa como um «processo social, um valor atribuído por certas pessoas, uma dimensão do clima organizacional, um instrumento de gestão, um direito legal, e uma forma de governo» (2007: 6). Os autores consideram ainda que este espírito de integração do público é uma tentativa de «corporizar a democracia na rotina diária, uma fonte de legitimar a autoridade, um espaço para promover níveis elevados de responsabilidade e decisão políticas, uma técnica para melhorar a performance e disseminar eficiência, um requisito para o desenvolvimento humano» (ibidem).

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Ora, inspirados por algumas destas questões, partimos para um estudo de caso específico, sobre as Cartas do Leitor do Jornal de Notícias, recuperando esta longevidade histórica do

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percurso das cartas na imprensa generalista portuguesa fenómeno que carece, de algum modo, de estudos académicos mais aprofundados.

2. Análise às Cartas do Leitor do Jornal de Notícias3 7

O Jornal de Notícias (JN) nasceu no Porto, em 1988, sendo um dos diários mais antigos do país. O JN integra a Controlinveste, um dos maiores grupos de media portugueses, com títulos na imprensa, na rádio e na televisão, além de um conjunto de participações em empresas com actividade nas áreas de publicidade, comunicação multimédia, produção de conteúdos e design. À data deste estudo, Manuel Tavares é o director do JN, uma publicação que mantém uma relação estreita com o poder e as dinâmicas locais e igualmente focalizada em instituições e actividades desportivas regionais (Santos, 2012).

2.1 Método: dados e amostra 8

Animados pelo pressuposto da aposta continuada e diária dos medianas cartas, partimos para a observação das Cartas do Leitor como modalidade discursiva dinamizada pelos leitores e editada pelo JN. Podemos definir este espaço como uma forma de perceber algumas das representações sociais e mentais sobre temas considerados de interesse público. Na actualidade, e com a transição para ambientes digitais, o jornal passou exclusivamente a publicar as cartas que recebe por e-mail ([email protected]), segundo conseguimos apurar junto da redacção. Pretende-se assim agilizar os processos de paginação do próprio jornal, uma vez que as cartas manuscritas exigiam um trabalho de edição suplementar ao nível da transposição do texto para a plataforma digital de edição.

9

No sentido de compreender o que é escrito neste espaço, transversal à imprensa nacional, analisámos a totalidade das cartas publicadas pelo JN ao longo do mês de Fevereiro de 2012 (106 textos), de acordo com procedimentos de observação mediocêntrica (através de uma análise formal/global das cartas e da política editorial do JN a este respeito, nomeadamente quanto ao tom de escrita que é permitido aos leitores ou aos temas mais frequentes, entre outros aspectos) e sociocêntrica (focada nos leitores/participantes neste espaço, através de um inquérito por questionário4 que recebeu 31 respostas).

2.2 Resultados da observação mediocêntrica 10

A Tabela 1 identifica as variáveis que serviram de apoio a este enquadramento. Tabela 1 – Observação das Cartas do Leitor do JN, segundo a perspectiva mediocêntrica

Categoria de análise Colocação das cartas (número de página)

Conteúdo que acompanha as cartas

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Descrição/frequência

Entre a página 12 e a 27

Cartoon; artigo de opinião; frases da semana; reportagem

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Total de cartas publicadas e analisadas

106

Média de cartas publicadas por dia

4 (arredondada à unidade)

Total de participantes que escreveram para a secção Cartas do Leitor

65

(excluindo participantes repetidos) Participantes que publicaram apenas uma carta Participantes que publicaram mais do que uma carta Cartas publicadas pelos participantes repetidos (% em relação ao total) Média de cartas publicadas pelos repetentes Número máximo de cartas publicadas por um participante Número mínimo de cartas publicadas por um participante

41

24

65 (61% – arredondada à unidade)

3 (arredondada à unidade)

6

2

Fonte: Elaboração própria. 11

Com efeito, mais de metade das cartas publicadas (61%) pertence a leitores que já tinham visto os seus textos publicados naquele período de observação. O valor chega a ser particularmente expressivo no caso do leitor que publicou em seis ocasiões5. Em 106 textos analisados, este espaço contou em média com a publicação diária de quatro cartas, ainda que tenha variado entre três e cinco textos por dia.

12

Numa observação mais particular, podemos ainda verificar que, quanto à variável género, 59 participantes são homens e apenas seis são mulheres. A respeito da orientação temática das cartas, apenas onze em 106 textos se basearam em situações pessoais. Relativamente aos temas, importa compreender se tiveram alguma relação com os que foram colocados na capa do dia da publicação ou então na do dia anterior. Procurámos perceber se os critérios de selecção das cartas procuravam acrescentar alguma sintonia entre os assuntos chamados à capa e os sublinhados pelos leitores, no sentido de promover uma certa continuidade no discurso e na lógica discursiva sobre um determinado tema. Nenhum dos temas apresentados nas cartas teve qualquer relação com assuntos, situações ou factos descritos nas manchetes do JN. Esta situação modificase ligeiramente se tivermos em linha de conta para este exercício de comparação o dia transacto. Nesta perspectiva, apenas oito cartas retomaram temas desenvolvidos na capa do dia anterior (8%).

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Se tivermos em conta o tom das cartas, isto é, a forma como o leitor posicionou o seu texto, a tabela 2 oferece uma leitura elucidativa: Tabela 2 – O tom utilizado nas Cartas do Leitor nas edições observadas

Tom da carta

Frequência

Frequência relativa 6

Elogio

3

2,83%

Reclamação

82

77,36%

Sugestão

1

0,94%

Reclamação e Sugestão

11

10,38%

Elogio e Reclamação

9

8,49%

Total

106

100%

Categorias isoladas

Categorias combinadas

Fonte: Elaboração própria. 14

Parece claramente existir a tendência para manifestar apenas uma postura nas cartas. Deste modo, as críticas, realizadas em torno de queixas, assumem o eixo principal no tom das cartas (77,36%). Este valor está muito distante do verificado quanto aos elogios (três cartas) ou mesmo quanto à única sugestão apresentada. As cartas que motivaram a multiplicação de tons seguem um entendimento idêntico: o par ‘crítica (queixa) e sugestão’ verificou-se em 11 cartas, enquanto o par ‘elogio e crítica (queixa)’ recolheu nove registos. Estes dados acentuam a tónica da crítica (queixa, reclamação, etc.) encontrada na formulação dos textos das cartas. Se agruparmos estes dados globais, concluímos que esta categoria está presente em 102 das 106 cartas analisadas.

15

A diversidade de temas focados pelas cartas obrigou à formulação de uma categoria temática dominante isto é, do conjunto de assuntos retratados no texto, seleccionou-se o principal, o mais expressivo. Desta forma, o gráfico 1 revela a dispersão temática das cartas:

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Gráfico 1 – Distribuição dos temas pelas cartas dos leitores

Fonte: Elaboração própria. 16

O actual contexto histórico, económico, político e social do país condiciona claramente os resultados obtidos, e essa deverá ser sempre a justificação tida primeiramente em conta na interpretação destes dados. Aliás, na natureza destesespaços e discursos reside precisamente o carácter da actualidade. Apesar de Peter Dahgren (2006) ter denunciado a desafectação dos cidadãos por temas políticos, sublinhando um certo desinteresse social por esta área da vida pública, as cartas dos leitores sugerem que a política ocupa um espaço importante na dinâmica destes espaços. A política recolhe a maioria das preferências de escrita (38 textos), entre diferentes perspectivas: a actuação política do Governo (27), a administração local e regional (sete), o Presidente da República (três) ou ainda os deputados da Assembleia da República (um).

17

Quanto ao comportamento do Governo, o tema mais visado consistiu na recusa da tolerância de ponto no Carnaval (oito). O primeiro-ministro e as Forças Armadas recolhem dois textos cada, estando ainda a maioria parlamentar no centro das cartas relativas ao desemprego, à emigração e às relações que esta manteve com a troika. Em termos dos temas que se enquadram na categoria 'sociedade', as 17 cartas abordaram assuntos como as políticas de incentivo à natalidade (três), os idosos (duas), as condições laborais, os sindicatos ou até mesmo a concertação social defendida pela central sindical CGTP, entre outros exemplos. A justiça surge como terceiro item mais registado, nomeadamente devido à abertura do ano judicial,que mereceu a atenção de cinco textos. Nesta categoria, as cartas remetem igualmente para situações particulares, como as acções judiciais do clube de futebol Boavista e da Quinta do Ambrósio ou mesmo a detenção de uma ex-actriz portuguesa por posse ilegal de estupefacientes. Num tempo, mediaticamente falando, propício à difusão massiva de conteúdos noticiosos sobre economia e finanças, este item recolhe apenas 10,38% de atenção como tema principal da totalidade das cartas. A ajuda externa a Portugal e as medidas de austeridade, entre diversos pontos isolados, ocupam pouco protagonismo neste sentido, o que poderá até ser

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um pouco paradoxal se tivermos em atenção a abrangência quase total destas medidas na sociedade portuguesa. 18

No âmbito das categorias menos registadas, a cultura motivou oito cartas, sendo três dedicadas ao novo acordo ortográfico. A gestão da administração pública local e regional foi o tema principal em sete cartas, com apontamentos realizados quanto à situação de austeridade vivida na Madeira e a casos particulares sentidos em Vila Nova de Gaia ou no Porto. Os meios de comunicação social, por seu turno, ocuparam seis cartas, duas elogiaram o novo grafismo do jornal, nas edições online e impressa, e uma criticou o suposto excesso de participação do ex-presidente da República, Mário Soares, no comentário político. A esfera da saúde, com cinco cartas, e o desempenho de Cavaco Silva, Presidente da República (três), também surgem nesta tabela, sendo que, curiosamente, o desporto, tido como um dos temas preferidos dos portugueses, motivou apenas duas cartas. A actualidade internacional despertou pouco interesse, com apenas dois textos.

2.3 Resultados da observação sociocêntrica 19

Como referimos anteriormente, inquirimos 31 leitores/participantes através de uma plataforma online, tendo obtido, relativamente às variáveis subsequentes, os resultados que apresentamos em seguida. 2.3.1 Caracterização dos inquiridos em termos sociodemográficos

20

Embora não tenham estudado propriamente as cartas para a imprensa, Reader, Stempel & Daniel (2004) lembram que a escrita de cartas pode estar positivamente associada a idade, educação, rendimento e residência em áreas rurais. Neste sentido, a primeira variável a estudar consistiu no género, na medida em que, dos 31 inquiridos, 29 são homens e dois são mulheres.

21

Quanto à idade, a seguinte tabela revela a distribuição dos inquiridos: Tabela 3 – A idade dos inquiridos das Cartas do Leitor do JN

Idade

Frequência absoluta

20-25

1

25-30

1

30-35

0

35-40

5

40-45

0

45-50

2

50-55

0

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55-60

9

60-65

4

>65

9

Total

31

Fonte: Elaboração própria. 22

A partir dos 55 anos, concentram-se 22 dos 31 inquiridos, o que sugere uma distribuição por faixas etárias mais avançadas. Num conjunto de dados que apresenta uma amplitude de idades entre os 22 e os 73 anos, apenas no intervalo 35-40 anos existe uma presença de cinco inquiridos. O valor médio das idades corresponde a 55 anos, sendo a idade mais vezes registada a de 58 anos7.

23

No que se refere ao nível de instrução, os resultados constam da tabela 4: Tabela 4 – Nível de instrução dos inquiridos

Nível de instrução

Frequência absoluta

Básico

1

3.º Ciclo

6

Secundário

13

Licenciatura não concluída

2

Bacharelato

1

Licenciatura

5

Mestrado

3

Total

31

Fonte: Elaboração própria. 24

Existem dois blocos de instrução mais expressivos, nomeadamente o dos nove inquiridos que detêm uma educação de nível superior/universitária (um bacharel, cinco licenciados e três mestres), e, por outra via, o dos 13 que se ficaram pelo ensino secundário completo.

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Quanto à residência dos inquiridos, o Mapa 1mostraa concentração de participantes de distritos e regiões do norte:

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Mapa 1 – Distribuição geográfica das localidades onde residem os inquiridos nas Cartas do Leitor

Fonte: Elaboração própria. 26

A ausência de inquiridos da zona sul do país, das ilhas ou mesmo de distritos do interior pode justificar-se pela inclinação do JN para temas relativos à região norte, ainda que se assuma como um diário de âmbito nacional. A sua fundação remonta ao Porto, cidade de onde registámos a proveniência de 21 inquiridos, um valor distante dos dois para os distritos de Braga, Viana do Castelo, Viseu ou mesmo Lisboa. De Bragança, apenas um inquirido8.

27

A respeito da situação profissional dos inquiridos, encontrámos um equilíbrio entre os activos (13) e os reformados (14), registando-se ainda quatro desempregados. No quadro dos que referiram o exercício de profissões, as mais expressivas foram administrativo e professor (quatro e dois indivíduos, respectivamente), seguidas, com uma ocorrência cada, por tradutor/intérprete, funcionário público, gestor, sócio-gerente, técnico de farmácia, técnico superior da Função Pública e operador de telecomunicações.

28

Observámos ainda o rendimento mensal do agregado familiar onde o inquirido se insere e a natureza das filiações associativas eventualmente verificadas. No que concerne ao primeiro ponto, a quase totalidade dos inquiridos referiu que vive num contexto económico cujo montante se estabelece a partir de dois salários mínimos (mais do que 970 euros) concretamente, tal verifica-se em 24 ocasiões. Quatro participantes responderam ‘entre um e dois salários mínimos’ (485-970 euros), enquanto dois vivem com um rendimento mensal do agregado inferior ao salário mínimo isto é, abaixo dos 485 euros 9. Quanto à segunda variável, a maioria dos inquiridos não apresenta qualquer filiação clubística, partidária ou sindical (17). Três afirmaram ter mais do que um vínculo desta natureza. No que toca às filiações isoladas, são os clubes que surgem mais representados,

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com cinco inquiridos filiados10, seguidos dos partidos, com quatro,11edos sindicatos, com dois12. 2.3.2 Relação dos inquiridos com as Cartas do Leitor do JN 29

Não são apenas os factores socioeconómicos que se prestam a justificar as imagens que os meios de comunicação projectam nos cidadãos (Kosicki & McLeod, 1990). Os dados indicam que há um conjunto de leitores que contribui para este espaço há mais de dois anos (22 inquiridos). Embora cinco não tenham conseguido apontar a data da primeira carta enviada para o JN, aparentemente a escrita destes textos não alcança particularmente participantes recentes, na medida em que as contribuições realizadas pela primeira vez no período observado (um inquirido), desde 2012 (um) e desde 2011 (dois) são quase marginais se comparadas com o grupo inicialmente referido. No que diz respeito à frequência de acompanhamento do formato, podemos sugerir uma certa fidelização, uma vez que 23 inquiridos afirmam que lêem todos os dias as Cartas do Leitor um valor distante dos seis que lêem ‘entre três a seis vezes por semana’, num patamar que ainda assim denuncia igualmente uma atenção permanente dos inquiridos13. A pouca expressão feminina nesta amostra permite poucas possibilidades de cruzamento da variável género com esta categoria. Contudo, as duas mulheres inquiridas demonstraram ler esta secção com bastante regularidade (‘entre três a seis vezes por semana’ e ‘todos os dias’). Já para os homens, os resultados são elucidativos: dos 29 respondentes, 22 lêem ‘todos os dias’ e outros cinco com bastante regularidade (‘entre três a seis vezes por semana’).

30

Passando do acompanhamento à contribuição escrita, podemos observar a frequência mensal, em média, com que os inquiridos afirmaram escrever cartas para o JN14:

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Tabela 5 – Cartas enviadas por mês pelos inquiridos para o JN, em média

Período temporal

Frequência absoluta

Foi a primeira vez

1

Mais raramente

5

Uma vez por mês

1

Duas a quatro vezes por mês

18

Uma a três vezes por semana

2

Uma vez por semana

2

A maior parte da semana

1

Não sei

1

Total

31

Fonte: Elaboração própria. 31

As contribuições parecem ser bastante frequentes, na medida em que 18 inquiridos escrevem para o JN ‘duas a quatro vezes por mês’ e dois escrevem ‘uma vez por semana’. Contudo existe ainda um grupo de cinco leitores que escreve para o jornal numa frequência inferior a ‘uma vez por mês’, naquela que poderá ser considerada uma periodicidade de escrita mais casual. Curiosamente, a frequência de contribuição coincide com a regularidade com que o JN publica efectivamente as cartas dos inquiridos, como revela a Tabela 6: Tabela 6 – Publicação efectiva das cartas dos inquiridos nas Cartas do Leitor

Período temporal

Frequência absoluta

Foi a primeira vez

2

Mais raramente

3

Uma vez por mês

6

Duas a quatro vezes por mês

15

Uma vez por semana

1

A maior parte da semana

1

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Não sei

3

Total

31

Fonte: Elaboração própria. 32

A publicação das cartas realiza-se com bastante assiduidade, ‘entre duas a quatro vezes por mês’ num valor que foi ainda ultrapassado por uma referência a ‘uma vez por semana’ e por outra a ‘a maior parte da semana’. Num patamar inferior, mas que denota igualmente uma certa regularidade na publicação, seis inquiridos confirmam que as suas cartas são publicadas ‘uma vez por mês’.

33

Do ponto de vista da atribuição de um impacto político e social às cartas por parte dos inquiridos, os dados do gráfico 2 ilustram esta questão: Gráfico 2 – Atribuição de impacto político e social pelos inquiridos

Fonte: Elaboração própria. 34

Aqui trata-se de perceber, de algum modo, o sentido que os leitores atribuem à informação recebida, um dos temas que motivou trabalhos como os de Kosicki & McLeod (1990)15. Podemos observar uma dispersão praticamente homogénea nesta variável. Vejamos: entre aqueles que não se manifestaram tão optimistas quanto ao impacto das cartas (valorização entre 0-4), o número de inquiridos fixou-se nos 11; nove leitores atribuíram um valor intermédio nesta escala (5); e, por fim, 11 admitiram que as cartas dispõem de credibilidade suficiente para exercerem influência em certas áreas da vida social (valores entre 6-10). Embora os inquiridos tenham vindo a defender o valor próprio deste espaço no JN, o mesmo não se verifica no ponto da atribuição do impacto, em que os valores já são mais equilibrados e as dúvidas persistem. Ainda neste ponto, parece que entre os inquiridos com filiação (14) existe porventura um certo equilíbrio: entre o impacto reduzido registam-se seis leitores; no nível intermédio, apenas se posicionou um; em patamares mais elevados, surgem sete. O valor médio atribuído por estes inquiridos sugere precisamente o referido equilíbrio, fixando-se no nível 5 (arredondamento à unidade).

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35

Ainda neste ponto, medimos a credibilidade dos colunistas no JN e o nível de satisfação quanto às Cartas do Leitor. Em relação à primeira variável, nenhum dos inquiridos denunciou a falta de credibilidade dos colunistas que actuam como comentadores. Cinco leitores atribuíram-lhes ‘toda’ a credibilidade, 15, ‘bastante’, e outros dez optaram por ‘alguma credibilidade’. Apenas um referiu ‘nem muita nem pouca’. Analisando o nível de satisfação dos leitores em relação às Cartas do Leitor, facilmente se identifica um agrado generalizado por parte destes: oito mostraram-se ‘bastante’ satisfeitos, 15 definiram-se apenas como ‘satisfeitos’, um disse-se ‘extremamente insatisfeito’, quatro sublinharam indiferença neste ponto (‘nem satisfeito, nem insatisfeito’) e três revelaram a sua insatisfação.

36

Por fim, nesta categoria de variáveis, questionados sobre os eventuais motivos que levam o JN a elaborar um espaço especialmente dedicado às cartas dos cidadãos, os inquiridos inclinaram-se claramente para a opção que sugere a intenção do jornal de colocar um espaço que possa ser promotor de uma expressão livre e crítica dos leitores sobre a actualidade (27 inquiridos). A segunda opção mais valorizada estabeleceu-se a respeito da suposta intenção do jornal de promover espaços de participação dos cidadãos para cativar mais audiências, gerando receita própria (seis registos). Na lista de motivações, houve ainda três inquiridos que sublinharam a necessidade do JN de criar um espaço que existe igualmente noutros títulos da imprensa nacional, e um leitor que sugeriu que o JN pretende dar a conhecer a opinião da sociedade sobre um tema em particular16. Confrontado com alguns destes dados, Lúcio Brandão, jornalista do JN e responsável pela selecção das cartas à data deste estudo, sublinha que os principais objectivos consistem em «arranjar alguma massa crítica que não seja institucional e dar voz às pessoas que não têm outra forma de se expressar», um entendimento semelhante ao manifestado pelos inquiridos. 2.3.3 Motivações e constrangimentos na participação dos leitores

37

Um dos pontos fundamentais deste estudo consiste em perceber o conjunto de razões que levam os leitores à participação neste espaço. A seguinte tabela elucida a este respeito: Tabela 7 – Motivações para participar nas Cartas do Leitor referidas pelos inquiridos

Categoria da motivação

Descrição

Gosto de dar a minha opinião sobre um tema

Agrado com a participação (51 registos)

de registos

27

Gosto deste espaço

9

Gosto de ler o Jornal de Notícias

7

Gosto de debater temas que afectam a minha vida Gosto que me leiam e critiquem

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Número

7

1

13

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Justificações

Dar a conhecer o meu caso ao público

7

Expressar o que sinto

1

meramente

pessoais

Combater

(10 registos)

isolamento

a

minha

solidão,

o

Escrevo por influência de familiares e amigos

Cidadania activa (7 registos)

Total (global)

1

1

Esclarecer os cidadãos

2

Denunciar o que está mal

2

Participar nos media é um dever cívico

1

Vontade de participar na sociedade

1 68

Fonte: Elaboração própria. 38

Estes dados sugerem que a participação está ligada a um certo agrado, gosto ou satisfação. Dos 68 registos efectuados, 51 demonstram uma inclinação precisamente nesse sentido, sendo que 27 inquiridos abordaram a satisfação de escrever sobre um determinado tema e nove destacaram o apreço que têm por este espaço. Este facto pauta-se, em 27 ocasiões, pela necessidade que os leitores sentem de escrever sobre as suas opiniões relativamente aos assuntos em destaque na arena mediática. Esta preferência supera o agrado quanto ao formato estudado (nove casos) ou até mesmo em relação ao Jornal de Notícias (sete). Um inquirido referiu ainda que gosta de ver os seus textos lidos e de que o critiquem, eventualmente.

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A segunda categoria mais registada envolveu um conjunto de motivações de âmbito pessoal. Deste modo, a função das cartas como símbolo discursivo de um caso subjectivo, como ilustração de um fenómeno particular da vida de alguém, surge como motivo principal para sete inquiridos. Poderíamos eventualmente indagar e aprofundar o sentido desta motivação, que careceu de um trabalho posterior. Ainda assim, podemos sugerir que a necessidade de contar ao público uma situação pessoal, em forma de denúncia, queixa, reclamação ou até exemplo, pode comportar várias funções: informar, evitar algo ou alertar para a necessidade imperiosa que se sente, particularmente hoje em dia, de reunir vozes em torno de um objectivo ou causa comuns. Já a função das cartas como forma de combater a solidão ou o isolamento não configura um motivo requisitado (apenas um inquirido), e o mesmo acontece com a necessidade de se exprimir o que se sente ou a influência de familiares, amigos ou desconhecidos. Por último, nas categorias menos expressivas, a ‘cidadania activa’ recolheu sete citações, sobretudo entre os que procuram esclarecer os outros cidadãos com informações que julgam pertinentes e merecedoras de divulgação (dois inquiridos), os que procuram denunciar as questões que não estão a ser bem tratadas e geridas (dois) ou ainda os dois inquiridos que se repartem

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pela ideia de que participar nos media resume uma obrigação cívica, um dever enquanto cidadão, e pelo desejo de participar na construção da sociedade. Nesta categoria, a tónica da justificação inscreve-se claramente no cidadão que se dedica aos outros e trabalha mentalmente com as ideias de grupo, colectividade e pertença social. 40

De um lado, surgem as motivações que conduzem os leitores aos espaços de participação na imprensa; do outro, as dificuldades, críticas ou factores que podem desincentivar este comportamento. Tentámos estabelecer um modelo de questão que pudesse ser de resposta confortável, uma vez que no pré-teste ficou demonstrado que os inquiridos poderiam sentir-se desmotivados ao terem de responder a questões que pudessem exigir uma resposta longa. Assim, seleccionámos algumas afirmações e pedimos aos inquiridos que nos revelassem o seu grau de concordância/discordância relativamente a esses pontos. De um modo geral, de entre as afirmações apresentadas existem fundamentalmente cinco que podemos considerar como principais obstáculos à participação. Em primeiro lugar, os inquiridos, em 14 ocasiões, denunciaram o facto de a edição em papel do JN alterar as ideias e o tamanho do texto inicial; depois, em oito casos, os inquiridos queixaram-se da falta de divulgação de formas de participação neste espaço. Sete sublinharam ainda o vocabulário limitado dos participantes e cinco apontaram os poucos efeitos das cartas dos leitores na vida quotidiana. Por último surgem, num plano residual, o pouco tempo disponível e o aparente reflexo pouco estimulante dos textos (dois concordaram), e ainda o sentimento particular de dois leitores que por vezes sentem que não serão úteis ao debate por pressentirem que existem muitos interessados em publicar as suas cartas. Considerações como o receio da reacção das outras pessoas ao lerem os textos dos participantes ou as dificuldades em exprimir um ponto de vista mereceram apenas a concordância de duas pessoas, cada uma numa destas afirmações. 2.2.4 Relação do inquirido com outros espaços participativos nos media

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Não existe uma participação exclusiva dos inquiridos nas cartas do JN, uma vez que 21 dos 31 participantes já escreveram para outros títulos da imprensa nacional, entre semanários, diários gratuitos, jornais regionais e/ou revistas de informação. Neste sentido, é a imprensa regional que recolhe o maior número de registos, nomeadamente em onze ocasiões, apenas seguida de perto pelas Cartas à Directora, do Público. O Correio do Leitor, do Correio da Manhã, teve o mesmo número de referências que a imprensa gratuita (sete), ligeiramente acima das seis pessoas que escreveram no Diário de Notícias (Cartas do Leitor) e também no Expresso (Cartas dos leitores). Dois inquiridos referiram ainda que já publicaram textos no semanário SOL, nas Cartas ao Director. Neste panorama, em que se privilegiam os diários de informação genérica, pontuado por algumas contribuições em semanários, surgem igualmente as revistas de informação, com a Visão e as Cartas dos Leitores (quatro) e a Notícias Magazine (três), propriedade da Controlinveste, que detém, entre outros títulos, o JN e o Diário de Notícias17. Em alguns casos, estamos na presença de verdadeiros ‘profissionais’ da escrita, uma vez que muitos inquiridos responderam afirmativamente à publicação em vários títulos. Existe o caso peculiar de um inquirido que já publicou em todas as publicações consideradas (oito), propondo ainda outras na secção ‘outros’. Quatro leitores nomearam igualmente essas oito publicações e um referiu-se a cinco títulos diferentes. Concluímos, de algum modo, que estes inquiridos se comportam activamente, no espaço participativo nacional, ao nível das cartas do leitor, desdobrando-se por várias plataformas existentes. A participação em formatos semelhantes às Cartas do Leitor do JN parece encontrar uma maior adesão junto dos

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inquiridos com filiação em sindicatos (oito), distantes dos partidos e clubes, com cinco ocorrências cada. 2.2.5 Entre o presente e o futuro das Cartas do Leitor 42

Questionados sobre a possibilidade de a crise económica e financeira no nosso país ser capaz de despertar maiores níveis de participação dos cidadãos nos meios de comunicação social, os inquiridos mostraram acreditar nesta relação, nomeadamente em 26 casos. Uma opinião distinta foi manifestada por dois leitores, que não crêem que a propalada crise aumente ou diminua a atracção dos cidadãos pela arena participativa dos media. Três desconhecem se tal seria possível, pelo que se colocaram à margem de qualquer juízo a este propósito. Por outro lado, confrontados com a questão de os media desenvolverem futuramente estratégias que divulguem e apoiem cada vez mais esta secção particular de interacção com o público, a resposta maioritária foi taxativa, na medida em que 27 inquiridos defendem a continuidade desta modalidade participativa. Três sublinharam que a aposta deverá manter-se equilibrada, sem grandes diferenças em relação ao observado até ao momento, e um leitor escusou-se a comentar esta questão.

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Por fim, sendo-lhes solicitado que sugerissem algumas recomendações ao JN para eventualmente melhorar esta secção, apenas quatro inquiridos não apontaram qualquer sugestão. Por isso, 27 inquiridos contribuíram para esta reflexão, abrindo, possivelmente, espaços de entendimento para novos pontos de abordagem sobre este assunto, embora algumas dessas opiniões sejam bastante redundantes e expectáveis. Da mesma maneira que vários participantes nos espaços de opinião pública na rádio e na televisão reclamam por mais oportunidades de participação, nomeadamente através do alargamento dos tempos destinados à intervenção dos cidadãos, por vezes sugerindo a diminuição do tempo concedido aos convidados, também os participantes nas cartas sugerem uma ampliação do espaço físico do jornal que se dedica precisamente à contribuição dos leitores. Ora, no conjunto das cinco categorias de sugestões apresentadas, a necessidade (sublinhada pelos leitores) de aumento de espaço recolhe 14das 27 recomendações registadas. Estes pedidos de alargamento decorrem de uma alteração no espaço que as Cartas do Leitor ocupavam no jornal. Para um dos inquiridos, «esta é uma das principais páginas do JN, que liberta as emoções dos leitores de todos os credos e cores políticas. É a página da liberdade – apenas um terço de página, agora...». Uma dessas sugestões recordou que os media devem colocar-se ao lado dos interesses da sociedade, pelo que o inquirido afirma: «não vejo portanto outra forma de caminhar no desenvolvimento que não seja através dos meios de comunicação ao serviço das grandes massas».

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Em suma, podemos sintetizar em três tópicos as sugestões a apresentar ao JN: i. Quanto à selecção e edição das cartas (nove registos): criar um espaço com cartas que retratem temas próximos entre si, no sentido de compreender as proximidades ou distanciamentos entre as perspectivas dos leitores18; conceder prioridade às cartas que se debruçam sobre temas da sociedade considerados ‘urgentes’; evitar cortes excessivos no texto original (três inquiridos)19; relacionar temas das cartas com os assuntos tratados pelo JN; evitar a publicação de cartas com temas repetidos; evitar a publicação de cartas que coloquem em causa a política editorial do jornal; evitar a publicação de cartas de leitores que denunciem, clara ou dissimuladamente, as suas preferências políticas; ii. Quanto às formas de reconfigurar o espaço físico destinado às cartas (três registos): elaborar um espaço autónomo intitulado Frases da semana, uma espécie de compilação das melhores declarações dos leitores daquele espaço; criar uma caixa informativa diária que dê conta da comparação entre o número de cartas recebidas naquele dia e o número de cartas publicadas (a impossibilidade de publicação de certas cartas leva os leitores a especularem sobre os motivos que justificam essa situação, e, por vezes, a falta de explicação por parte do

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jornal produz insatisfação junto dos participantes); apostar num grafismo mais elaborado, nomeadamente com um enquadramento do texto das cartas através de imagens; iii. Quanto a novas dinâmicas discursivas (um registo): permitir a dirigentes políticos, associativos ou sindicais que publiquem, nessa página, respostas às questões e dúvidas levantadas pelos leitores nas cartas.

3. Linhas para reflexão: há mais espaço na imprensa para os leitores? 45

Para sintetizar algumas das ideias principais deste estudo, poderemos eventualmente afirmar que, a partir de um ponto de vista mediocêntrico, as Cartas do Leitor lidam com a realidade de contar com um conjunto habitual de participantes. Naturalmente, discutimos aqui o esforço de uma participação mais comprometida, como é aquela que encerra a escrita de um texto para um jornal, teórica e necessariamente mais exigente do que outras modalidades de participação. Por outro lado, observámos que as cartas continuam a dispor de um papel reivindicativo, destacando-se um tom crítico e negativo, onde queixas, reclamações e desabafos marcam o quotidiano dos autores de muitas daquelas linhas. Os elogios e as sugestões apresentados representam apenas modalidades de expressão absolutamente residuais. Certamente, o clima generalizado de intensa discussão política e económica de que Portugal tem sido alvo nos últimos tempos levará a que muitos leitores se pronunciem sobre política, tornando-a no eixo temático mais habitual nas cartas, onde o governo (27 textos) e a administração local (sete) surgem como os principais visados.

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A parti r de um ponto de vista sociocêntrico, que problematiza os retratos, as angústias e as representações sociais que os leitores e autores das cartas partilham entre si, poderemos eventualmente destacar a predominância de uma audiência participante proveniente do norte do país, em situação activa e com um rendimento que se posiciona acima dos dois salários mínimos. Neste contexto, os nossos dados parecem apontar para uma certa ‘fidelização participativa’, uma interpretação que retiramos da análise de algumas variáveis. Em primeiro lugar, os inquiridos afirmam que seguem estes espaços com uma regularidade bastante assinalável – ‘todos os dias’, em 23 casos. O gosto que emerge da possibilidade de dar uma opinião sobre diversos temas da actualidade reúne a preferência de grande parte dos inquiridos. Ora, nas Cartas do Leitor, os motivos aproximam-se preferencialmente de uma afeição pelo formato, pelo jornal ou ainda pela intenção de dar um testemunho. Como principais constrangimentos face a esta participação, os inquiridos denunciaram a falta de divulgação das formas de a efectuar ou o reflexo pouco estimulante dos textos. Num nível menos expressivo, os inquiridos queixaram-se dos poucos efeitos que despertam na vida quotidiana.

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Um dos pontos principais do entendimento dos leitores acaba por ser, muito provavelmente, o claro pedido de novas formas de expressão do público na imprensa. As cartas representam, no fundo, uma modalidade participativa histórica que provavelmente não terá um paralelo simbólico com outras formas de intervenção pública nos media, como os telefonemas para programas de opinião pública na rádio e televisão ou até mesmo as recentes oportunidades participativas que a Internet veio proporcionar. Este estudo alerta assim, de algum modo, para a necessidade de se pensar em novas formas de atribuir um papel mais credível e importante ao leitor. Alguns das opiniões recolhidas no questionário parecem evidenciar um certo inconformismo dos inquiridos, ansiosos por novas avenidas de expressão na imprensa. Importa talvez assinalar a importância de se

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perceber claramente que mais formas de participação, alargando até o espaço das cartas nos jornais (algo que parece praticamente impensável no quadro da política de redução de páginas em boa parte da imprensa nacional), não conduzirão necessariamente a um envolvimento mais competente nem a uma discussão mais crítica e completa, até do ponto de vista temático. O desafio, a nosso ver, poderá consistir em articular as infinitas possibilidades de participação online com as em papel, criando, por exemplo, locais onde os melhores comentários às notícias online ocupem, de algum modo, um espaço importante no papel. Entre outras opções viáveis neste sentido, seria vital transmitir ao público que o jornalismo e os jornalistas não se encontram afastados do diálogo e do debate público, traduzindo-se isso num discurso mediático onde leitores e jornalistas se encontram num debate essencial em torno das matérias consideradas de amplo interesse público.

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NOTES 1. Expressão que deriva do termo inglês ‘current’, significando actual, corrente, novo. 2. A nível mais esporádico, o Diário Popular, o República ou o Diário de Lisboa publicavam também rubricas deste tipo, desde 1974, em formatos semelhantes aos da actualidade. 3. Esta investigação faz parte de um trabalho mais alargado, desenvolvido no âmbito de uma tese de doutoramento, apresentada em provas públicas em Setembro de 2013, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. 4. Através da disponibilização de um inquérito na plataforma LASICS do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Os endereços de e-mail surgem nas cartas publicadas. 5. Apesar de contar com 65 participantes, o JN apenas divulgou os endereços electrónicos de 58 pessoas. 6. Arredondamento às centésimas. 7. Note-se que, para efeitos estatísticos, se considerou, à semelhança do que se verifica nos exemplos anteriores, que o limite máximo de um intervalo não reúne, nesse espaço temporal, a idade a que reporta– isto é:o valor ‘25’, por exemplo, enquadra-se no intervalo 25-30 e não no intervalo 20-25. 8. Estes dados em bruto foram transformados depois de os inquiridos terem revelado especificamente a localidade onde residem. Nesse sentido, em termos globais a cidade mais representada foi o Porto, com nove participantes. Seguem-se Viseu, com três inquiridos, Penafiel, Maia e Matosinhos, com dois leitores cada. Outras cidades, com apenas uma ocorrência, são Aveiro, Braga, Bragança, Ermesinde, Lisboa, Odivelas, Rio Tinto, Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão. 9. Um inquirido seleccionou a resposta ‘não sei/não respondo’. 10. Com os seguintes clubes: Cova da Piedade, Académico Futebol Clube, Remo Santa Marta, ACR Gulpilhares e Futebol Clube do Porto. 11. Um inquirido filiado no Partido Socialista, outro no Partido Social Democrata, e dois que não revelaram a filiação. 12. Um dos inquiridos não revelou o sindicato, enquanto o outro referiu o STAS (Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora). 13. Um inquirido referiu que lê as contribuições dos cidadãos neste espaço entre uma a duas vezes por semana, e outro referiu que o seu acompanhamento é mais reduzido quando comparado com esse período. 14. Teremos necessariamente de advertir para o facto de que este ponto contempla as contribuições dos leitores numa perspectiva formal, sem que essa intenção tenha levado a uma publicação imediata pelo JN.

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15. Tal como Fredin, Kosickie & Becker (1996) estudaram, avaliamos aqui a influência dos meios de comunicação nas percepçõesdos cidadãos. 16. Em suma, contrariamente ao verificado nos exemplos da TSF e da SIC Notícias, os inquiridos não foram particularmente criativos na nomeação de justificações a este respeito – um facto que poderá decorrer do modo de conduçãodestes inquéritos. 17. Outras contribuições: Nortada (do sindicato dos bancários do norte) e as edições anuais O Seringador e O Novo Seringador, neste caso por iniciativa do mesmo inquirido. 18. Lúcio Brandão referiu que este ponto poderia ser de difícil implementação, uma vez que a produção nem sempre consegue recolher cartas dos leitores que versem sobre os mesmos temas. 19. Tendo em conta que o JN informa, convenientemente, sobre o direito que se reserva a editar e alterar o texto, diversos leitores não sabem interpretar esta condição estabelecida a priori como regra fundamental. Neste sentido, os pedidos que se registaram quanto à necessidade de evitar reduções ou alterações ao texto, ao respeito pelos vocábulos utilizados pelo leitor e, por fim, à publicação das cartas na sua totalidade não se compadecem com a norma estabelecida.

ABSTRACTS As contribuições escritas dos leitores, frequentemente conhecidas como 'cartas do leitor', conseguiram ao longo das décadas ocupar um espaço permanente na generalidade da imprensa. A partir do século XVIII, as acentuadas trocas de correspondência postal, associadas à maior facilidade na realização de viagens e ao melhor funcionamento dos correios, permitiram maiores fluxos na comunicação entre os cidadãos (Torres da Silva, 2009). Neste artigo recuperamos esta herança histórica da imprensa para conhecer melhor as dinâmicas actuais que se constroem nestes espaços, partindo do caso específico das Cartas do Leitor, do Jornal de Notícias. Para tal, lemos todas as cartas publicadas ao longo de Fevereiro de 2012 e observámos os temas mais recorrentes, o tom da escrita, entre outros aspectos. Através de um questionário online, inquirimos 31 cidadãos que participaram neste espaço, tentando identificar possíveis perfis de leitor/participante, motivações e constrangimentos na participação. Com este trabalho pretende-se, de algum modo, alertar para a necessidade de reflectir sobre o papel dos leitores no processo de construção do discurso mediático, compreendendo que lugar lhes reservam os jornais na actualidade. Readers' contributions to the press, frequently known as 'letters-to-the-editor', have managed a long-term relationship in the general grasp of press. As suggested by Marisa Torres da Silva (2009), the development of new means of transportation, which tended to promote larger trips, in association with better post office services, led to a huge increase of mail exchanges among citizens in several countries in Europe, especially from eighteenth century on. In this paper, we try to bring back this old heritage of a certain citizens' engagement in the press into a more up-to-date understanding of 'letters-to-the-editor', in the particular case of Cartas do Leitor, from Portuguese newspaper Jornal de Notícias. We have read all the letters published throughout February 2012, questioning what kind of topics were raised by the readers, which were the common concerns, etc. Through an online survey, we also questioned 31 readers/participants in these spaces, getting to know their characteristics, motivations and constraints concerning their participation. This paper seeks to raise some

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sort of discussion towards the actual role of readers in the media discourse, evaluating as well the potential of new discourses involving media and audiences.

INDEX Keywords: participation, press, opinion, letters-to-the-editor, citizenship Palavras-chave: participação, imprensa, opinião, cartas do leitor, cidadania

AUTEUR FÁBIO FONSECA RIBEIRO Universidade do Minho, Centro Estudos Comunicação e Sociedade. [email protected]

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