A Pastoral da Comunicação diante do desafio digital

Share Embed


Descrição do Produto

A Pastoral da Comunicação diante do desafio digital

N

ão é novidade dizer que as últimas décadas foram marcadas por uma reviravolta comunicacional. Passamos a viver em uma sociedade da comunicação generalizada: tudo está em comunicação, e tudo o que nos caracteriza como pessoa, como comunidade, como sociedade, como humanidade existe e se mantém mediante a comunicação. Nada ficou como era antes: a política, a economia, os transportes, a educação, o esporte – e também a religião. Como Igreja, o desafio é como nos posicionamos diante de tal cenário. Hoje, a criação, o armazenamento, a gestão, a distribuição e o consumo de informações e conteúdos se “socializaram” por todo o tecido social, envolvendo não mais apenas as grandes empresas de comunicação ou as principais instituições sociais (como a Igreja), mas também cada O Mensageiro de Santo Antônio

62

Junho de 2015

pessoa, cada um de nós, em todo o mundo, a partir do acesso facilitado às tecnologias. Agora, cada um de nós pode acessar, modificar, reproduzir, reagrupar, estocar, distribuir informações. Para além dos conteúdos e dos aparatos tecnológicos, os próprios processos sociais também se modificam. Começando por atitudes comuns: “informar-se” hoje envolve novas práticas comunicacionais – não mais necessariamente “ir à banca de jornais pela manhã” ou “sentar às 20 horas na frente da televisão para assistir a tal programa”. A digitalização e o desenvolvimento da internet trouxeram novas rotinas e novas formas de se relacionar com as pessoas e o mundo. Tudo isso ocasionou grande repercussão também para a vida de fé. Por isso, se a “informação” mudou, a “formação” também precisa mudar. Principalmente a formação

para a vida cristã: a digitalização demanda formas renovadas de comunicação e de pastoral. Em um encontro com os participantes do Congresso Internacional da Pastoral das Grandes Cidades, realizado em novembro de 2014, o papa Francisco (1936-) comentava a repercussão dessa evolução para a vida da Igreja: [...] Viemos de uma prática pastoral secular, em que a Igreja era o único referente da cultura. [...] Como autêntica Mestra, ela sentiu a responsabilidade de delinear e de impor não só as formas culturais, mas também os valores e, mais profundamente, de traçar o imaginário pessoal e coletivo, isto é, as histórias, os eixos aos quais as pessoas se apoiam para encontrar os significados últimos e as respostas às suas perguntas vitais.

Mas não estamos mais nessa época. Ela passou. Não estamos na cristandade, não mais. Hoje, não somos mais os únicos que produzem cultura, nem os primeiros, nem os mais ouvidos. Precisamos, portanto, de uma mudança de mentalidade pastoral [...]. O pontífice também deixou bem claro, já em sua primeira Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium (2013), o sentido de tal mudança de mentalidade pastoral: “[...] Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’” (EG n. 25) – também no âmbito da comunicação e especialmente na internet. Hoje, o papa Francisco deseja uma “Igreja em saída”, uma Igreja “acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas” (EG n. 49) do mundo onde as pessoas vivem. E, entre essas estradas, “estão também as digitais, congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança. Também graças à rede, a mensagem cristã pode viajar ‘até aos confins do mundo’”, disse o pontífice em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2014. Toda essa realidade, indica o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, “exige que o comunicador cristão descubra métodos adequados ao ambiente digital para desenvolver a evangelização e a ação pastoral” (DCIB n. 178). Por isso, também na internet – e para além dela –, é preciso promover uma ação que “conduz, provê, liberta, reúne, salva, anima e coloca-se a serviço da comunidade e de todas as pessoas” (DCIB n. 246). “Inclusive no contexto da comunicação, é preciso uma Igreja que consiga levar calor, inflamar o coração”, afirmou o papa Francisco em sua Mensagem de 2014. Para que tal conversão pastoral e missionária seja coerente com os tempos em que vivemos e seja relevante para as pessoas e os ambientes atuais, precisamos, primeiro, reconhecer e compreender a conjuntura comunicacional em que vivemos. Por isso, o primeiro desafio da Pastoral da Comunicação no ambiente digital, hoje, no Brasil, é aprofundar o discernimento dos processos sociais e históricos em torno da comunicação, para que seja possível uma apropriação concreta, ativa e criativa das

atuais práticas sociais de construção de faça perder de vista a qualidade!”, exclamou sentido em nossas dioceses, paróquias, o papa Francisco em um discurso proferido comunidades e movimentos. no dia 30 de abril. Isso não significa apostar em padrões Viver na cultura digital é reconhecer idênticos para todo o país, ou em copiar e assumir “lógicas e dinâmicas específicas projetos que funcionaram alhures, ou em de pensar e experimentar o mundo e a fé”, aplicar soluções prontas indiscriminadamenque acompanham as novas gerações e que te para problemas diferentes. A imensidão do vão além das estratégias, dos maquinários, Brasil acarreta uma grande das estatísticas. O problema diversidade de contextos, fundamental para uma preComo aponta culturas e costumes locais, sença significativa da Igreja inclusive nos próprios Esna cultura atual não é a o Diretório de tados. Sabemos ainda que a aquisição de tecnologias soComunicação, a realidade da Igreja brasileira fisticadas, nem um suposto presença da Igreja é bastante diferenciada, com “poder comunicacional” calno ambiente comunidades muito avançaculado em números. “O Deus das tecnologicamente, e ouem quem acreditamos, um digital “exige tras com pouco ou nenhum Deus apaixonado pelo ser que os cristãos acesso. Por isso, também humano, quer manifestar-Se presentes na rede não se trata simplesmente através dos nossos meios, consigam ir além de promover ou defender ‘ainda que pobres’, porque uma “inclusão digital” das é Ele que opera, é Ele que dos instrumentos e comunidades, como se o transforma, é Ele que salva tomem consciência dilema fosse entre possuir a vida do ser humano”, disse das mudanças ou não um celular de última o papa Francisco na Plenária fundamentais geração ou investir ou não do Pontifício Conselho para investir dinheiro e esforços as Comunicações Sociais em que as pessoas em maquinário tecnológico 2013. Para o pontífice, “ine a sociedade de ponta, embora importandependentemente das tecexperimentam te. Não basta, ainda, uma nologias, o objetivo é saber nesse contexto” simples gestão de números, inserir-se no diálogo com estatísticas ou métodos pasos homens e as mulheres torais de comunicação nas de hoje, para compreender dioceses, nas paróquias, nas comunidades e as suas expectativas, dúvidas, esperanças”. nos movimentos, contabilizando “seguidoComo aponta o Diretório de Comunires” ou “curtidas”. cação, a presença da Igreja no ambiente Diante de um cenário comunicacional digital “exige que os cristãos presentes na em mudança, como discípulos e missionárede consigam ir além dos instrumentos rios de Jesus Cristo desafiados a construir e tomem consciência das mudanças funuma evangelização renovada, é preciso damentais que as pessoas e a sociedade refletir e agir “na”, “com a” e “a partir da” experimentam nesse contexto” (DCIB n. cultura digital. Também em termos comu175). O mais importante, portanto, é pronicacionais, é preciso estar em um “estado mover, com discernimento, em cada local permanente de missão”, atentos às novas e cultura específicos, uma pastoral focada linguagens e práticas da sociedade como nessa experiência de vida, com humildade um todo. “Não podemos deixar as coisas e criatividade, tendo em vista a dignidade como estão”, como nos diz o papa Francisco da pessoa humana, o bem comum e a cons(EG n. 25). É preciso fugir da “autorrefetrução do Reino. rencialidade comunicacional” em nossa pastoral, que coloca no centro da ação não Moisés Sbardelotto o “Outro” em nome de Quem falamos, nem o “outro” a quem nos dirigimos, mas sim Jornalista, autor do livro E o verbo se fez bit: a comunicação nós mesmos, nossas conquistas numéricas, e a experiência religiosas na nossos projetos expansionistas... “Que a internet (Santuário) ilusão da quantidade não nos engane e nos O Mensageiro de Santo Antônio Junho d e 2 0 1 5

63

Arquivo pessoal

Comunicação digital, Flickr

IGREJA & COMUNICAÇÃO

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.