A Pátria e a Arraia miúda portuguesa: A identidade como tópica letrada de Fernão

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A Pátria e a Arraia miúda portuguesa: A identidade como tópica letrada de Fernão Lopes a João Pinto Ribeiro Rodrigo Franco da Costa1 Resumo: Deseja-se neste trabalho discutir a noção de pátria portuguesa a partir dos seguintes letrados: Fernão Lopes com a sua Crónica de D. João I escrita em 1443; Luís de Camões em seu poema Os Lusíadas composto em 1572 e os discursos políticos de João Pinto Ribeiro no período da Restauração Portuguesa em 1640. Elegeu-se esses três letrados pois, apesar da disparidade cronológica entre os mesmos, em seus discursos expõem elementos comuns no que diz respeito à identidade portuguesa. É notável nos discursos dos letrados uma ideia de comunidade lusitana, reforçada, principalmente nos momentos de crise do reino de Portugal. Palavras-chave: letrados, Portugal, identidade, pátria, discursos. Abstract: In this paper the notion of pátria portuguesa starting from the following scholars: Fernão Lopes with his Crónica de D. João Iwritten in 1443; Luís de Camões in his poem Os Lusíadas composed in 1572 and the political speeches of João Pinto Ribeiro in the period of the Restauração Portuguesa in 1640. These three scholars were elected because, despite the chronological gap between them, in his speeches exposes common element swith regard to the Portuguese identity It is noticeable in the speeches of scholars an idea of Lusitanian community, strengthened, especially in times of crisis the kingdom of Portugal. Keywords: scholars, Portugal, identity, homeland, speeches.

Tem-se o objetivo de trazer para o diálogo acadêmico algumas questões que vêm sendo negligenciadas no campo historiográfico. O primeiro ponto é retomar os estudos de letrados que foram usados como propaganda romântica e nacionalista e desvincular as suas produções do paradigma nacionalista. Isso porque tanto em Fernão Lopes, como em Luís de Camões e João Pinto Ribeiro não existia uma nacionalidade lusitana, elemento que obteve suas origens em finais do século XVIII e inicios do XIX na Europa, perpetuado por importantes e numerosos intelectuais do século XX como Antônio José Saraiva e Hernâni Cidade. Dessa forma, a pátria presente nos discursos desses letrados leva um sentido completamente diferente do qual entendemos hoje. Parte-se da ideia de que uma palavra muda seu sentido ao longo do tempo, se transforma como tudo em história, isso quer dizer que,

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Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS - UFRJ). Sem bolsa. Contato: [email protected]

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apesar de muitas obras discutirem a questão da nacionalidade e da própria ideia de Pátria no século XIX não dão conta da ideia de Pátria Portuguesa a ser analisada, como objetiva esse artigo.2Esse vínculo entre a literatura e a nacionalidade lusitana pode ser representada pela seguinte frase de Afrânio Peixoto: “Escrevendo Os Lusíadas para imortalizar os feitos heroicos dos portugueses, Camões deixou patentes no seu poema os indícios da colaboração que nele tiveram muitos escritos nacionais.”3 A ideia de pátria está muito presente no poema escrito por Camões. Esse tema é uma das matrizes centrais para os estudos camonianos. Essa ideia vem a ser constituída no poema a partir dos feitos históricos de Portugal, fazendo grandes alusões à formação do reino português. “Camões foi um dos portugueses que mais se ocuparam com as ‘coisas’ da pátria, sabendo-as distinguir dos sistemas políticos e das pessoas.”4 O poema Os Lusíadas a partir da narrativa dos feitos heroicos portugueses tem a intenção de registrar a história lusa, narrando pontos específicos e bastante simbólicos:

É o poema camoniano concebido e realizado no intuito de fixar para a posteridade as façanhas com que, edificando e sublimando um novo reino entre gente remota, também servimos o interesse humano, contribuindo para o progresso do mundo. Por isso a obra de arte que o poema é, (...)para além do encanto da sensibilidade estética, lição moral heroica, dada tanto a portugueses como a todos os outros cristãos.5 A intenção de Luís de Camões era marcar a identidade lusitana ao expor, juntamente

com os episódios históricos do reino de Portugal, as características dos portugueses impressas nos versos de seu poema. Este argumento se mostra bastante sólido quando observamos os versos que Camões, ainda no início de sua obra, identifica os portugueses como os “Barões Assinalados”.

As armas, e os Barões assinalados, 2 Isso pode ser atestado por Eric Hobsbawm, quando este afirma que a questão da nacionalidade é algo novo, nascido no final do século XVIII e no início do século XIX. Assim, entende-se que a ideia de Pátria e Nação do século XIX não representam em nada a Pátria Portuguesa do século XVII idealizada por João Pinto Ribeiro e por outros Restauradores que contribuíram com essa noção. “Dada à novidade histórica do conceito moderno de “nação”, sugiro que o melhor modo de entender sua natureza é seguir aqueles que, sistematicamente, começaram a operar com esse conceito em seu discurso político e social durante a Era das Revoluções, especialmente, a partir de 1830, com o nome de princípio da nacionalidade. Na Era das Revoluções, fazia parte, ou cedo se tornaria parte, do conceito de nação, que esta deveria ser uma e indivisa, como na fase francesa. Assim considerada, a “nação” era o corpo de cidadãos cuja soberania os constituía como um estado concebido como sua expressão política. Pois, fosse o que fosse uma nação, ela sempre incluiria o elemento da cidadania ou da escolha e participação de massa”. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780: Programa, Mito e Realidade. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 3 PEIXOTO, Afrânio. Ensaios Camonianos. Lisboa: Instituto nacional do Livro, 1981. p. 354. 4 COELHO, Alexandre. Os Lusíadas e a Pátria. Braga: Pax, 1972. p. 9. 5 CIDADE, Hernâni.A literatura Portuguesa e a Expansão Ultramarina: A ideias – os Factos e asformas de Arte. Coimbra: Armênio Amado editor, 1963. p. 327

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Que da ocidental praia lusitana, Por mares nunca de Antes navegados, Passaram inda além da Taprobana; E em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, Entre gente remota edificaram Novo reino, que tanto sublimaram: E também as memórias gloriosas Daqueles Reis, que foram dilatando A fé, o Império e as Terras viciosas De África, e de Ásia andaram devastando: E Aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte, (I, 1 – 2).

O poeta foi exaltado por puro nacionalismo, sem debater analiticamente essa questão em termos literários ou historiográficos, sendo enaltecido para valorizar a criação da nação portuguesa contemporânea. Esta questão pode ser percebida na obra de Alexandre Coelho quando este afirma que: “Os Lusíadas são, por assim dizer, um livro quase sagrado, do qual se expande espiritualmente tudo o que possa valorizar a pátria e que os portugueses não devem deixar de ler.”6 Houve usos posteriores da ideia de pátria impressa em Os Lusíadas, como por exemplo, a inspiração que Camões ofereceu para a Restauração Portuguesa7 de 1640, e para a própria construção do nacionalismo português no século XIX.8Desta forma, pode ser rechaçada qualquer ideia de nação e/ou nacionalismo criado por Luís de Camões em Os Lusíadas, uma vez que o que ele traz é a valorização de um sentimento grupal da identidade dos portugueses. Um exemplo é a valorização da identidade portuguesa muito ligada ao reino, aos descobrimentos e a expansão ao ultramar.9

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COELHO, Alexandre. OpCit, p. 26. “Por Restauração Portuguesa partilha-se da ideia de Luis Reis Torgal, segundo o autor, foi o período de tempo em que se entende o fim da dominação castelhana sobre os portugueses, período entendido pela volta da autonomia política do reino de Portugal, sendo o movimento iniciado em 1640 e reconhecido pela monarquia espanhola em 1668.” TORGAL, Luis Reis. Ideologia política e teoria do estado na Restauração. Coimbra: Biblioteca geral da universidade de Coimbra, 1981. 8 “Se Camões morreu com a pátria em 1580, deixou-lhe Os Lusíadas, que haviam de ser o estímulo para o renascimento, sessenta anos depois. Sob o jugo espanhol as numerosas edições revelam como eles foram a fé e a esperança na redenção. Insiste Teófilo Braga: ‘Basta considerar que o espírito organizador da revolução de 1640, João Pinto Ribeiro, comentara, Os Lusíadas de sua mão e que todos os movimentos nacionais, como os de 1820, 1834 e 1910 foram consequências de uma unanimidade afetiva, inspiradas pela compreensão dos Lusíadas’” PEIXOTO, Afrânio. Ensaios Camonianos. Lisboa: Instituto Nacional do Livro, 1981. p. 38. 9 “Para qualquer lado que nos voltemos, na literatura e na cultura portuguesa da primeira metade do século XVI, salta-nos aos olhos, como nota maior, a tendência para a exaltação mítica dos descobrimentos. Fica de pé a inerência do fenômeno ultramarino à estrutura psico-histórica do povo lusitano”. DIAS, JoséSebastião da Silva. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI. Lisboa: Presença, 1973. p. 20. 7

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Esses elementos históricos citados por Camões foram revertidos em eventos formadores da nação portuguesa. Nessa corrente, a obra de Pedro Calmon O Direito e o Estado N’Os Lusíadas expressa a importância da noção de pátria no poema. A noção do território pátrio – não simbólico e vago, mas o “ninho paterno”, marcado e demarcado - constitui o argumento primário d’Os Lusíadas. Tinha “clima e região” (II, 109) suaves na “ocidental praia”, ao pé da Espanha “onde a terra se acaba e o mar começa” (III, 20), “quase cume da cabeça – da Europa toda, o Reino Lusitano ...” Terra velha, querida, e sua!10

Discordando de Pedro Calmon, entende-se que a pátria que Luís de Camões expõe em Os Lusíadas é a noção do reino português não como território físico, fronteiriço, mas como lugar pertencente das pessoas que fazem parte da condição lusa. A pátria camoniana é um dos fatores que marcam a identidade portuguesa. A pátria é algo formado ao longo da história nos versos de Camões a partir dos momentos singulares dos portugueses na formação do reino, e não algo físico. A ideia exposta por Pedro Calmon está relacionada à noção das fronteiras modernas e nacionais. O reino camoniano luso pertence a uma ideia de Portugal mais abstrata e menos palpável do que afirma Calmon.

Estas figuras todas que aparecem, Bravos em vista, e feros nos aspeitos; Mais bravos e mais feros se conhecem Pela fama, nas obras e nos feitos: Antigos são mas inda resplandecem Com o nome, entre os engenhos mais perfeitos: Este que vês é Luso, d’onde a fama O nosso reino Lusitânia chama(VIII, 2).

A alusão à pátria portuguesa pode então ser entendida como algo construído historicamente, formando o reino através da iniciativa dos personagens lusitanos.

O prazer de chegar á pátria cara, A seus penates caros, e parentes, Para contar a peregrina e rara Navegação, os vários céus e gentes; Vir a lograr o prêmio que ganhara Por tão longos trabalhos e acidentes, Cada um tem por gosto tão perfeito, Que o coração para ele é vaso estreito (IX, 17).

Observa-se que Camões fala também do “amor à pátria”, ressaltando essa afetividade porque a pátria era um lugar entendido como de origem de um determinado grupo que compartilhava determinados interesses, valores e uma identidade, a condição portuguesa em 10

CALMON, Pedro. O Estado e o Direito N’Os Lusíadas. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1945. p. 12.

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si. “Amor” pode ser entendido como a solidariedade existente entre os portugueses pelo seu passado visto como comum a partir do enredamento dos episódios heroicos dos personagens de Portugal.

Vereis amor da pátria, não movido de prêmio vil, mas alto e quase eterno Que não e premio vil ser conhecido Por um pregão do ninho meu paterno. Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor superno: E julgareis qual é mais excelente, Se ser do mundo rei, se de tal gente (I, 10).

Para construir a ideia de pátria camoniana foi necessária a presença do rico conteúdo inserido na epopeia de Camões sobre os feitos heroicos dos portugueses, o que ele encontra ao recorrer aos cronistas medievais,onde teve inspiração para muitos dos personagens de Os Lusíadas. Ou seja, para preencher de sentido a identidade portuguesa, o poeta adorna seus versos com a história de Portugal, delegando aos seus personagens uma estética heroica.11 Importa salientar também uma crítica sobre parte da historiografia portuguesa mais atual que ignora os setores menos abastados da sociedade lusa. Antônio Manuel Hespanha em sua obra As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político busca combater a noção de Absolutismo, entendendo a configuração política de Portugal como uma “Monarquia Corporativa”. Essa interpretação, apesar de renovar os estudos sobre Portugal e sua dinâmica política, alija do discurso histórico as populações mais humildes da sociedade. O ponto central da discussão do historiador e jurista português se centra no jogo de poder entre o poder central (o rei) e as elites locais, visto que essas duas forças políticas negociariam buscando atender seu interesses e demandas. Alguns historiadores influentes como Mafalda Soares da Cunha em A casa de Bragança 1560 – 1640: práticas sociais e redes clientelarese Pedro Cardim em Cortes e cultura política no Portugal do Antigo Regime seguem a tendência historiográfica presidida por Hespanha. Esse viés historiográfico que se instaura em Portugal se desenvolve justamente no contextode formação da União Europeia, quando Portugal se junta ao bloco econômico. Uma história mais ampla e “homogeneizante” passa a tomar parte da historiografia portuguesa, ignorando os processos sociais “de baixo”. 11

“Sendo Os Lusíadas epopeia nacional, de assunto histórico e moderno, não admira procure o poeta nos cronistas e historiadores a maior parte do material, que seria posto em verso. É assim que Fernão Lopes, Duarte Galvão, Rui de Pina, Fernão Lopes de Castanheda, João de Barros e Damião de Góis foram permanentes fontes que o poeta recorreu para a informação acerca da história nacional”. PIVA, Luís. Do antigo e do Moderno na épica camoniana. Brasília: Clube de poesia e crítica, 1980. p. 14

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Isso deve ser problematizado quando se é possível observar na Península Ibérica monarquistas expondo o poder político que os habitantes de um reino, sem qualquer título de nobreza ou distinção social, podiam exercer sobre as elites. Essa questão pode ser principalmente vista pelo cronista do século XV, Fernão Lopes, em Portugal. O cronista é conhecido por ser o primeiro a expor o papel político dos setores menos abastados na sociedade portuguesa em seu período de atuação. Escreveu diversas crônicas, entre elas a importante Crónica de D. João I. Importantes intelectuais do século XX o entendem como aquele que escreveu sobre o “povo português”, claro que essa unidade é uma construção moderna, mas buscando conferir uma coesão entre os habitantes de Portugal, o próprio cronista vai conferir categorias para essa identidade portuguesa que surgia no período. Termos como “arraia miúda”, “gente pequena dos lugares”, “povo miúdo” vão designar os habitantes do reino luso. Eis Fernão Lopes para Hernâni Cidade: Fernão Lopes é um prosador ricamente dotado, dominando a língua ao ponto de fazer dela aparelho transmissor de todo panorama de uma grande época - estrépto de batalha e movimentos festivos, embate de paixões e lampejos de ironia, o pitoresco dos comentários populares – toda a vida material e moral de um povo, em momento singularmente perturbado. Esboça as qualidades essenciais de um historiador, como hoje o compreendemos, não lhe faltando cuidado incansável na investigação, nem a acuidade vivíssima na crítica, a íntegra compreensão da realidade que a história deve abranger, nem a ductilidade do narrador, conhecedor de todas as manhas para captar a atenção do leitor.12

Na Crónica de D. João I, pode ser observado o desenrolar das transformações políticas que estabeleceram o fim da dinastia de Borgonha, primeira dinastia portuguesa, e o firmamento da dinastia de Avis no poder, acontecimento que a historiografia portuguesa chama de “Revolução de Avis” (1383 – 1385). Discorda-se desse termo pois não há qualquer mudança na estrutura social, apenas uma troca de elites no poder. Escrita em 1443, essa obra de Fernão Lopes expôs como D. João de Avis contou com o apoio desses grupos de pouca ascensão para chegar ao poder.13

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CIDADE, Hernâni. Lições de Cultura e literatura Portuguesas (séculos XV, XVI e XVIII). Coimbra: Coimbra Editora, 1968. p. 31. 13 “Fernão Lopes deixou-nos na crônica de D. João I a verdadeira epopeia portuguesa, isto é, o poema étnico dos portugueses. O sentido étnico português é próprio, nessa época, da ‘gente pequena dos lugares’. A aristocracia tinha já a sua própria epopeia, que era a da luta dos povos hispânicos irmanados contra o inimigo mouro. Os seus heróis chamavam – se Cid Campeador, conde Fernão Gonçalves e outros cavaleiros desta guerra santa, de que a crônica geral de Espanha de 1344 nos conserva a memória e cujo símbolo comum a toda península é o Apóstolo Santiago. Mas na guerra peninsular de 1383 – 1385, a ‘gente pequena dos lugares’ tomou consciência da sua identidade étnica particular; o inimigo com quem se defronta o povo eleito se chama Castela. E sob a epopeia hispânica tradicional nasce a epopeia propriamente portuguesa, que procura revestir – se do mesmo prestígio de santidade que tinha a guerra contra os Mouros. Naturalmente, a epopeia de Fernão Lopes assume formas que não cabem dentro do gênero épico, considerado sob o aspecto estritamente literário”. SARAIVA, Antônio José. O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva Publicações, 1995.p. 202.

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A rainha, Leonor Teles, não tinha uma boa imagem no cenário político da época, principalmente por ser vista como uma mulher infiel ao monarca, havendo suspeitas de que ela estaria traindo o rei com o conde Andeiro.14D. Fernando é visto pela historiografia como um rei displicente e quando o monarca é mencionado é sempre visto como um alguém frágil. As suas empreitadas contra o rei de Castela também seria um dos fatores que desencadearia mudanças do controle político português para a dinastia de Avis, que acabou consagrando a independência de Portugal. Aborda-se a questão dos conflitos contra Castela no reinado de D. Fernando como um fator de importância para o desenvolvimento das transformações políticas em Portugal. Estas tensões causaram, em grande parte, insatisfações crescentes aos portugueses ao longo das disputas entre o reino português e castelhano, pois junto com os conflitos vinham a fome, a crise econômica e uma intensa desorganização social. O evento histórico da Batalha de Aljubarrota e as tensões políticas que a desencadearam são entendidas por grande parte da historiografia do século XX, assim como no caso de Ourique, como um símbolo da história nacional. Isso pode ser observado pela própria escolha das palavras de historiadores do assunto, é recorrente a utilização da palavra “nação” em diversos trabalhos, buscando designar os portugueses como um todo: “As guerras com Castela causaram grandes males à ‘nação’, resultantes das destruições e das assolações: Lisboa foi duramente castigada, tendo estado cercada por mais de uma vez”15. Nesse momento de conflitos entre Castela e Portugal um importante grupo social da história portuguesa intervém de forma contundente na luta contra os castelhanos. Esse grupo foi formado pelos próprios portugueses. Não se refere aqui aos cortesãos de D. Fernando, tão pouco aqueles guerreiros excepcionais como Nuno Álvares. Refere-se às pessoas de pouca ou nenhuma ascensão social que habitaram o reino luso. Geralmente esquecidos pela maior parte da historiografia, os trabalhadores urbanos, os mesteirais, os donos de algumas corporações de ofício e pescadores. Esses personagens vão estar diretamente ligados à transformação política ocorrida em Portugal nesse momento, pois a partir dos grandes embates ocorridos entre os reinos foi essa gente que mais esteve suscetível aos ataques externos, participando ativamente na luta contra os castelhanos. 14 “Nunca Leonor Teles conseguiu se fazer amar e respeitar pelas camadas populares. Para tentar impedir o seu casamento com D. Fernando, amotina-se a gente miúda de Lisboa - e, pela boca de Fernão Vasques, exorta o rei a não ligar o seu destino aquela má mulher. Circulam as mais cruas versões acerca dos seus desregramentos e o escândalo dos amores com João Fernandes Andeiro consuma-lhe o descrédito”. AMEAL, João. História de Portugal. Porto: Tavares Martins, 1958. p. 142. 15 MORENO, Humberto Baquero. História de Portugal Medievo: Político e Institucional. Lisboa: Universidade Aberta, 1995. p. 185. (Aspas minhas)

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Entender-se-á esses personagens como “as gentes portuguesas”. Grupo social, assim como os personagens ímpares, são muito presentes nos escritos de Fernão Lopes, geralmente expostos como “arraia miúda” ou como “gente pequena dos lugares” pelo cronista. Até o poeta Camões, apesar de sua dedicação ao espetacular e ao “braço forte lusitano” trouxe algumas marcas das gentes portuguesas. Os problemas sociais não param com os conflitos existentes com Castela, mas viriam também de elementos internos do reino. Dentre esses problemas, a fome, a pouca produtividade e a baixa remuneração estariam entre alguns dos principais problemas que assolaram Portugal ao longo de todo o século XIV.

A crise marcante do século XIV, na sua manifestação de sequenciais maus anos agrícolas e fomes, desenhara-se já desde a década de 30 para vir a ser recorrente nas seguintes. A esta carência de gêneros e insuficiência alimentar vem se juntar o espectro da epidemia, como calamidade maior, a peste negra, que faz grande número de vítimas no país no final do ano de 1348.16

Por conta do casamento de D. Beatriz, rainha legitima do trono português, com o rei castelhano, Portugal perderia sua autonomia política para o governo de Castela. Essa condição dividiu os portugueses em dois grupos distintos. Enquanto os nobres apoiam a rainha, as gentes portuguesas não aceitam D. Beatriz, temendo pela independência do reino de Portugal e por uma opressão do governo castelhano. “Os nobres aclamaram D Beatriz, ligados por juramento de fidelidade à rainha, mas o povo não corresponde a aclamação desta, pois isto representaria a perda da independência a favor de Castela.”17 É nítido o apoio dado a D. João pelas populações portuguesas. Quando ele chega nas principais cidades do reino as celebrações são frequentes. Só o fato da presença desses setores da sociedade existirem no texto de Fernão Lopes, já demonstra esse grupo com uma importante participação nas transformações políticas portuguesas. Os da cidade fizeram-se prestes por ir receber o Mestre, a clerezia em procissão, e os leigos, com seus jogos e trebelhos, e desde os fidalgos e conselhos (...) e se corregendo uns e outros começaram muito cachopos de sair fora da cidade sem mandando ninguém, pelo caminho por onde viam o Mestre, com cavalinhos de canas que cada um fazia, e nas mãos canaveas com pendões, correndo todos e bradando: Portugal! Portugal! Pelo Rei Dom João! E assim foram por muito grande espaço acerca de uma légua.18

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COELHO, Maria Helena da Cruz. D. João I o que re-colheu boa memória. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. p. 22. 17 MORENO, Humberto Baquero. Op. Cit, p. 186. 18 LOPES, Fernão. Crônica de D. João I. Minho: Livraria Civilização editora, 1983. Vols I e II. p. 390.

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Como exemplo, observa-se o caso da cidade do Porto, onde existiu grande comoção pela chegada de D. João. Apesar do momento de crise vivido pela sociedade19, a estima e a celebração pela presença do rei são grandes, demonstrando suporte ao mesmo. Então começaram a erguer suas danças e jogos, nas quais muito amiúde em alta e clara voz bradavam, dizendo: Viva o Rei Dom João. Viva. O Rei ia muito passo pela cidade, que não podia doutra guisa porque a gente era tanta por todas as ruas pera o ver que parecia se queriam afogar. A qual festa e recebimento desta guisa feito demovia delas a erguer suas formosas caras com dóceis e prazíveis lágrimas.20

Olhando única e simplesmente a partir desses dois trechos pode-se pensar que o lugar da “arraia miúda” lopesiana é apenas a de figuração e adoração ao monarca, porém é esse setor da sociedade portuguesa que mais dá suporte ao rei em sua tomada de poder, elegendo-o no desfecho da deposição da velha monarquia. O rei desse grupo específico pode ser entendido como um servidor e protetor dos habitantes de Portugal.

E pois não é menos de considerar a pessoa que há de ser elegida, que o proveito que se dela segue ao reino. E digo brevemente segundo os sábios recontam, que entre as outras coisas que em ele há de haver, deve se ser de boa linhagem, e de grande coração pera defender a terra; desde que haja amor aos súditos; e com isto bondade e devoção. Hora que estas condições sejam achadas no Mestre, nosso senhor, que temos em vontade para eleger, assaz é visto como todos bem sabeis. Além disto, ordenar tão discretamente toda as cousas que a defesa deste reino pertencem, que nenhum outro melhor poderia. Assim pelas cousas que vimos até hora, este Dom João Mestre de Avis, que tanto trabalhou e trabalha por honra e defesa destes reinos, é apto e pertencente, e merece esta honra e estado de rei.21

Fernão Lopes disserta sobre o momento da eleição.

Nomeemos e escolhamos na melhor maneira que poder ser, este Dom João, filho do Rei Dom Pedro, por rei e senhor destes reinos; e outorguemos-lhe que se chame Rei, e mande fazer no regimento e defesa deles, todas as cousas que pertencem ao ofício de rei, segundo costumaram de fazer aqueles que o até aqui foram.22

No século XVI, Luís de Camões em Os Lusíadas retoma a perspectiva de Fernão Lopes sobre a participação da arraia miúda na eleição de D. João de Avis. Atenta-se para o primeiro verso de sua estrofe, mostrado a vontade das gentes na eleição do rei.

19 “A crise marcante do século XIV, na sua manifestação de sequenciais maus anos agrícolas e fomes, desenharase já desde a década de 30 para vir a ser recorrente nas seguintes. A esta carência de gêneros e insuficiência alimentar vem se juntar o espectro da epidemia, como calamidade maior, a peste negra, que faz grande número de vítimas no país no final do ano de 1348”.COELHO, Maria Helena da Cruz. D. João I o que re-colheu boa memória. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. p. 22. 20 LOPES, Fernão. Op. Cit, p. 21. 21 Idem, p. 420 – 421. 22 Idem, p. 421.

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Porque, se muito os nossos desejaram Quem os danos, e ofensas vá vingando Naqueles, que tão bem se aproveitaram Do descuido remisso de Fernando; Depois do pouco tempo o alcançaram, Joanne, sempre ilustre, alevantando Por Rei, como Pedro único herdeiro, Ainda que bastardo, verdadeiro” (IV; 2).

Na obra, o vate reserva grande espaço para os conflitos entre Castela e Portugal, sendo o lugar de maior tensão em todos os dez Cantos23, isso ocorre, entre outros motivos, pela participação dos setores menos abastados nas contendas. O desfecho é dado na Batalha de Aljubarrota com a vitória do Mestre de Avis, que só foi possível pela adesão da “arraia miúda” na campanha de D. João I. Outro importante personagem existente tanto na crônica de Fernão Lopes quanto no poema de Camões é o Condestável Nuno Álvares Pereira24. Braço direito de D. João de Avis, é retratado como um cavaleiro importante na vitória dos portugueses sobre os Castelhanos em Aljubarrota. Em uma parte do poema de Camões, pode ser visto o personagem honrar a “pátria mesta”, ele quer dizer, os portugueses urbanos, das corporações, os mesteirais do reinado, as gentes urbanas e humildes como um todo. - Rei tendes tal, que se o valor tiverdes Igual ao Rei, que agora alevantastes, Desbaratareis tudo o que quiserdes, Quanto mais a quem já desbaratastes: E se com isto enfim vós não moverdes Do penetrante medo que tomastes, Atai as mãos a vosso vão receio, Que eu só resistirei ao jugo alheio. - Eu só com meus vassalos, e com esta, 23

“No conjunto da história de Portugal, tal como a narram Os Lusíadas, Aljubarrota é a batalha, elemento estrutural das epopeias. Há outros episódios de guerra, mas narrados em traços sintéticos e panorâmicos, sem a especificação de feitos individuais, discursos de chefes, ataques e contra – ataques que encontramos neste. São como que prelúdios nesta batalha em que os feitos de guerra atingem o máximo de intensidade” SARAIVA, Antônio José. Para a história da cultura em Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand, 1946. p. 117. 24 “Filho de Álvaro Gonçalves Pereira, Prior da Ordem do Hospital. Nasceu de Iria Gonçalves e foi legitimado por D. Pedro I. Educado pelo pai até os 13 anos foi criado na corte como escudeiro de Leonor Teles e instruído no oficio das armas por seu tio materno Martim Gonçalves, vassalo do Rei casou-se com D. Leonor Alvim. Em 1381 iniciada a guerra com Castela colaborou na defesa do Alentejo. Tomou parte nas cortes de Coimbra onde foi nomeado Condestável e mordomo-mor. A sua atuação na Batalha de Aljubarrota foi recompensada com generosas doações pelo rei e com o título de Conde de Ourém. A sua crônica atribui-lhe ainda o propósito de participar na expedição de defesa de Ceuta contra o ataque do rei Tunes. A crônica do Condestabre, principal fonte para a sua biografia foi escrita entre 1431 e 1443, pois foi aproveitada por Fernão Lopes na crônica de D, João I. Pretende certamente propô-lo como modelo dos jovens cavaleiros, que, em virtude da reconstituição das linhagens, não podiam herdar e por isso se deviam dedicar a cavalaria”. Dicionário Enciclopédico da História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1985. p. 101 – 102.

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(E dizendo isto arranca meia espada) Defenderei da força dura, e infesta A terra de nunca outrem subjugada: Em virtude do rei da pátria mesta, Da lealdade já por vós negada, Vencerei não só estes adversários, Mas quantos o meu rei forem contrários (IV; 18-19).

Na Crónica do Condestável, outra importante obra de Fernão Lopes, é possível observar a efetiva participação das gentes de Portugal na defesa de diversos lugares do reino que o monarca castelhano ameaçava ocupar. Os habitantes citadinos lusitanos mantiveram a resistência, evitando a conquista de Castela. “Por esse tempo a cada dia chegava a Lisboa ao Mestre muitos recados de Entre Tejo e Guadiana, e doutras partes do reino, de castelos e vilas que, ao alçarem voz pelos reis de Castela, logo o povo por força os tomava e punha pelo Defensor do reino.”25 A força política desse setor social, negligenciado por grande parte da historiografia, foi fundamental para a manutenção dos territórios portugueses em diversos momentos. Em Elvas, por exemplo, não seria diferente, os habitantes do reino, resistiriam às ordens de invasão da rainha D. Beatriz, mulher do rei castelhano D. Juan I. O Alcaide26 foi obrigado a fugir após ser caçado em Beja. Em Elvas, mal o alcaide mandou lançar pregão por D. Beatriz, a turba amotinou-se e apoderou-se do castelo. Em Beja, pouco depois, o povo, conduzido por um que chamavam Gonçalo Ovelheiro, cercou o castelo, pôs fogo à porta e entrou nele, enquanto o alcaide, partidário da rainha, se escapava por outra banda.27

Os exemplos prosseguem em diversas localidades do reino, como em Portalegre, Estremoz e Évora. Em Portalegre, a gente miúda atacou o castelo pela manhã com tamanho ardimento, que ao meio dia já o tinha em seu poder. Em Estremoz, Evora e em outras partes, o povo prendeu e amarrou as mulheres e os filhos dos que estavam dentro pelo rei de Castela, e ameaçou de os queimar à vista de seus parentes, que preferiram entregar os castelos.28

Destarte, percebe-se que a presença da “arraia miúda” foi de fundamental importância para a vitória de D. João I e para a derrota dos castelhanos na invasão de Portugal. Assim como Fernão Lopes, Luís de Camões em Os Lusíadas também descreve, de forma um pouco menos explícita, a participação e o peso que esse grupo social teve na História de Portugal. Se 25 LOPES, Fernão. Crónica do Condestável de Portugal D. Nuno Alvares Pereira. Lisboa: Livraria Sá da Costa. 1937. p. 89. 26 “Significa o que tem a seu cargo, a guarda do castelo ou fortaleza.” BLUTEAU, Raphael.Vocabularioportuguez& latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 – 1728. p. 217. 27 LOPES, Fernão. Op. Cit, p. 90. 28 Idem, p. 90.

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no século XV Fernão Lopes é o escritor que vai alertar-nos sobre o poder político dos setores menos abastados da sociedade lusa, observa-se no século seguinte Camões considerando o legado do cronista. No caso de Portugal, os escritores do século XVII continuaram olhando para a força que a parte de baixo da sociedade pôde desempenhar. Escritores do período da Restauração em Portugal vão valorizar a importância da relação entre os súditos e o rei, buscando uma aproximação entre o dirigente e os habitantes do reino luso. Um deles é João Pinto Ribeiro. Em sua obra “Usurpação, retenção e restauração de Portugal”, para justificar a Restauração da coroa por D. João IV, é possível observar uma grande desvalorização da questão da hereditariedade dinástica e a valorização da “naturalidade” real, ou seja, a origem e o local de nascimento do dirigente social. Quando este é natural do reino que governa, o restaurador vê o monarca como um servidor dos povos, porém, quando este rei é um estrangeiro dominando territórios os quais não nasceu, é visto por Ribeiro como um tirano, assim, ele condena o reinado dos monarcas castelhanos e justifica a aclamação de D. João IV, ficando em segundo plano a questão hereditária. “Importa também que Vossa Majestade Fica governador do Reino a um príncipe do sangue com que os naturais se recreiem, e arrimem com a presença e autoridade Real, e sirva para isto o exemplo de Cadmos.”29 Além da questão da naturalidade ser de grande importância, o monarca deve ser compreendido como aquele que tem a função de servir os habitantes do local que governa, repartindo os bens do reino, e não espoliando os seus.

Guia-me neste pensamento não só o natural amor, com que respondo a Majestade Del-Rei Dom João o IV, e cujo serviço me encaminhou uma natural propensão ; e o aborrecimento natural, que tinha as coisas de Castela, e a seu governo; mas também como no efeito desta felicíssima restituição fui tanta parte, não dera de mim aquela satisfação, que devia, se aquietara o ânimo, vendo tratar com o nome de tirano, ao mais justo e verdadeiro Rei do mundo, aquém tantas vezes representei a justiça de sua causa, os motivos que nela o ajudavam, e as venturosas ocasiões, que se ofereciam, para com toda a facilidade, e felicidade desejada efetuar o que a sua majestade, e ao Reino daria gloriosa liberdade.30

Essa valorização do rei natural pode ser vista numa carta de João Pinto Ribeiro, ao escrever sobre D. João IV e sobre sua legitimidade política em relação ao reino de Portugal. Nessa carta João Pinto Ribeiro expõe a simplicidade de D. João IV, ao vestir um “pano dozeno”, o monarca afirma que o pano é barato e esquenta, mostrando-se, segundo Ribeiro, não como um personagem excepcional, mas como mais um natural do reino português. 29

RIBEIRO, João Pinto. Usurpação, Retenção, e Restauração de Portugal.in: Obras Varias Compostas pelo Doutor João Pinto Ribeiro. Coimbra: Joseph Antunes da Sylva, 1730. p. 4. 30 Idem, p. 2.

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Só digo que entrou vestido de pano Dozeno pardo que tinha feito quando o ano passado à Almada por mandado do Rei de Castela e este teve vestido todo o dia, e quando foi buscar a Rainha o tornou a vestir e com ele entrou, e querem dizer que pondo um fidalgo os olhos no vestido, e pegando na capa disse sua Majestade que olhais bem vos entendo este aquenta e custa barato a um fidalgo conhecido que não nomeio indo lhe beijar a mão com uma luva calçada.31

João Pinto Ribeiro vai estabelecer uma grande aproximação entre o monarca e as populações portuguesas como um todo. O escritor também classifica o reino de Castela como maléfica aos portugueses justamente por fazer os estrangeiros castelhanos reinarem, não respeitando a forma local de governo dos habitantes de Portugal. Este é um dos principais pontos e fundamentos de todas as Repúblicas bem governadas. Hão os naturais conforme a toda lei Divina e Humana de ser honrados e premiados, com os ofícios e benefícios da pátria, e não os estrangeiros, que por tais faltam às coisas da república com amor, zelo e cuidado, com que os naturais lhe respondem. Porém o mau governo de Castela ia tão fora desta razão de estado, que não satisfeito com atropelar as leis deste Reino e as encontrar na distribuição dos Ofícios e benefícios entre os Portugueses, de nada mais cuidava que de introduzir nele estrangeiros, por nos negar e nos tirar, o que por tantos respeitos era nosso.32

Essa imagem do rei “popular” de D. João IV pós-restauração, do zelo e “amor à pátria” pode ser muito associada à imagem do rei D. João I que, de certa forma, foi visto como um rei próximo das populações do período, aclamado pelos portugueses e rompendo com uma hereditariedade pelo confronto com os castelhanos, sempre levando em consideração as demandas das populações de Portugal. Buscou-se expor uma alternativa de análise aos estudos sobre a política no período moderno em Portugal. Criticando a historiografia corrente que desconsidera as tensões sociais e os grupos sociais alijados da corte. Porém, não retornou-se à visão histórica nacional, propagada no século XX. O que se tentou fazer foi mostrar a presença e participação política dos grupos menos poderosos da sociedade portuguesa pelos letrados já expostos. Por fim, entende-se que isso se deu a partir da formação da identidade lusa, originada do conceito de pátria portuguesa. Forma de se olhar para a coletividade em uma sociedade extremamente hierarquizada nos séculos de Fernão Lopes, Camões e João Pinto Ribeiro.

Fontes documentais:

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RIBEIRO, João Pinto. Carta escrita ao senhor Vasco de Andrade em que se lhe refere a entrada vários sucessos da Aclamação do senhor Rey D. João o 4º.In: Congresso do mundo português: Memórias e comunicações apresentadas ao congresso de história da Monarquia Dualista e Restauração. Lisboa: Seção de Congressos, 1940. p. 131. 32 RIBEIRO, João Pinto. Op. Cit, p. 20.

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BLUTEAU, Raphael.Vocabularioportuguez& latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 – 1728. CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Porto: Livraria Lello& irmão, S/d. LOPES, Fernão. Crónica do Condestável de Portugal D. Nuno Alvares Pereira. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1937. LOPES, Fernão. Crônica de D. João I. Minho: Livraria Civilização editora, 1983. Vols I e II. RIBEIRO, João Pinto. A Ação de aclamar ElRei Dom João o IV: Foi Mais Gloriosa, e Mais Digna de Honra, Fama, & Remuneração, que a todos dos que seguirão aclamado.Lisboa: Paulo Craesbeeck, 1644. _____. Carta escrita ao senhor Vasco de Andrade em que se lhe refere a entrada vários sucessos da Aclamação do senhor Rey D. João o 4º. In: Congresso do mundo português: Memórias e comunicações apresentadas ao congresso de história da Monarquia Dualista e Restauração. Lisboa: Seção de Congressos, 1940. _____. Discurso sobre os fidalgos, e soldados Portugueses não militarem em conquistas alheias desta coroa. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1632. _____. Elogio do Mui Valoroso, e de raras virtudes D. João de Castro Ilustríssimo Governador e Vice-Rei da India. In:. Obras Varias. Coimbra: Joseph da Sylva, 1730. Vol II. _____. Injustas Sucessões dos Reis de Leão e de Castela e isenção de Portugal.In:. Obras Varias. Coimbra: Joseph da Sylva, 1730. Vol II. _____. Lustre ao desembargo do paço, e as eleições, perdões, e pertenças de sua jurisdição. Obras Varias. Coimbra: Joseph da Sylva, 1729. Vol I. _____. Preferência das Letras às Armas. In: Obras Varias. Coimbra: Joseph da Sylva, 1730. Vol II. _____. Sobre vários casos, com três relações de direito. In:Obras Varias. Coimbra: Joseph da Sylva, 1729. Vol I. _____. Usurpação, Retenção, e Restauração de Portugal.in: Obras Varias. Coimbra: Joseph Antunes da Sylva, 1730. Vol II. Bibliografia: AMEAL, João. História de Portugal. Porto: Tavares Martins, 1958. CALMON, Pedro. O Estado e o Direito N’Os Lusíadas. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1945. CARDIM, Pedro. Cortes e cultura política no Portugal do antigo regime. Lisboa :Edições Cosmos, 1998. CIDADE, Hernâni. Lições de Cultura e literatura Portuguesas (séculos XV, XVI e XVIII). Coimbra: Coimbra Editora, 1968. COELHO, Maria Helena da Cruz. D. João I o que re-colheu boa memória. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. CUNHA, Mafalda Soares da. A Casa de Bragança 1560 – 1640: Práticas senhoriais e redes clientelares. Lisboa: Estampa, 2000. DIAS, Sebastião da Silva. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI. Lisboa: Presença, 1973. SERRÃO, Joel. Dicionário da História de Portugal. Lisboa: Iniciativas, 1968. 14

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