A PERDA E A POSSE: Uma Aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria Geral dos Signos.

July 22, 2017 | Autor: Gil Nuno Vaz | Categoria: Charles Sanders Peirce, Semiotica, Teoria Geral dos Sistemas, Teoria Geral dos Signos
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A Perda e a Posse: Uma aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria Geral dos Signos.

Gil Nuno Vaz

Resumo

Para garantir sua permanência no mundo, os sistemas desenvolvem funções que permitem sentir e interpretar o ambiente, adequando-se a novas condições e exigências impostas por perturbações e mudanças. Tais funções resultam de (ou provocam) um jogo interativo no qual a percepção de uma perda, em relação a estados anteriores do sistema, é correspondida por uma posse (ou captura) de elementos que compensem a perda sofrida, ou que restabeleçam, ainda que parcialmente, o equilíbrio anterior. O jogo entre a perda e a posse ocorre em estágios crescentes de complexidade, progressão que pode ser representada por uma rede sígnica, a qual define a capacidade semiósica do sistema. A classificação de signos formulada por Charles Sanders Peirce oferece uma representação bastante abrangente, aplicável às mais variadas configurações sistêmicas, concretas ou conceituais.

Abstract The Loss and the Possession: Articulating General Theory of Systems and General Theory of Signs.

To assure its continuity on the world, a system develops functions which allow it to feel and interpreter the environment, in order to face and fit new conditions and requirements outcoming from disturbances and changes. Such functions are ruled by (or command) an interactive play. First, there is a perception of a loss as to a previous status. Second, there is a corresponding reaction of possession (capture) of elements that can counterbalance undergone losses or reestablish, though partially, the previous balance. The play between loss and possession runs in growing complexity phases, a progression which can be figured out by a sign net defining the semiosic ability of the system. The classification of signs by Charles Sanders Peirce is suitable for a large variety of system configurations, concrete or conceptual.

Vaz, Gil Nuno. A Perda e a Posse: uma aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria Geral dos Signos, in Caderno da 4ª Jornada do CEPE – Centro de Estudos Peirceanos do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), ps. 61-79 (10/10/2001).

Este estudo toma como ponto de partida os pressupostos de que: a) A realidade é sistêmica, segundo hipótese ontológica utilizada em Vieira (1994:11), amparada nos conceitos básicos de Bunge (1979:3-16; 245-249), incorporando à concepção sistêmica a concepção sinequista de Peirce; b) Os sistemas buscam a permanência, primeira lei sistêmica, conforme hierarquia apresentada por Vieira (1994:124); c) A permanência depende do conhecimento que o sistema possui sobre si e sobre o meio-ambiente; d) O conhecimento resulta de semioses instauradas dentro do sistema e entre o sistema e o meio-ambiente, cuja ocorrência depende do desenvolvimento de determinadas Funções Sistêmicas; e) A complexidade de um sistema depende da capacidade de conhecimento que o sistema possui, que pode ser descrita pela configuração de uma Rede Sígnica. Segundo Peirce, cada Signo gera uma cadeia de Interpretantes, em que novos Signos são criados em busca do Objeto que desencadeou o processo de significação, ao ser representado incompletamente por um Fundamento. Toda semiose busca no fundo encontrar ou explicar esse elemento gerador, que pertence a um ambiente anterior à emergência do Fundamento. Tal processo, entretanto, leva no limite à constatação de que, assim como a semiose desliza continuamente de um significado incompleto para outro significado incompleto, o elemento inaugural da semiose é, em si, uma incompletude (Peirce CP 5:71; Morin 1996:263). Essa incompletude decorre, assim, de uma perda inaugural, que é traduzida pelo choque da alteridade, a consciência do outro, a resistência imposta pelo ambiente. Existe perda, portanto, quando uma perturbação altera um estado de coisas, provocando uma mudança. Qualquer perturbação, colocando em assimetria alguns de seus elementos, representa uma falha e provoca a perda da condição anterior. Há, portanto, uma posição de equilíbrio, de repouso, que é rompida. A perda é a instabilidade introduzida numa trajetória de estabilidade. A perda representa sempre a privação de algo, e determina a sensação de uma carência. A ocorrência de uma perda parece ser condição contingente da semiose, mesmo quando nos referimos a sistemas inorgânicos. Autores como Gal-Or (1975:220-223) e Ekeland (1987:91), por exemplo, usam esse termo para indicar diferenças entre níveis de energia. A semiose, a partir da ausência provocada pela perda, constitui-se como tentativa de preenchimento da lacuna aberta pela privação de parte do ambiente original. O que significa a busca da ipseidade (Passos 1986:15), o reconhecimento de semelhanças, de redundâncias, de repetições. Todo o processo de semiose, iniciado aí, é o rastreamento de um curso com inúme1

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ras bifurcações e variantes, uma espécie de conjunto de trilhas abertas pela perda original. O objetivo perseguido pelos sistemas que percorrem os cursos dessas trilhas é recuperar a posse desse elemento perdido, a recuperação da posição de estabilidade quebrada pela mudança de estado, criando tensão no sistema e uma correspondente ação de retomada de uma outra posição estável, obrigando o sistema a adaptar-se à nova situação. A alegação de que a Posse é uma reação praticamente automática, compulsiva, em relação à Perda, pode ser amparada em afirmações como a que segue, encontrada em Vieira (1994:15): PERDA - "... observar o mundo é notar e registrar diferenças, ler as mesmas, utilizá-las como índices que exprimem o comportamento deste..." e POSSE - "... buscar então uma adequação a essa leitura que seja eficiente ou pelo menos promissora para garantir nossa permanência como sistemas vivos." A perda, refletindo-se na estrutura do signo, reflete-se por sua vez no conjunto do sistema, como rede de signos, e o elemento que a caracteriza é o “vazio semiótico”, que provoca a reação de posse, a cadeia do Interpretante, conforme Figura A.

Figura A - A Perda e a Posse no signo: o vazio semiótico e a cadeia do Interpretante.

O "vazio semiótico" é apontado como uma área inacessível dentro do triângulo, assinalada em escuro, uma área interna que os círculos jamais cobrem. Para compensar essa incapacidade, o Interpretante detona um processo de significação, criando um novo signo que traduz 2

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o significado do anterior, constituindo assim uma sucessão praticamente infinita de signos. Um encadeamento de signos formado pela superposição de um dos ângulos do triângulo (Interpretante) com o ângulo do Fundamento de um novo Signo, e assim por diante, indefinidamente. Entretanto, além de constituírem reflexos das categorias universais, cada um dos correlatos do signo é também, em si, um fenômeno, cada um deles possuindo, portanto, como todos os fenômenos, características das três camadas perceptivas. A Figura B representa as três categorias (Primeiridade, Segundidade e Terceiridade) com texturas gráficas diferenciadas: espaço em branco para a Primeiridade, espaço em cinza claro para a Segundidade, e espaço em cinza escuro para a Terceiridade.

Figura B - As três categorias universais.

Para representar como as categorias e os correlatos se entrecruzam, gerando as três tricotomias básicas, a Figura C apresenta os círculos que representam os correlatos, no triângulo do signo, preenchidos com as áreas concêntricas que identificam as categorias. Sobre o vértice do Fundamento, o círculo tem recortada a parte que fica externa ao triângulo, uma vez que o processo perceptivo é inaugurado pelo Fundamento. A partir desse signo inicial, é desencadeada a semiose ilimitada, em que cada signo provoca um novo signo, na busca pelo significado.

Figura C - As categorias dos correlatos formando as três tricotomias (à esquerda), e a cadeia do interpretante (à direita).

Vamos inserir no quadro das dez classes, elaborado por Peirce, as representações das correspondentes classes de signo, conforme Figura D, cujas extremidades são classes de sig3

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nos em estados de, respectivamente, Primeiridade pura (1), Segundidade pura (4) e Terceiridade pura (10).

Figura D - Distribuição triangular das dez classes principais de signo (Peirce, CP 2:264)

A expansão das dez classes principais de signo, incluindo classes intermediárias na seqüência básica da escala progressiva de percepções, deriva da consideração de mais dois aspectos da rede sígnica: o conceito de planos de significação diferenciados (Imediato, Dinâmico e Final) e o modo de manifestação dos correlatos, tanto em seus planos próprios como enquanto projetados nos planos próprios dos outros correlatos, e no plano do Signo. Retomando a representação gráfica dos correlatos e categorias do signo (triângulo e círculos), a Figura E mostra, na ilustração superior, como os triângulos sígnicos, na cadeia da semiose, recortam os círculos dos correlatos.

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Figura E - Comparação das posições das três tricotomias principais no plano do Signo, em relação à projeção dos planos de significação.

Nas ilustrações em destaque, mostra as projeções dos planos Dinâmico e Final no Plano do Signo, bem como a área ocupada neste pelo plano Imediato, assinalando-as em escuro. Os círculos de categorias dos correlatos são recortados pelo triângulo do signo da seguinte forma: o Fundamento aparece na representação como uma fatia apenas de círculo, uma vez que representa o Objeto "em parte ou de algum modo" (Peirce CP 2:228); o círculo do correlato Objeto é recortado em duas partes. A parte menor do círculo fica na área interna do triângulo, e a parte maior fica na área externa, à direita da Cadeia de Significação; e o círculo do correlato Interpretante é recortado em quatro partes. Metade do círculo fica isolada na área externa ao triângulo, à esquerda da Cadeia de Significação. As outras três partes do círculo, cada uma com 1/6 do tamanho do círculo, ficam respectivamente: a) na área interna do triângulo do signo; b) na área externa do triângulo do signo à direita da Cadeia de Significação, entre o lado direito do triângulo do Signo e o lado inferior do triângulo do novo signo; e c) na área interna do triângulo do novo signo, sobreposta ao espaço ocupado pelo Fundamento do novo signo. 5

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É possível perceber que o recorte do triângulo do Signo cria três setores diferenciados, com funções distintas no plano do signo: o primeiro é constituído pela área interna do triângulo. Peirce denominou-o Imediato. Dentro dessa área estão o correlato Fundamento e partes da área dos outros dois correlatos: Objeto e Interpretante. Peirce denominou a essas duas partes internas do triângulo Objeto Imediato e Interpretante Imediato, respectivamente. O segundo e o terceiro setores estão na área externa do triângulo, podendo ser individuados pelas posições que ocupam: pertencem ao segundo setor as áreas dos círculos dos correlatos Objeto e Interpretante que ficam à margem direita da cadeia de Significação. Este setor foi denominado Dinâmico por Peirce. Integram esse setor parte da área do círculo do correlato Objeto e parte do Interpretante. Por isso, Peirce denominou a essas duas partes externas do segundo setor Objeto Dinâmico e Interpretante Dinâmico, respectivamente. O terceiro setor é a área externa do círculo do correlato do Interpretante que fica à margem esquerda do Triângulo do Signo. Peirce denominou-o Final, e Interpretante Final a parte da área do círculo do correlato que fica naquela posição. A área do círculo do correlato Interpretante que se projeta sobre a área interna do Triângulo do novo Signo não constitui um quarto setor, uma vez que coincide com o Fundamento do novo Signo, ao qual é sobreposta, ocupando assim o primeiro setor do novo Signo. É, sim, um modo de manifestação do correlato Interpretante, que será analisado mais adiante. Existem, portanto, três planos de significação, em que os correlatos e as categorias cumprem diversas funções, com características específicas. As três tricotomias principais (relação correlato/categorias), embora conjugadas no Plano do Signo, são naturais de planos diferentes. As tricotomias do Fundamento manifestam-se no plano Imediato, que está contido no Plano do Signo. As tricotomias do Objeto projetam-se do plano Dinâmico sobre o Plano do Signo. As tricotomias do Interpretante projetam-se do Plano Final sobre o Plano do Signo. Com base na formação de Planos que resulta do recorte do Triângulo do Signo na Cadeia de Significação, o conjunto de correlatos é dobrado, agora somando seis, a saber: (1) Fundamento, (2) Objeto Imediato, (3) Objeto Dinâmico, (4) Interpretante Imediato, (5) Interpretante Dinâmico, e (6) Interpretante Final. A partir daí Peirce chegou a supor uma divisão das 10 classes principais de signos em 28 classes mais específicas de signos. O que o levou a ampliar ainda mais o espectro das classes, para 66, foram "os dez pontos de vista segundo os quais as principais divisões dos signos são determinadas" (CP 8:344), 6

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conforme relacionou em 1908: 1) o modo de apreensão do signo em si mesmo; 2) o modo de apresentação do objeto imediato; 3) o modo de ser do objeto dinâmico; 4) a relação do signo com seu objeto dinâmico; 5) o modo de apresentação do interpretante imediato; 6) o modo de ser do interpretante dinâmico; 7) a relação do signo com o interpretante dinâmico; 8) a natureza do interpretante normal; 9) a relação do signo com o interpretante normal; e 10) a relação triádica do signo com o objeto dinâmico e o interpretante normal. A exploração das tricotomias adicionais não foi suficientemente desenvolvida por Peirce. Estudos têm sido realizados por vários autores, com resultados não inteiramente coincidentes. Uma parte deles, apesar de diferenças na terminologia, adota os "pontos de vista" na mesma seqüência formulada pelo autor. As diferenças terminológicas, por seu lado, mostram vários pontos em comum, ou aproximados. Com isso, sugerem critérios de unificação através de alguns aspectos que encaminham um direcionamento no sentido de aglutinar as tricotomias em grupos. Baseados em três abordagens (Delledale 1978, Houser 1991 e Santaella 1995) das dez tricotomias dos signos, foram estabelecidas associações entre os modos de manifestação e os planos de significação, como estratégia para definição de critérios aglutinadores. Inicialmente, é de se notar o uso mais freqüente dos termos "natureza", "modo de ser" ou "em relação a si mesmo" para os correlatos nos próprios planos (tricotomias 2, 3, 5, 6, 8). O correlato Fundamento (1) é referido ainda com a expressão "modo de apreensão". Outro tipo de denominação habitual é "em relação ao signo", aplicada aos correlatos na projeção dos seus planos sobre o plano do Signo (tricotomias 4, 7 e 9). A última tricotomia (10) é referida como "em relação ao Objeto e ao Fundamento", ligada a uma questão de garantia de significação. A propósito, parece discutível a classificação, em Houser, desta tricotomia em "deducents, inducents e abducents", que seriam divisões da décima classe de signos (Peirce CP 2:264), e não tricotomias. Nota-se uma tendência de agrupar as tricotomias em três conjuntos. O primeiro, tendo como base o correlato no seu próprio plano ou projetado nos planos inferiores, usa o termo "apresentação", entre outros, incluindo referências a partir dos caracteres dos correlatos (Peirce 1990:177). O segundo, tendo como base o correlato projetado no plano do Signo, usa o termo "relação". E o terceiro, como caso especial, tem a última tricotomia no papel de endosso da significação, assegurando a passagem para o novo signo. É razoável pretender uma proposta unificadora. Para estabelecê-la, é conveniente uma outra abordagem sobre a disposição dos correlatos nos planos de significação. A ocupação interna e externa do triângulo pelos correla7

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tos coloca em cena duas espécies de Objeto e três de Interpretante, conforme evidenciado na Figura E. O recorte de parte da área do círculo do correlato Interpretante, que se sobrepõe ao Fundamento do novo Signo, deixa entrever, entretanto, a existência de um outro aspecto importante. O aspecto a considerar é que, em sua manifestação genuína, cada correlato está em um plano próprio de significação, e os correlatos projetam-se, a partir do seu plano característico, sobre o plano do Signo. Para entender melhor essa projeção de correlatos sobre o plano do Signo, essa simultaneidade de ocupação, e para melhor entender como são os modos de manifestação, é oportuno caracterizar como os planos Dinâmico e Interpretante, respectivamente dos correlatos Objeto e Interpretante, ocupam camadas sobrepostas ao plano do Fundamento (o Plano Imediato) e ao Plano do Signo.

Figura F - Planos de Significação e Modos de Manifestação dos Signos (a numeração refere-se às dez tricotomias)

A representação da Figura F, com a justaposição dos planos de significação, espelha a projeção dos planos Dinâmico e Final sobre o plano Imediato (que na representação gráfica pertence ao plano do Signo, onde todos os planos estão projetados). Ou seja, co-existem no plano do Signo a relação entre três planos de significação. O correlato Interpretante é originário da camada superior, que é o Plano Final, a partir do qual se projeta sobre os outros planos, Imediato e Dinâmico. O Objeto tem origem na camada intermediária, o Plano Dinâmico, projetando-se sobre o Plano Imediato. Este é a camada inferior, o plano de origem do Fundamen8

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to. O Interpretante, além de manifestar-se no seu Plano característico (Final), acha-se projetado uma vez no Plano Dinâmico (Interpretante Dinâmico) e quatro vezes no Plano Imediato, o Plano do Signo (Interpretante Imediato). O Objeto, além de manifestar-se no seu Plano característico (Dinâmico), acha-se projetado duas vezes no Plano Imediato. Os dez conjuntos formados pela relação correlato/categorias (as dez tricotomias, vale dizer) resultam assim de alguns modos de manifestação ainda não satisfatoriamente definidos. Tentamos aqui uma proposta de definição, começando pelas três tricotomias principais. As tricotomias principais fazem parte, cada uma, de um plano diferente: tricotomia do Fundamento na coincidência do plano Imediato com o plano do Signo; tricotomia do Objeto na projeção do Plano Dinâmico sobre o Plano do Signo; e a tricotomia do Interpretante na projeção do Plano Final sobre o Plano do Signo. A questão é: quais os modos em que se manifestam? Segundo os enquadramentos já expostos e comparados, a primeira tricotomia é marcada pelas expressões "natureza", "modo de apreensão" e "em relação a si mesmo". As outras duas são referidas como "em relação ao signo". A proposta aqui apresentada parte do princípio de que o plano Imediato não coincide com o plano do Signo, mas está contido neste, é parte do plano do Signo. O plano Imediato ocupa uma área parcial do plano de Signo. A ligação entre ambos pertence mais à esfera da relação do correlato com o Signo (assim como o Objeto e o Interpretante) do que ao campo da coincidência ou outro, cunhado por expressões como "natureza"ou "modo de ser". Assim, esta classificação enquadra as três tricotomias principais no mesmo modo de manifestação, aqui denominado Modo de Relação. Modo de Relação - É o modo que evidencia o caráter relacional de cada Correlato, a partir do seu Plano característico e na sua projeção sobre o Plano Imediato, com o Plano do Signo. O Modo de Relação é desempenhado uma vez pelo Fundamento (na projeção, ou, melhor dizendo, na sobreposição do Plano Imediato ao Plano do Signo), uma vez pelo Objeto (na projeção do Plano Dinâmico sobre o Plano do Signo) e uma vez pelo Interpretante (na projeção do Plano Final sobre o Plano do Signo). Na totalidade, é desempenhado três vezes pelo conjunto dos três correlatos (Tricotomias 1,4 e 9). Nos enquadramentos referidos anteriormente, a tricotomia 7 vem também acompanhada da expressão "relação com o signo". No entanto, o que se projeta sobre o plano do Signo é o Interpretante Dinâmico, que por sua vez já é a projeção do Interpretante Final sobre o plano 9

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Dinâmico. O Modo de Relação é estabelecido apenas pela projeção dos correlatos a partir do seu plano próprio, o que não é o caso. Portanto, o Interpretante Dinâmico no plano do signo não pertence ao Modo de Relação, mas ao Modo de Inflexão. Modo de Apresentação - É, essencialmente, o modo de ser de cada Correlato em seu próprio Plano, o modo como cada Correlato se dá a perceber em seu Plano característico (Tricotomias 3 e 8). Mas é também o modo de cada Correlato se revelar nos Planos em que se projetam (Tricotomias 2, 5 e 6). O Modo de Apresentação é desempenhado uma vez pelo Fundamento (no plano Imediato), duas vezes pelo Objeto (nos planos Imediato e Dinâmico) e três vezes pelo Interpretante (nos planos Imediato, Dinâmico e Final). Na totalidade, é desempenhado seis vezes pelo conjunto dos três correlatos. Modo de Inflexão - Finalmente, temos o modo que caracteriza a função do Interpretante, de dar origem a um novo signo. Na visão mais aprofundada que estamos desenvolvendo, a passagem de um signo a outro ocorre também dentro de cada signo, na passagem de um plano a outro, e esse é o Modo de Inflexão, que provoca ou estabelece a ligação efetiva de um Plano com o Plano subseqüente, alimentando internamente a Cadeia de Significação. Evidencia o caráter relacional de cada Correlato, a partir do seu Plano característico e na sua projeção sobre o Plano do Signo. O Modo de Inflexão é desempenhado sempre pelo Interpretante, uma vez na projeção do seu plano característico (Final) sobre a área do Fundamento do novo signo, no espaço interno do triângulo correspondente (Tricotomia 10), e outra na projeção sobre a área externa à esquerda do novo signo (Tricotomia 7). A inflexão do Plano Imediato, e conseqüentemente do Plano do Signo, para o Plano Dinâmico ocorre como conseqüência da incapacidade do Interpretante em preencher o vazio de significado no Plano Imediato. As tricotomias ficariam distribuídas pelos três modos de manifestação conforme Quadro A. As dez classes de signos estabelecidas por Peirce resultam de uma determinada seqüência hierárquica obedecida pelas três tricotomias no Modo de Relação. Seguindo esse princípio, as 66 classes de signos devem resultar da sujeição das dez tricotomias a uma dada seqüência hierárquica, envolvendo os três planos de significação (Imediato, Dinâmico, Final) e os três modos de manifestação (Apresentação, Relação e Inflexão). Estudos já realizados nesse sentido oferecem divergências na ordenação. Os trabalhos de P. Weiss e A. W. Burks (Peirce's Sixty-Six Signs), publicado no The Journal of Philosophy, em 1945, e de Irwin C. Lieb (apên10

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dice B de Charles S. Peirce's Letters to Lady Welby), apresentam diferenças entre mais de duas dezenas dos signos apontados em um e outro (Delledale1978: 243). Plano

Modo

Cat.

FUNDAMENTO

OBJETO

INTERPRETANTE 10

Inflexão

T

Forma

S

Experiência

P

Instinto 9

FINAL

Relação

T

Argumento

S

Dicente

P

Rema

T

Auto-Controle

8

Apresentação

S

Ação

P

Gratuidade 7

Inflexão

T

Indicação

S

Imposição

P

Sugestão 4

DINÂMICO

Relação

Apresentação

T

Símbolo

S

Índice

P

Ícone 3

6

T

Coletivo

Uso

S

Concreção

Choque

P

Abstração

Congruência

T Inflexão

(vazio semiótico)

S P 1 T

IMEDIATO

Relação

Apresentação

Legisigno

S

Sinsigno

P

Qualisigno 2

5

T

(Forma)

Vinculação

Relação

S

(Experiência)

Designação

Categoria

P

(Instinto)

Descrição

Hipótese

Quadro A - As três tricotomias nos planos de significação e modos de manifestação dos correlatos.

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Analisando a orientação seguida por Peirce ao dispor sequencialmente (e também diagramaticamente) as dez classes principais de signo, é possível constatar uma hierarquia que segue a gradação dos correlatos do signo (Fundamento, Objeto, Interpretante) e, dentro desta, a gradação das categorias (Primeiridade, Segundidade, Terceiridade). Uma outra gradação - os planos Imediato, Dinâmico, Final - fica implícita, por coincidir com a gradação das categorias. E a gradação dos modos (Apresentação, Relação, Inflexão) fica como que oculta, uma vez que as tricotomias correspondem ao Modo de Relação. Ao expandir de três para dez categorias, essas duas gradações adicionais fazem-se presentes, colocando a questão da hierarquia a ser obedecida. Este trabalho apresenta três estudos de renomados autores que coincidem na seqüência das dez tricotomias. A disposição implica uma hierarquia em que o primeiro fator a ser considerado é o correlato (Fundamento, Objeto, Interpretante), e o último a categoria (Primeiridade, Segundidade, Terceiridade). Entre esses, ficam o Plano de Significação (Imediato, Dinâmico, Final) como segundo fator, e o Modo de Relação (Apresentação, Relação, Inflexão) como terceiro fator. À esquerda da Figura G, representamos essa hierarquia sob a forma de áreas sobrepostas e, à direita, os pontos que correspondem, na seqüência das dez tricotomias, às três tricotomias definidoras das dez classes de signos, que constituirão uma espécie de retrancas na varredura final das categorias (Figura I).

Figura G - Hierarquia dos fatores componentes do signo na formação das dez tricotomias

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Figura I - Enquadramento das 66 classes de signos nas 10 classes principais, conforme critério de hierarquia que obedece à sequência Correlato/Plano/Modo/Categoria.

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As dez tricotomias, assim estabelecidas, geram 66 classes de signos. Com isso, o triângulo da rede sígnica adquire a configuração mostrada pela Figura K. Observa-se que a numeração das classes obedece à seqüência cardinal, inicialmente, no sentido do vórtice para o vértice inferior do triângulo. Ao retomar a seqüência no patamar imediatamente superior, a numeração apresenta outro direcionamento, interrompendo o sentido anterior para passar logo ao próximo patamar e, daí por diante, a numeração vai sendo preenchida por blocos de signos dentro da rede. A configuração desses blocos resulta da análise de como as categorias de correlatos progridem nas 66 classes, obtidas a partir das dez tricotomias. O seu enquadramento deriva das posições ocupadas pelas sete tricotomias adicionais, que ficam entre as três tricotomias principais. Estas, numa seqüência de 1 a 10, ocupam as posições 1, 4 e 9. A disposição das classes na figura ganha, então, um arranjo indicador da existência de grupos de classes. Cada grupo representa um determinado aspecto da classe principal e, dentro do grupo, as classes representam por sua vez determinados aspectos do grupo. E as 66 classes são inseridas, assim, na mesma divisão triangular das 10 classes principais. A Figura K mostra como fica a disposição das 66 classes no interior das 10 classes principais. As classes sombreadas (1, 2, 5, 11, 12, 18, 34, 39, 55 e 66) correspondem às 10 classes principais.

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Figura K - As 66 classes de signo enquadradas nas 10 classes principais.

O enquadramento das classes de signo no triângulo maior, delimitado pelos vértices da Primeiridade (P), Segundidade (S) e Terceiridade (T), tem o objetivo de caracterizar a composição sígnica de um sistema. Define-se assim que todo sistema é formado por uma rede sígnica, que pode ser mais ou menos complexa, dependendo da natureza do sistema. Isso está ilustrado na Figura L, que mostra a rede sígnica de um sistema em três configurações. No alto, estão representados os limites da rede sígnica. Em sua concepção fundamental, essas três classes constituem respectivamente a mônada, a díade e a tríade (Peirce CP 1: 303; 317 e 326-328). Em termos da representação das categorias que estamos utilizando, essas três classes seriam representadas pelos círculos desenhados dentro da área apontada pela seta. À vista dessas representações, estamos falando de signos em estado puro, se não virtual no caso das classes 1, em que a segunda e a terceira categorias não se manifestam, e 2, em que a terceira categoria não se manifesta. O triângulo abaixo à esquerda representa um sistema que opera as dez classes principais de signos, em que estas tecem uma rede interna entre as três classes de signos puros. Na 15

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base dessa formação estão as três tricotomias dos signos. O triângulo à direita da figura representa, por sua vez, uma rede sígnica complexa, formada pelas 66 classes de signo.

Figura L - A rede dos signos no interior dos sistemas.

Funções Sistêmicas e Rede Sígnica - Como já mostrado no texto principal deste estudo, pode ser estabelecida uma associação entre a progressiva complexidade da rede sígnica e o desenvolvimento de algumas funções sistêmicas básicas. A Figura M rememora tais associações, apresentadas no corpo principal deste estudo, envolvendo três funções sistêmicas básicas (a função transferência, que embute uma função resolução, a função memória, que se divide em memória sintática e memória semântica, e a função tendência), correspondentes à geração das dez classes principais de signo, que obedecem a dois eixos de força: as quatro trilhas da Perda e as quatro trilhas da Posse. As funções sistêmicas resultam de um mecanismo que, à detecção de uma perda no sistema, procura reconstituir o equilíbrio através de uma ação compensatória de posse. Esse jogo de perda e de posse, que desencadeia a semiose, tem sua contrapartida semiótica em relações e 16

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propriedades dinâmicas que se estabelecem entre as classes de signos (Queiroz 1997a:10), e que podem ser representadas graficamente à maneira de operadores (Merrell 1995: 135-165) ou, como estamos fazendo aqui, através de direções orientadas de leitura. A rede de signos representa para um dado sistema a capacidade de articulação sígnica desse sistema. Se um sistema avança através das trilhas dessa rede, conquistando novos níveis de decifração do mundo, isso é sinal de que o sistema desenvolveu determinadas funções que permitiram essa interpretação em patamares mais complexos. As quatro funções não traduzem toda a complexidade funcional de um sistema, o que só é possível perceber analisando as funções sistêmicas no conjunto das 66 classes de signos.

Figura M - As funções sistêmicas básicas e suas relações com as quatro trilhas da Perda e da Posse e as dez classes principais de signos.

Para melhor caracterizar a complexidade e a capacidade semiósica, torna-se necessário, portanto, uma abordagem mais detalhada dessas dez classes principais de signos e das funções sistêmicas básicas que as geram, bem como as quatro trilhas da perda e da posse. Assim, a Figura M vai dar lugar a uma representação mais detalhada, que inclui as 66 classes de signo, e que resultam da ação de um número maior de funções sistêmicas, bem como das referidas 17

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trilhas. Começando pelas funções sistêmicas compreendidas neste nível mais detalhado de funcionamento da rede sígnica, é possível identificar um total de 11 funções, que geram igual número de trilhas da perda e da posse, conforme mostram as Figura N, O e P, a seguir: Função Transferência - A entrada do sistema é assinalada pela Função Transferência. A captação é a primeira capacidade que um sistema desenvolve, consistindo na constituição de uma sensibilidade ao meio-ambiente. É um estágio de atenção, desconsiderada ainda a possibilidade de uma retenção de informação, não se tratando inclusive de uma atenção objetiva, concentrada no objeto, mas antes um estado latente de atenção, uma disponibilidade para sentir. Uma sensibilidade perfeita ao meio-ambiente, que não apresentasse qualquer interferência entre o signo gerado e o signo recebido, é representada pela Função Resolução, situação em que o sistema não teria memória. Função Memória Sintática - A capacidade imediatamente seguinte que um sistema desenvolve é a retenção dos signos captados, o armazenamento de informações. É o conjunto de referências que vai orientar o sistema para se relacionar com as outras partes, mantendo-se coeso. A Função Memória desenvolve-se quando cada ocorrência captada pela Função Transferência é inscrita no sistema, permanecendo como um tipo referencial. Pode ser um impulso elétrico cuja energia uma placa retém, ou um dado de nossa percepção que fica gravada no inconsciente, mesmo que não tenhamos consciência da informação. Memória aqui não significa, portanto, o mecanismo de recordação ou de lembrança, mas a capacidade de registrar signos. No conjunto das sessenta e seis, a Função Memória Sintática opera pelo registro, inscrição ou cadastramento de uma ocorrência, criando um tipo de evento como referência.

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Figura N - As onze funções sistêmicas básicas geradoras das 66 classes de signos.

Função Intercorrelação Sintática - Na busca de coesão, o sistema estabelece comparações entre o comportamento de uma Ocorrência e o comportamento de outros eventos, de modo a estabelecer conexões e vínculos entre os mesmos, seja de características físicas ou conceituais. Baseia-se sempre na distinção entre dois eventos para, a partir dessa diferença estabelecer vinculações (alto/baixo, frio/quente, belo/feio etc). Função Autocorrelação Sintática - Após uma comparação de eventos a partir de elementos distintivos, o sistema desenvolve uma capacidade de alinhar condições de semelhança, 19

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identificar redundância de eventos, buscar similitudes. O sistema elabora seus dados através de agrupamentos por características comuns ou aproximativas. Percebe um caráter possuído por vários signos detectados, que dá origem a uma condição compartilhada por todos. Opera por aproximação, por junções. Após o desenvolvimento das funções anteriores, que ocorre ao nível da coesão sistêmica, onde se desenrola a sintaxe de seus componentes, o sistema pode evoluir para um estágio de coerência sistêmica, incorporando uma concepção semântica de si e do meio ambiente, do sistema e do ambiente que gerou o sistema. Semântica é, assim, o mapa, construído com a rede sígnica, do modelo disponível, em tal rede, do sistema que gerou a rede, o texto sígnico. Função Memória Semântica - Quando um evento, ao ser percebido, provoca no sistema uma reação orientada para a fonte do signo, inicia-se o processo semântico, de conferir significado aos eventos. Havendo uma recorrência à origem, surge a percepção de marca, isto é, o registro deixado pelo autor do signo, e conseqüente a atribuição de um sentido, ou valor ao evento. Temos aí então a atuação da Função Memória em escala semântica, de coerência entre o signo e o conjunto de signos que contextualizam. A primeira etapa do estágio semântico é também, assim, a função Memória. Só que, ao invés do registro de sensações, estímulos, diferenças e semelhantes, a memória passa a catalogar atribuições e propriedades de seus componentes, no contexto de sua realidade sistêmica. Função Intercorrelação Semântica - No estágio seguinte, o sistema intercorrelaciona suas atribuições com as atribuições de outros componentes, outros sistemas, configurando as categorias a que pertencem os diversos componentes. Funciona como um distribuidor de significados, derivando propriedades em múltiplas variações que, embora não coincidentes, constituem um conjunto com elementos em comum. É uma função que opera por estratificações das propriedades. Função Autocorrelação Semântica - É a função que desempenha o papel de atrator, de núcleo e polarização de todas as concepções semânticas derivadas de um atributo inicial, e para o qual todas convergem. Opera assim por aglutinação de propriedades em torno de um polo, de uma força modelar, interligadora de estratos e categorias através de um elemento comum. Função Relaxação - Sempre que uma perturbação ocorre no sistema, este reage procurando uma nova posição que acomode a configuração resultante em uma nova ordem ou orga20

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nização. Piaget usou especificamente o termo "acomodação" para o comportamento de conformação a uma nova situação. É a função de foco, de comando, que estabelece valores e práticas. Função Alerta - Quando irrompe uma perturbação no sistema, uma Função Alerta procura reconhecer a mudança provocada no sistema, identificando onde está a geração da carência, da falha, da privação imposta ao sistema. Essa função diz respeito à geração de desequilíbrios e, portanto, de necessidades compensatórias, validando a ação de resposta, e promovendo mecanismos de busca de novas condições. Corresponde, no âmbito do sistema humano, ao conceito de "assimilação" utilizado por Piaget para a absorção de mudanças e reformulação de hábitos. Função Tendência - Uma vez desenvolvida a Função Memória em escala sintática e semântica, o sistema tem condições de avaliar o seu comportamento, o seu passado. O sistema observa o processo de geração do signo, estabelecendo relações de causa e efeito, compreendendo a decorrência dos fatos. Isso, entretanto, não permite ao sistema estabelecer considerações acerca dos acontecimentos futuros. Para tanto, o sistema precisa ainda desenvolver uma outra Função, denominada Tendência, isto é, a capacidade de projetar os dados colhidos e armazenados para o futuro, oferecendo algum grau de certeza com relação a eventos que deverão acontecer. Sistemas cuja elaboração das funções mencionadas não atende à necessidade especulativa de prever acontecimentos acabam desenvolvendo uma função tendência. Esta consiste em mecanismos de antecipação do futuro, através de formulações que buscam prognosticar eventos possíveis, prováveis, previsíveis, necessários e certos, em diferentes gradações. É uma função de perscrutação estocástica, de elaboração e comprovação de hipóteses. Função Determinação - Esta função busca, através de artifícios lógicos e demonstráveis, obter completo domínio sobre os eventos futuros, no sentido de fornecer uma determinação infalível dos fatos por acontecer. É o campo das formulações matemáticas, do rigor do raciocínio. As funções sistêmicas dão origem a onze trilhas da Perda, representadas na Figura O:

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Figura O - As onze trilhas da Perda.

O processo semiósico, a partir da ausência provocada pela perda, decorre da tentativa de preenchimento da lacuna aberta pela privação de parte do ambiente original. Inicia-se das trilhas da perda original o rastreamento de um curso com infinitas bifurcações e variantes. É a recuperação da posição de estabilidade quebrada pela mudança de estado, criando tensão no sistema e uma correspondente ação de retomada de uma outra posição estável, obrigando o sistema a adaptar-se à nova situação. Recuperar a posse do elemento perdido, como se fosse uma peça destacada do todo. Preencher a lacuna. Completar. A Figura P indica as onze trilhas da Posse que nascem desse processo.

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Figura P - As onze trilhas da Posse.

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