A Pensao Social como primeiro pilar de uma rede universal de Assistência Social em Portugal
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Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175
A Pensão Social como primeiro pilar de uma rede universal de Assistência Social em Portugal * Francisco Branco **
Este artigo tem como propósito apresentar os primeiros resultados de uma investigação comparativa entre os dispositivos de pensão social em Portugal e no Brasil (BPC). Privilegia-se a experiência e situação portuguesa, traçando um quadro geral da institucionalização, situação actual e significação social e política da Pensão Social em Portugal enquanto mínimo social. Neste sentido a comunicação focaliza-se: a) no percurso histórico da atribuição da pensão social em Portugal; b) no padrão e filosofia de regulação social proporcionado aos cidadãos beneficiários; c) na relevância e impacte orçamental da pensão social enquanto programa de protecção social não contributivo.
1. Percurso histórico da pensão social em Portugal Até 1974 não existiam em Portugal mínimos sociais garantidos como direito social1. Até então, a protecção social em Portugal era assegurada por um sistema de seguro social obrigatório, cujo efectivo desenvolvimento se inicia nos anos 60, e que em vésperas da Revolução de Abril não garantia senão uma limitada cobertura de trabalhadores e seus familiares e um igualmente limitado conjunto de riscos sociais, que não incluíam por exemplo o desemprego. Largas faixas da população continuaram excluídas do campo de aplicação da previdência social; a protecção social no desemprego e nos acidentes de trabalho manteve-se à margem do sistema; multiplicaram-se regimes especiais de reduzido alcance protector, persistiu o baixo nível quantitativo da generalidade das prestações pecuniárias, designadamente as pensões; o financiamento... (Maia, 1985: 87).
* Comunicação ao Seminário Internacional Mínimos de Cidadania e Benefícios a Idosos e Pessoas Deficientes: Brasil, França e Portugal, São Paulo, 23 e 24 de Maio de 2002 ** Professor Associado do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa - Portugal 1
Para uma análise mais detalhada da evolução e perspectivas dos mínimos sociais em Portugal veja-se Branco (2001)
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 Os sectores da população trabalhadora não cobertos pelo regime de seguro social obrigatório ou os grupos não inseridos no mercado de trabalho, de forma permanente ou temporária, dispunham apenas como forma de protecção social pública, dos serviços de assistência social, no quadro dos quais, a assistência não se traduzia num direito objectivo, mas apenas na ajuda temporária e precária, não previsível e de carácter discricionário, baseada numa filosofia de regulação ad-hoc. Com a criação, em Maio de 1974 2, da pensão social de base não contributiva, fundada no estatuto de cidadania, inaugura-se uma nova era na cobertura de garantias numa base não contributiva. Apesar do carácter altamente restritivo da população abrangida por este novo direito social 3 e do seu padrão de garantia de recursos (1 000 Esc. ≅ 50 €, 40.25 USA dólares para residentes em meio urbano e 500 Esc. ≅ 25 €, 20.13 USA dólares para residentes em meio rural) 4, a consagração deste direito social constitui o primeiro marco fundador e constitucional de um sistema de protecção social de cidadania não salarial em Portugal. Reconhecendo-se o âmbito restritivo da atribuição da pensão social, em 1977 5, é alargada a sua cobertura a cidadãos inválidos com idade superior a 14 anos e a idosos ou inválidos internados em lares assistenciais de acordo com os critérios gerais de elegibilidade estabelecidos designadamente a prova de recursos. Culminando este processo de generalização, a pensão social integra, em 1979, o esquema mínimo de segurança social 6. Nessa ocasião, a pensão social foi estendida a todos os cidadãos portugueses residentes, independentemente do vínculo laboral ou de contribuição prévia, e aos beneficiários de qualquer esquema de protecção social que obedecessem à condição de recursos estabelecida. O esquema mínimo de segurança social garantiu igualmente um outro conjunto de mínimos sociais, respectivamente: suplemento de pensão para grandes inválidos, pensão de orfandade, abono de família quando não atribuído por outros regimes e prestação de frequência de estabelecimento de ensino especial. Simultaneamente, era estabelecido um esquema mínimo de saúde garantindo um amplo conjunto de prestações de saúde até à entrada em funcionamento
2
Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio com aplicação a partir de Julho de 1974 Pessoas com + 65 anos ou em situação de invalidez, não abrangidas por outros esquemas de previdência social e que beneficiassem à data de subsídios dos serviços públicos de assistência social. Até à data desta comunicação não foi possível obter informação estatística sobre o número de beneficiários da pensão social em 1974. Em Dezembro de 1976 o número de beneficiários era de 26 330 o que representava, face à população portuguesa apurada pelo Censo de 1970, 0,3 % (cf. IGFSS, 1977 e Barreto, 1996) 4 O Salário Mínimo Nacional foi fixado em 3 300$, pelo que a Pensão Social representava à época entre 30,3 % e 15,15 % do Salário Mínimo Nacional. 5 Despacho Normativo n.º 59/77 de 23 de Fevereiro (Diário da República I Série, n.º 61, de 14 de Março) 6 Decreto-Lei n.º 513-L/79, de 29 de Dezembro 3
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 do Serviço Nacional de Saúde 7. Com a mudança de ciclo político resultante das eleições legislativas realizadas no final de 1979, são introduzidas, em 1980, várias alterações ao regime de protecção social não contributivo, alterações que vão sobretudo no sentido de reforçar o dispositivo de prova de recursos e restringir a elegibilidade do Esquema de prestações de segurança social
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nomeadamente no que se refere ao conjunto de mínimos sociais então instituído. No que se refere mais especificamente à pensão social as alterações mais importantes introduzidas no seu regime como direito social não contributivo referem-se aos critérios de inclusão, verificando-se na atribuição da pensão social de invalidez a passagem da idade elegível de 14 para 18 anos, e sobretudo às disposições processuais e de prova de recursos 9, que se tornam mais rigorosas, e envolvendo designadamente: -
a produção de um relatório sobre as condições económicas e sociais do cidadão requerente ou da sua família, da responsabilidade dos serviços de Assistência Social
-
a actualização, trianual, dos meios de prova
-
a obrigatoriedade da declaração de alteração de rendimentos
Relevante é igualmente a consagração do princípio da actualização anual do montante das pensões. Entre os fundamentos invocados para as alterações introduzidas referem-se na exposição de motivos da lei a necessidade de prevenir a utilização indevida das prestações sociais havendo referências a um elevado número de pessoas beneficiando indevidamente da pensão social (Maia, 1985: 114). Este é um aspecto que se reveste de particular relevância no quadro das características atribuídas aos regimes de protecção social dos países da Europa do Sul (cf. designadamente Ferrera, 1996), e que se pretende aprofundar em termos de investigação empírica nomeadamente no sentido de confirmar e configurar esta prática social face às alegadas experiências de clientelismo registadas em Itália e Grécia. A consagração, em 1984, do regime não contributivo, na Lei de Bases da Segurança Social, na qual é estatuído o princípio da responsabilidade pública e de financiamento pelo Orçamento Geral do Estado, constitui um novo marco de institucionalização do regime de pensão social
7
Consultas médicas, serviços de enfermagem, assistência medicamentosa, meios complementares de diagnóstico e tratamento, aleitação em espécie 8 Decreto-Lei n.º 160/80, de 27 de Maio 9 Decreto-Lei n.º 464/80, de 13 de Outubro
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 como mínimo de cidadania em Portugal, adquirindo desta forma um padrão de certeza e estabilidade normativa que se mantém até ao presente.
Figura 1: Marcos da institucionalização da pensão social em Portugal
1974
Institucionalização da Pensão Social em Portugal
1977
Alargamento da abrangência da Pensão Social em termos de população incluída (processo de generalização)
1979 1980
Criação do Esquema Mínimo de Segurança Social Revisão do Esquema Mínimo de Segurança Social Regulamentação da atribuição da Pensão Social (reforço das condições de prova e atribuição)
1982
Alargamento do regime de Pensão Social com reconhecimento do direito à pensão social de sobrevivência
1984
Consagração do Regime Não Contributivo na Lei de Bases da Segurança Social (princípio da responsabilidade e financiamento públicos)
2000
Inclusão de cidadãos portadores de doença oncológica e esclerose múltipla como critério para a atribuição de pensão social de invalidez
Alargando e completando o actual esquema de pensões não contributivas é instituída a partir de 1982 10 a pensão social de viuvez, como direito reconhecido aos cônjuges sobrevivos de pensionistas sociais. São igualmente reconhecidas como fundamento de invalidez, e portanto de atribuição de pensão social, as situações de paramiloidose 11, as doenças do foro oncológico e esclerose múltipla
12
. Registe-se no entanto que face aos cidadãos doentes por
HIV, esta circunstância apenas foi reconhecida como motivo de invalidez no âmbito do
10
Decreto-Regulamentar n.º 52/81, de 11 de Novembro Lei n.º 1/89, de 31 de Janeiro e Decreto Regulamentar n.º 25/90, de 9 de Agosto 12 Decreto-Lei nº 92/2000, de 19 de Maio - em vigor desde 1 de Julho de 2000, para doenças do foro oncológico e Decreto-Lei nº 327/2000, de 22 de Dezembro, para as situações de esclerose múltipla 11
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 regime contributivo (seguro social) 13 recaindo o apoio social aos cidadãos afectados por esta doença no âmbito da assistência social eventual tendo estes serviços sido dotados de um fundo especifico para este efeito, facto que poderá constituir um primeiro passo para a sua inclusão no âmbito do regime não contributivo de pensão social de invalidez, na linha da experiência processante de direitos da assistência social.
2. Filosofia, características e padrão de inclusão da pensão social como mínimo social Como se pode depreender do calendário da institucionalização da pensão social em Portugal, este mínimo social, o primeiro a ser adoptado no país, apresenta claramente um carácter tardio, se atentarmos à cronologia registada noutros países do centro, como o caso da França, sobretudo se tivermos em consideração os mínimos de invalidez/deficiência e velhice, aqueles que no percurso histórico dos mínimos sociais foram em regra percursores (cf. Figura 2).
Figura 2: Cronologia dos mínimos sociais em Portugal. Brasil e França
O carácter tardio da pensão social em Portugal, que marca inelutavelmente a sua emergência, não invalida no entanto o significado particular da sua consagração, uma vez que, como já se referiu, trata-se de um acto inaugural e fundador, no contexto político de democratização do país, ao estabelecer uma nova filosofia na protecção social em Portugal, baseada na necessidade e condição de cidadania, sem dependência de carreiras contributivas prévias. No quadro da
13
Decreto-Lei nº 216/98, de 16 de Julho.
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 experiência portuguesa a fundação das bases de um regime de protecção social de cidadania é assim um acto inaugural da política social do regime democrático em Portugal na sequência da revolução de Abril de 1974.
2.1. Características da Pensão Social como mínimo social A par da reconstituição do processo de institucionalização da pensão social
torna-se
igualmente pertinente analisar as suas características enquanto forma de regulação. Assim, a pensão social em Portugal é uma provisão pública, regulada por um sistema de normas nacionais tendo o modelo de gestão um carácter local, que se centra essencialmente no processo de instrução. Trata-se de uma prestação social exclusivamente pecuniária financiada pelo Orçamento Geral de Estado, uma vez que estando em causa um dispositivo do protecção social não contributiva esta é, de acordo com a filosofia e norma legal, uma prestação de solidariedade social que deve ser assumida pela comunidade nacional e por isso independente do sistema financeiro do regime de previdencial (seguro social). No quadro de uma tipologia de mínimos sociais, a pensão social em Portugal é um mínimo categorial abrangendo idosos e cidadãos com invalidez ou portadores de deficiência, com um padrão de atendimento de necessidades estatutário, estabelecido por definição política. No caso português, a pensão social apresenta-se como um direito social, baseado em prova de recursos, e por isso juridicamente reclamável conferindo aos seus titulares ou aos cidadãos que alegadamente reunam as condições de atribuição estabelecidas, a possibilidade de recurso, com carácter urgente, para os tribunais, condições de garantia que assumem um carácter importante no processo de efectivação dos direitos de cidadania. Este conjunto de características permitem caracterizar a pensão social como uma modalidade de assistência social orientada por direitos, dado designadamente o sistema de normas nacionais que o regula e o baixo índice de exclusão que ocorre por via da sua estrutura organizativa e da sua administração prática. Ora este conjunto de atributos da pensão social precisa ser completado à luz de outros critérios de forma a se poder estabelecer de forma mais abrangente a sua natureza
e
características como mínimo social. Entre esses aspectos assumem particular importância os critérios de elegibilidade. A pensão social é atribuída a cidadãos portugueses com residência no país ou eventualmente no estrangeiro quando se verifique uma situação de comprovada dependência do cidadão requerente de outras pessoas residentes no estrangeiro. Regista-se assim
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 um critério estrito de nacionalidade que exclui cidadão estrangeiros com autorização de residência em Portugal e que satisfaçam as demais condições de acesso. Na sua relação com os regimes de segurança social existentes, a pensão social, elege como destinatários os cidadãos não abrangidos pelo regime contributo de segurança social ou de previdência rural ou as pessoas que embora abrangidos por estes esquemas de protecção social não satisfaçam os prazos de garantia exigidos. Coexistem com estes requisitos um critério etário de idade igual ou superior a 65 anos para a atribuição de uma pensão social de velhice, e de idade igual ou superior a 18 anos no caso da pensão de invalidez. A atribuição da pensão social não está dependente de qualquer contrapartida dos cidadãos em termos pecuniários ou de outro tipo, filiando-se pois na lógica dos direitos sociais clássicos, estando no entanto, enquanto prestação assistencial, sujeita a uma prova de recursos. Os tectos de elegibilidade, que se reportam aos rendimentos ilíquidos dos cidadãos, estão neste caso fixados em 30 % do salário mínimo nacional, para indivíduos isolados, e em 50 % do mesmo montante de referência quando se trata de um casal. Confirma-se deste modo a lógica do estatuto como orientação da definição da ajuda social. Entre as características da pensão social como prestação social importa ainda destacar que este mínimo social que, como se tem evidenciado, constitui o primeiro pilar de uma rede universal de assistência social em Portugal, está associado a outras prestações complementares que visam sobretudo conferir-lhe uma maior eficácia na relação com os problemas da dependência, invalidez e encargos familiares acrescidos. Acresce que, a condição de cidadão beneficiário da pensão social não interdita o recurso a apoios assistenciais eventuais, monetários, em espécie ou serviços, os quais no entanto não se constituem, como é sabido, em direito. A pensão social é, em Portugal, uma prestação social sem limite temporal, estando no entanto sujeita ao princípio da actualização periódica da actualização da condição de recursos. Refira-se ainda um aspecto de grande relevância para a análise da lógica do sistema de mínimos sociais que, a pensão social se articula e integra com o rendimento mínimo garantido exactamente porque este dispositivo de garantia de rendimentos tem um carácter universalista que se constitui como patamar de garantia de rendimentos e por isso compaginável, em função designadamente da composição familiar, com o benefício pensão social. Referenciadas as principais características da pensão social em Portugal (ver síntese na figura 2), ensaia-se de seguida uma análise de outros vectores de particular importância como o padrão de inclusão e satisfação de necessidades proporcionada pela pensão social.
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 Figura 2: Características da Pensão Social em Portugal
Forma de regulação
Natureza da provisão
Pública
Regulação
Sistema de normas nacional
Modelo de gestão
Descentralizado
Financiamento
Orçamento de Estado
Formas de provisão
Transferência financeira
Natureza dispositivo
Sistema de Segurança Social público
Abrangência
Categorial
Definição da ajuda
Estatutária (por definição política)
Garantias
Recurso tribunais administrativos Recurso com carácter urgente
Nacionalidade
Cidadãos portugueses com residência no país ou no estrangeiro quando em situação de comprovada dependência de outras pessoas residentes fora de Portugal
Relação com regimes de segurança social
Não abrangência por regime contributivo ou previdência rural Não satisfação de prazos de garantia regimes obrigatórios segurança social
Idade
≥ 65 anos (pensão de velhice) ≥ 18 anos (pensão de invalidez)
Prova de Recursos
1 indivíduo: 30 % SMN Casal: 50 % SMN
Contrapartida
Não estão previstas quaisquer contrapartidas
Prestação social base
Pensão Social
Relação com mínimos de garantia de rendimento
Rendimento mínimo garantido (dependente de limiar de rendimentos)
Prestações e apoios sociais complementares
Prestações sociais complementares (grande invalidez, cônjuge a cargo, dependência)
Condições de acesso
Características como prestação social
Prestações assistenciais eventuais monetárias ou em espécie Duração
Sem limite temporal (dependente actualização de condição de recursos)
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175
2.2. Pensão Social e padrão de inclusão Um dos elementos essenciais no estudo dos mínimos sociais é a análise do padrão de inclusão que estes proporcionam aos cidadãos beneficiários. No caso da pensão social em Portugal, como nos demais mínimos sociais, a lógica que presidiu à definição destas prestações sociais foi uma lógica política e estatutária e portanto sem referência conhecida a qualquer padrão de satisfação de necessidades. O critério de elegibilidade estabelece uma relação com o Salário Mínimo Nacional (SMN), definindo (cf. Figura 2) um tecto de 30 % no casos dos cidadãos individuais ou de 50 % nos casos dos requerentes casados ou vivendo em união de facto. A valores de 2000 (cf. Quadro 1), o tecto de elegibilidade estava estabelecido em 95,7 € mensais para cidadãos isolados e 159,5 € no caso de requerentes casados. Valores que correspondem respectivamente a um rendimento disponível de 3,19 € e 5,3 € por dia proporcionado pela pensão social
Quadro 1: Padrão de elegibilidade e satisfação de necessidades da Pensão Social, 2000 Padrão de elegibilidade
Padrão de rendimento
Rendimento Rendimento Rendimento Rendimento mensal diário mensal diário Isolado
95,7 €
3,19 €
125 €
4,1 €
Casado
159,5 €
5,3 €
125 €
4,1 €
225 €
7,5 €
Linha de Pobreza Relativa (1996, Painel Eurostat) (a)
Fontes: (a) Comissão Europeia / Eurostat, Situação Social na União Europeia - 2001
Como se pode igualmente observar pela leitura do Quadro 1, a linha de pobreza relativa estabelecida segundo os critérios usuais da Eurostat (60 % do rendimento médio disponível no respectivo país) permite verificar o baixo padrão de inclusão proporcionado pela pensão social. Na verdade, e mesmo não entrando em linha de conta com o facto dos valores disponibilizados se reportarem a 1996, constate-se que o rendimento mensal garantido pela pensão social se cifra em 55 % do valor em que se fixa a linha de pobreza relativa em Portugal, em 1996.
Neste plano de análise importa igualmente considerar o comportamento dos montantes da pensão social em termos longitudinais observando designadamente as séries cronológicas do
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 montante da pensão social, da sua valorização nominal e real e do seu comportamento face ao Salário Mínimo. Da análise do Quadro 2 e Gráficos 1 e 2 podemos verificar que se regista uma valorização ligeira da Pensão Social face ao SMN, já que em termos nominais, em 1974 a PS representava aproximadamente 28 % do SMN e em 2000 essa relação se cifra em 39,1 %. No entanto é necessário levar em consideração que, em termos reais, se tem registado desde 1980 uma reduzida, se não mesmo negativa, valorização quer do salário mínimo quer da pensão social com excepção para a pensão social, desde 1996, período em que a sua taxa de variação real tem sido superior ao SMN.
Quadro 2 : Evolução nominal e real da Pensão Social, e Salário Mínimo Nacional, 1989-2000
Pensão Social Ano
Inflação Prestação
1979
1.000
Var. nom.
Salário Mínimo Var. real
SMN Var. nom. SMN Var. real SMN 7500
1980
16,6
1 800
80,0
63,4
9000
20,0
3,4
1981
20,0
2 200
22,2
2,2
10700
18,9
-1,1
1982
22,4
2 800
27,3
4,9
10700
0,0
-22,4
1983
25,5
3 300
17,9
-7,6
13000
21,5
-4,0
1984
29,3
3 900
18,2
-11,1
15600
20,0
-9,3
1985
19,3
4 500
15,4
-3,9
19200
23,1
3,8
1986
11,7
5 700
26,7
15,0
22500
17,2
5,5
1987
9,4
7 500
31,6
22,2
25200
12,0
2,6
1988
9,7
8 600
14,7
5,0
27200
7,9
-1,8
1989
12,6
9 700
12,8
0,2
30000
10,3
-2,3
1990
13,4
11 200
15,5
2,1
35000
16,7
3,3
1991
11,4
13 000
16,1
4,7
40100
14,6
3,2
1992
8,9
14 600
12,3
3,4
44500
11,0
2,1
1993
6,5
15 700
7,5
1,0
47400
6,5
0,0
1994
5,2
16 600
5,7
0,5
49300
4,0
-1,2
1995
4,1
17 500
5,4
1,3
52000
5,5
1,4
1996
3,1
20 000
14,3
11,2
54600
5,0
1,9
1997
2,2
21 000
5,0
2,8
56700
3,8
1,6
1998
2,7
22 900
9,0
6,3
58900
3,9
1,2
1999
2,3
23 600
3,1
0,8
61 300
4,1
1,8
2000
2,9
25 000
5,9
3,0
63 800
4,1
1,2
2001
26 250
Fonte: Ministério do Trabalho e Solidariedade
67100
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 Gráfico 1. Evolução nominal da Pensão Social, Pensão Mínima do Regime Geral e SMN
Fonte: Ministério do Trabalho e Solidariedade
Gráfico 2: Evolução real da Pensão Social, Pensão Mínima do Regime Geral e SMN
Fonte: Ministério do Trabalho e Solidariedade
Esta circunstância não modifica no entanto o baixo padrão de satisfação de necessidades sociais atendidas pela pensão social, sendo de registar que, enquanto se regista uma tendência clara para que no que se refere ao regime contributivo ocorra uma convergência entre a pensão
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 1mínima e o salário mínimo, no que respeita à pensão social essa perspectiva permanece adiada e será mesmo dificilmente concretizada dada a filosofia minimalista que continua a presidir ao desenvolvimento do regime não contributivo em Portugal. Ainda que, como recentemente aconteceu com a revisão da Lei de Bases da Segurança Social, se consagre formalmente uma lógica de cidadania, traduzida por exemplo na rededonimação do regime não contributivo como regime de protecção social de cidadania ainda sejam fixados como seus objectivos garantir o direito a mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência. À luz da concepção marshalliana de cidadania social e do ponto de vista da desmercadorização das relações sociais este é claramente um desígnio pobre como pobres são os pensionistas sociais, e em geral os pensionsitas, em Portugal (cf. estudo INE sobre a pobreza em Portugal e estudos da Eurostat sobre a pobreza antes e depois das transferências sociais) .
2.3. Cobertura e características dos beneficiários da Pensão Social Ainda que nesta fase do trabalho de pesquisa não se disponha de dados já tratados relativamente à distribuição regional dos beneficiários da pensão social, e não se tenha igualmente procedido ao confronto dessa informação com indicadores demográficos (idade da população) e sócio-económicos (distribuição de rendimentos) designadamente, podemos no entanto avançar com uma primeira abordagem à cobertura e características dos beneficiários da pensão social. Como se pode observar no Gráfico 3, o número dos beneficiários da pensão social conheceu um crescimento acentuado desde 1976, data a partir da qual ocorre o início do processo de generalização deste mínimo social em Portugal, até ao ano de 1979, ano da criação do esquema mínimo de segurança social. Como se constata, esse crescimento do número de beneficiários é devido sobretudo à modalidade de pensão de velhice, uma vez que a pensão de invalidez apresenta uma curva de crescimento menos acentuada. Numa análise de carácter global observese que, entre 1979 e 2000, o número total de beneficiários praticamente estabilizou uma vez que nesta série longitudinal significativa se verifica apenas um oscilação entre os 80 e os 100 mil beneficiários registando-se no ano 2000 um número global inferior ao registado no início da série, sendo que, pelo comportamento da curva relativa ao número total de cidadãos beneficiários, se pode inferir que se está perante uma estabilização consolidada.
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 Gráfico 3: Beneficiários da Pensão Social – diferentes modalidades, 1976 - 2000
Fonte: IGFSS e IIES
Verifica-se igualmente, que a evolução dos tipos de pensões é muito diferenciado. Assim, enquanto a pensão de velhice, a partir de 1979, vê o seu número de beneficiários decrescer de modo sustentado, a pensão de sobrevivência, pelo contrário apresenta uma curva de crescimento quase contínuo desde 1976, estabilizando, a partir de 1995 e ultrapassando então o número de beneficiários da pensão de velhice. A pensão de sobrevivência, cuja atribuição se inicia em 1982, apresenta uma fraca expressão quantitativa, ainda que com uma curva de crescimento. Estes dados, de carácter geral, permitem levantar algumas hipóteses explicativas para a evolução no número e tipo de beneficiários da pensão social pensionistas. Assim, e dado que as disposições processuais e de prova de recursos se tornam mais rigorosas a partir de 1980, seria de admitir uma possível relação entre inversão da curva de crescimento dos pensionistas e estas disposições. Esta hipótese, que precisa ser explorada de forma mais detalhada não parece numa primeira análise procedente pois, nos anos imediatamente seguintes a 1980 é retomada a curva de crescimento ainda que com um ritmo ligeiro. A hipótese de que o período 1976-1980 representa o período de extensão por excelência decorrente da generalização deste benefício social parece assim mais consistente embora seja necessário proceder a um confronto com
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 indicadores de natureza demográfica e económica. Numa primeira análise, o envelhecimento da população poderia fazer supor uma tendência de crescimento sustentado do recurso à pensão social, o que não ocorre, mas pode igualmente levantar-se a hipótese de que a pensão social poderá corresponder, pelo menos em parte, a um benefício social residual em termos de protecção social da população portuguesa, decorrente sobretudo dos enormes défices registados antes de Abril de 1974 e de insuficientes prazos de garantia, aspectos progressivamente eliminados à medida que se registou um maior amadurecimento do sistema de segurança social português. Trata-se de matéria que importa analisar com mais profundidade e com recurso a um mais amplo conjunto de informação.
O quadro 3 permite analisar a evolução da relevância da pensão social, considerada a partir da taxa de cobertura dos cidadãos beneficiários. Os dados recolhidos apontam, como se pode verificar, no mesmo sentido das observações anteriormente produzidas.
Quadro 3: Relevância da Pensão Social
População residente (Censos) Beneficiários Pensão Social
1976
1991
2001
8 663 252 (a)
9 866 000
10 355 824
26 330
93 382
82 473 (b)
0,95
0,80
0,30 Fonte: INE, IGFSS, IESS Notas: (a) população apurada pelo Censo de 1970 (b) beneficiários em 31 .12.2000
2.4. A pensão social como despesa da Segurança Social Os dados financeiros para os quais existe informação detalhada por diferentes regimes de pensões reporta-se ao período de 1990 a 1997. Neste período, como se pode verificar pelo Quadro 4, a despesa com a pensão social cresceu em termos de valores nominais 14, sendo que o seu peso relativo na estrutura das despesas com pensões e na despesa corrente da Segurança
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 Social se mantém em valores relativamente constantes excepto nos últimos anos da série, período em que se regista uma valorização relativa da despesa com pensões sociais.
Quadro 4: Despesa com Pensões – Diferentes Regimes, 1990 /1997 REGIMES Reg. Geral
RESSAA
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
55 839
69 327
82 864
95 283
105 711
116 438
127 947
138 545
Invalidez
102 370
115 439
127 664
136 936
143 542
146 333
151 496
157 753
Velhice
220 178
270 457
318 366
364 864
411 376
454 231
502 528
541 206
Total
378 387
455 223
528 894
597 083
660 629
717 002
781 971
837 504
2 942
5 944
7 709
11 377
12 130
13 327
14 792
15 804
Invalidez
18 778
20 887
21 639
20 731
18 279
17 132
15 166
14 705
Velhice
76 404
90 630
103 345
111 605
116 457
123 977
125 348
124 193
Total
98 124
117 461
132 693
143 713
146 866
154 436
155 306
154 702
28
34
41
46
183
570
1 283
2 108
Invalidez
7 303
8 385
9 921
10 778
11 529
14 295
18 200
20 671
Velhice
8 392
9 539
12 484
14 840
16 133
19 964
23 617
29 192
Total (1)
15 723
17 958
22 446
25 664
27 845
34 829
43 100
51 971
302
475
334
276
244
305
324
329
1 795
1 850
1 845
1 821
1 713
1 632
1 651
1 555
Velhice
16 980
17 221
17 260
19 606
19 175
18 810
18 553
17 261
Total
19 077
19 546
19 439
21 703
21 132
20 747
20 528
19 145
Sobrevivência
59 111
75 780
90 948
106 982
118 268
130 640
144 346
156 786
Invalidez
130 246
146 561
161 069
170 266
175 063
179 392
186 513
194 684
Velhice
321 954
387 847
451 455
510 915
563 141
616 982
670 046
711 852
Total (2)
511 311
610 188
703 472
788 163
856 472
927 014 1 000 905 1 063 322
751760
918 486 1 075 705 1 214 627 1 324 756 1 453 784 1 530 053 1 621 998
Sobrevivência
Sobrevivência
Pensão Soc. Sobrevivência
T Rurais
Sobrevivência Invalidez
Total
Despesa Corrente SS (3) % (1) / (3)
2,1%
1,9%
2,0%
2,1%
2,1%
2,4%
2,8%
3,2%
% (1) / (2)
3,1%
2,9%
3,2%
3,3%
3,3%
3,8%
4,3%
4,9%
5. Conclusão Como se referiu inicialmente o propósito desta comunicação foi apresentar os primeiros resultados de uma pesquisa sobre a Pensão Social como mínimo social em Portugal e no Brasil.
14
De acordo com a informação recolhida nas Estatísticas e Anuários Estatísticos da Segurança Social editados pelo IGFSS, o valor da despesa com a pensão social passou de 2 683 milhares de contos em 1981 para 51971 em 1997, multiplicando por 20 o valor inicialmente registado.
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 No actual estádio deste processo de pesquisa e face ao itinerário percorrido podem retirar-se algumas conclusões e apontar perspectivas quanto ao desenvolvimento deste trabalho. Em primeiro lugar deve sublinhar-se, de novo, e apesar do seu carácter tardio, o carácter fundador da pensão social em Portugal enquanto primeiro pilar de um sistema de protecção social não contributiva baseado na condição de cidadania. Em segundo lugar deve destacar-se o baixo padrão de inclusão proporcionado pela pensão social enquanto prestação social em contraste com um dispositivo de normas e administração que apontam para baixo índice de exclusão, ainda que este seja um dos aspectos que carece de maior aprofundamento no âmbito deste estudo. Em terceiro lugar a pensão social em Portugal, pelos desenvolvimentos subsequentes que conheceu a institucionalização da segunda rede de protecção social (não contributiva), está hoje integrada num sistema de mínimos sociais que combinando dispositivos categoriais e universais, conferindo-lhe por um lado uma maior abrangência e requerendo por outro uma análise mais integrada da suas características e eficácia social. Por último gostaríamos de referir que, quer os aspectos atrás mencionados, quer outras dimensões de análise mobilizadas ao longo desta comunicação carecem de aprofundamento quer em termos de recolha de informação estatística quer em termos de investigação qualitativa junto de especialistas, técnicos com intervenção na administração deste direito social e dos cidadãos beneficiários aspecto este de crucial importância na perspectiva da avaliação de impacte das políticas sociais.
Bibliografia Barreto, António (Ed) (1996). A situação social em Portugal. Lisboa, ICS. Branco, Francisco (2001a). A Face Lunar dos Direitos Sociais: virtualidades e limites do RMG como direito de cidadania em Portugal, Tese de Doutoramento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Branco, Francisco (2001b). “O RMG como direito de cidadania em Portugal: virtualidade limites”, Intervenção Social, 23/24: 303-337. CE / Eurostat (2001), Situação Social na Europa - 2001, Luxemburgo Ferrera, Maurizio (1996). “The "Southerne Model" of Welfare in social Europe”. Journal of European Social Policy 6 (1): 17-37. Gough, Ian (1996). “Social Assistance in Southern Europe”. South Europe Society & Politics
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 1/1996: 1-23. Maia, Fernando (1985). Segurança Social em Portugal, Lisboa: IED Publicações oficiais IGFSS, Estatísticas da Segurança Social,1997, 1998. IGFSS, Anuário Estatístico da Segurança Social,1987,1990,1993,1994,1995,1998 IIES, Séries Estatísticas da Segurança Social 1990-1998 IIES, Séries Estatísticas da Segurança Social 2000 Legislação da Segurança Social
Publicado na revista INTERVENÇÃO SOCIAL Nº 28, 2003:157-175 Abstract The paper intents to present the first results of a Portugal and Brazil comparative study of social pension regimes. It is privileged the experience and Portuguese situation. The article tracing a overview of the institutionalisation process, current situation and the social and political significance of the social pension as a non-contributory minimum income guarantee. The paper focus, too, the questions of the philosophy of social regulation, quality standard of living and the budgetary relevance and impact of the social pension benefit.
Key Words: comparative analysis, non-contributory minimum income guarantee, Portugal, Brazil
Résumé L’article présente les premiers résultats d'une étude comparative entre les dispositifs de la pension sociale au Portugal et au Brésil. C'est favorisé l'expérience et la situation portugaise. L'article trace une vue d'ensemble du processus d’institutionnalisation, de la situation actuelle et de la signification sociale et politique de la pension sociale comme minimum social au Portugal. Le texte focalise aussi la philosophie de régulation sociale, le standard de qualité la vie accordée aux citoyens bénéficiaires et la pertinence et impacte budgétaire de la pension sociale comme minimum social.
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