A PERMUTA DE BENS DA PESSOA JURÍDICA E O MOMENTO DA AQUISIÇÃO DA DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA DO GANHO OU PERDA DE CAPITAL

October 12, 2017 | Autor: A. F. de Souza Jr | Categoria: Direito Tributário (Tax Law)
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A PERMUTA DE BENS DA PESSOA JURÍDICA E O MOMENTO DA AQUISIÇÃO DA DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA DO GANHO OU PERDA DE CAPITAL Antonio Carlos F. de Souza Júnior

INTRODUÇÃO A velocidade da circulação de bens (ativos) no mercado e a complexidade das relações empresariais estimulou o aumento do uso do contrato de permuta (troca de ativos), especialmente entre pessoas jurídicas, como instrumento jurídico para realização de alienação de bens. Diante de uma operação de alienação, naturalmente, surge a necessidade de identificação e apuração de um eventual ganho de capital. Porém, dada a particularidade do contrato de permuta e a ausência de entrega de dinheiro, surgem dúvidas de como deve ser interpretada a legislação tributária e qual o momento da ocorrência da disponibilidade jurídica reveladora de uma nova riqueza. No presente trabalho, trataremos do regime tributário aplicável às operações de permuta de bens, independentemente da natureza, e o momento do reconhecimento da disponibilidade jurídica de um eventual ganho de capital havido nessas operações. Para tanto, delimita-se o conceito de disponibilidade jurídica, previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional, e sua relação com a legislação que disciplina o ganho de capital das pessoas jurídicas. Em seguida, tratar-se-á, a partir de interpretação sistemática da legislação, dos critérios para apuração do resultado de uma operação de permuta, bem assim a forma de reconhecimento das operações de permuta envolvendo investimentos avaliados com base no patrimônio liquido.

1. DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA DA RENDA E O GANHO DE CAPITAL A discussão sobre a existência de um conceito constitucional ou uma delimitação semântica da acepção renda, enquanto aspecto material para instituição do imposto, ao longo do tempo, foi objeto de ricas discussões doutrinárias1, as quais possuíam como pano de fundo a análise dos parâmetros escolhidos pelo Estado Brasileiro para outorga de competência legislativa, bem como os limites para criação do imposto. Do mencionado debate, surgem questões fundamentais para análise de todo arcabouço legislativo do imposto sobre a renda, como: a) limites do legislador complementar para definir aspectos centrais da definição de renda, acréscimos patrimoniais e disponibilidade jurídica; b) tributação de renda enquanto produto (mais restrita), renda enquanto acréscimo ou ambos2; c) limites constitucionais e legais (legislação complementar) para instituição do tributo, entre outros. Apesar da riqueza e relevância do debate, para fins deste trabalho, não iremos tratar do conceito de renda, mas sim do momento (aspecto temporal) e dos critérios existentes na nossa legislação complementar para o reconhecimento da realização da renda e sua disponibilização econômica ou jurídica para o sujeito passivo. Todavia, não obstante o corte epistemológico, não se pode deixar de considerar que, independentemente das discussões mencionadas acima, a própria legislação infraconstitucional tratou como cerne para instituição do imposto, a existência de um acréscimo patrimonial, elemento revelador de capacidade contributiva, o qual quando disponibilizado, denota a existência do aspecto material da exação. Feitas essas considerações, passa-se ao exame da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica definida no art. 433 do Código Tributário Nacional e seus reflexos para identificação dos elementos norteadores da tributação das operações de permuta.

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Cf. BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Impôsto de Renda.Rio de Janeiro: Justec, 1971. 2-1/2-70. GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 170 e SS. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 38-81. QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Barueri: Manole, 2004.p.83. 2 Cf. POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da Realização da Renda – reconhecimento de receitas e despesas para fins de IRPJ. São Paulo: Quartier Latin, 2012. 60-128. 3 Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: (...)

O termo aquisição, semanticamente, denota a ideia de entrada, ganho, obtenção de posse e assume, no campo tributário, o sentido de ingresso de uma grandeza no patrimônio jurídico do contribuinte. Já a disponibilidade, caracteriza-se como uma “situação que possibilita ao titular o poder de destinar livre e imediata à renda ou provento percebido, não alcançando a disponibilidade apenas potencial”4. Por isso, somente poderá haver tributação se a mudança patrimonial positiva (aquisição) estiver disponível efetiva e concretamente, seja através de ingresso de divisas ou aquisição de direito passível de liquidação. “A mera probabilidade não leva a incidência do imposto”5. No mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza afirma que “o patrimônio, em si considerado, não é passível de tributação por meio de IR. É apenas o ponto de partida desse tributo, que só nascerá da variação positiva do patrimônio, detectada num dado período de tempo”6. Ocorre que, ao eleger a aquisição de disponibilidade para incidência do tributo, a norma ainda acrescentou a expressão “econômica ou jurídica” de modo que se faz necessário delimitar a acepção utilizada no presente trabalho. Com a edição do Código Tributário Nacional, o tema foi objeto de profundas observações por parte da doutrina. Inicialmente, para a corrente dominante, a disponibilidade econômica representaria o efetivo ingresso da disponibilidade em caixa, ao passo que a disponibilidade jurídica seria a aquisição de um direito à renda.7 O referido entendimento foi objeto de diversas críticas, pois levava às seguintes conclusões: a) a disponibilidade jurídica poderia estar dissociada de um fato econômico, conduzindo ao entendimento que a mera aquisição de um direito não expresso em moeda ou quase-moeda e sem liquidez pudesse ser tributado; b) equiparava o conceito de disponibilidade econômica com o de disponibilidade financeira. Atualmente, entende-se que a disponibilidade econômica, assim considerada isoladamente, corresponde a uma situação material reveladora de acréscimo patrimonial, que

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QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Barueri: Manole, 2004.p.72. 5 DERZI, Misabel Abreu Machado. Nota de atualização do livro: BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 304. 6 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2005. p.44. 7 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.292.

independe do plano da legalidade (jurídico) seja em decorrência de lacunas no direito seja em virtude da ilicitude da operação8. A disponibilidade jurídica configura a aquisição de um direito a percepção de uma grandeza econômica geradora de um acréscimo patrimonial (disponibilidade econômica). “É a aquisição por meio de uma das formas legítimas e legais, de acordo com o Direito. Pressupõe disponibilidade econômica, enquanto a disponibilidade financeira é o ingresso físico do valor cuja disponibilidade econômica ou jurídica foi previamente adquirida”.9 Fazendo um paralelo com os regimes de direito contábil, os quais foram incorporados na legislação do imposto sobre a renda, podemos definir o regime de caixa como o reconhecimento de receitas e despesas que pressupõe a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica e disponibilidade financeira. No regime de competência, basta o atendimento da disponibilidade jurídica ou econômica para que haja o reconhecimento da receita10. Todavia, mesmo aplicando o regime de competência, o reconhecimento contábil não implica, necessariamente, acréscimo patrimonial e existência de disponibilidade jurídica, podendo configurar meros fatos permutativos ou registros de valores ainda não realizados (disponibilizados juridicamente). Registre-se que o “dever de recolher IR, inclusive das pessoas jurídicas (IRPJ), só pode nascer do fato de auferir renda nova, num dado intervalo de tempo. Ou, se preferirmos, obter renda disponível, durante um período-base. E isso – é sempre conveniente enfatizar – não porque assim o recomende alguma teoria econômica (por mais respeitável que seja), mas por determinação constitucional”11. No caso do ganho de capital das pessoas jurídicas, por se tratar de operações geradas no campo da licitude e albergadas pelo regime de competência, devem-se buscar os parâmetros para o reconhecimento da disponibilidade jurídica do acréscimo patrimonial. O ganho de capital consiste em uma mais valia incorporada ao patrimônio do contribuinte após uma avaliação de um bem. Porém, não pode ser confundido com o valor 8

QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Barueri: Manole, 2004.p.72. 9 QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Barueri: Manole, 2004.p.73-74. 10 Importante ressaltar que, em função mudanças das regras contábeis pela Lei nº 11.638/2007 e da sua neutralidade para fins tributários, o paralelo com os regimes de caixa e de competência deve levar em consideração o regramento anterior. 11 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2005. p.59.

econômico de um bem integrante do patrimônio ou que vier a integrar ao patrimônio com o custo menor (valor menor da alienação).12 Enquanto o valor acrescido do bem não for realizado, v.g, efetivamente liquidado ou posto a disposição do contribuinte, ainda que posse representar um virtual aumento do poder econômico, não há aquisição de disponibilidade jurídica desse aumento do poder econômico. “E o fundamento da tributação do ganho de capital é a transferência de renda, e não o aumento de valor do bem”, pois somente se admite no “conceito de renda tributável os ganhos de capital realizados, e não os nominais, ou no ‘papel’”.13 Desta feita, conclui-se que para o reconhecimento da disponibilidade jurídica, especificamente no ganhos de capital, deverá haver um efetivo acréscimo no patrimônio do contribuinte, o qual estará disponibilizado juridicamente quando houver liquidez para realização da mais-valia e certeza da incorporação desse aumento na esfera jurídica do contribuinte. Logo, não se pode considerar como disponibilizado juridicamente uma mera valorização de um bem ou incorporação de um bem ao patrimônio com valor superior ao gasto suportado para sua obtenção, pois, nestes casos, há uma simples valorização nominal ou virtual ainda não incorporada, definitivamente, ao patrimônio do contribuinte, isto é, o bem foi incorporado, mas a valorização ainda figura no campo da potencialidade e não satisfaz o critério da disponibilidade jurídica.

2 – ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA PERMUTA DE BENS A permuta é negócio jurídico consagrado na legislação civil (vide art. 533 do Código Civil) e consiste na troca de coisas ou bens suscetíveis de propriedade, exceto dinheiro. A legislação tributária14, por sua vez, não fez qualquer distinção entre as modalidades de alienação, conforme se depreende na leitura do caput do art. 31 do Decreto-

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BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Impôsto de Renda.Rio de Janeiro: Justec, 1971. p.2-18. BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Impôsto de Renda.Rio de Janeiro: Justec, 1971. p.2-18. 14 No caso das pessoas físicas, a legislação foi ainda mais explícita, conforme pode ser observado no parágrafo 3º do art. 3º da Lei nº 7.713/1988: “§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.” 13

Lei nº 1.598/1977, que classificou como passível de ganho ou perda de capital “os resultados na alienação, inclusive por desapropriação (§ 4º), na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo permanente”. Ou seja, inicialmente, a legislação enquadrou como passível de ganho de capital qualquer espécie do gênero alienação, não importando a denominação dada ao negócio jurídico, mas sim a composição dos elementos para apuração do resultado da alienação. Por isso, haverá incidência de tributo, no momento em que houver a disponibilidade econômica ou jurídica do ganho ou perda, não importando a denominação dada ao negócio jurídico em que se deu a transferência da propriedade, a baixa, perda do bem etc. No campo fático-jurídico, a transferência de propriedade, a perda, a baixa etc. de um bem, pode se dar por diversas formas e se configura com o sacrifício econômico/financeiro suportado pela entidade para aquisição (reconhecimento) e/ou baixa de um ativo, tais como: a) entrega de quantia em dinheiro (compra e venda, desapropriação, etc.); b) entrega de outro ativo (permuta sem torna); c) entrega de um ativo e quantia em dinheiro (permuta com torna), d) sacrifício do resultado ou do patrimônio líquido da entidade (baixa do ativo por perdas, etc.). No contrato de permuta com torna, há uma troca de coisa por outra coisa seguida de uma compensação em dinheiro por parte de um dois permutantes. Já a permuta sem torna é pura e simples, onde há troca de coisa por outra coisa, sem que haja pagamento em dinheiro por qualquer das partes envolvidas no negócio jurídico. Logo, a forma da aquisição ou baixa do ativo é irrelevante, sendo relevante para apuração do ganho ou perda de capital apenas duas grandezas distintas: a) valor da transferência do ativo: o sacrifício econômico para a aquisição do ativo (dinheiro, bens, etc.) b) custo do ativo: valor pelo qual ele esteja registrado e que será baixado no ativo. No tocante ao custo do ativo, o parágrafo 1º do art. 31 elegeu o valor contábil do bem, “assim entendido o que estiver registrado na escrituração do contribuinte”, como um dos elementos para quantificação do ganho ou perda de capital. Porém, em função da diversidade de bens suscetíveis ao ganho ou perda de capital, a legislação subdividiu o critério de cálculo

do custo do ativo em dois grupos: a) bens submetidos ao método de custo; b) bens avaliados pelo patrimônio líquido15. Nos bens submetidos ao método de custo (regra geral) o valor do ativo corresponderá ao valor suportado para aquisição do bem, o qual deve estar escriturado na sua contabilidade, deduzido da depreciação, amortização ou exaustão acumulada, quando utilizada para fins fiscais16. No caso dos bens avaliados pelo patrimônio líquido, assim entendido como aqueles bens (investimentos) que, por força da legislação fiscal e societária, são obrigados a ser reconhecido pelo método de equivalência patrimonial, o valor do ativo deverá ser reconhecido com base no art. 33 do Decreto nº 1.598/1977 que assim dispõe: Art. 33. O valor contábil, para efeito de determinar o ganho ou perda de capital na alienação ou liquidação do investimento em coligada ou controlada avaliado pelo valor de patrimônio líquido (art. 20.), será a soma algébrica dos seguintes valores: I - valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na contabilidade do contribuinte; II - ágio ou deságio na aquisição do investimento, ainda que tenha sido amortizado na escrituração comercial do contribuinte, excluídos os computados, nos exercícios financeiros de 1979 e 1980, na determinação do lucro real;

A regra faz remissão ao art. 20 do mesmo diploma normativo que exige que o custo de aquisição do ativo, avaliando pelo patrimônio líquido, seja desdobrado em: a) valor do patrimônio líquido do bem adquirido (no caso, investimento) e; b) ágio ou deságio, assim entendido como a diferença positiva ou negativa do sacrifício econômico suportado para aquisição do bem. Porém, não obstante ter tratado dos critérios para quantificação do custo do ativo, a legislação, em um primeiro momento, não listou os critérios para quantificação do sacrifício

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Sobre os aspectos contábeis dos métodos de avaliação dos ativos, Vide: FIPECAFI. Manual de contabilidade das sociedades por ações: aplicável às demais sociedades. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 135-189. 16 Decreto-Lei nº 1.598/1977. “Art. 31. (...) § 1º Ressalvadas as disposições especiais, a determinação do ganho ou perda de capital terá por base o valor contábil do bem, assim entendido o que estiver registrado na escrituração do contribuinte, corrigido monetariamente e diminuído, se for o caso, da depreciação, amortização ou exaustão acumulada.”

financeiro suportado para aquisição, mediante alienação, dos bens sujeitos a apuração de ganho ou perda de capital. No caso das modalidades de alienação em que há entrega de dinheiro, como compra e venda, a quantificação se mostra até intuitiva, não havendo problemas na apuração do ganho de capital. Contudo, no caso de outras formas de alienação, como a permuta, a eleição do sacrifício econômico, para fins de apuração do resultado da alienação, não é tão explícita como nos demais casos, motivo pelo qual a solução precisou ser extraída de uma interpretação sistemática da legislação e construída ao longo do tempo, conforme será abordado no item seguinte.

3. A PERMUTA E OS CRITÉRIOS PARA RECONHECIMENTO DO SACRIFÍCIO FINANCEIRO SUPORTADO NA ALIENAÇÃO O crescimento das atividades econômicas e o aumento da complexidade dos negócios envolvendo pessoas jurídicas impôs um crescimento na celebração de contratos de permuta de bens como instrumento de realização de diversas operações empresariais. Com isso, começaram a surgir questionamentos sobre a forma e os critérios para a apuração do resultado (positivo ou negativo) das alienações envolvendo contratos dessa natureza. Sem dúvida, o principal ponto de discordância foi os critérios para identificação e mensuração do sacrifício financeiro suportado pelo adquirente para recebimento do bem permutado. Aliás, a referida matéria, vem sendo questionada muito antes da edição da atual legislação do imposto sobre a renda das pessoas físicas e consubstanciando objeto de análise por diversas normas infralegais, conforme se passará a historiar. O primeiro ato normativo a mencionar a questão foi o Parecer Normativo CST nº 504/1971, que tratou das permutas de ações: 3. Também a pessoa jurídica que permutar ações por outras de valor equivalente ao de aquisição das cedidas, por conseqüência, não alterando quantitativamente o patrimônio social, não estará sujeita à imposição de tributo. 4. Todavia, se resultar lucro para a pessoa jurídica na alienação de ações, quer esta se faça sob a forma de venda, troca por bens de outra natureza ou

permuta por outras ações, será ele necessariamente computado no resultado do exercício para fins de tributação. 5. Ressalte-se, ainda, quanto à incidência na pessoa jurídica, não ser o valor nominal das ações negociadas a base de apuração do resultado na transação, e sim o valor da aquisição das por ela cedidas, em confronto com o atribuído às que receba na permute, observando-se em qualquer caso, as disposições das alíneas a e b do art. 251. , e, na hipótese de prejuízo, as normas dos arts. 102 e 193 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 58.400, de 10/05/66).

Note-se que o parecer, apesar da aparente divergência de redação, deixa clara a impossibilidade de apuração de resultado positivo envolvendo permuta de ações com o mesmo valor econômico e quando não há alteração do patrimônio da pessoa jurídica. Todavia, nos casos em que as ações possuíam valores distintos, o parecer não foi claro sobre qual a forma de reconhecimento e pressupôs a existência de um lucro, sem, contudo, explicar o critério utilizado para sua apuração. Mais adiante, em função da grande quantidade do uso da permuta, tanto pelas pessoas físicas quanto pelas jurídicas, na alienação de bens imóveis, foi editada a Instrução Normativa nº 107/1988 que introduziu significativos parâmetros para o reconhecimento do ganho de capital na alienação, por meio de permuta, de bens imóveis. Destaca-se: 2. Permuta entre pessoas jurídicas (...) 2.1.1 No caso de permuta sem pagamento de torna, as permutantes não terão resultado a apurar, uma vez que cada pessoa jurídica atribuirá ao bem que receber o mesmo valor contábil do bem baixado em sua escrituração. 2.1.2 No caso de permuta com pagamento de torna, a permutante que receber a torna procederá pela forma indicada no subitem 1.5, devendo considerar como custo do bem recebido o valor contábil do bem dado em permuta, deduzido do custo atribuído a torna recebida ou a receber. Para a permutante que pagar ou prometer pagar a torna, o custo do bem adquirido será a soma do valor contábil do bem dado em permuta com o valor da torna.

Não obstante a veiculação de um importante parâmetro normativo para o reconhecimento do valor do sacrifício financeiro suportado nas operações de permuta, a norma sofreu e vem sofrendo críticas, notadamente por dois aspectos: a) ausência de dispositivo legal expresso que determinasse o mesmo parâmetro; b) ao tratamento restritivo dado pela norma para as permutas de imóveis.

Com relação ao primeiro aspecto, a ausência de uma norma expressa com a mesma redação da instrução normativa, leva a crer que a norma regulamentar se apresenta como uma construção interpretativa das normas aplicáveis à alienação de bens, sobretudo os artigos 31 e seguintes do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e do art. 43 do Código Tributário Nacional. No tocante ao segundo aspecto, de igual modo, a inexistência de uma regra específica com a mesma redação, afasta a teoria de existência de um regime especial específico, capaz de ensejar uma interpretação restritiva da norma. Em 23.09.1991, por meio do Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional nº 970/1991, novamente, houve mais uma manifestação sobre a interpretação jurídica adequada para o reconhecimento do sacrifício financeiro nos casos de permuta de participação societária com outros bens, como títulos da dívida pública. Para o mencionado parecer, nos casos de permuta pura e simples, “o momento não seria aquele da troca, mas sim quando o particular vendesse a participação acionária trocada.” E mais, “esta tributação, ainda, seria iníqua, pois como não foram recebidos cruzeiros [dinheiro em espécie], não haveria disponibilidade líquida do contribuinte, e, em conseqüência, naquele momento nenhuma base de cálculo para o fato gerador, pois a renda fica sujeita à tributação quando realizada e quantificada; evidentemente não é a hipótese sob exame.”17 Ou seja, pela interpretação dada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, não haveria base de cálculo para tributação do capital, haja vista que o sacrifício financeiro suportado pela pessoa jurídica permutante seria idêntico ao valor do bem dado em troca da nova participação societária adquirida e, por conseguinte, não haveria resultado a apurar. Saliente-se que apesar de abordar aspectos do Programa Nacional de Desestatização, criado pela Lei nº 8.031/1990, a interpretação jurídica veiculada no parecer considerou a permuta de forma genérica, motivo pelo qual a norma invocada para sustentar suas conclusões foi justamente o art. 43 do Código Tributário Nacional. Isto é, o douto Parecer partiu de conceitos e fundamentos gerais da tributação para o imposto sobre a renda,

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PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Parecer nº 970/1991. DOU. 24.09.1991.

aplicáveis aos casos em geral, para retirar as conclusões aplicáveis ao caso concreto objeto do parecer. Somente em 30/12/1991, com edição da Lei nº 8.383/1991, foi introduzida na legislação do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas uma norma com parâmetros legais, registre-se idênticos aos veiculados anteriormente, para identificação do sacrifício financeiro suportado no caso de permuta de bens: Art. 65. Terá o tratamento de permuta a entrega, pelo licitante vencedor, de títulos da dívida pública federal ou de outros créditos contra a União, como contrapartida à aquisição das ações ou quotas leiloadas no âmbito do Programa Nacional de Desestatização. (...) § 2º Na hipótese de pessoa jurídica não tributada com base no lucro real, o custo de aquisição será apurado na forma do parágrafo anterior. § 3º No caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro real, o custo de aquisição das ações ou quotas leiloadas será igual ao valor contábil dos títulos ou créditos entregues pelo adquirente na data da operação:

Importante salientar que, apesar do caput do art. 65 estipular um tratamento de permuta (conceito pré-concebido pela legislação) para as alienações decorrentes do Programa Nacional de Desestatização, a norma, a rigor, não instituiu um regime jurídico novo e especial para o referido programa governamental, mas apenas sistematizou e elevou a o status legal todo entendimento até então existente sobre os critérios que devem ser respeitados para quantificação do valor do sacrifício financeiro suportado pelas partes na operação de permuta. Ademais, esse entendimento, inclusive, foi ratificado pela Fazenda Nacional, por meio do Parecer nº 454/1992, no qual destaca que “o Parecer PGFN/PGA/Nº 970/91, não teve por fundamento o "caput" do art. 65 da Lei nº 8.383, por lhe ser anterior, o dispositivo interpretativo reforça a posição adotada no referido parecer, reconhecendo a existência de permuta. O fundamento tanto do diploma legislativo quanto do Parecer é a existência de permuta, cuja consequência é a desoneração tributária pela simples inexistência do fato gerador”18.

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PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Parecer nº 454/1992. DOU. 12.05.1992. “Ressalta notar que na permuta pura e simples os contratantes não são movidos pelo valor monetário ou, em outras palavras, preço dos bens envolvidos, mas sim pelo caráter hedonístico, ou seja, o valor intrínseco de utilidade que os bens permutados terão para cada uma das partes individualmente. É por isso que a doutrina

Na doutrina, o referido entendimento também vem ganhando adeptos. Destaca-se o recente posicionamento de Ricardo Mariz de Oliveira: Mas é momento oportuno para dizer que, embora tratado de modo razoavelmente uniforme há muitas décadas pela doutrina, pela jurisprudência administrativa e mesmo pelo Fisco, em 198[9]1, ganhou norma legal expressa, que está contida no art. 65 da Lei nº 8.383. (...) O ponto importante é que a referida disposição legal dá a essas operações o mesmo tratamento tributário devido às permutas. Curioso, que o “caput” do artigo, simplesmente declara que “terá o tratamento de permuta a entrega (...)”, sem dizer qual seja esse tratamento, portanto, partindo do pressuposto de que seja conhecido e continue a valer. Assim, existisse somente o “caput”, ficaria apenas implícita a intributabilidade advinda das permutas, mas ela está expressa nos parágrafos do artigo. (...) Em síntese, ao ser mantido o custo fiscal do bem entregue em permuta, como custo fiscal do bem recebido no negócio, não há acréscimo patrimonial no momento do ato. (...) Por isso, não se pode supor que o art. 65 da Lei nº 8.383 se aplique apenas dentro do programa de desestatização, e não às permutas em geral, porque, ao contrário disso, o art. 65 manda aplicar às operações desse programa o mesmo regime aplicável às permutas19.

Portanto, a norma veiculou dois comandos normativos distintos, a saber: a) ratificou qual regime jurídico geral aplicável às permutas, entendimento que já havia sido expressamente tratado em outros veículos infralegais e; b) estendeu tal regime ao leilão de ações para o Programa Nacional de Desestatização. Após a edição do art. 65 da Lei nº 8.383/1991, a questão voltou a ganhar contornos no plano infralegal. No Regulamento do Imposto sobre a Renda de 1994, aprovado

afirma que em cada um dos patrimônios, o que ocorre é mera substituição de um bem de uma natureza por outro de natureza diferente, independente de qualquer referência a preço de mercado, seja este amplo e aberto ou restrito e dirigido como ocorre no leilão.” 19 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Regime tributário da compra vantajosa – questões fundamentais. In: Controvérsias jurídico-contábeis, 4º volume, Coord. Roberto Quiroga Mosquera et al. São Paulo: Dialética, 2013. p.266-267.

pelo Decreto nº 1.041/1994, a matéria foi tratada nos seguintes dispositivos: a) art. 801, inciso IV20; b) 802, §3º21 e c) 808, §4º e 5º22. Os referidos dispositivos foram integralmente reproduzidos no Decreto nº 3.000/1999, Regulamento do Imposto sobre a Renda vigente, e estão alocados respectivamente nos seguintes artigos: a) art. 121, inciso II; b) art. 123, §3º e c) art. 128, §4º e 5º. Não obstante o regulamento do imposto sobre a renda ser um decreto que consolida as regras vigentes, os dispositivos citados não possuem nenhuma correspondência expressa com os dispositivos legais citados nos referidos artigos, o que leva a crer que as disposições mencionadas foram criadas a partir de uma interpretação conjunta das regras vigentes e do próprio art. 43 do Código Tributário Nacional. Outro ponto que merece destaque é o fato de que somente o art. 121, inciso II tratou exclusivamente da permuta de unidades imobiliárias, sendo os demais dispositivos de caráter geral e aplicável para qualquer operação de permuta, seja da pessoa física, seja da pessoa jurídica. Com isso, não se vislumbra na legislação do imposto sobre a renda uma regra geral para alguns casos e regras isentivas ou regimes especiais para imóveis ou unidades imobiliárias e ações e quotas leiloadas no âmbito do Programa Nacional de Desestatização, com títulos da dívida pública federal ou de outros créditos contra União. Primeiramente porque, a rigor, não se trata de regra de isenção, pois no caso da permuta de imóveis e ações mencionadas, sempre haverá tributação quando houver a disponibilidade jurídica ou econômica de uma eventual mais valia, seja em virtude de pagamento da torna, seja em razão de uma posterior alienação do bem por um valor superior ao custo de aquisição. 20

Art. 801. Na determinação do ganho de capital serão excluídos: (...) IV - a permuta exclusivamente de unidades imobiliárias, objeto de escritura pública, sem recebimento de parcela complementar em dinheiro, denominada torna, exceto no caso de imóvel rural com benfeitorias. 21 Art. 802. Considera-se valor de alienação: (...)§ 3º Na permuta com recebimento de torna em dinheiro será considerado valor de alienação somente o da torna recebida ou a receber. 22 Art. 808. O custo dos bens ou direitos adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1992 será o valor de aquisição convertido em quantidade de UFIR, pelo valor desta no mês da aquisição. (...) § 4º Nas operações de permuta com ou sem pagamento de torna, considera-se custo de aquisição o valor em UFIR do bem dado em permuta acrescido da torna paga, se for o caso. § 5º Nos casos de alienação de bem adquirido por permuta com recebimento de torna, considera-se custo de aquisição o valor em UFIR do bem dado em permuta, diminuído do valor utilizado como custo na apuração do ganho de capital relativo à torna recebida ou a receber.

Em segundo lugar, não se trata de regimes especiais que visam beneficiar determinado setor, mas apenas a concretização do art. 43 do CTN no âmbito da legislação do imposto sobre a renda. Trata-se de disposição que procura preservar a materialidade e o momento temporal da ocorrência do fato gerador tributário a fim de prestigiar a legalidade. Portanto, deve-se dar o mesmo tratamento fiscal a qualquer bem objeto do contrato de permuta em respeito à regra constitucionais. Ademais, o fato dos dispositivos citados estarem inseridos no livro das pessoas físicas do regulamento, não impede a sua aplicação para as pessoas jurídicas, pois, tal regramento, é uma construção criada com base em regras gerais de tributação do imposto sobre a renda e possuem aplicabilidade tanto para as pessoas físicas, cuja aquisição de disponibilidade se expressa através do regime de caixa, quanto para as pessoas jurídicas, para as quais a aquisição da disponibilidade é auferida por meio do regime de competência. Logo, com base no cotejo histórico-sistemático das regras envolvendo ganho de capital e as operações de permuta, pode-se concluir que, nos casos em que a alienação é fundada em um contrato de permuta, o sacrifício financeiro, para fins de cálculo do resultado da alienação, deve ser efetivamente o equivalente ao custo contábil do bem dado em troca do novo ativo. Por outro lado, no caso dos contratos de permuta com torna, o valor do sacrifício financeiro deve corresponder ao custo contábil do bem dado em troca mais o valor entregue ou prometido como torna, haja vista que o sacrifício financeiro suportado não ficou restrito ao bem dado em troca do novo ativo. E mais, mesmo se tratando de bens com valores econômicos distintos e registrados com diferentes valores no patrimônio dos permutantes, o valor do sacrifício financeiro sempre será aquele correspondente ao custo do bem entregue em troca do novo ativo. Caso o sacrifício financeiro suportado seja inferior ao valor econômico do bem, haverá, sem dúvida, uma compra vantajosa, capaz de gerar um acréscimo patrimonial futuro, mas não há o que se falar em ingresso imediato (e com disponibilidade) da mais valia no patrimônio do contribuinte. Em contrapartida, se o sacrifício financeiro suportado para troca do bem for superior ao valor do bem permutado (contábil ou econômico) não haverá,

igualmente, uma perda imediata de capital, pois ainda não se pode auferir a existência a aquisição efetiva de um decréscimo patrimonial. Até porque o entendimento no sentido contrário poderá gerar distorções que, por certo, violam as normas complementares (art. 43 do CTN) e legais para identificação do momento de aquisição do acréscimo patrimonial. Dentre elas, destaca-se: a) o reconhecimento de um valor da alienação (sacrifício financeiro suportado para aquisição do bem) diverso da realidade fática e jurídica, constituindo-se uma receita ou mais valia imaginária, meramente virtual; b) incerteza na concreção do valor econômico do bem mais valioso (nos casos de permuta de bens com valores distintos) que dependerá de um evento futuro; c) ausência de liquidez imediata capaz de justificar o aumento da valoração do sacrifício financeiro da operação23. Para contextualizar as conclusões até o momento explanadas, utilizar-se-á um exemplo para que se possa avaliar a questão do reconhecimento do sacrifício financeiro das permutas envolvendo bens com custos contábeis diferentes. Vejamos: Duas pessoas jurídicas (empresa A e empresa B) adquirem no mesmo dia dois veículos com idêntico custo de aquisição, no valor de $ 100 . A primeira empresa apura seu imposto sobre a renda com base no lucro real e, por isso, passa a depreciar o referido ativo para fins fiscais. Já a empresa B opta por apurar seu imposto sobre a renda com base no lucro presumido e, por conseguinte, a depreciação contábil do bem não afeta o seu custo de aquisição. Após um ano da compra do bem, as pessoas jurídicas decidem celebrar um contrato de permuta sem torna dos bens referidos acima. Na empresa A, em função da depreciação fiscal do bem, o custo de aquisição foi reduzido para $90, ao passo que na empresa B o custo permaneceu os mesmo $100. No caso da empresa A, o sacrifício financeiro para aquisição do bem, registrado contabilmente na empresa B por $100, foi de $90. Sendo assim o resultado da alienação ficou em zero já que seu custo contábil foi igual ao sacrifício financeiro. Já na empresa B, o

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POLIZELLI, Victor Borges. O Princípio da Realização da Renda – Reconhecimento de Receitas e Despesas para fins de IRPJ. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p.325-326

sacrifício financeiro para aquisição do bem foi de $100 e, igualmente, o resultado da alienação foi zero em função da identidade com o custo contábil do bem permutado. Todavia, caso o valor do bem recebido fosse considerado como o sacrifício financeiro da alienação, teríamos a seguinte distorção. No caso da empresa A, haveria um virtual ganho de capital de $10 ($90 - $100), sem que houvesse nenhuma aquisição de disponibilidade de acréscimo patrimonial. Já na empresa B haveria uma irreversível perda de capital no valor $10, pois a pessoa jurídica apura o imposto com base no lucro presumido. Isto é, em ambos os casos, ocorreria uma perda de capacidade contributiva sem ocorrência de nenhum acréscimo ou decréscimo patrimonial. Daí porque o critério de quantificação do sacrifício financeiro suportado na alienação deve se adequar aos parâmetros exigidos pelo art. 43 do CTN e, de certo modo, concretizado pelo artigo 65 da Lei nº 8.383/1991 e artigos 121, inciso II, 123, §3º e art. 128, §4º e 5º, todos, do Regulamento do Imposto sobre a Renda (Decreto nº 3.000/1999). No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o tema ainda não é pacífico e é objeto de tratamento diferenciado por diversos órgãos julgadores. Apesar dos vários precedentes sobre o tema, elegem-se dois recentes, que traduzem fidedignamente a visão de cada corrente jurisprudencial. O primeiro é o acórdão nº 1302-001.08024, no qual a turma julgadora entendeu que o sacrifício financeiro corresponde o valor do bem recebido em troca na permuta. Basicamente, a conclusão foi baseada nos seguintes argumentos: a) o art. 65 da Lei nº 8.383/1991 somente é aplicável às permutas das ações referentes ao Programa Nacional de Desestatização; b) o art. 121 do RIR/99 e a Instrução Normativa nº 107/1988 são normas especiais, apenas aplicáveis às as permutas de unidades imobiliárias; c) o art. 31 do DecretoLei nº 1.598/1977 impõe a tributação imediata na permuta de bem com valores distintos.

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CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. Acórdão nº 1302-001.080. julgado em 07/05/2013. Disponível em: www.carf.fazenda.gov.br. “Ementa: GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE INVESTIMENTO. PERMUTA DE AÇÕES. A IN SRF 107/88 só versa sobre permuta de unidades imobiliárias (casas, apartamentos, terrenos etc.), sendo totalmente descabida a sua aplicação ao caso de permuta de ações. Na permuta de ações, a diferença entre o valor contábil das ações recebidas e das ações transferidas constitui-se ganho tributável pelo IRPJ, por aplicação do disposto no art. 31 do Decreto-Lei nº 1.598/77.”

O segundo acórdão é o nº 2101-01.36625, o qual seguiu, com resalvas de cunho doutrinário, algumas conclusões já apresentadas no presente trabalho, no sentido de que o sacrifício financeiro na permuta de bens, sem torna, corresponde ao valor contábil do bem cedido em contrapartida para a aquisição do novo bem. Sem dúvida, conforme demonstrado, a segunda solução é a que melhor se amolda ao conceito de aquisição da disponibilidade da renda, prevista no art. 43 do CTN e na própria Constituição Federal, bem assim todo arcabouço legislativo em vigor. Desta feita, “não têm aptidão jurídica para suportar a incidência do IR – justamente por não revelarem riqueza nova ou acréscimo patrimonial – os ingressos decorrentes de permutas de bens. Eventual lei federal que mande tributar tais ingressos será inconstitucional. Como inconstitucional será também qualquer interpretação que leve a este entendimento”26. 4. PERMUTA DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA AVALIADA COM BASE NO PATRIMÔNIO LÍQUIDO 4.1. Tratamento fiscal e o registro contábil antes da edição da Lei nº 11.638/2007 Conforme tratado anteriormente, a legislação do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas relativa ao ganho de capital disciplinou duas formas de reconhecimento e avaliação do custo do ativo. A primeira, prevista no §1º do art. 31 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, foi o custo contábil do bem, excluídos, no caso das empresas optantes pela apuração do imposto com base no lucro real, o saldo acumulado de amortização, depreciação ou exaustão. O segundo método, disposto no art. 33 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, aplicável para investimentos avaliados com base no patrimônio líquido, o valor do custo contábil, necessariamente, corresponde à soma algébrica do valor do patrimônio líquido em que o investimento estiver registrado contabilmente e o ágio ou deságio gerados na aquisição do investimento. 25

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. Acórdão nº 2101-01.366. julgado em 01/12/2011. Disponível em: www.carf.fazenda.gov.br. “Ementa: GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA POR MEIO DE PERMUTA, SEM TORNA. APLICAÇÃO DO MESMO TRATAMENTO LEGAL DESTINADO À PERMUTA DE BENS IMÓVEIS. Deve-se aplicar à alienação de participação societária por meio de permuta, sem torna, o mesmo tratamento legal destinado à permuta de bens imóveis. Não tendo havido torna no presente caso, não há que se falar em tributação. Sendo assim, na futura alienação do bem, deverá ser considerado, paraapuração do ganho de capital, o custo da aquisição originária do bem que fora objeto de permuta.” 26 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2005. p.59.

Da leitura do caput do art. 33 Decreto-Lei nº 1.598/1977, verifica-se que a norma fez uma expressa remissão ao art. 20 do mesmo diploma normativo que assim dispõe: Art. 20. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que tratam o número I. §1º O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento. § 2º O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico: a) o valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade; b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros; c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas. § 3º O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a e b do § 2º deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração.

Isto é, na alienação de um investimento, que poderá ocorrer por qualquer modalidade, inclusive, contrato de permuta, o contribuinte deve reconhecer o custo de aquisição do bem e, na ocasião, deve apurar eventuais diferenças (positivas ou negativas) entre o valor da aquisição (sacrifício financeiro suportado para aquisição do bem) e o patrimônio liquido do investimento adquirido. Assim, não havendo distinção na legislação, na apuração do resultado de uma alienação de um ativo avaliado com base no patrimônio líquido, devem-se seguir os seguintes passos: a) apurar o valor do custo do ativo registrado pelo alienante; b) apurar o valor da alienação, assim entendido como sacrifício financeiro suportado pelo adquirente para aquisição do bem; c) apurar o resultado da alienação; d) registrar o investimento pelo valor do sacrifício financeiro suportado.

No caso da permuta de investimentos, como visto anteriormente, o sacrifício financeiro suportado será, necessariamente, o valor contábil do bem dado em troca do investimento permutado. Aqui, também, não há qualquer diferença de tratamento quando há permuta de participação societária com valores distintos, visto que o art. 33 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 determina o desdobramento do custo do ativo (investimento) para fins tributários e, com isso, impede que alterações futuras do patrimônio líquido do investimento permutado possam modificar o valor do custo de aquisição do ativo e distorcer a forma de apuração de um eventual ganho de capital. Aliás, com a edição do parágrafo 4º art. 65 da Lei nº 8.383/1991, essa forma de reconhecimento do valor do sacrifício financeiro e contabilização da permuta de investimento avaliado com base no patrimônio líquido, já estava integramente tratada no artigo 33 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e ficou ainda mais evidente: Art. 65. Terá o tratamento de permuta a entrega, pelo licitante vencedor, de títulos da dívida pública federal ou de outros créditos contra a União, como contrapartida à aquisição das ações ou quotas leiloadas no âmbito do Programa Nacional de Desestatização. (...) § 4º Quando se configurar, na aquisição, investimento relevante em coligada ou controlada, avaliável pelo valor do patrimônio líquido, a adquirente deverá registrar o valor da equivalência no patrimônio adquirido, em conta própria de investimentos, e o valor do ágio ou deságio na aquisição em subconta do mesmo investimento, que deverá ser computado na determinação do lucro real do mês de realização do investimento, a qualquer título.

Note-se que a norma em questão não introduziu nenhum regime jurídico novo, mas apenas deixou explícito o tratamento que deve ser dado às permutas de participações societárias avaliadas pelo patrimônio líquido já disciplinado na legislação anterior. Cabe, novamente, outro exemplo, para que possamos contextualizar a situação. Empresa A e Empresa B possuem investimentos avaliados pelo patrimônio líquido. Por razões negociais, decidem celebrar um contrato de permuta dos seus respectivos investimentos. Na data da celebração do contrato, os investimentos da Empresa A e da B possuíam respectivamente os valores:

Seguindo os critérios contidos na legislação para apuração do resultado da alienação, já tratados no presente texto, não haveria, em ambos os casos, resultado positivo ou negativo da alienação, haja vista que o custo contábil do investimento e o valor da alienação (sacrifício financeiro para aquisição do novo investimento) são idênticos. Todavia, para que não haja futuramente uma indevida alteração no custo de aquisição do ativo em virtude de ajustes contábeis futuros decorrentes do método de equivalência patrimonial, o qual pode levar ao aumento ou diminuição de um futuro ganho de capital, a legislação impõe o desdobramento do investimento. No exemplo citado, após a ocorrência da permuta dos investimentos, teríamos a seguinte situação:

Aparentemente, sob a ótica estritamente contábil, poder-se-ia cogitar um aumento patrimonial em B, pois, após a alienação, o seu ativo que valia $70 foi trocado por um ativo com valor superior. No entanto, do ponto de vista fiscal, tal aumento do patrimônio líquido, apesar de denotar a existência de um acréscimo patrimonial, é apenas virtual/potencial e ainda não está disponível juridicamente. Isto é, ainda que “o adquirente possa ganhar com esse bem que acaba de adquirir, ele ainda não realizou o ganho (índice de capacidade contributiva), e antes

de tê-lo realizado não pode receber o ônus da tributação, o qual deverá sair de dentro do ganho, quando este for adquirido mediante um novo e atual negócio”27. Desta feita, enquanto o valor acrescido do bem não for realizado, ou melhor, efetivamente liquidado ou posto à disposição do contribuinte, ainda que possa representar um virtual aumento do poder econômico, não há aquisição de disponibilidade jurídica desse aumento. Por isso, a parte final do parágrafo 4º do art. 65 da Lei nº 8.383/1991, reconhecendo a necessidade de observância à disponibilidade jurídica para tributação do acréscimo patrimonial, esclarece, didaticamente, que o ágio ou deságio “deverá ser computado na determinação do lucro real do mês de realização do investimento, a qualquer título”. Demais, mesmo que não houvesse disposição expressa, tal comando poderia ser facilmente extraído do próprio art. 33 do Decreto-Lei nº 1.598/1977. Pois bem, voltando ao exemplo, caso a Empresa B, posteriormente, aliene o seu investimento, momento em que ocorrerá aquisição da disponibilidade jurídica de um eventual acréscimo patrimonial, o resultado da alienação será apurado com base no método descrito. Ressalte-se que se a alienação ocorrer por valor inferior ao contábil ou o valor contábil do investimento for menor em comparação ao originalmente reconhecido, o custo de aquisição, para fins do cálculo do ganho de capital restará preservado, pois tal diminuição não afetará o reconhecimento de um efetivo acréscimo patrimonial. Havendo ganho de capital no momento da posterior alienação haverá tributação. Na verdade, há um diferimento da tributação para o momento em que se dê a concreta e efetiva realização da aquisição da disponibilidade do acréscimo patrimonial. Portanto, tratando-se de uma troca envolvendo investimentos com valores contábeis distintos, somente é possível aferir a existência de um acréscimo patrimonial disponível juridicamente após a sua realização.

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OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Regime tributário da compra vantajosa – questões fundamentais. In: Controvérsias jurídico-contábeis, 4º volume, Coord. Roberto Quiroga Mosquera et al. São Paulo: Dialética, 2013. p.268.

4.2. Tratamento fiscal e registro contábil após a edição da Lei nº 11.638/2007 e Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 15 (R1) Com o advento da Lei nº 11.638/2007, que alterou profundamente a Lei n º 6.404/1976, a contabilidade brasileira passou por uma verdadeira revolução conceitual, o que vem possibilitando uma crescente e efetiva aproximação do modelo contábil brasileiro com aquele estabelecido internacionalmente pelo IASB28. Tendo em vista que tais alterações deveriam produzir reflexos no modo de apuração dos impostos, sobretudo para apuração do imposto sobre a renda com base no lucro real, para evitar uma indevida alteração na carga tributária, por meio da Lei nº 11.941/2009, foi instituído o Regime Tributário de Transição que neutralizou os efeitos tributários decorrentes dos novos critérios contábeis29. No caso da alienação de participação societária, avaliada com base no patrimônio líquido, o pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 15 (R1)30, que tratou da combinação de negócios, dispôs expressamente na forma de reconhecimento de uma compra (alienação) vantajosa. Para a referida norma contábil, a compra vantajosa ocorre quando a contraprestação dada em troca do investimento é inferior ao valor justo da participação societária adquirida. Essa vantagem, na visão da nova norma contábil, deve ser reconhecida como uma receita no próprio exercício em que o ativo é adquirido, ou seja, ao contrário do disposto nas normas ficais, “esse valor não é mantido em conta de ativo ou de passivo, mas, sim, imediatamente amortizado e registrado em contrapartida de uma receita”31. Todavia, do ponto de vista tributário, o que existe é um deságio que ainda não foi realizado, isto é, desprovido de disponibilidade jurídica que somente ocorrerá no caso de uma futura alienação ou realização do investimento. Haverá apenas uma receita contábil “que deve

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International Accounting Standards Board. Cf. PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Parecer/PGFN/CAT nº 202/2013. Publicado em 07/02/2013. 30 “33. Ocasionalmente, um adquirente pode realizar uma compra vantajosa, assim entendida como sendo uma combinação de negócios cujo valor determinado pelo item 32(b) é maior que a soma dos valores especificados no item 32(a). Caso esse excesso de valor permaneça após a aplicação das exigências contidas no item 36, o adquirente deve reconhecer o ganho resultante, na demonstração de resultado do exercício, na data da aquisição. O ganho deve ser atribuído ao adquirente”. 31 UTUMI, Ana Cláudia Akie.. Regime tributário da compra vantajosa – questões fundamentais. In: Controvérsias jurídico-contábeis, 4º volume, Coord. Roberto Quiroga Mosquera et al. São Paulo: Dialética, 2013. p.28. 29

ser excluída das bases de cálculo do IRPJ e CSLL, e mantida na parte B do Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur)”32. Ademais, como visto acima, uma eventual alteração da forma de reconhecimento contábil não pode implicar mudança do regime tributário. Esse, inclusive, é o expresso comando do art. 16 da Lei nº 11.941/2009 que dispõe: “As alterações que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007”. A verdade da total separação da contabilidade das regras fiscais, além da lei, é reconhecida pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional no seu douto Parecer PGFN/CAT nº 202/2013. Vale lembrar que a Lei nº 11.941/2009 expressamente diz que, para fins fiscais, as regras contábeis a serem consideradas serão aquelas vigentes até o ano de 2007 quando entrou em vigor a Lei nº 11.638/2007. No caso da permuta de participação societária, portanto, mesmo após a vigência das novas normas contábeis, o regime jurídico para apuração de ganho de capital para fins tributários permaneceu o mesmo uma vez que não houve qualquer alteração das regras fiscais. Por conseguinte, a diferença positiva resultante da troca de uma participação societária com valores diferentes deve ser computada como deságio e, ainda que seja escriturada contabilmente como receita, somente poderá ser tributada, quando e se essa vantagem se concretizar futuramente, através de uma alienação ou baixa do investimento.

CONCLUSÃO O ganho de capital consiste em uma mais valia incorporada ao patrimônio do contribuinte após apuração do resultado de alienação de um bem. Porém, não pode ser confundido com o valor econômico de um bem que passar a integrar o patrimônio ou que vier a integrar ao patrimônio com o custo menor (valor menor da alienação), antes que se dê a efetiva aquisição da disponibilidade da renda.

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UTUMI, Ana Cláudia Akie.. Regime tributário da compra vantajosa – questões fundamentais. In: Controvérsias jurídico-contábeis, 4º volume, Coord. Roberto Quiroga Mosquera et al. São Paulo: Dialética, 2013. p.30.

Sendo assim, não se pode considerar como disponibilizado juridicamente uma mera valorização de um bem ou incorporação de um bem ao patrimônio com valor superior ao gasto suportado para sua obtenção, pois, nestes casos, há uma simples valorização nominal ou potencial ainda não incorporada, definitivamente, ao patrimônio do contribuinte, isto é, o bem foi incorporado, mas a valorização ainda figura no campo da potencialidade e não satisfaz o critério da disponibilidade jurídica. A forma da aquisição ou baixa do ativo é irrelevante, sendo importante para apuração do ganho ou perda de capital apenas duas grandezas distintas: a) valor da transferência do ativo: o sacrifício econômico suportado pelo adquirente para a aquisição do ativo (dinheiro, bens, etc.) b) custo do ativo: valor pelo qual ele esteja registrado na contabilidade do alienante e que será baixado o ativo. Na alienação fundada em um contrato de permuta, o sacrifício financeiro, para fins de cálculo do resultado da alienação, deve ser efetivamente o equivalente ao custo contábil do bem dado em troca do novo ativo. Por outro lado, no caso dos contratos de permuta com torna, o valor do sacrifício financeiro deve corresponder ao custo contábil do bem dado em troca mais o valor entregue ou prometido como torna, haja vista que o sacrifício financeiro suportado não ficou restrito ao bem dado em troca do novo ativo. No caso de haver torna em dinheiro, com relação à esta parte já há o ganho e sobre esta deverá incidir a tributação. No caso da permuta de investimentos, o sacrifício financeiro suportado será, necessariamente, o valor contábil do bem dado em troca do investimento permutado. Não há qualquer diferença de tratamento quando há permuta de participação societária com valores distintos. Enquanto o valor acrescido do bem não for realizado, ou melhor, efetivamente liquidado ou posto à disposição do contribuinte, ainda que possa representar um virtual aumento do poder econômico, não há aquisição de disponibilidade jurídica desse aumento. Assim, tratando-se de uma simples troca envolvendo investimentos com valores contábeis distintos, mas sem qualquer recebimento de valor, somente é possível aferir a existência de um acréscimo patrimonial disponível juridicamente após a sua realização.

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