A penhora de quotas sociais disposta no CPC/2015

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A penhora de quotas sociais disposta no CPC/2015 Por Gustavo Fávero Vaughn*

I. Introdução

O objeto deste artigo, que diz respeito à penhora1 de quotas sociais,2 merece atenção especial, mormente em razão dos acirrados debates que gerou ao longo da história do direito comercial brasileiro e dos interesses antagônicos que lhe circundam. Diz-se “interesses antagônicos” porque o tema em voga traz a lume o conflito existente entre o interesse individual do credor de quantia certa e o interesse da sociedade cujas quotas são penhoradas. São dois

1 “A penhora é procedimento de segregação dos bens que efetivamente se sujeitarão à execução, respondendo pela dívida inadimplida. Até a penhora, a responsabilidade patrimonial do executado é ampla, de modo que praticamente todos os seus bens respondem por suas dívidas (art. 591 do CPC e art. 391 do CC). Por meio da penhora, são individualizados os bens que responderão pela dívida objeto da execução. Assim, a penhora é o ato processual pelo qual determinados bens do de-

vedor (ou de terceiro responsável) sujeitam-se diretamente à execução.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. 3ª ed,. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 258). 2 “O termo quota é utilizado como a contribuição de bens dos sócios para a formação do patrimônio social com o escopo de viabilizar economicamente a sociedade e a realização de seu objeto social. Significa ainda a entrada dos cabedais dos

sócios para a constituição da sociedade limitada, representando o complexo de direitos, poderes, obrigações ou faculdades que compõem a posição de sócio, por força do contrato social” (BRITO, Cristiano Gomes de. A penhora de quotas da sociedade limitada: a harmonia entre o art. 1.026 do CC/2002 e art. 655, VI, do CPC. Revista de Processo, vol. 171/2009, p. 49/65).

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pontos distintos, mas complementares, que revelam a saudável e indispensável correlação entre o direito processual e o direito material (no caso, civil e comercial). Do ponto de vista processual, a penhora de quotas deve ser analisada à luz de dois princípios elementares para o processo executivo: o princípio da efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade do devedor.3 O primeiro é reflexo da finalidade da fase satisfativa, que, como o próprio nome sugere, visa a satisfazer a pretensão executiva do credor. Na hipótese de execução por

quantia certa, o objetivo do exequente é alcançar o direito de crédito estampado no título executivo — judicial ou extrajudicial. O CPC/2015 é patente ao dispor que a execução civil se realiza no interesse do exequente, conforme preceitua seu art. 797.4 Nessa toada, o Estado-juiz tem o papel de assegurar a efetividade da atividade satisfativa, em prazo razoável,5 valendo-se, para tanto, de medidas típicas e atípicas, estas em situações excepcionais.6 Já o segundo objetiva proteger o devedor e extrai-se do texto do art. 805, caput, do CPC/2015.7 Pelo princípio da menor onerosidade, a re-

alização da execução deve se dar da forma menos gravosa ao executado, vale dizer, munido de mais de uma possibilidade para a constrição patrimonial do devedor, o juiz deverá optar por aquela menos lesiva.8 A busca pela satisfação da dívida deve ser feita com cautela, observados certos limites, sob pena de se tornar o processo de execução uma espécie de vingança do credor contra o devedor, tal como ocorreu na obra O Mercador de Veneza, de Shakespeare, com os personagens Shylock e Antônio.9 Sob o enfoque do direito material, notadamente da seara comercial, deve-

3 “É indispensável a harmoniosa convivência entre o direito do credor à tutela jurisdicional para a efetividade de seu crédito e essa barreira mitigadora dos rigores da execução, em nome da dignidade da pessoa física ou da subsistência da jurídica — a qual outra coisa não é que a personificação de grupos de pessoas físicas reunidas em torno de um objetivo comum. Ao juiz impõe-se, caso a caso, a busca da linha de equilíbrio entre essas duas balizas, para não frustrar o direito do credor nem sacrificar o patrimônio do devedor além do razoável e necessário” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 294/295).

processuais profundamente diferentes dos atos decisórios catalogados nos arts. 203 e 204, nos quais prepondera a inteligência, própria da função de conhecimento. Enquanto nesta função a missão do juiz consiste em transformar fatos alegados pelas partes em direito, ou seja, em formular a regra jurídica concreta, na função de execução o juiz transformará essa regra individualizada em fatos. Os atos do juiz, exercitando o poder de executar, têm por escopo alterar o mundo real, empregando a força do Estado (art. 782), e, via de regra, implicam a invasão da esfera jurídica do vencido, especialmente a patrimonial.” (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro - Parte geral: institutos fundamentais. Vol. II, Tomo I. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 940).

excessos, inspirado nos princípios da justiça e da equidade. Contudo, a menor onerosidade não deve servir de escusa ou motivo para frustrar a execução, que deve ser balanceada para ser o mais eficiente possível para o exequente, com o menor sacrifício possível para o devedor. Se, de um lado, o princípio da efetividade da execução forçada é considerado como um direito fundamental à execução equilibrada sob a perspectiva do exequente, de outro lado, o princípio da menor onerosidade complementa o conceito, enquanto direito fundamental à execução equilibrada sob o prisma do executado. A execução balanceada é, portanto, aquela que propicia o pleno atendimento do direito do exequente sem sacrificar inutilmente o patrimônio do executado” (BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (comentário ao art. 805). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Coords.: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.157).

4 “Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados. Parágrafo único. Recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, cada exequente conservará o seu título de preferência.” 5 CPC/2015: “Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. 6 “A função executiva reclama a prática de atos Revista Comercialista

7 “Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.” 8 “Também conhecido como princípio do menor sacrifício possível do executado, ele determina que o juiz mande que a execução se faça pelo modo menos gravoso para o executado, quando, por vários meios, o credor puder promovê-la. Trata-se de limite político da execução, contra

9 Shylock, um judeu rico, determinado por um certo sentimento de vingança e inabalável pelas palavras de piedade de terceiros, que clamavam por compaixão, decidiu executar a multa de uma dívida que Antônio, um mercador de Veneza, detinha com ele. A multa garantia a Shylock uma libra de carne do mercador.

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-se atentar para o fato de que a sociedade tem patrimônio dissociado de seus sócios10 e pode, eventualmente, ser “formada por um corpo de sócios que nada deve ao credor, mas que tem seus bens constritos e sua vida societária alterada por conta de fatores externos, não raras vezes, vendo-se na iminência da quebra por conta de uma execução da qual não é parte”, motivo pelo qual “a excussão patrimonial de quotas tem uma conotação que afeta jurídica, social e economicamente interesses e direitos que vão para além das posições jurídicas subjetivas dos quotistas”.11

A particularidade de se penhorar quotas sociais recai sobre o fato de que tal medida transcende a figura das partes litigantes e, irradiando efeitos para fora do processo, atinge, ainda que indiretamente, uma sociedade personificada, alheia à relação jurídica que redundou na obrigação fixada no título executivo. Com efeito, o cerne da questão não é a penhora propriamente dita, mas sim o ato executivo que a sucede, qual seja, a expropriação,12 que implica a transferência do patrimônio constrito do executado para o exequente (adjudicação) ou a transformação do patrimônio em pecúnia (alienação).13

Nesse cenário, a expropriação de quota de sócio pode levar o credor, estranho à sociedade cujas quotas foram penhoradas, a integrar o quadro social da pessoa jurídica, rompendo, com isso, a affectio societatis14 e o caráter intuitu personae da sociedade limitada. Este é apenas um singelo exemplo, cujo desenrolar foge do escopo deste escrito.15 Historicamente, a falta de clareza nas leis que trataram a respeito da matéria eclodiu opiniões doutrinárias diversas, as quais acabaram por influenciar a jurisprudência, que, igualmente, não logrou êxito em firmar um entendi-

10 CC/2002: “Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.” Lembre-se que a personalização das sociedades empresariais dá azo a três consequências: (i) titularidade negocial: a sociedade empresária pode realizar negócios jurídicos; (ii) titularidade processual, podendo a sociedade demandar e ser demanda em juízo, com capacidade para ser parte; e (iii) responsabilidade patrimonial, pela qual a sociedade detém patrimônio próprio inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios, de modo que ela se torna, comumente, responsável pelas obrigações sociais. Fábio Konder Comparato define personalização como “uma técnica jurídica utilizada para se atingirem determinados objetivos práticos – autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades individuais – não recobrindo toda a esfera de subjetividade em direito” (COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle da Sociedade Anônima. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 195).

art. 1.026 do CC/2002 segundo o Novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, vol. 64/2015, p. 179/215.

bens, o executado pode, a todo tempo, remir a execução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, acrescida de juros, custas e honorários advocatícios.”

11 BRANCO, Gerson Luiz Carlos; DILL, Amanda Lemos. Penhora de quotas de sociedade limitada: limites e possibilidades interpretativas do

12 “A expropriação é ato estatal, de natureza coativa, realizado pelo juiz, visando ao pagamento do exequente. Pode se dar por meio da transferência de determinado patrimônio do executado para o exequente ou por meio da transformação deste patrimônio em dinheiro para, na sequência, pagar o executado” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.172). 13 CPC/2015: “Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.” “Art. 825. A expropriação consiste em: I - adjudicação; II - alienação; III - apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.” “Art. 826. Antes de adjudicados ou alienados os

14 “A affectio societatis é a disposição dos sócios em formar e manter a sociedade uns com os outros. Quando não existe ou desaparece esse ânimo, a sociedade limitada pluripessoal não se constitui ou deve ser dissolvida. A utilidade do conceito de affectio societatis é pequena. Serve de referência ao desfazimento do vínculo societário, por desentendimento entre os sócios, no tocante à condução dos negócios sociais, repartição dos sucessos ou responsabilização pelos fracassos da empresa. Quando se diz ter ocorrido a quebra da affectio, isso significa que os sócios não estão mais motivados o suficiente para manterem os laços societários que haviam estabelecido.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. Vol. 2, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012). 15 Ver: SOLER, Jonathas Lima. A quebra da affectio societatis na exclusão de sócios e dissolução parcial de sociedade. Revista dos Tribunais. Vol. 957/2015, p. 177/198.

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mento sedimentado acerca do assunto, causando indesejável insegurança jurídica aos jurisdicionados. Embora a legislação material venha sinalizando há anos a possibilidade de se penhorar quotas sociais, inclusive prevendo expressamente a penhora desse bem incorpóreo — o que será ventilado a seguir —, o direito brasileiro carecia de uma disciplina processual relativamente ao procedimento para que tal penhora ocorresse. O advento da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, responsável pela criação do Novo Código de Processo Civil,16 preencheu, ao menos em tese, essa carência. Inovando no ordenamento jurídico, o novel diploma processual regulamentou a penhora de quotas ou ações de sociedades personificadas no pro-

cesso de execução por quantia certa. Em linhas gerais, o art. 861 do CPC/2015 regula o procedimento a ser adotado pelo juiz e pela pessoa jurídica após terem sido penhoradas as quotas ou as ações de sócio em sociedade empresária ou simples.17 Tecidas essas breves considerações introdutórias, passa-se a apresentar o modo de operacionalização prática da penhora de quotas, tal como disposto no CPC/2015, discorrendo-se, antes disso, acerca da evolução legal e jurisprudencial no Brasil sobre a matéria.

16 O Novo Código de Processo Civil será referido neste artigo como “CPC/2015”.

§ 3o Para os fins da liquidação de que trata o inciso III do caput, o juiz poderá, a requerimento do exequente ou da sociedade, nomear administrador, que deverá submeter à aprovação judicial a forma de liquidação. § 4o O prazo previsto no caput poderá ser ampliado pelo juiz, se o pagamento das quotas ou das ações liquidadas: I - superar o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; ou II - colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária. § 5o Caso não haja interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorra a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liquidação do inciso III do caput seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas ou das ações.”

17 “Art. 861. Penhoradas as quotas ou as ações de sócio em sociedade simples ou empresária, o juiz assinará prazo razoável, não superior a 3 (três) meses, para que a sociedade: I - apresente balanço especial, na forma da lei; II - ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual; III - não havendo interesse dos sócios na aquisição das ações, proceda à liquidação das quotas ou das ações, depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro. § 1o Para evitar a liquidação das quotas ou das ações, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria. § 2o O disposto no caput e no § 1o não se aplica à sociedade anônima de capital aberto, cujas ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, conforme o caso. Revista Comercialista

sim a ações da Companhia das Índias Ocidentais, conforme disposto no alvará de 10 de março de 1649 que, em seu capítulo XXXIII, assim dispunha: “Que o dinheiro com que se entrar nesta Companhia não possa ser penhorado nem executado por dívida civil ou crime, sem primeiro o credor haver executado os bens do seu devedor e, então, em último lugar, poderá executar o dito dinheiro ou avanços dele, ficando sucedendo no lugar do executado.18 O Código Comercial de 1850, da época do Brasil Império, não permitiu a penhora II. Evolução legal do regi- de quotas. A redação de seu me da penhora de quotas art. 292 evidenciava que apenas os fundos líquidos que o no direito pátrio Há relatos de que as primei- devedor possuísse na comparas referências à penhora de nhia ou sociedade é que poparticipações sociais não di- deriam garantir as dívidas zem respeito a quotas, mas particulares do sócio.19

18 “O referido alvará estabeleceu uma regra de responsabilidade patrimonial, verdadeira regra

de responsabilidade civil, criando uma espécie de subsidiariedade em relação à possibilidade de excussão patrimonial das participações sociais. Evidentemente a referida norma visou afastar discussões societárias entre os credores de seus acionistas, tendo fixado, porém, um critério de excussão que é próprio das sociedades por ações, pois na parte final permite que ocorra uma adjudicação das ações pelo credor. Ao estabelecer que o credor ‘fica sucedendo no lugar do executado’, o alvará criou uma norma de proteção patrimonial da sociedade, tornando claro que as dívidas do sócio jamais poderão prejudicar a sociedade, que, porém, em troca dessa proteção, deve aceitar o credor como seu sócio” (BRANCO, Gerson Luiz Carlos, DILL, Amanda Lemos. Op. cit.). 19 “Art. 292. O credor particular de um sócio só pode executar os fundos líquidos que o devedor possuir na companhia ou sociedade, não tendo este outros bens desembargados, ou se, depois de executados, os que tiver não forem suficien-

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À vista disso, percebe-se que o direito comercial protegia “os próprios comerciantes que atuavam na praça, pois os credores particulares do comerciante, tais como o fisco e os credores das dívidas de jogo, não poderiam excutir bens que garantiam os créditos dos demais comerciantes, que eram as pessoas com quem se mantinham as principais relações no mercado”,20 o que significa dizer, em resumo, que o código comercial não permitia a afetação da participação do sócio de-

vedor antes da liquidação de uma sociedade. O Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, que regulava a constituição de sociedades por quotas, de responsabilidade limitada,21 também não dispôs a respeito da possibilidade ou não de penhora de quotas.22 O Código de Processo Civil de 1939, primeiro diploma processual brasileiro publicado em regime democrático, abarcou dispositivos relativos à matéria, os quais davam a exata noção de ser

inviável a penhora das quotas pelo exequente.23 Ressalte-se que o CPC/1939 foi alvo de grandes controvérsias em razão da distinção entre fundos líquidos e sociais.24 A lei adjetiva de 1973 acentuou o problema da penhora de quotas sociais, porquanto sua redação original não tratou expressamente a respeito dessa questão. A penhora de quotas era tida como possível a partir de uma interpretação extensiva do quanto disposto no art. 655, X, que versava sobre a penhora de direitos e

tes para o pagamento. Quando uma mesma pessoa é membro de diversas companhias ou sociedades com diversos sócios, falindo uma, os credores dela só podem executar a quota líquida que o sócio comum tiver nas companhias ou sociedades solventes depois de pagos os credores destas. Esta disposição tem lugar se as mesmas pessoas formarem diversas companhias ou sociedades; falindo uma, os credores da massa falida só têm direito sobre as massas solventes depois de pagos os credores destas.”

ficaria o arrematante que os adquirisse? É claro que, nessas condições, a cota não teria valor societário para o adquirente, que não poderia, com ela, ingressar na sociedade: teria, quando muito, que aguardar a dissolução e liquidação da sociedade para haver o seu crédito. A cota somente será penhorável, em nosso entender, se houver, no contrato social, cláusula pela qual possa ser ela cessível a terceiro, sem a anuência dos demais companheiros. A sociedade demonstraria, com isso, sua completa despreocupação e alheamento em relação à pessoa dos sócios, dando-lhe um nítido sabor de sociedade de capital. (…) Retornando ao tema, se o ingresso de terceiro estranho à sociedade por cotas não depende da anuência dos sócios, torna-se viável a penhora, pois o adquirente poderá ingressar na sociedade livremente” (ZVEITER, Waldemar. Aspectos polêmicos das sociedades por cotas de responsabilidade limitada. Inf. Juríd. da Bibl. Min. Oscar Saraiva, v. 5, n. 2, jul./dez. 1993, p. 100/101).

Art. 943. Poderão ser penhorados, à falta de outros bens: II – os fundos líquidos que possuir o executado em sociedade comercial.”

20 BRANCO, Gerson Luiz Carlos, DILL, Amanda Lemos. Op. cit. 21 Atualmente, é o Código Civil de 2002 que trata sobre a sociedade limitada, conforme se infere do Capítulo IV, Subtítulo II, Título II, do Livro II. Veja-se o que dispõe o art. 1.052: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” 22 Sob a égide do mencionado Decreto, Waldemar Zveiter, Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, citando a lição de Rubens Requião, aduz o seguinte: “Entretanto sustenta Rubens Requião: Admitindo-se, para argumentar, que o credor particular do sócio possa obter a penhora dos fundos sociais em processo de execução de dívida particular do sócio, com o fundamento de que lhe pertencem, e, ao mesmo tempo, que o contrato social vede a transferência dos mesmos a estranhos, em que situação

23 “Art. 931. Consideram-se direitos e ações, para os efeitos de penhora: as dividas ativas, vencidas, ou vincendas, constantes de documentos; as ações reais, reipersecutórias, ou pessoais para cobrança de dívida; as quotas de herança em autos de inventário e partilha e os fundos líquidos que possua o executado em sociedade comercial ou civil. Art. 942. Não poderão absolutamente ser penhorados: XII, os fundos sociais, pelas dívidas particulares do sócio, não compreendendo a isenção os lucros líquidos verificados em balanço;

24 Carlos Henrique Abrão, eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, distinguiu ambas as expressões da seguinte maneira: fundos sociais referem-se “ao dinheiro que a sociedade usa no seu giro, incluindo os estoques, créditos, enfim diz respeito ao complexo de bens que integram o ativo patrimonial da sociedade. O próprio art. 323 do Código Comercial disciplina no sentido de que os fundos sociais em nenhum caso podem responder, nem ser executados por dívidas ou obrigações particulares do sócio de indústria sem capital. O mesmo não se pode dizer, para efeito de aplicação do disposto, com relação às sociedades de responsabilidade limitada, onde, evidentemente, todos os sócios são capitalistas, contribuindo de forma direita, decisiva e pessoal para a formação do patrimônio da sociedade, mediante a integralização do capital”; fundos líquidos “referem-se ao saldo à disposição do sócio, como também à parte ou quota que na liquidação da sociedade for apurada. Compreendem, portanto, os fundos todos os aportes que o sócio fizer à sociedade, o valor de suas quotas, distinguindo-se, por corolário, da noção de fundo social”. Para o autor, “[s]e a sociedade possui lucros líquidos atinentes ao sócio, é lógico se pensar que o credor poderá penhorar esse valor (…)”. (ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 66/67). Revista Comercialista

32 Doutrina ações. É nesse sentido a lição de Carlos Henrique Abrão, eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:25 “No rol dos bens absolutamente impenhoráveis, o legislador pátrio não inclui as quotas, o que leva a concluir que o art. 649 do Código de Processo Civil de 1973 não veda a aquisição do quinhão pertencente ao devedor-quotista. Se não existe uma disposição expressa, que proíba a penhora, o mais correto parece ser utilizar-se das regras gerais que regulam o instituto. Com efeito, o art. 655 do Código de Processo Civil de 1973 estabelece uma ordem dispositiva concernente à graduação dos bens, sendo lógico moldar a figura dessa norma ao inciso X, que dispõe sobre a penhora de direitos e ações. A quo-

25 ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 68. No mesmo sentido: FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 161. 26 “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: VI - ações e quotas de sociedades empresárias;” 27 “A redação do inciso VI do art. 655 remete a penhora das quotas das sociedades empresárias, o que se demonstra equivocado, pois a penhora é cabível tanto para sociedades empresárias quanto para as sociedades simples, uma vez que ambas são sociedade contratuais.” (BARROS, Eduardo Bastos de. Penhora de ações e quotas de sociedades – as recentes alterações do processo de execução e a disciplina acerca da matéria no Código Civil. Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 7, jan./jun. 2007, p. 121/138). Revista Comercialista

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ta não deixa de representar um direito, um bem incorpóreo, dotado de conteúdo econômico, relativo à relação existente entre o sócio e a sociedade. Ela, por sua evidente natureza, representa os direitos do quotista sobre o patrimônio líquido da sociedade, isto é, sobre aquela diferença de cálculo existente entre o ativo e o passivo da empresa, incluindo-se o capital.” Apenas com a edição da Lei nº 11.382/2006, representativa de uma das ondas de reforma do Código Buzaid, foi que se atribuiu expressamente à penhora de quotas um conteúdo processual, ex vi do inciso VI do art. 655. 26-27 Como forma de preservar a affectio societatis, o art. 65128 do CPC/1973 facultava à sociedade a possibilidade de remir o valor da execução, de modo a

28 “Art. 651. Antes de adjudicados ou alienados os bens, pode o executado, a todo tempo, remir a execução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, mais juros, custas e honorários advocatícios.” (Redação dada pela Lei nº 11.382/2006). 29 “Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação. Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.” 30 Lembre-se que o CC/2002 revogou integralmente o Código Civil de 1916 e a Parte Pri-

evitar que o credor adquirisse o status de sócio; a sociedade, na qualidade de terceira interessada, poderia pagar o montante da dívida e sub-rogar-se nos direitos do credor. No plano material, destaca-se o texto do art. 1.02629 do Código Civil de 2002.30 Referido dispositivo autorizou o credor particular de sócio fazer recair a execução civil sobre o que a este couber nos lucros ou na parte que lhe tocar em liquidação, desde que constatada a insuficiência de outros bens do devedor (impenhorabilidade relativa). Também foi proporcionado ao credor o direito de pleitear a liquidação da quota social do devedor, ocasião na qual a sociedade ficará obrigada a depositar o valor correspondente em juízo. Nada obstante esse dispositivo trate de sociedade simples, é igualmente aplicável às sociedades limitadas.31

meira do Código Comercial de 1850, que trata do “Comércio em Geral”, conforme se infere pelo seu art. 2.045. 31 Nesse sentido: “O dispositivo acima exposto diz respeito às sociedades simples, nada dizendo o código quanto à aplicação da regra às sociedades limitadas. Contudo, está claro que a solução aplicada à sociedade simples, é, em sua inteireza, aplicável à sociedade limitada, não somente em razão da omissão do legislador, ao tratar da matéria no capítulo correspondente, mas, também, porque, admitida expressamente pela lei a excussão de parcela do capital social em sociedade intuito personae – como é a sociedade simples –, não há qualquer óbice para a sua aplicação no campo societário tipicamente de capital ou misto, natureza a que se subordina a sociedade limitada.” (BRANCO, Gerson Luiz Carlos, DILL, Amanda Lemos. Penhora de quotas de sociedade limitada: limites

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Cumpre mencionar que o Projeto de Lei nº 1.572/2011,32 apresentado pelo Deputado Federal Vicente Cândido (PT/SP), cuja finalidade é a criação de um novo Código Comercial, autoriza categoricamente a penhora de quotas,33 com a ressalva de que o contrato social (i) “definirá se a quota é, ou não, indivisível em relação à sociedade”34 e (ii) “poderá dispor sobre as condições para a alienação das quotas”, sendo que, em caso de omissão, “o sócio não pode ceder quotas a pessoa estranha à sociedade sem a anuência dos demais”.35 Vê-se, assim, que uma possível nova disciplina da penhora de quotas, a ser realizada por lei material específica do ramo do direito comercial, tende a prestigiar a vontade dos sócios prevista no contrato social, o que pode criar barreiras para a constrição desse bem, no caso de haver cláusula de impenhorabilidade. O assunto certa-

mente será objeto de muitos debates entre os membros da comunidade jurídica, notadamente processualistas e comercialistas. Com a chegada do CPC/2015, a penhora de quotas passa a ter procedimento próprio, conforme se verá mais adiante neste artigo. Antes disso, é propício apontar alguns importantes julgados acerca do tema ora examinado.

e possibilidades interpretativas do art. 1.026 do CC/2002 segundo o Novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, vol. 64/2015, p. 179/215).

35 “Art. 179. O contrato social poderá dispor sobre as condições para a alienação das quotas. Parágrafo único. Na omissão do contrato social, o sócio não pode ceder quotas a pessoa estranha à sociedade sem a anuência dos demais.”

32 O PL que institui um novo Código Comercial é alvo de duras críticas. A comunidade jurídica e o empresariado dividem-se em dois polos diametralmente opostos a respeito da necessidade e conveniência do referido diploma comercial. 33 “Art. 180. As quotas são penhoráveis por dívida do sócio, salvo se o contrato social as gravar com a cláusula de impenhorabilidade.” 34 “Art. 176. O contrato social definirá se a quota é, ou não, indivisível em relação à sociedade.”

III. Jurisprudência

Talvez a primeira e mais polêmica decisão judicial a respeito da (im)possibilidade de penhora de quota de sociedade limitada remeta ao longínquo ano de 1953, quando ainda estava em vigor o CPC/1939. À época, doutrina e jurisprudência eram praticamente assentes quanto à impenhorabilidade de tal bem, como visto no capítulo anterior. Sem embargo, em 8 de outubro de 1953,36 no julgamento

36 Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o STF (ou Corte Suprema) também era competente para processar e julgar violações de legislação infraconstitucional (vide art. 76, 2, III, alíneas “a” e “b”, da Carta Magna de 1934), não só constitucional, como é hodiernamente (vide art. 102, III, alínea “a”, da CF/88). 37 “Art. 18. Serão observadas quanto ás sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na

Doutrina 33 do Recurso Extraordinário nº 24.118/SP, de relatoria do então Ministro Nelson Hungria, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”), à unanimidade de votos, proferiu acórdão inusitado no sentido de considerar “penhoráveis as cotas de sociedade limitada, substituindo-se a final o credor-exequente nas vantagens e ônus do quotista-executado, independentemente de assentimento dos demais”, conforme se extrai da ementa do julgado. Salientou o relator que a transferência das quotas de sociedade de responsabilidade limitada não foi disciplinada, expressamente, pela lei específica de tais sociedades (Decreto nº 3.708/1919), e, invocando seu art. 18,37 aplicou subsidiariamente ao caso concreto a o §1º do art. 2738 do Decreto-Lei nº 2.627/1940, que regulamentava as sociedades por ações.39 No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), for-

parte applicavel, as disposições da lei das sociedades anonymas.” 38 “Art. 27. A transferência das ações opera-se: § 1º A transferência das ações nominativas, em virtude de transmissão por sucessão universal ou legado, de arrematação, adjudicação ou outro ato judicial, sómente se fará mediante averbação no livro de “Registo de Ações Nominativas”, em face de documento hábil, que ficará em poder da sociedade.” 39 Destaca-se o seguinte trecho do voto do relator: “Onde está escrito ‘livro de Registro de Ações Nominativas’, ter-se-á de ler, quando se trate de sociedade de responsabilidade limitada, ‘livro de Registro de transferência de cotas’, Revista Comercialista

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mou-se entendimento no sentido da penhorabilidade das quotas sociais. A 3ª Turma do Tribunal da Cidadania adotou, nos dois primeiros recursos que julgou, posição favorável à penhorabilidade das quotas de sociedade de responsabilidade limitada, decidindo “que a penhora de quotas sociais não atenta, necessariamente, contra o princípio da affectio societatis ou contra o da intuitu personae da empresa, eis que a sociedade de responsabilidade limitada dispõe de mecanismo de autodefesa”40 e que “[r]esponde o devedor com todos os seus bens, presentes ou futuros, para o cumprimento de suas obrigações, não havendo lei que exclua da execução as quotas do sócio em sociedade de responsabilidade limitada”.41 Posteriormente, em julgado particular, o STJ admitiu a impenhorabilidade das quotas sociais em caso que havia contrato vedando a cessão de cotas a terceiros, salvo

o consentimento de todos os sócios. Adotou-se como fundamento a impenhorabilidade dos bens inalienáveis, nos termos do art. 649, I, do CPC/1973, podendo derivar a inalienabilidade da vedação contida no contrato constitutivo, seja expressamente, seja quando do contexto exsurja a natureza intuitu personae da sociedade.42 Em 1994, a 4ª Turma do STJ, em julgamento de Recurso Especial relatado pelo ex-Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, tratou com profundidade a matéria, entendendo pela penhorabilidade de quota social, verificada a ausência de limitação no ato constitutivo da sociedade.43 O teor da ementa do aresto — que pode ser considerado um leading case — transcrito abaixo resume bem o que restou decidido: “PROCESSO CIVIL E DIREITO COMERCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DA SOCIEDADE PARA OPOR EMBARGOS DE TERCEI-

RO CONTRA PENHORA DE COTAS DO SOCIO POR DIVIDA PARTICULAR DESTE. PENHORABILIDADE DAS COTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. I - Representando as cotas os direitos do cotista sobre o patrimônio líquido da sociedade, a penhora que recai sobre elas pode ser atacada pela sociedade via dos embargos de terceiro. II - A penhorabilidade das cotas não vedada em lei, e de ser reconhecida. III - Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social proibição a livre alienação das mesmas. IV - Havendo restrição contratual, deve ser facultado a sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem

que deve possuir a dita sociedade, conforme adverte Villemor do Amaral (‘Das sociedades limitadas’, pag. 124). O nosso direito positivo, ao contrário, por exemplo, do direito francês, não exige o consentimento da maioria absoluta dos cotistas para que um dêstes cêda a terceiro sua respectiva cota. Embora não se trate de sociedade somente de capital, pois nela não deixa de influir o intuitu personae, o nosso legislador não cuidou de criar semelhante restrição. A não ser que o contrato ou estatuto social explicitamente o proíba, o cotista pode fazer cessão de sua cota a extranhos. E se é assim é, segue-se, logicamente, que as cotas são penhoráveis. O legislador pátrio evitou a incongruência da lei

francesa, de não permitir, em face de terceiros, a transmissão inter vivos e admitir a transmissão causa mortis, bem como a extranha solução jurisprudencial ou doutrinária de, no caso de adjudicação judicial, subordinar a validade desta à aprovação dos demais quotistas, a qual, se vem a faltar, reduzirá o direito do credor do cotista executado, que continuará dono da cota, tão somente aos lucros que lhe tenham sido ou forem sendo distribuídos.” (grifos originais).

41 REsp 21.223/PR, Rel. Ministro Dias Trindade, 3ª Turma, julgado em 15/12/1992, DJ 01/03/1993.

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40 REsp 16.540/PR, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, 3ª Turma, julgado em 15/12/1992, DJ 08/03/1993.

42 REsp 34.882/RS, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 30/06/1993, DJ 09/08/1993. 43 No mesmo sentido: REsp 39.609/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, julgado em 14/03/1994, DJ 06/02/1995; REsp 147.546/RS, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, julgado em 06/04/2000, DJ 07/08/2000.

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ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119). V - Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com inclusão de todos os direitos a ele concernentes, inclusive o ‘status’ de sócio.” (REsp 30.854/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, julgado em 08/03/1994, DJ 18/04/1994, REPDJ 25/04/1994) Favoráveis à penhorabilidade das quotas sociais, destacam-se, ainda, os seguintes entendimentos fixados pelo STJ: “[s]ão penhoráveis as cotas sociais, ainda que o contrato social condicione a transferência das mesmas cotas a estranhos à prévia e expressa anuência dos demais sócios”;44 as quotas da sociedade de responsabilidade limitada são penhoráveis em execução por dívida par-

ticular do quotista;45 “admitindo o contrato social o ingresso de estranho não faz sentido negar-se a penhora das cotas sociais de determinado cotista para o cumprimento de obrigações, evitando-se privilégio ao devedor inadimplente”;46 “[é] possível a penhora de cotas de sociedade limitada, porquanto prevalece o princípio de ordem pública, segundo o qual o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens presentes e futuros, não sendo, por isso mesmo, de se acolher a oponibilidade da affectio societatis”, sendo que, “ainda que o estatuto social proíba ou restrinja a entrada de sócios estranhos ao ajuste originário, é de se facultar à sociedade (pessoa jurídica) remir a execução ou o bem, ou, ainda, assegurar a ela e aos demais sócios, o direito de preferência na aquisição a tanto por tanto”;47 “[a] possibilidade das dívidas particulares contraídas pelo sócio serem saldadas com a pe-

nhora das cotas sociais a este pertencentes, não tem o condão de transformar a própria sociedade em devedora”;48 “[a]s cotas sociais podem ser penhoradas, pouco importando a restrição contratual, considerando que não há vedação legal para tanto e que o contrato não pode impor vedação que a lei não criou”, não acarretando a penhora a inclusão de novo sócio, eis que pode a sociedade exercer seu direito de remição;49 “a penhora de quotas sociais não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio”.50 A 3ª Turma do STJ já decidiu que é incabível a penhora das quotas sociais no caso de ação executiva aviada contra a própria sociedade. Restou assentado que, salvo em hipóteses taxativamente previstas em lei, “o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade”, não sendo “lícita a penhora

44 REsp 35.042/GO, Rel. Ministro Barros Monteiro, 4ª Turma, julgado em 27/03/1995, DJ 22/05/1995; REsp 172.612/SP, Rel. Ministro Barros Monteiro, 4ª Turma, julgado em 18/08/1998, DJ 28/09/1998.

21/03/2000, DJ 11/06/2001.

45 REsp 37.254/SP, Rel. Ministro Fontes de Alencar, 4ª Turma, julgado em 01/03/1994, DJ 18/04/1994, REPDJ 25/04/1994; REsp 34.692/ SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, julgado em 10/09/1996, DJ 29/10/1996.

48 REsp 117.359/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 2ª Turma, julgado em 15/08/2000, DJ 11/09/2000.

Pargendler, 3ª Turma, julgado em 27/08/2001, DJ 01/10/2001; REsp 317.651/AM, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, 4ª Turma, julgado em 05/10/2004, DJ 22/11/2004; REsp 712.747/DF, Rel. Ministro Castro Filho, 3ª Turma, julgado em 21/02/2006, DJ 10/04/2006; AgRg no AREsp 231.266/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 14/05/2013, DJe 10/06/2013.

46 REsp 87.216/MG, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, julgado em

47 REsp 201.181/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 6ª Turma, julgado em 29/03/2000, DJ 02/05/2000.

49 REsp 234.391/MG, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, julgado em 14/11/2000, DJ 12/02/2001. No mesmo sentido: AgRg no Ag 347.829/SP, Rel. Ministro Ari

50 AgRg no REsp 1221579/MS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 01/03/2016, DJe 04/03/2016.

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36 Doutrina das quotas sociais em execução movida contra a pessoa jurídica”.51 Portanto, percebe-se que o STJ sedimentou uma orientação geral no sentido de ser possível a penhora de quotas sociais, ainda que não haja previsão estatutária permitindo-a, já que tal fato não implica a inclusão de novo sócio no quadro da sociedade limitada, sendo certo que tanto ela quanto os demais sócios podem remir o valor da dívida ou o bem, com direito de preferência.

IV. Procedimento para penhora de quotas sociais à luz do CPC/2015

No CPC/1973, a penhora de quotas ocupava a sexta colocação na ordem preferencial de bens penhoráveis. Esse cenário se alterou com o advento do CPC/2015, em que a penhora de quotas se encontra na nona colocação, conforme o disposto no art. 835, IX, do referido diploma processual.52 É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o magistrado, nas demais hi-

51 REsp 757.865/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, julgado em 20/04/2006, DJ 12/06/2006. 52 “Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;” 53 “§ 1o É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as cirRevista Comercialista

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póteses previstas no art. 835, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto (§ 1º).53 Recaindo a penhora sobre quotas de sócio em sociedade limitada, o magistrado competente assinará prazo razoável, não superior a três meses, para que a sociedade adote determinadas providências (CPC/2015, art. 861). São elas: (i) apresentar balanço especial, na forma da lei;54 (ii) oferecer as quotas aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual; ou (iii) liquidar as quotas, depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro, desde que não haja interesse dos atuais sócios. O § 1º do art. 861 permite que a própria sociedade adquira as quotas do sócio devedor, sem redução do capital social e com utilização de reservas, e as mantenha em tesouraria, de modo a proteger a empresa e conservar a affectio societatis. Há certa divergência na doutrina quanto a tal possibilidade, haja vista

a ausência de previsão no Código Civil. Contudo, tem prevalecido o entendimento de que essa possibilidade existirá, conforme se infere do Enunciado 391 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, in verbis: “A sociedade limitada pode adquirir suas próprias quotas, observadas as condições estabelecidas na Lei das Sociedades por Ações”. A disposição do § 1º supracitada não se aplica à sociedade anônima de capital aberto, apenas à de capital fechado. Na sociedade de capital aberto, as ações são adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, a depender da peculiaridade do caso, nos termos do § 2º do art. 861 do CPC/2015. 55 A requerimento do exequente ou da sociedade, o órgão judiciário poderá nomear administrador para proceder à liquidação, devendo submeter ao juízo a aprovação de seu plano de liquidação. A identificação do administrador é relevante não só para o auxílio na liquidação das quo-

cunstâncias do caso concreto.”

valor da quota. § 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.”

54 CC/2002: “Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o

55 “§ 2o O disposto no caput e no § 1o não se aplica à sociedade anônima de capital aberto, cujas ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, conforme o caso.”

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tas sociais, mas também para que este possa responder processualmente por seus atos, já que ele possui deveres processuais (CPC/2015, art. 77). O prazo inicialmente fixado pelo juízo poderá ser dilatado nas hipóteses do § 4º do art. 861, isto é, se o pagamento das quotas (i) “superar o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação” (inciso I); ou (ii) “colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária” (inciso II). Por fim, o § 5º estipula o seguinte: “Caso não haja interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorra a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liquidação do inciso III do caput seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas ou das ações”. O leilão judicial das quotas é medida mais drástica, daí a razão de ser a última opção prevista pela Lei processual.56

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tas sociais contribuiu decisivamente para que a legislação sedimentasse o entendimento dos tribunais. Hodiernamente, não há dúvidas sobre a possibilidade de que tal penhora ocorra no seio de ação executiva por quantia certa. Em boa hora, a legislação processual brasileira trouxe o procedimento para a efetivação da penhora desse bem incorpóreo, trazendo diretrizes claras nesse sentido. Ainda é cedo para se fazer um juízo definitivo relativamente à disciplina do art. 861. A jurisprudência definirá os contornos na aplicação do referido dispositivo, sendo incontestável, contudo, que a penhora de quotas é matéria relegada a segundo plano pelo CPC/2015, se comparada com a previsão normativa do vetusto diploma processual no que diz respeito à ordem preferencial de bens penhoráveis. De todo modo, o deferimento da penhora de quotas de sócio devedor deve ser precedido de exame meticuloso, tendo em vista as particularidades de cada caso concreto, de modo a não prejudicar a satisfação do crédiV. Conclusão A evolução jurisprudencial a to do exequente, tampouco respeito da penhora de quo- avariar o patrimônio do deve-

dor e, mais ainda, a sociedade cujas quotas foram eventualmente penhoradas, sob pena de se interferir no ambiente empresarial, causando problemas drásticos para os demais sócios e para a sociedade em si. Resumidamente, o trato processual da matéria deve sempre considerar a ótica empresarial, não sendo aconselhável conceder a penhora de quotas sociais de maneira simplista e banal.

56 “O contexto do art. 861 denota preocupação coma preservação da sociedade, afinal terceiro em relação à execução, motivo por que, inviável a liquidação, a única saída consiste na alienação

der-se-á a execução, conforme prevê o art. 921, IV (…)” (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 983).

forçada. Se a alienação fracassar, por falta de interessados, ou substitui-se a penhora originária (art. 848, VI), ou, não havendo iniciativa do exequente nesse sentido ou em adjudicar, suspen-

* Gustavo Fávero Vaughn Pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela PUC-SP. Membro da Comissão do Jovem Advogado da OAB-SP. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr). Membro da Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem (ABEArb). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Advogado na Cesar Asfor Rocha Advogados.

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