A “Perda” da China: Os Erros Estratégicos Estadunidenses

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EERRI. Anuário do Encontro Estudantil Regional de Relações Internacionais v.1, n. 1. ano 2012. Sant’Ana do Livramento. ISSN: 2318-261X Comissão Organizadora: BRAVO-VALENZUELA, Thaísa; DANTAS, Aline A. M.; DA SILVA, Jéssica M. C.; DUQUE ESTRADA, Rodrigo; FARIA, Débora J.; GONZALES, Alexandre A.; ORMOND, Yesa P.; PENA DE SÁ, Silvana; RICCI, Carla; RIEGER, Fernando C.; ROCHA, Rafael M. Capa: Rafael Masson Rocha O Anais do EERRI V.1, n.1, 2012 é a primeira publicação do gênero do evento e contém a transcrição das palestras, sínteses dos Grupos de Discussão Acadêmica, dos Grupos de Discussão Institucional e os trabalhos acadêmicos apresentados pelos discentes que participaram do EERRI 2012. A organização de cada volume é de responsabilidade da comissão organizadora da respectiva edição do EERRI, sendo este realizado anualmente. Copyright © 2013, Diretório Acadêmico Embaixador Vinícius de Morais CNPJ: 15.419.701/0001 - 37 Rua Barão do Triunfo, 1048 – Sant’Ana do Livramento - RS - CEP: 97573-590 Fone: (55) 3243-4540 Todos os direitos reservados.

Dados de catalogação na fonte: William de Oliveira Dalosto CRB - 10/1975 E56 EERRI 2012 – Encontro Estudantil Regional de Relações Internacionais : anuário do evento / EERRI 2012. – Santana do Livramento, 2013. 345p. : il. Anuário do Encontro Estudantil Regional de Relações Internacionais. Universidade Federal do Pampa. Dir. Acadêmico Embaixador Vinícius de Moraes. 1. Relações Internacionais. 2. Relações Internacionais : Palestras. I. EERRI 2012. II. Título. CDD

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Sumário SUMÁRIO ................................................................................................... 4 AGRADECIMENTOS ..................................................................................... 6 PREFÁCIO ................................................................................................... 8 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10 PALESTRAS ............................................................................................... 18 REPÚBLICA POPULAR DA CHINA E A SANTA SÉ: UMA LONGA HISTÓRIA DE ENCONTROS E DESENCONTROS ............................................................................................ 20 O BRICS E A TRANSFORMAÇÃO DA ORDEM MUNDIAL........................................ 33 EM BUSCA DE UMA PAZ QUE GARANTA UMA VIDA DIGNA, O CRESCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA PALESTINA ................................................................... 47 RIO BRANCO E AS RELAÇÕES DO BRASIL NO HEMISFÉRIO (1902-1912) .................. 57 ANAIS DO EERRI ....................................................................................... 68 DISCURSO, ESTRUTURAS E PERFORMATIVIDADE: COMPREENDENDO O MERCADO LEGAL E ILEGAL DE AGROTÓXICOS EM LIVRAMENTO-RIVERA........................................... 70 OS EFEITOS DA APROXIMAÇÃO CHINA-TAIWANNA BALANÇA DE PODER DO LESTE ASIÁTICO ..................................................................................................... 91 A “PERDA” DA CHINA: OS ERROS ESTRATÉGICOS ESTADUNIDENSES .................... 111 O PENSAMENTO DE BOYD E A RESPOSTA NEOCONSERVADORA ESTADUNIDENSE À ASCENSÃO DO SUL ...................................................................................... 137 APROXIMAÇÃO SINO-SAUDITA ...................................................................... 157 O BRASIL E OS NEXT-ELEVEN ........................................................................ 171 A GEOPOLÍTICA ATUAL DO ORIENTE MÉDIO E A CRISE NA SÍRIA: A INSERÇÃO ATUAL DA RÚSSIA E AS POSSIBILIDADES DE UMA ABORDAGEM MULTILATERAL ...................... 188 ÁFRICA DO SUL E BRASIL: ANÁLISE DAS LIDERANÇAS NOS PROCESSOS DE COOPERAÇÃO REGIONAL .................................................................................................. 207 GOVERNO LULA: IDAS E VINDAS DA COOPERAÇÃO SUL-SUL ................................ 235 AS FORÇAS ARMADAS REVOLUCIONÁRIAS DA COLÔMBIA E OS SEUS REFLEXOS NASEGURANÇA INTERNACIONAL .................................................................... 252

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A ARGENTINA E A CRISE DO KIRCHNERISMO: RISCOS E POSSIBILIDADES PARA O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL. ............................................................ 268 GRUPOS DE DISCUSSÃO ACADÊMICA ..................................................... 290 REFUGIADOS E APÁTRIDAS NO SÉCULO XXI ...................................................... 292 GEOPOLÍTICA RUSSA: DO IMPÉRIO À CONTEMPORANEIDADE ............................... 298 INTEGRAÇÃO REGIONAL: O SÉCULO XXI E A RECONFIGURAÇÃO DO CENÁRIO SULAMERICANO............................................................................................... 305 SAARA OCIDENTAL: A ÚLTIMA COLÔNIA AFRICANA ............................................ 310 OS DESDOBRAMENTOS DA QUESTÃO ISRAEL-PALESTINA .................................... 316 A POLÍTICA EXTERNA DA REPÚBLICA DE WEIMAR ............................................. 321 O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E AS BOMBAS CLUSTER ..................... 324 FRONTEIRA EM PERSPECTIVA ......................................................................... 329 POLÍTICAS DE INVESTIMENTO NA DEFESA NACIONAL ......................................... 334 ANEXO I .................................................................................................. 340

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A “Perda” da China: Os Erros Estratégicos Estadunidenses24 João Arthur da Silva Reis25 Júlia Pezzi26 Bruno Magno27 Resumo O presente trabalho busca demonstrar de que maneira o desenrolar dos confrontos no Extremo Oriente durante a Segunda Guerra Mundial levaram os Estados Unidos a perderem sua influência sobre a China, colocando em cheque um século de política externa para o Leste Asiático. Verifica-se que o centro de toda a guerra no Extremo Oriente, na Segunda Guerra Mundial, foi a China, sendo assim o principal objeto de disputa dos Estados Unidos e do Japão na guerra. Mas a atuação dos EUA no conflito, com uma série de erros estratégicos, permitiu a ascensão de um regime comunista com o qual veio a se confrontar poucos anos depois, na Guerra da Coréia. Dessa forma, seu principal objetivo na guerra não foi alcançado. Se busca primeiramente desvendar o porquê da China ser tão decisiva e importante para os principais atores do teatro de guerra do leste e sudeste asiático, e da situação em que se encontrava esta nação, dividida pelas potências, e a visão diferenciada dos EUA nessa questão, que passam a se empenhar na manutenção de integridade e independência desse país. A partir disso, verifica-se de que maneira a China foi central durante os anos do conflito, sendo os acontecimentos em seu solo responsáveis de certa forma por integrar a guerra no Pacífico à guerra na Europa. É feita então uma análise do processo de tomada de decisões do governo norte-americano, e os resultados das decisões tomadas. Conclui-se que a atuação de Mao e do Exército de Libertação Nacional, conjugado com as decisões estratégicas norte-americanas, levara à derrota do Guomingdang e à ascensão do maoísmo. Essa análise permite a compreensão maior da China, uma das maiores potências do mundo atual, e o entendimento de que interpretações errôneas de suas políticas e filosofia levaram e ainda levam a enormes erros estratégicos.

1. Introdução Este artigo tem como objetivo levantar e analisar as causas que levaram os EUA a não conquistarem suas metas políticas em relação à China na primeira metade do século XX, resultando nos eventos que permitiram à Mao Zedong e o Partido Comunista ascenderem ao poder. Uma análise histórica demonstra o objetivo norte-americano de ter na China um aliado no Extremo Oriente. Intenta-se, a partir disso, comprovar a hipótese de que uma série de 24

Trabalho feito com a orientação do Professor José Miguel Quedi Martins do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 25 Graduando do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] 26 Graduanda do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,.E-mail: [email protected] 27 Graduando do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Bolsista da PROPESQ - UFRGS – Brasil. E-mail: [email protected] 111

decisões equivocadas levaram os norte-americanos a perder a tão almejada influência na China. Ao invés disso, acabaram por se distanciar do país e assistir ao delineamento de um cenário extremamente negativo: a perda da influência sobre o país e o surgimento de um regime comunista que os desafiaria em plena guerra fria. Após um século de subjugação, iniciado na primeira metade do século XIX e concluído com a vitória do Partido Comunista sobre o governo nacionalista do Guomindang, em 1949, a China é reunificada e se estabiliza. Contudo, a historiografia acerca do assunto costuma relegar a um plano secundário os fatos ocorridos no período imediatamente anterior ao triunfo comunista na Segunda Guerra Mundial. Porém, as condições que definiram o desenrolar do embate entre essas duas forças internas à China surgiram durante a Guerra no Pacífico e, de maneira especial, devido à maneira como os Estados Unidos atuaram no conflito. Surgem, então, as seguintes questões: de que maneira o desenrolar da Guerra no Extremo Oriente ajudou o Partido Comunista a triunfar na Guerra Civil que se seguiu? Qual foi o papel dos EUA nesse processo? A vitória norte-americana no Pacífico concretizou-se, de fato, como um ganho histórico? Primeiramente, este trabalho reconhece, a partir de uma análise histórica, a fundamental importância da China, em especial para Estados Unidos e Japão. Expõe-se a maneira como as potências tentavam inserir-se no território chinês através de tratados desiguais desde o emblemático Tratado de Nanquim de 1842 e a visão diferenciada dos Estados Unidos, devido à sua preocupação acerca da integridade territorial chinesa, materializada na Política de Portas Abertas. Em seguida, demonstra-se a condição chinesa de pivô para os principais atores do teatro de guerra do leste e sudeste asiático e o desenrolar da guerra em território chinês. Por fim, são analisados os possíveis erros do processo decisório dos oficiais norte-americanos durante a condução da Guerra no Pacífico e suas consequências. A partir daí são extraídas conclusões da pesquisa.

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Dessa forma, o trabalho se baseia em pesquisa histórica e de bibliografia acerca dos processos decisórios dos Estados-Maiores conjuntos dos países combatentes na Segunda Guerra Mundial, especialmente da parte dos Estados Unidos. Ao longo do trabalho, são utilizadas contrafactuais. Como definidas por Joseph Nye (2009), contrafactuais são “condições contrárias ao fato”, consistindo em “experimentos racionais para definir afirmações causais”. Ou seja, são delineados cenários hipotéticos caso determinadas condições históricas fossem alteradas a fim de se ordenar as diversas causas de um fenômeno. No caso deste trabalho, esse método é utilizado em algum grau para se verificar as hipóteses de que a atuação dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial foi responsável pelo resultado da Guerra Civil chinesa e a postura do governo comunista após a guerra (Nye 2009, 63). 2. A Perda da China Pode-se afirmar que a Segunda Guerra Mundial na Ásia teve início com a Segunda Guerra Sino-Japonesa, iniciada em 1937, com a invasão da China pelo Japão. Este conflito só se ligou diretamente à guerra na Europa em 1941, quando a frota estadunidense no Pacífico em Pearl Harbor e as colônias ocidentais no sudeste asiático foram atacadas pelo Japão (David 2009, 282-283). Esta guerra se encerrou em 1945, com a rendição japonesa, embora a China ainda tenha enfrentado mais quatro anos de guerra civil até ser finalmente unificada e pacificada, com a vitória do Partido Comunista Chinês (PCCh) (Friedrich 2011, 125). A vitória de Mao Zedong e do PCCh foram recebidas em Washington com pesar. Os norte-americanos tiveram sua vitória na Guerra do Pacífico ofuscada e esvaziada de valor. Nesse momento, iniciaram-se debates nos Estados Unidos sobre quem “perdera” a China (Friedrich 2011, 127; Kissinger 2011, 109; Krieg s.d., 173; Tuchman 1972, xvi). O fato é que, embora tenham logrado derrotar o Império Japonês, as potências ocidentais perderam o que haviam lutado para defender durante os anos de guerra (Friedrich 2011, 125). Há décadas o ponto central da política americana para o Pacífico era a China. Este país era visto pelos Estados Unidos como um aliado estratégico no Pacífico, o que se verifica na inclusão da China na Conferência do Cairo

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de 1943, em que a China Nacionalista foi nomeada um dos “Quatro Policiais do Mundo”, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (Friedrich 2011, 127). Os Estados Unidos, devido à execução de políticas e estratégias errôneas durante a Guerra, acabaram por não atingir seu objetivo central. A multimilionária ajuda econômica e militar a Chiang Kai-shek, primeiramente para derrotar os invasores japoneses, e posteriormente para ajudá-lo a triunfar na guerra civil, não se traduziram em nenhum resultado real. No primeiro momento, o imobilismo do líder do Kuomintang levou a China a uma série de derrotas. Na guerra civil, as fracassadas tentativas de conciliação entre os comunistas e nacionalistas, que se digladiavam há mais de vinte anos, ocorreram sem conseguir impedir o colapso do governo nacionalista (Kissinger 2011, 101). A vitória do Partido Comunista, em 1949, marcou uma nova era para a China. O milenar império decadente, desagregado e mutilado após décadas de brutal exploração e guerras de conquista, foi finalmente reunificado. A partir daí, o país cresce economicamente e militarmente numa rapidez espantosa, assumindo uma política externa assertiva e se distanciando tanto dos Estados Unidos quanto da União Soviética. O momento crítico desse processo foi a Guerra da Coreia, em que os Estados Unidos foram atacados por tropas chinesas e são derrotados (Friedrich 2011, 125). Dessa forma, é importante considerar que, a despeito do papel fundamental dos Estados Unidos nos resultados da guerra civil, não se pode tirar o protagonismo do Partido Comunista e de Mao, que afinal de contas, lograram unificar, através de um senso político e histórico extremamente apurado, captar e canalizar a força do povo chinês para unificar uma nação dividida, derrotar um regime apoiado pelas grandes potências e estabelecer um novo regime. O enorme potencial chinês, latente desde antes da Guerra do Pacífico, nos leva a dar uma nova atenção para esse período em que os rumos do país foram decididos. Dessa forma, aqui se faz necessária uma breve retrospectiva histórica, de forma a compreender a Política Externa americana e a importância da China, de modo mais geral, e para os EUA em especial. Assim se poderá compreender de que maneira um bando de guerrilheiros assumiu o comando de uma das maiores nações do mundo, e como um

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estado fraco e desmembrado se converteu em uma potência nuclear e em um dos países mais poderosos do mundo. 3. O Colonialismo e a Política de Portas Abertas Ao longo de séculos, a relação entre a China e o Ocidente praticamente inexistiu. O Império Chinês, com uma história remontando a 3.000 a.C., por sua localização geográfica e forma de governo, manteve-se num relativo isolamento do resto do mundo. Essa situação se manteve até o século XIX. Durante a primeira metade deste século, a política externa da Dinastia Qing foi pautada pela dialética entre resistência e negociação em relação ao Ocidente (Fairbank 1940, 3). Após inúmeras tentativas malogradas de introduzirem seus produtos em larga escala no mercado chinês, os britânicos e outras nações ocidentais impuseram, através da força, uma série de tratados desiguais com a China, o que lhes permitiu amplo acesso a esse mercado (Senise 2008, 133-136). O primeiro de tais tratados foi firmado entre China e Grã-Bretanha, marcando o final da Primeira Guerra do Ópio. Após a tentativa do governo Imperial de impedir a massiva exportação de ópio britânico para a China (o que culminou no conflito iniciado em 1839), foi estabelecido o Tratado de Nanquim, em 1842. A superioridade bélica dos europeus não deixou alternativa ao Império do Meio: este foi obrigado a abrir diversos portos ao comércio estrangeiro e conceder direitos de extraterritorialidade a cidadãos britânicos (Senise 2008, 133-134). O Tratado de Nanquim abriu precedência para uma série de outros “tratados desiguais” e de conteúdo semelhante ao primeiro: iniciou-se a “abertura chinesa”. Em seguida, os Estados Unidos e a França buscaram concessões do Império, obtendo sucesso através dos tratados de Wanghia e Whampoa, ambos de 1844 (Senise 2008, 134-136). Até o final da Primeira Guerra Mundial foram estabelecidos acordos desse tipo com as principais potências ocidentais e o Japão. Cada uma dessas potências adquiriu zonas de influência e exploração econômica exclusiva em territórios que faziam parte do Império Chinês.

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É importante para a compreensão dos desdobramentos subsequentes a análise do especial envolvimento norte-americano e japonês com a questão chinesa. Ambos configuraram-se como potências atípicas nesse período, se comparados a potências europeias tradicionais como Inglaterra, França, Alemanha ou Rússia. Enquanto os Estados Unidos tiveram sua política para a China marcada por um viés relativamente anticolonial, o Japão era um país asiático, assim como a China, que logrou reverter a condição colonial através de reformas internas, se tornando ela própria uma potência, atuando de maneira semelhante a outros países europeus. Os Estados Unidos obtiveram acesso ao Pacífico após anexar os territórios do Novo México e da Califórnia, em 1848. O interesse norteamericano na região cresceu com o passar dos anos, principalmente depois da vitória na Guerra Hispano-americana (1898), que lhes garantiu a posse das Filipinas. Em 1853, o Comodoro Matthew Perry chegou ao Japão com sua esquadra dos “navios negros”, impondo também tratados desiguais, a exemplo dos que foram assinados com a China uma década antes (Senise 2008, 136). A abertura comercial japonesa precipitou a Restauração Meiji, que pretendia, através da industrialização, ocidentalização do sistema político, e criação de um exército forte, transformar o país em um Estado forte e soberano28 (Magno et al 2012, 110). A partir daí, o Japão passou negociar estrategicamente com os estrangeiros, absorvendo a tecnologia ocidental para crescer economicamente e se fortalecer. Isso resultou em notável progresso econômico e na ascensão do Estado nipônico no cenário mundial. O país em poucas décadas se tornou uma potência, passando a se envolver nas disputas territoriais pela China (Kissinger 2011, 91-92; Senise 2008, 136-137). A ameaça japonesa sobre este país se somou à política exclusivista dos países inseridos na repartição do Império Chinês através de arrendamentos estrangeiros. Em 1899, os Estados Unidos buscaram aumentar sua influência na região, tentando minar as exclusividades das zonas de influência através da promoção da Política de Portas Abertas, elaborada pelo Secretário de Estado 28

Curiosamente estes eventos não tiveram o mesmo efeito sobre a China, que também intentou movimentos de Restauração, todos frustrados pela Imperatriz viúva Cixi.

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americano, John Hay (Pritchard 1942, 172; Senise 2008, 142). Baseada na tradição mais idealista de política externa, de grande força nos Estados Unidos da época, o princípio das Portas Abertas visava à manutenção da integridade territorial da China e livre acesso aos portos, em oposição à divisão territorial causada pela delimitação das zonas de influência. A iniciativa americana, em parceria com a Grã-Bretanha, obteve o respaldo dos demais países sob a condição de que fosse unânime a aceitação da proposta. Apesar das frutíferas negociações, o conflito conhecido como a Revolta dos Boxers colocou em cheque os princípios da política de Hay29. Na tentativa de contornar a situação, o Secretário de Estado incluiu em seu discurso a importância do respeito à integridade administrativa e territorial da China. As propostas de John Hay, a despeito de não terminarem constituindo um tratado ou medida vinculante às nações estrangeiras, marcaram a relação diferenciada dos Estados Unidos com o país (U.S. Department of State 2012). Embora naquele momento a Política de Portas Abertas não tenha prevalecido, a manutenção de um China estável e aliada com os EUA se tornou um dos objetivos centrais da política norte-americana para O Extremo Oriente. Como anteriormente mencionado, a ascensão japonesa da Era Meiji alçou este país ao centro das disputas imperialistas pela China. As pretensões nipônicas, no entanto, conflitaram com os planos norte-americanos para o Pacífico. A ideia de uma expansão japonesa que tornaria o país o líder da região era tradicionalmente defendida pelo seu Exército (Smith 2004, 91). Em 1905, a vitória japonesa na Guerra Russo-Japonesa assegurou a posse da Coreia e de territórios na Manchúria. A vitória só não foi mais contundente graças à mediação do então presidente Theodore Roosevelt, que mediou a disputa, buscando preservar maior equilíbrio na região (Kissinger 2011, 9798). Enquanto as potências disputavam territórios chineses, O Império do Meio esfacelava-se internamente com o declínio da Dinastia Qing. Após a Rebelião dos Boxers, esta havia perdido praticamente todo seu poder. O 29

Esse movimento de repúdio às ocupações estrangeiras, encabeçado por sociedades secretas nacionalistas e com aquiescência da Imperatriz chinesa, levou a ataques contra estrangeiros e propriedades destes. 117

território do país estava dividido entre concessões estrangeiras e províncias dominadas por chefes e elites locais cujo poder só aumentava com o desmoronamento do poder central. Havia ainda graves problemas sociais devido ao esgotamento dos recursos imperiais, o que gerou insurreições entre as camadas camponesas, proletárias e médio-urbanas. Tal situação levou ao nascimento de duas forças: o Partido Nacional do Povo (Guomindang) e o Partido Comunista. A base para o surgimento do Guomindang está na formação da Liga Revolucionária (Tongmenghui) por Sun Yat-sen no ano de 1905. A República Chinesa foi instaurada em 1912, e Sun Yat-sen foi nomeado presidente provisório. Logo passou o poder para Yuan Shikai, que detinha maior poder militar (Pomar 2003, 40-44). A outra força chinesa insurgente, o Partido Comunista Chinês (PCCh), surgiu apenas em 1921 em Xangai. Desde a sua fundação, o Partido Comunista Chinês contou com a participação do futuro líder, Mao Zedong (Pomar 2003, 43). Em 1924 estabeleceu-se uma aliança entre os dois partidos, a fim de unificar o país derrotando os senhores locais e seus exércitos (Krieg s.d., 42). Após a morte de Sun Yat-sen, em 1925, o Guomindang passa a ser liderado pelo general Chang Kai-shek. A aliança entre os partidos duraria até 1927, quando o este dá um golpe de Estado e ordena a morte ou prisão de inúmeros comunistas. Os sobreviventes do Partido Comunista se refugiam nas montanhas e a partir daí teve início uma guerra civil que se arrastaria pelos próximos anos (Schulzinger 1990, 167; Senise 2008, 150; Krieg s.d., 50). Enquanto a China passava por seus problemas internos, uma corrida armamentista se delineava no Pacífico, tornando excessivos os gastos com a Marinha para países que haviam sofrido economicamente com a Primeira Guerra Mundial. A preocupação crescente dos Estados Unidos com a expansão japonesa, que ameaçava suas possessões no Pacífico e a integridade da China, e com a crescente corrida armamentista naval os levou a sediar a Conferência de Washington, entre 1921 e 1922. Ao fim da conferência foi assinado o Tratado das Nove Potências, sustentando a independência e integridade da China. Também foram assinados outros dois tratados

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garantindo o respeito mútuo pelas possessões no Pacífico e nivelando a força naval de cada um dos países em questão na região (Schulzinger 1990, 136). O “Sistema de Washington”, como este arranjo ficou conhecido, garantiu estabilidade para a região, encaminhando a China para uma lenta incorporação à ordem econômica internacional, através da construção de redes de transportes e comunicações com capital estrangeiro, grande parte dele americano. Durante a década de 1920 esse sistema prosperou, mas logo enfrentou uma forte oposição de setores internos do Japão, que passaram a vê-lo como um obstáculo ao crescimento do país. (Kershaw 2008, 131). 4. A Invasão Japonesa No Japão da década de 1930, os efeitos da crise econômica mundial causada pela quebra da Bolsa de Valores de Wall Street faziam crescer sentimentos antiocidentais. Ao mesmo tempo, se fortalecia a ideia de autarquia, visando à independência do capitalismo ocidental. Nesse cenário, o radicalismo militarista e nacionalista encontrou terreno fértil para se desenvolver. O fato de o governo chinês ter boicotado produtos japoneses e desrespeitado direitos econômicos do Japão na Manchúria contribuíram para a radicalização da Política Externa, vista como complacente por alguns setores, como o oficialato mais jovem do Exército. Alguns dos defensores da linha mais radical pertenciam ao Exército de Kwantung, que guardava os territórios japoneses na Manchúria, conquistados após a Guerra SinoJaponesa de 1894 e a Guerra Russo-Japonesa, de 1905 (Kershaw 2008, 131). Em 1931, oficiais japoneses ordenaram secretamente um ataque em Mukden, na Manchúria do Sul, depois de explodirem uma ferrovia e alegarem que fora obra dos chineses. Em cinco meses, toda a Manchúria havia sido ocupada pelo Japão (David 2009, 282). Esse ataque, que não havia sido ordenando pelo governo de Tóquio, foi aceito pelo governo, demonstrando a falta de controle que o Estado-Maior detinha sobre alguns setores do Exército e da crescente influência das decisões destes no delineamento da política externa japonesa (Kershaw 2008, 131). Rica em minérios e de enorme potencial agrícola, a região da Manchúria foi transformada no Estado fantoche do Manchukuo, e Pu-Yi, último imperador da dinastia Qing, foi coroado seu soberano (Visentini 1998, 74).

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O “Incidente de Mukden”, como ficou conhecido, foi um ponto de ruptura com a política de cooperação do “Sistema de Washington”, vigente desde 1922 (Kershaw 2008, 132). Foi também um teste à reação da Liga das Nações e dos Estados Unidos, para dar prosseguimento à expansão japonesa (Visentini 1998, 74). O fato é que os Estados Unidos tiveram sua política externa paralisada devido às dificuldades causadas pela depressão econômica em que estavam imersos. No auge da crise , era custoso demais levar uma guerra a cabo, não somente para os EUA, mas também para qualquer outro governo ocidental. Mesmo assim, o Secretário de Estado norte-americano, Henry Stimson, recorreu ao moralismo wilsoniano, à Política de Portas Abertas e ao Tratado das Nove Potências de 1922 para declarar sua Doutrina de Não Reconhecimento, pela qual seu país não reconheceria nenhuma mudança territorial obtida através do uso da força. Sua esperança era que outras potências se juntassem aos EUA na defesa dessa doutrina, buscando restaurar a integridade territorial da China. A despeito desses protestos, o Japão se manteve na Manchúria até 1945 (Schulzinger 1990, 149-150). As condenações das potências ocidentais causaram o progressivo isolamento japonês e sua saída da Liga das Nações. Porém, a tímida resposta desta, que nada fez além de mandar uma comissão liderada pelo britânico Lorde Lytton, encorajou a continuação da expansão japonesa (Kershaw 2008, 132). Na China, a atitude relativamente passiva do Ocidente implicitamente instigava o governo nacionalista de Chang Kai-Shek a focar seus esforços contra os comunistas, e não os japoneses (Visentini 1998, 74). O Kuomintang fortaleceu e modernizou seus exércitos, e lançou em 1934 a “Quinta Campanha de Extermínio” contra o Exército Vermelho. Para não serem aniquiladas, as tropas lideradas por Mao empreendem a famosa “Longa Marcha”, se retirando da província de Jiangxi, no sul, para a de Shaangxi, no norte, percorrendo assim 12.800km (David 2009, 282; Krieg s.d., 71-73; Visentini 1998, 74). No ano seguinte, o Partido Comunista Chinês, já estabelecido no norte do país, declarou guerra ao Japão, lançando um apelo a uma aliança para derrotar as forças ocupantes. Mao buscava, dessa forma, canalizar para si os sentimentos nacionalistas ao redor de toda a China, mostrando-se como

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campeão da luta contra o invasor japonês. Em 1937, Chiang Kai-shek aceita a trégua na guerra civil e a aliança antijaponesa que haviam sido propostas por Mao (Krieg s.d., 84). Esse evento, aliado a um boicote de Chiang Kaishek a produtos japoneses na China e ao recrudescimento da crise econômica em 1937 levou o Japão a declarar guerra (Visentini 1998, 79). Isso se deu depois que um grupo de soldados chineses amotinados atacou uma guarnição japonesa em Pequim, na Ponte Marco Polo (David 2009, 282). A partir daí teve início uma guerra em larga escala contra a China. O exército japonês ocupou primeiramente toda a região entre Pequim e Tianjin, ao passo que as forças chinesas lançaram um ataque a Xangai. Um contraataque japonês, com um ataque anfíbio apoiado por bombardeio naval e aéreo infligiu pesadas baixas militares e civis aos chineses em Xangai. Apesar da morte de mais de 250 mil baixas do lado chinês, houve uma grande resistência, que causou perplexidade nos invasores japoneses. Somente após o desembarque japonês em Hangzhou as tropas chinesas se retiraram para Nanquim, a fim de evitar o cerco. Posteriormente, tiveram que se retirar também novamente, até Chongqing, onde ficariam até o fim da guerra (David 2009, 282-283). Ao fim de 1938, os japoneses haviam ocupado a região mais povoada e economicamente importante da China, onde haviam organizado governos colaboracionistas e mantinham mais de 600 mil homens no país. O chefe do Estado Maior e o ministro do Exército haviam prometido ao Imperador a subjugação da China em dois ou três meses. Contudo, já haviam se passado mais de um ano de combates e não haviam conseguido finalizar a guerra, embora já ocupassem as principais zonas estratégicas (Kershaw 2008, 137). O Guomindang recebia empréstimos norte-americanos e ajuda da aviação da União Soviética, recebendo ainda suprimentos através de um corredor que ligava Chongqing à Birmânia, então território inglês. Apesar desse volume de ajuda, o Generalíssimo relutava em atacar os japoneses, preferindo se fortalecer enquanto Mao e as tropas comunistas se desgastavam no combate. Nas áreas ocupadas, se desenvolveram guerrilhas que lutavam contra a ocupação, sendo lideradas ou instigadas por esses últimos (David 2009, 283; Krieg s.d., 86-87, Visentini 1998, 79). Em 1939, o líder nacionalista trairia a aliança com os comunistas de Mao, atacando uma cidade ocupada por estes (Krieg s.d., 88). 121

Já nesse período, os recursos japoneses estavam sobrecarregados no conflito. Cerca de 40% do total de suas tropas encontrava-se lutando em solo chinês, com baixas estimadas em cerca de 62 mil soldados mortos (Kershaw 2008, 137). Os esforços foram intensificados, e se adotou uma estratégica de destruição maciça, baseada no uso irrestrito da violência contra a população civil. A violência das tropas de ocupação somente fortaleceram a resistência chinesa, especialmente da parte dos guerrilheiros e comunistas, como se percebe na Ofensiva dos Cem Regimentos, de 1940 (David 2009, 283). Isso só fez mobilizar ainda mais esforços japoneses, cujo governo passa a se referir a uma “guerra santa” ou a uma “mobilização espiritual da nação” (Kershaw 2008, 135-136). O Japão encontrava-se incapaz de vencer a guerra completamente e tampouco de se retirar de lá sem uma perda de prestígio enorme. As atrocidades cometidas na invasão, assim como a agressão em si, fez com que as relações com os EUA só se deteriorassem, o que tornava a situação ainda mais crítica, já que careciam de matérias-primas importadas desse país. A única chance de melhora nas relações com os EUA seriam a capitulação na China, algo inaceitável para os gabinetes japoneses. Como afirma Ian Kershaw: A China continuava sendo, portanto, o pivô do caso. Enquanto a guerra com a China continuasse, os recursos naturais e as capacidades humanas do Japão continuariam sendo exigidas ao máximo. E a deterioração das relações com os Estados Unidos colocava uma séria ameaça ao fornecimento de petróleo e da sucata de metal, necessários para dar continuidade à guerra. Mas enquanto o Japão continuasse aferrado a suas conquistas e dominação territoriais, não poderia haver um fim para a guerra, e, portanto, nenhuma melhoria nas relações com os Estados Unidos e nenhuma diminuição da ameaça contínua às suas matérias-primas (Kershaw 2008, 140).

A alternativa que surgiu para o Japão foi a expansão para o Sul. O avanço sobre o Sudeste Asiático garantiria novas fontes de recursos naturais e matérias-primas, além do corte da linha de suprimentos para Chiang Kaishek através da Birmânia. A oportunidade para lançar uma ofensiva nessa direção se deu em 1940, com a ocupação de vários países europeus pela Alemanha Nazista.

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Em 1940, o Japão assinou o Pacto Tripartite com a Alemanha e a Itália, se tornando aliado destas. No ano seguinte, lançou uma vasta ofensiva naval, ocupando as colônias britânicas, holandesas e norte-americanas no Sudeste Asiático, ao mesmo tempo em que atacava de surpresa a base americana de Pearl Harbor, dando início ao envolvimento estadunidense na Segunda Guerra Mundial (David 2009, 302). E por que somente agora entravam os Estados Unidos na guerra? Se de fato era do interesse americano a manutenção da integridade territorial da China, por que foi permitido o desmembramento e ocupação desse país? Na realidade, Roosevelt, assim como seu antecessor, Hoover, não queria arriscar um conflito com o Japão. Sanções econômicas, como sugeriam Stimson e alguns outros setores norte-americanos, eram vistos como impraticáveis em meio à depressão. Os diplomatas estadunidenses em Tóquio acreditavam que sanções só inflamariam o Japão ainda mais contra a China. Além disso, Roosevelt acreditava, e tinha fortes razões para tanto, que a opinião pública seria contra uma guerra contra o Japão. Provas disso são manifestações no Congresso e no Senado contra o envolvimento na guerra no Oriente. Até 1941 os EUA manteriam como política para a situação uma retórica baseada na Política de Portas Abertas, no fornecimento de ajuda militar para Chang Kai-Shek e na manutenção de uma paz precária com o Japão (Schulzinger 1990, 162). 5. Das Decisões Estratégicas Norte-americanas Uma tentativa de mediação do conflito sino-japonês por parte dos norteamericanos havia sido posta fora de questão devido à experiência malograda da política de apaziguamento na Europa (Kershaw 2008, 240). Durante a guerra russo-japonesa, Theodore Roosevelt, então presidente dos EUA e tio de Franklin Delano Roosevelt, presidente no momento, havia conseguido mediar a situação. Mas no atual momento, a situação não deixava margem para que isso fosse feito. O ataque a Pearl Harbor, então, extinguira qualquer possibilidade do gênero e forçaria a entrada dos EUA na guerra. A partir desse momento, os Estados Unidos, na maneira como conduziram a guerra, ajudaram de forma voluntária ou involuntária a moldar o futuro da nação chinesa. É possível evidenciar quatro decisões estratégicas

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norte-americanas, durante a Guerra no Pacífico, que levaram ao posterior triunfo dos comunistas na guerra civil que se segue à derrota do Japão. São essas: 1) A determinação do governo norte-americano de ignorar as recomendações de Joseph Stilwell, chefe-do-Estado-Maior de Chiang Kaishek, Comandante do Teatro China-Índia-Birmânia e diretor do lendleasing30 para a China, para uma aproximação com Mao Zedong e suas tropas; 2) A consecução da tática planejada pelo General MacArthur ao invés da defendida pelo Almirante Ernest J. King, ou seja, o desbordamento de Formosa e a invasão de Luzon; 3) A iniciativa estadunidense de recorrer à União Soviética, visando à capitulação japonesa pela pressão de uma invasão soviética na Manchúria; 4) A fracassada tentativa de conciliação das forças comunistas de Mao de Zedong e nacionalistas de Chang Kai-shek estimulada pelo General George C. Marshall. Quando os Estados Unidos se envolveram na Segunda Guerra Mundial, em 1941, o auxílio norte-americano à China, via lend-leasing, era enviado a Chiang Kai-shek. Na Conferencia interaliada de Chongqing, o Generalíssimo foi nomeado comandante-chefe das forças aliadas no território chinês e o general Joseph Stilwell, chefe de seu Estado-maior. Em breve o general se desentenderia com o chefe do governo nacionalista. Sua opinião se revelaria muito mais favorável aos guerrilheiros comunistas, que vinham combatendo com sucesso os japoneses na retaguarda (Krieg s.d., 92). O governo de Chiang, desde a incursão japonesa de 1931, mostrava-se passivo e pouco mobilizado para a defesa do país (Friederich 2011, 129). O generalíssimo parecia mais preocupado em derrotar os comunistas do que os japoneses, refutando as propostas do PCCh para formar uma aliança frente à ameaça externa (Pomar 2003, 56-57). Mesmo com o bloqueio sofrido pela 30

Lei de empréstimos e arrendamentos que vigorou entre 1941 e 1945. Seu propósito era suprir as Nações Aliadas na Segunda Guerra Mundial de materiais para o esforço de guerra.

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China desde 194231, com a corrupção generalizada, com a inflação galopante, com a fome e com a moral baixa devido as sucessivas derrotas contra os japoneses, o objetivo principal de Chiang Kai-shek era se utilizar do lendleasing para derrotar os comunistas. Durante o período de 1941-1945, suas atitudes não foram muito diferentes: a má organização de suas tropas e a sua baixa capacidade de liderança eram evidentes. Além disso, o generalíssimo continuava a boicotar as tropas comunistas. No início de 1941, por exemplo, Kai-shek ordenou o ataque aos comunistas enquanto esses sofriam uma investida japonesa (Pomar 2003, 62) Stilwell, percebendo uma grande capacidade de mobilização e de organização no Exército Vermelho, diferentemente do que ocorria em relação à liderança nacionalista, insistiu perante o governo norte-americano para que recebesse o comando completo das tropas chinesas e que o exército comunista fosse integrado ao nacionalista na luta contra os japoneses. Como ele próprio registrou em seus diários: “Eu tenho nos soldados chineses e no povo chinês: fundamentalmente grandiosos, democráticos e mal governados. Sem barreiras de castas ou religião. … Honestos, frugais, industriosos, otimistas, independentes, tolerantes amigáveis e corteses. Eu julgo o Kuomintang e o Kungchantang (Partido Comunista) pelo que vejo: [KMT] Corrupção, negligência, caos, economia, impostos, palavras e dívidas. Entesouramento, mercado negro, comércio com o inimigo. Programa comunista... redução de impostos, aluguéis, juros. Aumento da produção e padrão de vida. Participação no governo. Praticam o que pregam.” (Stilwell 1991, 316)

Essa visão possuía uma contrapartida do lado comunista. Mao Zedong, Zhou Enlai e Peng Dehuai defendiam uma aliança com os norte-americanos para derrotar os japoneses: Por que os norte-americanos haveriam de escolher como aliado uma ditadura militarmente incapaz, em vez de forças apoiadas pelo povo? “Precisamos trabalhar em conjunto”, disse Mao, “e receber ajuda norte-americana”. Com boas armas, seus homens seriam muito mais

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Para furar o bloqueio, foi feita a maior e mais bem sucedida operação de transporte aéreo da guerra Um total de 650 mil toneladas foram transportadas pela ponte aérea sobre o Himalaia, sendo que mais da metade deste montante apenas no ano de 1945 (Koenig 1977, 9; 155-158). 125

eficazes no combate aos japoneses. Peng Dehuai, chefe do EstadoMaior do Exército Vermelho, ofereceu aos norte-americanos, no caso de um desembarque anfíbio entre Xangai e a península de Shandong, um reforço em terra de um milhão de soldados, mais outro tanto de milicianos populares” (Friederich 2011, 129).

Em dezembro de 1943, se poderia afirmar que até o momento os chineses nunca em sua história tinham lançado uma ofensiva estratégica bem sucedida contra um inimigo moderno. Na segunda campanha birmanesa 32 Stilwell propunha reescrever esta história. Para Stilwell os chineses eram soldados tão bons quanto qualquer outro no mundo, necessitando somente de equipamento e treinamento adequados. Nesta crença Stilwell estava sozinho. Tanto britânicos quanto a maioria dos americanos acreditavam que uma força chinesa era incapaz de vencer uma divisão japonesa de igual tamanho no norte da Birmânia. O próprio Estado-maior de Chonqing mantinha a mesma opinião sobre seus próprios soldados (Stilwell 1991, 268). O plano original de Stilwell para quebrar o bloqueio à China consistia em um ataque chinês a partir de Yunnan, ao leste da Birmânia, combinado com um ataque inglês anfíbio ao sul e com um último ataque vindo da fronteira com a Índia, que Stilwell esperava executar com uma força conjunta sinoamericana (Stilwell 1991, 243). Em 1944 os EUA decidiram que Stilwell deveria comandar diretamente todas as tropas da China. Isso tornaria Stilwell comandante tanto das tropas do Guomindang quanto dos comunistas. A esta altura era impossível evitar a questão da guerra civil; uma linha de bloqueio entre o norte comunista e o sul nacionalista consumia as forças de 200 mil tropas nacionalistas e 50 mil comunistas, um tremendo desperdício de energia. Estes últimos declararam estar dispostos a esquecer as diferenças e colocar suas tropas à disposição do comando pessoal de Stilwell se Chiang estivesse disposto a fazer o mesmo com suas tropas. Para Stilwell, derrotar os japoneses no continente e preparar um eventual desembarque americano no norte da China requeria ajuda comunista. Dessa forma, a unidade de todas as forças chinesas era essencial. Tal unidade, selada por uma guerra comum contra um inimigo comum, traria 32

Frente de batalha no território da Birmânia (hoje Mianmar) no Sudeste Asiático, que opôs tropas estadunidenses, britânicas, chinesas e das Índias britânicas contra o Japão, a Tailândia e exércitos de libertação nacional da Índia e da Birmânia.

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paz à China, tornando-a uma poderosa nação unificada, capaz de enfrentar e repelir todos os inimigos estrangeiros com suas próprias forças (Stilwell 1991, 324-325). Desde sua entrada na guerra ao lado dos EUA, Chiang chantageava Roosevelt com uma paz em separado com os japoneses, o que sabotaria todos os seus planos para a China no pós-guerra (Mclynn 2010, 117). A arquitetura de poder de Roosevelt incluía a China como principal aliado no extremo oriente e um dos membros permanentes da ONU. Porém, economicamente arrasado e militarmente fraco, o governo nacionalista não tinha condições de sobreviver por muito mais tempo. Mas Roosevelt ignorou os avisos, e prosseguiu em sua política de apoiá-los (Krieg s.d., 93). Por conta disso Stilwell foi dispensado do comando e substituído pelo General Wedemeyer, que não compartilhava as ideias de seu antecessor. Caso houvesse se decidido pela parceria com Mao Zedong, o exército comunista – incorporado ao 4º e ao 8º Corpo de Exército Nacional – e fosse dado a Stilwell o comando dessas forças, agora melhores equipadas e treinadas, uma resistência formidável contra o exército japonês seria criada. Assim, talvez os Estados Unidos não tivessem perdido as bases aéreas estabelecidas em território chinês durante a ofensiva de Ichi-go, de onde a 14ª Força Aérea norte-americana poderia apoiar ataques a territórios japoneses próximos ao litoral chinês (Smith 2004, 465). O segundo momento estratégico crítico para a perda da China foi a decisão estadunidense entre a invasão de Formosa ou de Luzon, no fim de 1944. Quanto aos planos de guerra americanos no Pacífico, havia quatro principais posições. A primeira era de se ater ao plano inicial, que incluía o controle completo do chamado triângulo estratégico, a saber, litoral da China, Filipinas e Formosa. Esta posição tinha como principal proponente o almirante Chester Nimitz. A segunda posição era defendida pelo almirante Ernest King e consistia em desbordar as Filipinas e desembarcar em Formosa. A terceira consistia em evitar Formosa e desembarcar em Luzon, e era defendida principalmente pelo general Douglas MacArthur e o almirante William Leahy. A quarta e última posição consistia em desbordar completamente o triângulo estratégico e atacar diretamente as ilhas

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metropolitanas do Japão, e tinha o general George Marshall como defensor principal. Em 1943 a Junta dos Chefes do Estado-Maior dos EUA elaborou um novo plano estratégico para a derrota do Japão. Este plano viabilizaria a invasão das ilhas metropolitanas japonesas, que tinha como pré-requisito o bombardeio maciço destas. Foi decidido que a melhor forma de executar este bombardeio seria partindo de aeródromos no litoral da China e para isto seria necessário substituir a precária rota de suprimentos do Himalaia, assumindo o controle do Mar do Sul da China. Para obter o controle do Mar do Sul da China seria necessária a conquista e a construção de grandes bases aéreas, navais e logísticas no chamado Triângulo Estratégico, que compreendia a região entre Luzon, Formosa e o litoral chinês. Por fim, decidiu-se que para conquistar esta região seria necessário antes conquistar o sul ou o centro das Filipinas (Smith 1977, 457). A Junta dos Chefes do Estado-Maior concluiu que o objetivo singular mais importante neste plano seria a conquista de Formosa, que permitiria cortar a linha de suprimentos japonesa e garantiria a rota de suprimentos para a China. Devido a esta consideração, muitos planejadores passaram a defender o desbordamento das Filipinas e o ataque direto à Formosa O principal adepto desta ideia ainda era o Almirante Ernest J. King (SMITH, 1977:457) e o maior opositor era o General Douglas MacArthur. Este último defendia uma invasão prévia de Luzon, que, segundo ele, não só possuía maior valor estratégico, como também recuperaria a honra e o prestígio estadunidenses (SMITH, 1977: 462-463). Devido à derrota chinesa na Operação Ichi-go, que impôs uma série de dificuldades logísticas à consecução do plano de 1943, e às movimentações políticas de MacArthur, optou-se pela conquista de Luzon e um posterior desembarque em Okinawa, em contraposição à ideia de estabelecimento de bases aéreas, navais e logísticas no litoral chinês e em Formosa, possibilitado pela invasão desta (SMITH, 1977: 474). A opção pelo desembarque em Formosa provavelmente teria um efeito sinérgico ao plano de Stilwell. Tal estratégia levaria a luta ao território chinês e provavelmente provocando o resultado intentado por Stilwell como citado

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anteriormente: selaria a unidade do povo chinês e, provavelmente, manteria os EUA como o principal aliado chinês. Como demonstrado por Kershaw, a maior parte das tropas japonesas estavam combatendo na China (Kershaw 2008, 140). Uma guerra de fricção contra estes contingentes com certeza desgastaria ainda mais o Japão. Se a guerra contra guerrilheiros comunistas já consumira homens e recursos em escala tão grande que o obrigara o governo japonês a lançar a ofensiva ao Sudeste Asiático, talvez o desgaste de combater tropas chinesas e americanas em conjunto tivesse levado o Japão à derrota com menos baixas do lado estadunidense do que foi necessário para conquistar as ilhas japonesas. A terceira decisão, de recorrer à ajuda soviética para derrotar as tropas japonesas no continente, foi responsável pela inclusão da Manchúria na esfera de influência soviética. Após a Conferência do Cairo, em 1943 a visão de Roosevelt sobre a China começou a mudar. O fraco desempenho de Chiang Kai-shek nesta conferêcia fez Roosevelt perceber que era necessária uma intervenção em solo chinês, já que Chiang não teria como vencer sozinho os japoneses. Uma solução pareceu surgir mais tarde naquele ano, com a promessa de Stálin, na Conferência de Teerã, de entrar na guerra no oriente após a derrota da Alemanha. Nesse momento, Roosevelt revê a necessidade de contribuição militar da China e dá preferência à URSS (Koenig 1977, 04-105). Após negociações com Stálin acertou-se que as tropas soviéticas invadiriam a China pelo norte para expulsar o invasor japonês. A invasão se daria pela Manchúria, região chinesa que faz fronteira com a URSS. Os interesses russos nessa área remontavam aos tempos czaristas e a ocupação japonesa dotara a região de uma eficiente infraestrutura e indústrias. Convencido da necessidade de tal ofensiva, os Estados Unidos direcionaram recursos, suprimentos e armamentos para a URSS através do lend-lease do fim de 1944 até junho de 1945 (Friedrich 2011, 130-132). Após meses de repasse desses recursos, a inteligência norte-americana obteve acesso a informações de que o governo japonês estava propenso a se render. As ofensivas norte-americanas no Pacífico, apesar de custosas em termos materiais e humanos, somadas à desgastante campanha japonesa em solo chinês, haviam reduzido o Império nipônico ao esgotamento econômico, 129

social e militar. Dessa forma, a antes tão necessária ofensiva soviética mostrava-se despida de sentido estratégico. O que ocorreu a partir daí foi uma corrida para tomar posições, preparando o terreno para o cenário do pósguerra. Nesse ponto os EUA já possuíam a bomba atômica, e se tornava imperativo lançá-la antes que os soviéticos invadissem a China. O que estava em jogo era o futuro da China, e não a capitulação japonesa (Friedrich 2011, 133-137). No dia 6 de agosto de 1945 a primeira bomba atômica foi lançada sobre a cidade de Hiroxima. Antes que a segunda caísse sobre Nagasaqui, no dia 9, a URSS deu início à invasão, denominada “Ofensiva Estratégica da Manchúria”. O imperador japonês decidiu se render no dia 10, e no dia 15 foi anunciada a decisão. A invasão soviética lograra ocupar toda a Manchúria, além das ilhas Kurilas e Sacalina. Os termos do tratado assinado na Conferência de Ialta exigiam que a URSS se retirasse da região depois de derrotados os japoneses. É o que fizeram, com certo atraso, as tropas soviéticas. E ao se retirarem, entregaram para Mao e o Exército Vermelho a posse da Manchúria, que, por seus atributos estratégicos, era considerada a chave para a conquista do resto da China (Friedrich 2011, 148-154). Dessa forma, foi sedimentada a parceria entre o Exército Vermelho chinês e a URSS, os EUA estavam a caminho de perder definitivamente seu principal aliado no extremo oriente. Na realidade, desde a capitulação japonesa, Stalin buscou contemplar os interesses soviéticos na região por meio de um jogo duplo com os nacionalistas e comunistas chineses. De acordo com o testemunho de Andrei Ledovski, então diplomata russo, a ideia de Stalin era transformar o norte da China, ocupado por suas tropas, em um país autônomo. Assim, garantiria sua zona de influência, já que acreditava que os norte-americanos teriam o centro e o sul como as suas. Enquanto a União Soviética garantia aos Estados Unidos a entrada somente de tropas nacionalistas no território da Manchúria, negociava a entrada de guerrilheiros comunistas disfarçados na mesma região, desde que não ocupassem os grandes centros. A ideia era de que secessão da Manchúria ocorreria no caso de um prosseguimento na guerra civil entre os partidos chineses (Friedrich 2011, 147-149).

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Ao final da guerra, ainda havia tropas japonesas em grandes quantidades na China, que deveriam ser desarmados e levados de volta ao Japão. Os Estados Unidos, então, desembarcaram cerca de quinze mil fuzileiros navais, ocupando Tianjin e Pequim, além dos portos de Shandong e Hebei. Além disso, os fuzileiros ocuparam-se do transporte das unidades de Chiang Kaishek para o norte, onde estas ocuparam alguns portos e cidades. Enquanto isso, os soviéticos se retiravam progressivamente, dizendo aos comunistas que ocupassem algumas cidades portuárias enquanto sinalizavam para que as tropas do Guomindang desembarcassem lá. Ao fazê-lo, foram recebidas a tiros. Percebendo o estratagema de Stalin, os norte-americanos decidiram intervir (Friedrich 2011, 152-155). Os Estados Unidos, então, buscavam uma maneira de unificar o país, interrompendo a guerra civil. Dessa maneira, empreenderam repetidas tentativas de conciliar o Guomindang e o Partido Comunista. A inação de Chiang Kai-shek, mesmo frente às intermináveis remessas de dinheiro e auxílio que recebia dos EUA, lhes havia convencido de que não podiam depositar nele sua confiança para unificar e pacificar o país. Foi enviado então o General George Marshall, que ocupara o cargo de Chefe de EstadoMaior do Exército, para a China, a fim de promover um armistício entre as partes. Este acreditava que uma aliança entre os partidos oponentes, promovida pelos Estados Unidos, revitalizaria e democratizaria o regime chinês, garantindo o aliado no Extremo Oriente que Roosevelt planejara (Friedrich 2011, 155). Na China, Marshall visitou os acampamentos dos Comunistas chineses, onde entrou em contato com a disciplina, organização e motivação das tropas do Exército Vermelho. Percebeu também a existência de facções mais democráticas dentro dos quadros do PCCh. O general norte-americano passou então a pressionar o Guomindang a assinar um armistício com seu oponente. Embora tenham firmado tal acordo, nacionalistas e comunistas logo voltaram a se combater, o que levou Marshall a tomar a decisão de promover um embargo comercial contra o governo nacionalista, a fim de pressioná-lo. Diante destas sanções, o líder nacionalista fez um acordo com Stálin, que lhe deu acesso à Manchúria assim que as tropas soviéticas se retiraram (Friedrich 2011, 156-161).

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A tentativa empreendida por Marshall demonstrou-se tardia. A reconciliação entre as duas facções chinesas e esta altura era inviável. O governo de Chiang manteve as mesmas práticas corruptas e clientelistas que mantinham o seu governo fragmentado e um exército que apesar de numeroso permanecia ineficiente e mal comandado. Enquanto que as forças comunistas representavam para o povo chinês o fim das ingerências de Chiang e uma esperança para o fim da instabilidade econômica que provocavam a fome e a miséria desde o século XIX. Já os comunistas, possuíam como compromisso maior o estabelecimento de um governo centralizado e a revisão dos “tratados injustos”, maior inclusive que o próprio compromisso com o marxismo ou o fim do capitalismo. Porém, estes agora possuíam na URSS o principal aliado externo para a consecução de seus objetivos. A tentativa de Marshall demonstrou a inabilidade política dos Estados Unidos, por terem acreditado que uma aliança entre as duas facções que lutavam há mais de vinte anos ainda era possível. Provavelmente neste momento a melhor decisão seria o apoio incondicional a apenas um dos contendores. Não só na concepção, mas também na aplicação tal estratégia falhou. Não sendo bem recebida pelo governo de Chiang a proposta de Marshall, os EUA tentaram submeter sua vontade por meio de sanções econômicas, o que afastou de vez Chiang dos norte-americanos. Após a queda de Chiang os EUA apetariam ainda mais o cerco impondo à China uma diplomacia de contenção baseada na chantagem atômica 33. Mais importante que isso, demonstrou que não necessariamente o regime comunista chinês precisaria ter sofrido com as políticas de Mao, como o “Grande Salto Adiante” e a Revolução Cultural. Isto se deveu muito aos

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Talvez a China tenha sido o país que mais sofreu com a chantagem nuclear. Podemos citar pelo menos cinco situações em que recebeu ameaças de ataques nucleares: (1) o General MacArthur pretendia fazer uso destas armas contra o território chinês durante a Guerra da Coreia; (2) Truman e Churchill também ameaçaram fazer uso destas armas caso a China interviesse na Guerra Franco-vietnamita; (3) Eisenhower ameaçou bombardear com armas nucleares as principais cidades chinesas, inclusive Pequim, no caso da China lançar nova ofensiva contra a Coreia em 1953; (4) Na primeira crise do Estreito de Taiwan em 1954 o secretário Dulles e o Estado-maior estadunidense cogitaram publicamente o uso de armas nucleares; (5) Na segunda crise do Estreito de Taiwan de 1958 a China mais uma vez foi ameaçada e (6) por fim, os soviéticos ameaçaram os chineses com um ataque preemptivo em 1969 no confronto da fronteira sino-soviética (YAO, 2009: 69 n.1).

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constrangimentos que o governo comunista sofreu da parte dos Estados Unidos e da União Soviética. O embate entre os comunistas e os nacionalistas prosseguiu até 1949. Na Manchúria, após algumas derrotas iniciais, o Exército Vermelho infligiu uma série de derrotas às tropas nacionalistas, que culminaram na vitória de Mao e do Partido Comunista (Friedrich 2011, 160; 176). Chiang Kai-shek e membros do seu governo fugiram para a ilha de Formosa, estabelecendo um governo paralelo, e a facção da guerra civil que lutara durante anos contra os invasores japoneses e fora negligenciada pelos Estados Unidos triunfara e lograra unificar o país. O principal objetivo perseguido pelos Estados Unidos no teatro de operações do Pacífico havia se perdido. 6. Conclusão A partir da análise de eventos históricos podemos depreender a crítica importância que a China tinha para os objetivos de política externa dos Estados Unidos. Desde o século XIX com a abertura da China para o mundo ocidental este país esteve no topo da prioridade estadunidense para o Pacífico. Podemos verificar esta importância com a política de Portas Abertas, que representou uma tentativa de inserir os EUA em pé de igualdade com as demais potências, na busca pelos ricos mercados chineses e demais pontos estratégicos. A ideia desde o princípio era de simultaneamente defender os interesses chineses e americanos. O resultado esperado dessa política era ter a China como principal aliado no extremo oriente e, dessa forma, diminuir a influência das demais potências sobre a região. As aspirações estadunidenses para a Ásia acabaram por posicionar este país em rota de colisão com o Japão. Para os japoneses a China também representava objetivo fundamental de sua política externa. O Japão também buscava aumentar sua influência na região e via o seu destino como indissociável do restante do leste asiático. A partir de 1941 deu-se o embate direto entre as duas potências: em jogo estava o destino da China. Apesar da vitória no campo de batalha, quatro decisões estratégicas, que posteriormente se mostrariam equivocadas, impossibilitaram os EUA de colher os louros da vitória. A China tornou-se

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comunista, e em um primeiro momento, parte da esfera de influência soviética. O resultado seria o enfrentamento dos dois países na Coreia em 1950. Mais tarde, o cisma sino-soviético corroboraria a tese de que, mais do que um regime comunista, a China de Mao era um país perseguindo seus próprios interesses nacionais. A República Popular da China se consolidaria como potência no Sistema Internacional. No espaço de cinco anos, decisões estratégicas equivocadas colocaram a perder um século de política externa estadunidense para a China. Os Estados Unidos deveriam aguardar mais de 20 anos para a retomada de seus objetivos no extremo oriente. Somente com Kissinger e a diplomacia do pinguepongue os dois países reatariam os laços diplomáticos. A estratégia de triangulação, baseada em uma parceria com a China, garantiu aos Estados Unidos a vitória na Guerra Fria. A importância dessa aliança demonstra o papel fundamental que a China teve, e ainda tem, para a sua estratégia mundial. Referências: David, Saul. 2009. War: From Anciet Egypt to Iraq. London: Dorling Kingsley. Fairbank, J.K. 1940. “Chinese Diplomacy and the Treaty of Nanking 1842.”The Journal of Modern History. 12; 1-30. Friedrich, Jörg. 2011. Yalu: À Beira da Terceira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora Record. Kershaw, Ian. 2008. Dez Decisões que Mudaram o Mundo: 1940-1941. São Paulo: Companhia das Letras. (ISBN: 9788535912999). Kissinger, Henry. 2011. Sobre a China. Rio de Janeiro: Objetiva. Koenig, William J. 1977. Ponte Aérea para a China. Rio de Janeiro: Renes. Krieg, E. s.d. Mao Tsé-Tung: O imperador vermelho de Pequim. Rio de Janeiro: Otto Pierre Editores.

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