A Percepção da Imagem Fotográfica Hiper-Realista

May 24, 2017 | Autor: Glaucio Moro | Categoria: Perception, Photography, Visual Arts
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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR

A Percepção da Imagem Fotográfica Hiper-Realista Gláucio Henrique Matsushita Moro Luciana Martha da Silveira UTFPR – Curitiba, Paraná, Brasil – [email protected], +55 41 9647-2363. Resumo Imagem. Em uma palavra que detém uma diversidade de possibilidades de aproximação, crítica, temas e discussões. Da percepção de uma única imagem pode-se extrair inúmeras possibilidades de pensamentos. Mas o que é uma imagem? O que é percebê-la? Perceber uma imagem é apenas um processo óptico de conexões químicas e estruturas nervosas do olho? Ou a imagem possui uma representação particular de cada mundo para cada pessoa ou cultura? Este artigo pretende pensar a percepção de imagens no recorte da fotografia. Neste contexto, pretende-se pensar a imagem na realidade e também na hiper-realidade do mundo atual em que vivemos. Na obra de dois fotógrafos que trabalham juntos, Robert e Shana ParkeHarrison, analisaremos a imagem nas alterações digitais que superam o real: as fotografias manipuladas e os factoides, imagens alteradas e tratadas, que têm o poder de convencimento. Para se fundamentar as discussões, traremos Jacques Aumont e Vilém Flusser na visão de multiplicidade de sentidos que uma imagem pode gerar, e o filósofo Walter Benjamin para a reprodutibilidade e unicidade da “aura” dos objetos. Palavras chave: imagem, percepção, hiper-real Abstract Image. In a word that has a diversity of possible approaches, critical issues and discussions. From the perception of a single image is possible to extract numerous possibilities of thoughts. But what is an image? What is perceive it? Is perceiving a picture just an optical process of chemical connections and nerve structures of the eye? Or the image has a particular representation of the world for each person or culture? This article intends to think the perception of images focusing on photography. In this context, is intended to think the image as in reality and in hyper-reality of 1338

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the world we live in today. From the work of two photographers working together, Robert and Shana ParkeHarrison, the image will be analyzed in its digital transformations that exceed the real: the manipulated photographs and factoids, images modified and treated that have the power of persuasion. To base the discussions, we will bring Jacques Aumont and Flusser in view of the multiplicity of meanings that can generate an image, and the philosopher Walter Benjamin for reproducibility and the uniqueness of the objects’ aura. Keywords: image, perception, hiper-real Introdução Abordar o tema imagem, seja de qual campo de atuação que estivermos falando, sempre possui uma complexidade, pois discorrer sobre algo que está presente em muitas coisas do que fazemos e vivemos, desde o folhear de um catálogo, uma revista ou uma galeria de fotos de um website é fascinante mas possui muitas formas e significados. A imagem possui a força de informar e modificar ambientes, complementar histórias, lugares e criar pensamentos. Através de um quadro ou um pôster na parede em casa podemos definir nossa personalidade, como comenta Flusser (1985): “O caráter mágico das imagens é essencial para a compreensão das suas mensagens. Imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas. Não que as imagens eternalizem eventos; elas substituem eventos por cenas. E tal poder mágico, inerente à estruturação plana da imagem, domina a dialética interna da imagem, própria a toda mediação, e nela se manifesta de forma incomparável.”. (Flusser, 1985, p.7).

A força da imagem está presente desde os nossos ancestrais, que, através de pinturas gravadas em cavernas ou ao ar livre, procuravam não só transcrever o dia-a-dia de sua cultura por meio de uma representação, como também, em uma espécie de ritual, buscavam o apoio e sucesso na caça advinda desta figura pintada na parede, como podemos encontrar em Laveque (1996): “Pinturas e gravuras ostentam a presença obsessiva de animais selvagens que surgem como objeto de um verdadeiro culto, assinalado frequentemente por toda uma simbólica (...) um ato de magia simpática, assente na convicção de que a representação permite o aprisionamento do ser representado”. (Leveque, 1996, p.18, 25).

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A característica da arte e da pintura nos faz pensar que o ser humano busca, desde cedo, capturar uma cena, documentar um instante e, de certa forma, eternizar um momento. Às vezes, retratada de forma realista, como a arte Renascentista, às vezes de maneira reveladora e visceral, como uma obra Cubista, o artista experimenta capturar momentos e exprimi-los por meio da imagem. As escritas de alguns povos, como por exemplo, o japonês, foram desenvolvidas com base em imagens que expressavam conceitos tanto concretos quanto abstratos. O Ideograma 火, por exemplo, representa o fogo. Seu símbolo é baseado na figura de uma lenha em chamas levantando labaredas, como cita Duarte (2003): “Se você acompanhar um histórico gráfico da formação dos ideogramas, verá que na sua grande maioria eles eram desenhos os mais semelhantes possíveis com os objetos, que aos poucos foram sendo sintetizados. É por essa semelhança que podemos dizer que eles partem de um processo analógico com o objeto para se formarem. Assim, o ideograma de fogo tenta se assemelhar à imagem de gravetos e chamas, por exemplo.” (Duarte, 2003, p.26).

Com o passar dos séculos, o tratamento dado às representações imagéticas foram progressivamente aumentando, conforme a necessidade das culturas. Imagens não só mais representavam ideais, elas sinalizavam ruas, davam nomes a produtos e até firmavam poder em brasões de famílias nobres. Mas o ser humano, ao que transparece durante esses séculos, ainda tinha o desejo de capturar a imagem e guardar aquele momento. Essa necessidade, como comenta Flusser (1985), no século XIX, trouxe o início da fotografia. “As fotografias foram inventadas, no século XIX, a fim de remagiciarem os textos (embora seus inventores não se tenham dado conta disto). A invenção das imagens técnicas é comparável, pois, quanto à sua importância histórica, à invenção da escrita. Textos foram inventados no momento de crise das imagens, a fim de ultrapassar o perigo da idolatria. Imagens técnicas foram inventadas no momento de crise dos textos, a fim de ultrapassar o perigo da textolatria. Tal intenção implícita das imagens técnicas precisa ser explicitada.”. (Flusser, 1985, p.11).

O advento da fotografia é algo que podemos pensar como uma ferramenta que ofereceu uma nova forma de exprimir a realidade, comunicar e documentar uma maneira de olhar o mundo.

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Mas, da mesma forma que a fotografia fez com que os artistas começassem a tomar novos rumos na representação de suas imagens, o que pensar da própria fotografia quando esta começa a tomar novos rumos na arte de representar, alterando seu arcabouço inicial que provinha unicamente da reprodução de um ponto de vista produzido por uma pessoa? O que discorrer de uma imagem tratada digitalmente, com tons de cores impossíveis de se observar a olho nu ou situações que de tão extraordinárias, parecem completamente impossíveis de acontecer? Com base nesses questionamentos, cita Flusser (1985): “Toda imagem técnica devia ser, simultaneamente, conhecimento (verdade), vivência (beleza) e modelo de comportamento (bondade). Na realidade, porém, a revolução das imagens técnicas tomou rumo diferente, não tornam visível o conhecimento científico, mas o falseiam; não reintroduzem as imagens tradicionais, mas as substituem; não tornam visível a magia subliminar, mas a substituem por outra. Neste sentido, as imagens técnicas passam a ser “falsas”, “feias” e “ruins”, além de não terem sido capazes de reunificar a cultura, mas apenas de fundir a sociedade em massa amorfa..” (Flusser, 1985, p. 12)

Juntamente com Flusser, exemplificamos assim o paradigma que busca este ensaio: as imagens hiper-reais e sua percepção na contemporaneidade.

1 – O ser humano como ser fisiológico e cultural Existem imagens de diversos gostos e parâmetros, para diversas funções e variadas colocações. Mas, se elas existem, é porque possuímos olhos para vê-las, e são desses olhos que todos os processos acontecem. Como cita Aumont (2002): “A experiência cotidiana e a linguagem corrente nos dizem que vemos com os olhos. Isso não é falso: os olhos são um dos instrumentos da visão. Entretanto, deve-se logo acrescentar que são apenas um dos instrumentos, e, sem dúvida, não o mais complexo. A visão é, de fato, um processo que emprega diversos órgãos especializados. Numa primeira aproximação pode-se dizer que a visão resulta de três operações distintas (e sucessivas): operações ópticas, químicas e nervosas.” (Aumont, 2002, p. 18)

As operações ópticas são processos de constituição de imagens em uma câmara escura, onde o objeto é abrangido por raios luminosos provenientes de uma fonte, que deles 1341

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reflete em determinadas direções. Os raios entram na abertura da câmara e formam uma imagem invertida desse objeto. As operações químicas nada mais são que projeções ópticas sobre o fundo do olho, tratadas pelo sistema químico da retina, transcodificando as informações. Essas imagens não são vistas, já que elas são somente um dos estágios do processamento da luz. As operações nervosas são o ponto final do processo de informação. Os receptores da retina, conectados às células nervosas, constituem o nervo óptico. O nervo óptico sai do olho e chega ao cérebro pela articulação localizada na região lateral. Segundo Aumont, o olho humano e a máquina fotográfica são muito similares, pois eles capturam raios sobre uma superfície e os concentram em um único ponto. “É costume comparar o olho a uma máquina fotográfica em miniatura: está certo, desde que se atente que a comparação só se aplica à parte puramente óptica do processamento da luz.” (Aumont, 2002, p. 20) Por isso, comparando o olho a uma máquina fotografia de forma simplista, o cristalino do olho seria a lente, a íris o diafragma e a retina o filme da câmera. Se uma imagem provoca um estímulo visual é porque possuímos diversos órgãos preparados para receber esta incitação. Isto pode ser uma parte importante no processo de reconhecimento de uma imagem. O modo como se decodificam as cores e como se criam os objetos ao redor é fisiologicamente (e mecanicamente) igual, mas como se vê o mundo varia de pessoa a pessoa de acordo com sua personalidade, cultura, localização geográfica e experiências pessoais. Uma pessoa que vive na Índia, por exemplo, não vê o vermelho como alguém que mora em Portugal. O vermelho é presente culturalmente, e o valor agregado a essa cor – sua percepção – é totalmente diferente do que a de outros povos. A cor é elemento integrante das sensações visuais. Segundo Silveira (2011), ela guia a experiência do indivíduo, estimulando-o ou acalmando-o, conduzindo o evento e enriquecendo-o. “O estímulo físico sozinho ou somente os aparelhos fisiológicos não podem determinar a percepção, pois o que se chama percepção depende essencialmente da interpretação que faz o observador. Ao mesmo tempo, a percepção depende deste estímulo físico e deste

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aparelho fisiológico para acontecer, ou seja, a interpretação está também veiculada aos estímulos e sensações. (...) Dentro desse contexto, dois pontos são essenciais: os estímulos físicos para a cor independem do ser humano para acontecer e as sensações cromáticas, por estarem aos aparelhos fisiológicos, tendem a ser as mesmas para os seres humanos. A diferença está justamente na percepção, que, por sua vez, é mais complexa por depender a interpretação baseada nas experiências sensórias vivenciadas diferentemente pelos indivíduos, às quais se chama cultura” (Silveira, 2011, p. 124, 125).

Uma imagem que povoa o cotidiano pode tornar-se um elemento cultural, ou seja, diferentes signos podem ter diferentes relevâncias para diferentes culturas, como no exemplo antes mencionado. A forma como as cores são percebidas é essencial para estimular emocional e fisicamente uma pessoa. A incitação visual e o ambiente onde ela ocorre desencadeiam processos complexos que envolvem cheiros, movimentações, luz e interações. 2 – A Imagem e sua percepção A compreensão da imagem, como já citado anteriormente, possui diversas amplitudes, formas de leituras e interpretações. Este ensaio pretende apenas se ater às imagens fotográficas. Este assunto é especialmente abordado aqui, com intuito de afunilar estas questões. A representação das imagens em um plano fotográfico visa, de maneira resumida, a reprodução de elementos parados no espaço-tempo. Os lados fisiológico e cultural do ser humano, como citado anteriormente, contribuem para a forma de interpretação que esta cena “congelada” tem. Sob esta condição, Flusser (1985), cita: “Imagens são superfícies que pretendem representar algo. Na maioria dos casos, algo que se encontra lá fora no espaço e no tempo. As imagens são, portanto, resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões espaço-temporais, para que se conservem apenas as dimensões do plano. Devem sua origem à capacidade de abstração específica que podemos chamar de imaginação. No entanto, a imaginação tem dois aspectos: se de um lado permite abstrair duas dimensões dos fenômenos, de outro permite reconstituir as duas dimensões abstraídas na imagem. Em outros termos: imaginação é a capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas. Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens.” (Flusser, 1985, p. 7)

Em algumas situações, é Possível que a simples observação de uma imagem traga a nostalgia de lugares, vestimentas e situações, à tona. Em outros casos, uma imagem veiculada em um jornal de circulação pode trazer espanto pela veracidade do fato. É possível também elencar 1343

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diversas situações que uma simples imagem é capaz de trazer a uma pessoa. Podemos supor então que, talvez, a imagem tenha se tornado um mediador perceptivo entre o ser humano e a história justamente por estar relacionada à forma de uma realidade de uma questão, unida à sensação que esta lhe traz. Aumont (2002) comenta: “Ao passar do visível ao visual, já começamos a considerar o sujeito que olha. Vamos agora prosseguir em duas direções: em primeiro lugar, estabelecer que o olho não é o olhar: falar de informação visual ou de algoritmos é interessante, mas deixa em suspenso a questão de saber quem constrói esses algoritmos, quem aproveita essa informação, e por quê; em seguida, retomar o essencial do que acaba de ser dito, aplicando-o ao caso específico que nos interessa, o da percepção das imagens (...) O olhar é o que define a intencionalidade e a finalidade da visão. É a dimensão propriamente humana da visão” (Aumont, 2002, p. 58, 59)

Então, pode-se pensar que a percepção, neste caso em específico, consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. Envolve uma grande gama de cores, estímulos visuais, sensitivos, pontos biológicos e fisiológicos. Sua relevância é a de ser praticamente um canal que se figura como um sistema integrado ao corpo que, fisiologicamente, tem como respostas ações de estímulo, sejam visuais, tácteis ou sonoros. 3 – O legítimo e a manipulado Se a imagem fotográfica, do ponto de vista perceptivo das pessoas, possui um caráter de veracidade dos fatos e objetos do tempo, como fica a integridade de uma imagem manipulada digitalmente? Será que é possível simplesmente observar e agregar outro valor a essa imagem manipulada? Ou o valor que a fotografia tem não consegue desassociar uma questão da outra? Um importante texto para compreender esta questão é “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, publicado pelo filósofo alemão Walter Benjamin em 1936. Neste ensaio, o filósofo comenta sobre a arte no século XX, mais precisamente na era industrial, e analisa, utilizando diversos exemplos como o cinema, pintura e a fotografia, os fenômenos da era da cópia e da reprodução. Segundo Benjamin, a experiência do público com a obra de arte era única e dependia de uma aura, isto é, a distância e a autenticidade que cada obra de arte, na medida em que é única, atribui ao observador. 1344

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O aparecimento e desenvolvimento de outras formas de arte, começando pela fotografia, deixa de fazer sentido sua distinção entre o original e a cópia, o que poderia levar ao fim das “auras”. Esse paradigma principia olhares para os processos de arte, tornando o seu acesso mais democrático e permitindo uma nova visão para o que ele chama de “politização da estética” batendo de frente com a “estetização da política”, visto que, nesta época, os movimentos fascistas e nazistas imperavam. O texto é intenso em diversos sentidos. Pelo contexto histórico, época da segunda guerra mundial, pelo processo evolutivo que a tecnologia passava e sua popularização com a fotografia e o cinema. Sobre essas questões, Benjamin (1936), cita: “As situações a que se pode levar o resultado da reprodução técnica da obra de arte, e que, aliás, podem deixar a existência da obra de arte incólume, desvalorizam, de qualquer modo, o seu aqui e agora. Ainda que, de forma nenhuma, isto seja apenas válido para a obra de arte e corresponda, por exemplo, à paisagem que num filme, se desenrola perante o espectador atinge-se, através deste processo, um núcleo tão sensível do objeto de arte que uma vulnerabilidade tal não existe num objeto natural. É esta a sua autenticidade. A autenticidade de uma coisa é a suma de tudo o que desde a origem nela é transmissível, desde a sua duração material a seu testemunho histórico. Uma vez que este testemunho assenta naquela duração, na reprodução ele acaba por vacilar, quando a primeira, a autenticidade, escapa ao homem e o mesmo sucede ao segundo; ao testemunho histórico da coisa. Apenas este, é certo; mas o que assim vacila, é exatamente a autoridade da coisa.” (Benjamin, 1936, pag. 4)

O vínculo que o autor faz com a autenticidade dos objetos soa para olhos desatentos como algo extremamente conservador, visto que a fotografia na época lutava para dar seus passos como arte. Não que ainda hoje não existam grupos que não considerem a fotografia uma expressão artística, mas, na época, o preconceito perante esses objetos era ainda maior devido à popularização das novidades. Segundo Valery (1936): “Tal como a água, o gás e a energia eléctrica, vindos longe através de um gesto quase imperceptível, chegam as sãs casas para nos servir, assim também teremos ao nosso dispor imagens ou sucessões de sons que surgem por um pequeno gesto, quase um sinal, para depois, do mesmo modo nos abandonarem” (Valery, 1936, pag. 4)

O simples fato da fotografia não ter uma cópia única, não estar disponível apenas para as elites, possivelmente tornou tudo isso, algo de difícil absorção. “De fato, a sucessão de imagens perturba o processo de associação daquele que as observa as massas em distração absorvem em si a obra de arte” (Benjamin, 1936, pag. 18). Ele chama de “o desaparecimento da aura” este fenômeno que faz com que o artefato não seja único, não seja exposto apenas através de uma única peça original. 1345

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Como Benjamin citou, a fotografia na época fazia, de certa forma, um contrassenso em relação às artes como a pintura, quando o assunto era a arte. Hoje, a crítica em questão pode ser pensada em outro âmbito se relacionada às fotografias originais e às manipuladas. Será que a “aura” está comprometida devido às intervenções? Ou a intervenção é o que faz o processo ser original, tornando o “interventor” um autor mais ativo no processo criativo? Sob esta perspectiva, cita Flusser (1985): “No confronto com determinada fotografia, eis o que o crítico deve perguntar: até que ponto conseguiu o fotógrafo apropriar-se da intenção do aparelho e submetê-la à sua própria? Que métodos utilizou: astúcia, violência, truques? Até que ponto conseguiu o aparelho apropriar-se da intenção do fotógrafo e desviá-la para os propósitos nele programados? Responder a tais perguntas é ter os critérios para julgá-la. As fotografias “melhores” seriam aquelas que evidenciam a vitória da intenção do fotógrafo sobre o aparelho: a vitória do homem sobre o aparelho. Forçoso é constatar que, muito embora existam tais fotografias, o universo fotográfico demonstra até que ponto o aparelho já consegue desviar os propósitos dos fotógrafos para os fins programados. A função de toda crítica fotográfica seria, precisamente, revelar o desvio das intenções humanas em prol dos aparelhos.” (Flusser, 1985, pag. 24)

No intuito de dar relevância a estas questões, e de demonstrar graficamente o ponto de vista explicitado durante este ensaio, utilizaremos o recurso visual da imagem por meio da arte de dois fotógrafos que trabalham juntos: Robert e Shana ParkeHarrison. Robert e Shana trabalham juntos com fotografias há quase 20 anos. O trabalho é centrado na relação entre os seres humanos e o meio ambiente. Usando técnicas de fotogravura, colagem e pintura, os ParkeHarrisons criam formas cinemáticas que exploram o jeito de interagir com o ambiente natural. O trabalho da dupla é encontrado em várias coleções de museus como o Whitney Museum of American Art, em Nova Iorque York, e o Fogg Art Museum, na Universidade de Harvard.

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Figura 1 - Robert and Shana ParkeHarrison “The Architect's Brother” - Tree Symphony (2000).

Na Figura 1, Robert e Shana ParkeHarrison nitidamente sobrepõem imagens com tratamentos que sugerem que a foto é antiga. A composição da imagem contribui para o clima, com intervenções ricas que provocam o espectador como o objeto que o personagem da foto carrega na mão, que sugere um instrumento musical, com raízes que parecem se conectar a ele.

Figura 2 - Robert and Shana ParkeHarrison “The Architect's Brother” - Reliquary (2000).

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Na Figura 2, notam-se características similares à Figura 1, porém o instrumento utilizado pelo personagem na foto tem um caráter mais surreal. Não consegue-se identificar qual o uso do objeto, a não ser pelo fato que ele está conectado aos outros objetos a sua frente.

Figura 3- Robert and Shana ParkeHarrison “The Architect's Brother” - Guardian (2000).

A Figura 3, possui um cenário mais relacionado com natureza, sem muito o uso dos aparatos de “tecnologia” das demais imagens. O equilíbrio do personagem sob dois galhos em meio a um cenário de devastação natural e as asas feitas com galhos possuem um caráter menos contemplativo em relação a Figura 1 e a Figura 2. As Figuras 1, 2 e 3 são do livro “The Architect's Brother” lançado no ano 2000. Em todas as imagens notam-se tipos diferentes de intervenções que contribuem para o ambiente. A intervenção dos planos, os equipamentos e os cenários hiper-reais promovem nitidamente um caráter não realista e interventor no processo fotográfico, que expande além da máquina o processo de visualizar uma imagem. 1348

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4 – Conclusão Os seres humanos são, teoricamente, parecidos em constituição fisiológica. Possuem funções químicas e motoras similares. Os olhos, neste caso especifico, possuem a capacidade de capturar, decodificar e absorver imagens que vemos todos os dias. A pintura – e depois a fotografia – tem o valor de captura da realidade do sujeito, do seu modo de visualizar o que é chamado para ele de “real”. A diferença está apenas que no caso da fotografia, estamos lidando com um aparelho que possui alguns tipos de funções pré-definidas que dependendo de sua utilização, pode comandar a experiência. Sobre a fotografia, Flusser (1985) cita: “As características que distinguem a fotografia das demais imagens técnicas se revelam ao considerarmos como são distribuídas. As fotografias são superfícies imóveis e mudas que esperam, pacientemente, serem distribuídas pelo processo de multiplicação ao infinito. São folhas. Podem passar de mão em mão, não precisam de aparelhos técnicos para serem distribuídas. Podem ser guardadas em gavetas, não exigem memórias sofisticadas para seu armazenamento. No entanto, antes de considerarmos sua característica de folha de papel, refletiremos por pouco que seja, sobre o problema da distribuição de informações.” (Flusser, 1985, pag. 26)

Vilém Flusser em seu livro “A Filosofia da Caixa Preta” (Flusser, 1985) faz uma crítica às pessoas que utilizam os instrumentos sem intervir ou questionar seu funcionamento. No caso das máquinas fotográficas, o ser humano, se não possuir um caráter interventor de suas produções, não consegue estar além de uma pessoa que apenas utiliza um aparelho sem questionar suas potencialidades e está apenas caracterizado como um simples utilizador da ferramenta. Pensando pelo viés de Benjamin (1936), a “aura” do objeto é aquela que a torna única, exclusiva e seu valor não consegue ser transferido a outro objeto que teoricamente não passa de uma “reprodução” do original. Mas, se pensarmos que o ser humano como interventor da obra – que consegue ter a consciência crítica de modifica-la e reestrutura-la – para, a partir dela, expandir suas capacidades além da máquina, teremos então uma mudança de percepção e paradigma desta mesma imagem, criando sua unicidade e sua “aura” por esta intervenção. Como pudemos observar anteriormente pelas obras de Robert e Shana ParkeHarrison, o caráter interventor das imagens produzidas para o livro “The Architect's Brother” são nitidamente intervenções, beirando a realidade e criando sua unicidade. Neste caso, o trabalho na imagem, por 1349

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meios digitais computadorizados, fotogravuras e colagens, é intencionalmente explícito, ou seja, os artistas querem que todos saibam que houve uma intervenção na obra. Mas, quando as imagens que beiram o hiper-real são apresentadas como uma “realidade” fotográfica, essas intervenções podem alterar a percepção do entendimento de seu objeto, criando uma situação de confusão entre o que é o real e o hiper-real. A modificação deste paradigma, quando não explícita, pode ser conflitante, pois como já citamos neste ensaio, a reprodução fotográfica está em muitos meios, e sua veiculação pode causar uma certa dúvida ao espectador se este pode encarar a reprodução como verídica ou se foi modificada para criar um conceito. 5 - Biliografia AUMONT, Jacques. A Imagem. 7ª Edição, São Paulo: Papirus Editora, 2002. DUARTE, Fábio. Do Átomo ao Bit: Cultura em Transformação. 1ª Edição, São Paulo: Annablume Editora, 2003 FLUSSER, Vilém. A Filosofia da Caixa Preta. 1ª Edição, São Paulo: Hucitec Editora, 1985. LÉVÊQUE, Pierre. Animais, Deuses e Homens: o imaginário das primeiras religiões. Lisboa: Edições 70, 1996. PARKEHARRISON, Robert e Shana - The Architect's Brother, 2ª Edição, São Paulo: Twin Palms Publishers, 2010. http://www.parkeharrison.com/ SILVEIRA, L. M. Introdução à teoria da cor. Curitiba: UTFPR, 2011. SILVEIRA, L. M. O computador como ferramenta e como linguagem na intervenção artística. Acessado em 6/04/2013 em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/roteiropedagogico/publicacao/3899_O_computador_como_ferramenta.pdf VALÉRY, Paul: Pièces sur l’art. Paris - sem data.

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