A Pesquisa do Canto Gregoriano no Séc. XX: Implicações em sua prática interpretativa

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A Pesquisa do Canto Gregoriano no Séc. XX: Implicações em sua prática interpretativa André A. Gaby Instituto de Ciências da Arte – Escola de Música – Universidade Federal do Pará (UFPA) Av. Conselheiro Furtado, 2007, Belém – Pará – Brazil [email protected]

Abstract. This paper aims to propose to the Brazilian universities a scientificcultural debate, very important to the musicology in the world: the study of a gregorian musical performance through the gregorian palaeography and semiology. Since the iniciatives of Dom Guéranger, a Solesmes monk, in 1822, the abbey has been responsible of a renewal and return to the origins of this monodical tradition, basilar to understanding the Western Music. Launching an example of an interpretative proposal, based on gregorian semiology studies, insert us in this process of renew, specially in Brazil, that has suffered a very strong influence from the European culture. Resumo. Este artigo tem o intuito de propor para a academia brasileira um debate científico-musical muito importante para musicologia mundial: o estudo da interpretação gregoriana através da Paleografia e Semiologia Gregoriana. Desde as iniciativas de Dom Guéranger em 1822 que a Abadia de Solesmes na França tem sido responsável pela renovação e retorno às origens desta tradição monódica básica para a compreensão da música ocidental. Lançar um exemplo de proposta interpretativa segundo a semiologia gregoriana nos insere neste processo de renovação, que resgata as origens desta tradição, principalmente em nosso país, que vem sofrendo influência da cultura europeia desde a sua fundação.

1. Introdução O estudo e pesquisa sobre o canto gregoriano, em relação ao tempo de sua existência na cultura ocidental, é demasiadamente recente. De fato, os primeiros relatos de uma prática gregoriana homogênea difundida em toda Europa remontam ao século VIII e os primeiros registros são datados do fim do século IX (RAMPI, 2006, p. 26). Foram necessários dez séculos de prática musical litúrgica, mudanças, concílios, a decadência e renascimento de uma ordem monástica, a ordem beneditina, especificamente na abadia de Solesmes, para que o resgate da antiga tradição gregoriana fosse realizada. No ano de 1822, um monge de Solesmes, Dom Prosper Guéranger, foi responsável pelo início de movimento de restauração da liturgia romana. O seu desafio começa da restauração dos textos, mesmo que estivesse consciente da necessidade de uma restituição melódica, baseada nos manuscritos mais antigos das diversas regiões da Europa. A sua iniciativa deu origem a diversas outras iniciativas, entre as quais a

descoberta de manuscritos antigos, chegando ao ponto de um outro monge solesmense, Dom Pothier, publicar em 1883 o Liber Gradualis, uma proposta de restituição melódica (baseada nos primeiros códigos pesquisados após o trabalho de Guéranger) dos cânticos da missa da Editio Ratisbonensis, até então a edição adotada pelo Vaticano. Em 1889, Dom Mocquereau, outro monge solesmense, deu início a uma serie de publicações cientificas intituladas Paléographie Musicale, até então em curso e que hoje conta com 23 volumes, cada um dedicado a um manuscrito, reforçando a veracidade do trabalho de Pothier. Os trabalhos de Solesmes foram tão relevantes que o Papa Pio X, na ocasião da publicação do Motu Proprio de 1903 “Tra le sollecitudini” (onde reafirma a prioridade absoluta do canto gregoriano na liturgia romana), incentivou a publicação de um novo Graduale Romanum (1908) e de um novo Antiphonale Romanum (1912), baseados no Liber Usualis de Pothier. Era o prelúdio da história do renascimento do canto gregoriano no séc. XX, que atingirá o ápice com os estudos sobre a rítmica gregoriana (coluna ausente até então do tripé texto-melodia-ritmo), de Dom Eugene Cardine. Ele, baseando-se no trabalho de Dom Mocquereau, fundou a disciplina denominada Semiologia Gregoriana, a pesquisa do significado musical dos neumas em campo aberto (sem linhas). Ou seja, o significado rítmico, já que pouquíssimo se podia afirmar da melodia, com a ausência das linhas. De fato, a melodia, para os primeiros monges copistas, era um fenômeno sabido, desnecessário de ser lembrado, muito conhecido e exercitado pelos coristas na idade media e que precisavam de indicações em relação à retórica, expressividade e pronúncia dos textos em questão (Rampi 2006, p. 40-41). A publicação de Dom Cardine, O Graduel Neumé (1966), estimulou a fundação da associação internacional de Estudos do Canto Gregoriano e publicação do Graduale Triplex e Graduale Romanum com acréscimo de duas notações adiastématicas: notação metense (Laon 239) e notação sangalese (Saint Gallen 359, 376 e Einsiedeln 121). Este artigo irá apresentar uma proposta de prática interpretativa para o canto Ad te levavi (Introitus do primeiro domingo do Advento), extraído do Graduale Triplex, seguindo os estudos da Paléographie Musicale de Dom Mocquereau, com proposta de restituição melódica deste canto, e seguindo os estudos da Semiologia Gregoriana de Dom Eugene Cardine, com proposta rítmica baseada no ritmo silábico.

2. Proposta de restituição melódica O processo de restituição melódica de um canto gregoriano foi e ainda é um debate acalorado no meio científico e eclesial. “O Graduale Romanum de 1908 e o Antiphonale Romanum de 1912 permanecem ainda hoje como as duas fontes fundamentais que devem atingir as melodias gregorianas para os cantos da missa e do ofício divino” (RAMPI; LATTANZI, 1998, pp. 575). Estas edições expressam a preocupação da Santa Sé em torno da praticabilidade pastoral (posicionamento de Dom Pothier dentro do embate) em detrimento à batalha de Dom Mocquereau pelo retorno às “melhores fontes manuscritas” (RAMPI; LATTANZI, 1998, p. 575). Porém, Dom Mocquereau defendia tal retorno por compreender que somente a restauração em cada um dos aspectos fundamentais do gregoriano (melodia, modo e

ritmo) poderia contribuir para o refinamento da técnica interpretativa. As edições do Paléographie Musicale dirigidas por ele (cujo 23º volume foi publicado este ano), juntamente com as diversas edições críticas solesmenses contribuíram para a conscientização da necessidade de revisão das Edições Vaticanas de 1908 e 1912. Além disso, ampliou-se a consciência semiológica de que os neumas traziam a síntese do tripé melodia, modalidade e ritmo. Algumas edições posteriores muito importantes como, por exemplo, o Antiphonale Monasticum (1934), o Graduale Simplex (Editio Vaticana 1967 e Editio altera 1975), Graduale Romanum (edição de Solesmes, 1974) e Psalterium Monasticum (1981) trouxeram atualizações importantes dos estudos da paleografia e Semiologia Gregoriana. Os manuscritos de Saint Gallen e Laon, por critérios de antiguidade e confiabilidade, acabaram se tornando o foco dos estudos semiológicos (tanto que estão presentes no Graduale Triplex), porém são dotados de neumas em campo aberto. Para propostas de restauração melódica segura, os estudos paleográficos indicaram, juntamente com outros, principalmente os manuscritos com pauta das famílias beneventana (Itália) e Aquitânia (França), “nos quais se confirmam em muitos casos as indicações de ordem melódica das fontes em campo aberto” (RAMPI; LATTANZI, 1998, p. 577). Para tanto, apresenta-se o canto Ad te levavi, extraído de várias edições ou manuscritos para que se proceda análise mais direta: Figura 1: Versão do Graduale Romanum de 1896 (edição Pustet); Figura 2: Versão do Graduale Romanum de 1908 (editio vaticana); Figura 3: Versão do Graduale Romanum de 1974 (editio vaticana); Figura 4: Versão do Graduale Triplex de 1973 com notação de Saint Gallen abaixo (siglas SG ou Ein) e Laon acima (L); Figura 5: Versão do Codex H. 159 (século XI)1; Figura 6: Versão do Manuscrito de Benevento, Codex VI. 34 (séculos XI – XII, sigla Bv34); Figura 7: Versão do Manuscrito Gaillac 776 (“Albi”, século XI, sigla Alb); Figura 8: Versão do Manuscrito St.-Yrieix 903, parte 1 (século XI, sigla Y); Figura 9: Versão do Manuscrito St.- Yrieix 903, parte 2.

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O Codex H. 159 possui tanto registros neumáticos sem linha como registro das notas dos cantos, usando algumas letras do alfabeto: f – fá, g – sol, h – lá, i – si, k – dó, d – ré, e – mi.

Figura 1. Canto Ad te levavi extraído, do Graduale Romanum de 1896 (Pustet).

Figura 2. Canto Ad te levavi extraído, do Graduale Romanum de 1908 (Edição Vaticana).

Figura 3. Canto Ad te levavi extraído, do Graduale Romanum de 1974 (Edição Vaticana).

Figura 4. Canto Ad te levavi, extraído do Graduale Triplex.

Figura 5. Canto Ad te levavi, extraído do Antiphonarum Tonale Missarum (Codex H. 159) da Biblioteca de Montpelier.

Figura 6. Canto Ad te levavi, extraído do manuscrito Benevento VI. 34.

Figura 7. Excerto do canto Ad te levavi, extraído do manuscrito Gaillac 776, conhecido como Albi.

Figura 8. Primeiro excerto do canto Ad te levavi, extraído do manuscrito St.Yrieix 903.

Figura 9. Segundo excerto do canto Ad te levavi, extraído do manuscrito St.Yrieix 903.

Comparando as figuras de 1 a 9 é possível chegar a algumas conclusões:

1. É notório que o registro do canto Ad te levavi pelo Graduale Romanum (1896) é anterior ao início da influência das pesquisas paleográficas na práxis executiva e pastoral. Tanto o Graduale Romanum de 1908, estimulado pelo pontificado de Pio X, quanto os testemunhos antigos divergem profundamente dele. Até o pontificado de Pio X, a Editio Ratisbonensis, uma réplica da Editio Medicea (1614), era mais confiável simplesmente pela defesa de que esta teria sido organizada pelo próprio, grande compositor do período da contra-reforma. Porém, os estudos comprovaram que esta edição tinha alterações gravíssimas, que descontruíam a beleza do canto monódico em nome de sua utilização como cantus firmus (planus), na polifonia. Ficou comprovado também que a manipulação desta edição não tinha sido organizada por Palestrina (RAMPI, 2006, pp. 21). Tentar extrair a beleza de um canto retórico, como o gregoriano, com uma melodia gravemente alterada não se sustenta, por agredir o tripé melodia, modo, ritmo. 2. A partir do Graduale Romanum de 1908 percebe-se que houve um empenho por parte dos pesquisadores de Solesmes, e também do Papa Pio X, em resgatar a história do canto gregoriano. A melodia deste Graduale se aproxima bastante da melodia registrada por H. 159. Ainda assim existem divergências entre H.159 e os registros adiastemáticos (sem linha) de L e SG, os registros mais antigos, particularmente no início do canto, na sílaba Ad e te, na sílaba que de neque, e na sílaba tant de exspectant. Essas divergências, assim como outras de vários outros cantos, ainda causavam insatisfação em Dom Mocquereau. Houve um debate intenso entre ele e Dom Pothier, autor da pequena restauração de 1908. Pothier invocava a “pastoralidade” do canto, contra a “cientificidade” de Dom Mocquereau. O olhar da Santa Sé se manteve pela “pastoralidade”, até a edição típica válida atualmente, de 1974. 3. Mais pesquisas se desenvolveram e a coleção da Paléographie Musicale se ampliava. Em 1925, a equipe de Dom Mocquereau publicou o volume número 13, que continha os estudos sobre o Graduale de Saint-Yirieix. Por se tratar de um manuscrito da região da Aquitânia, como já citado acima, é um manuscrito de alta confiabilidade. As figuras 8 e 9 nos mostram o canto proposto, extraído de lá. Tal exemplo já nos sugere uma melodia muito mais próxima àquela testemunhada pelos neumas em campo aberto (adiástematicos), apresentando inclusive uma solução mais viável para a sílaba Ad e para a sílaba tant da palavra exspectant. 4. A figura 6, extraída de Bv34 (da região beneventana), manuscrito sobre o qual os monges solesmenses se debruçaram no volume número 15 da Paléographie Musicale (lançado em 1937), apresenta novas soluções para a restituição melódica do canto cada vez mais próxima dos códigos mais antigos. A sílaba que, de neque, registra uma nota realmente mais adequada, segundo registro antigo de L e SG. Infelizmente, tanto este excerto como o da figura número 7 não estão completos, porque o pergaminho original está danificado, impedindo assim um esclarecimento para as sílabas iniciais do canto. Porém, Bv34 confirma as notas de tant, em exspectant, sendo essas notas iguais a versão do Graduale Romanum de 1908. 5. A única sílaba que não apresenta uma solução de restituição melódica consistente em nossos exemplos é a sílaba te, de Ad te levavi. No Graduale Triplex, esta sílaba é idenficada com um neuma de duas notas ascendentes (pes ou podatus) por SG. Porém, L indica que tal sílaba possui somente uma nota. Esta única nota é confirmada por H. 159 e Y como nota fá. Alguns exemplos da discografia (Cantori Gregoriani, CD

Adventus Domini), contudo, obedecem a SG, inserindo a nota dó antes da fá, executando assim o pes testemunhado por SG. Portanto, após todas as conclusões extraídas, a restituição melódica baseada nos manuscritos antigos sugere poucas mudanças na melodia do Graduale Romanum de 1908: - Sílaba inicial Ad somente com uma nota ré, e não com sol e ré liquescente (nota registrada como uma espécie de apojatura); - Para quem pretende seguir o manuscrito SG, deve-se acrescentar a nota dó mais grave que o fá já existente na segunda sílaba (te), constituindo assim um pes; - A sílaba que, de neque, que possui a nota dó, deve ser substituída pela nota si; - A sílaba tant de exspectant deve ser executada assim como está registrada pelo Graduale Romanum de 1908.

3. A questão rítmica no canto gregoriano Os esforços para um resgate melódico, desenvolvido por Dom Mocquereau e sua equipe de monges foi e tem sido louvável. Quanto a este ponto devemos nos interrogar: pode somente um resgate melódico-textual refletir toda a riqueza de um canto nascido da declamação prosódica da palavra? Registros neumáticos diastemáticos (com linhas), em nome do salvamento da melodia, acabaram por enfraquecer toda a riqueza semiológica contida nos neumas em campo aberto, que traziam em sua essência a rítmica, a retórica, o significado, a exegese do texto gregoriano. O som da palavra. “A questão do significado textual é, em essencia, a questão do ‘ritmo’, que deve ser compreendido […] como movimento do texto, seu modo de comunicar-se segundo um significado preciso” (RAMPI, 2006, pp. 28). As novas versões melódicas gregorianas são realmente belas, mas sem ritmo, um canto sem sentido. “É para explicar o senso das palavras que as melodias gregorianas foram compostas” (Papa Leão XIII). As primeiras tentativas de “dar rítmica” a um registro musical melódico-textual enfraquecido pela ausência dos manuscritos mais antigos foi o método rítmico de solesmes. Este método possui três sinais principais, já presentes no novo Graduale Romanum de 1974 (figura 3): “1 – episema horizontal (transversum episema): é um pequeño traço que é inserido horizontalmente sobre ou sob uma nota, ou de um grupo de notas, para significar o “rallentamento” do ritmo; 2 – punto (punctum-mora): aumenta o valor da nota ao lado da qual é posto; 3 – episema vertical (rectum episema): é um pequeño traço vertical posto via de regra sob a nota, que marca o ictus, ou seja, o apoio sobre uma nota para indicar o chamado ritmo elementar”. (RAMPI; LATTANZI, 1998, p. 44). Além desses, outros dois sinais foram inseridos na edição de 1974, sendo resultado dos estudos das fontes manuscritas: - A ligadura: é basicamente um sinal para corrigir o um quarto de pauta, presente nas partituras quadratas gregorianas, que foram inseridos de maneira equivocada. Por se tratar de uma editio typica, a edição de 1908 não pode ser corrigida, e nada pode ser retirado dela. Portanto, para esclarecer que alguns quartos de barra não são válidos,

foram inseridas ligaduras nos mesmos pontos. Esta ligadura aparece no canto analisado neste artigo, porém não com função da correção de um quarto de barra e sim para indicar a fusão entre as duas vogais e, das palavras te exspectant.

Figura 10. Trecho do canto Ad te levavi, Graduale Romanum de 1974.

- “A virgula: indica um fraseado mínimo ou também, as vezes um “respiro”. Solesmes a acrescentou também na edição vaticana de 1974, ao todo 56 destes símbolos, que assumem basicamente a função de suprir a falta de quartos de barra ou de corrigir um sinal proximo, deslocando a articulação ao momento mais oportuno” (RAMPI; LATTANZI, 1998, p. 45). À exceção dos últimos dois símbolos apresentados, que foram inseridos baseados nos estudos paleográficos e semiológicos, os símbolos do sistema Rítmico de Solesmes já são cientificamente comprovados como inadequados. O método de Solesmes supriu uma enorme lacuna no estudo rítmico do canto gregoriano, aprofundando o estudo da rítmica e acentuação do texto latino, e permitindo que, com sua proposta simples de ritmo a dois ou três tempos, um elevado número pessoas pudessem cantar “a ritmo”. Porém, após os estudos semiológicos de Dom Eugene Cardine, este método se tornou defasado. Apesar disso, ainda hoje é o método rítmico mais difundido pastoralmente, devido a sua simplicidade, o que facilita o aprendizado. No entanto, este artigo tem como intuito atualizar a práxis executiva do canto gregoriano, vinculando-a às pesquisas mais recentes sobre o assunto. Os sinais rítmicos do Graduale Romanum de 1974 ainda não são adequados à riqueza e profundidade da expressão retórica contida nos neumas antigos. É preciso que o ritmo reflita o sentido da palavra para que aconteça uma melhor ruminatio de quem a ouve, para que este canto seja uma resposta à altura da Palavra, do Verbo, do Logos. Portanto, com os estudos de Dom Eugene Cardine, a partir de seu Graduel Neumé de 1966 e de seu livro de Semiologia Gregoriana, inaugurou-se simplesmente uma nova e fecunda estação de pesquisa, que era totalmente compatível com tudo que vinha sendo estudado por quase um século, mas com elementos novos ao ponto de dar um sentido completo ao tripé melodia-modo-ritmo. Nasce com Cardine a Semiologia Gregoriana.

4. Semiologia gregoriana e praxis executiva Para melhor afrontar a analise semiológica do canto Ad te levavi é necessário apresentar de maneira breve os signos neumáticos que serão utilizados. Este artigo se concentrará na escola de notação sangalese. Observe-se os quadros abaixo:

Tabela 1. Tabela de lestras significativas de Saint Gallen. MELÓDICO letra

texto

s

sursum

a

altius

l

levate

e

aequaliter

i

iusum/inferius

d

deprimatur

RITMICO significado

elevação

unissono descida

letra

Texto

t

tenete

significado

PRECISÃO letra

texto

significado

b

bene

bastante

m

mediocriter

mediamente

v

valde

muito

uma certa sustentação x

expectare

c

celeriter

uma certa aceleração

Figura 11. Tabela de neumas de Saint Gallen (SG).

O canto em questão é um introitus (entrada). De modo geral, introitus não são cantos excessivamente melismáticos. São cantos processionais, e tais cantos são geralmente mais simples. O funcionamento básico do rítmico semiológico une dois conceitos bem claros: ritmo da palavra e rítmica binária.

O ritmo da palavra significa pronunciar a palavra de modo mais articulado e claro possível, respeitando as acentuações que lhes são características. Significa o que logicamente precedeu a prática gregoriana: a declamação de textos sacros. Quanto melhor articulada e mais clara a declamação, melhor ela será compreendida e ruminada. A rítmica binária parte do principio básico de que o canto gregoriano possui somente duas maneiras de serem cantadas: leggera, isto é, ágil, com desenvoltura, e allargata, ou seja, alargada, desacelerada. A não utilizaçao das palavras “rápida” e lenta” é proposital. Ambas nos remetem a uma concepção de música moderna, de métrica fixa. Quanto mais fora dessa concepção de interpretação métrica nossa imaginação estiver, melhor será a interpretação gregoriana. O sistema neumático consiste basicamente na concepção binária de ritmo. Ele possui neumas simples (leggeri) e neumas allargati. Essas duas premissas são norteadas pelo ritmo da palavra. A “velocidade” (outra palavra inadequada à atmosfera da interpretação gregoriana) é regida pela “ambiência” do local. As igrejas possuem uma acústica própria. Se canta em uma “velocidade” que deixe o texto “suficientemente” claro. Portanto, apesar de existirem somente dois “andamentos” esses andamentos são relativos à métrica de cada palavra. Existem 4 maneiras do neuma “se tornar” allargato: pela adição de um episema, de uma letra (figura 11, letras t e x), pela mudança do traçado ou por re-agrupamento. Na figura 12 podemos notar 3 grandes colunas de modificação de neuma que fazem referência a isso. Fora os neumas leggeri e allargati, maneira mais simples de manusear a rítmica, existem neumas especiais, cada um com uma função bem particular: - Neumas de repetição de notas (figura 12, dos números 13 a 17). O único completamente allargato é a bivirga/trivirga; - Neumas de condução (figura 12, dos números 18 a 24). Tem a responsabilidade de conduzir a interpretação para a próxima sílaba; - Neumas liquescentes (figura 12, colunas à direita). Todos os neumas que apresentam na tabela a forma liquescente podem sofrer essa alteração. Consiste na manipulação da pronúncia de encontros consonantais e vocálicos. Explora-se melhor esse fenômeno através desse tipo de alteração neumática, que irá dar um destaque especial a articulações silábicas que possuem encontros consonantais e vocálicos;. - E os torculi especiais. São de três tipos: de entonação, de articulação, e de passagem. Após esta breve exposição passemos à analise e proposta de interpretação semiológica do Introitus Ad te levavi.

7. Interpretação semiológica do Introitus Ad te levavi As premissas para se cantar bem o canto gregoriano são poucas, mas muito importantes: pronunciar bem o texto latino, cantar excessivamente legato, articular bem as consonantes, sem martelá-las, dar maior importância à última nota dos neumas ou elementos neumáticos, pois é essa a notação de articulação que torna o texto compreensível, e respirar nos pontos exatos, com a duração mais adequada ao fraseado.

Após tais premissas, passemos à interpretação semiológica específica dos neumas antigos. Inicialmente, é interessante identificar e propor a interpretação dos neumas especiais, se estiverem presentes. No canto em questão, localizamos os seguintes neumas ou grupo de neumas especiais: 1. Neumas de repetição de notas: pes com bivirga na silaba a da palavra anima; bivirga na silaba us da palavra Deus; distropha na silaba me da palavra meus; tristopha na palavra non do treho non erubescam; tristopha episemata na silaba que da palavra neque, tristopha liquescente na silaba ant da palavra irrideant. Propostas de interpretação: bivirgas são cantadas com destaque (allargate). Distropha e tristopha simples, são cantadas de maneira normal, utilizando-se de uma tecnica chamada repercussão. Na repercussão, o som não deve ser cortado pelo fechamento da laringe, mas sim articulado entre as notas usando o diafragma. O método de solesmes recomendava fazer uma nota única com a duração equivalente à quantidade de notas (se distropha, 2 tempos; se tristopha, 3 tempos), o que é equivocado. Todas as notas precisam ser ouvidas de maneira articulada. 2. Neumas de condução: pes quassus na sílaba us da palavra Deus; e quilisma na nota si da sílaba imi da palavra inimici. Proposta de interpretação: o pes quassus precisa simplesmente conduzir a nota dó para a nota ré da sílaba em questão, dando importância especial à segunda nota, que possui também um episema. O quilisma será bem interpretado se o coro apoiar-se sobre as notas que ficam entre a nota quilismata, nota la e dó. As notas quilismatas são geralmente a nota debole do grupo de notas, e para se criar o contraste do ritmo binário, se allarga as notas que a rodeiam. 3. Neumas liquescentes: cefalicus sobre as sílabas Ad, e mam da palavra animam; epiphonus sobre a sílaba in no trecho in te confido, e na palavra non do trecho non confundentur; ao fim da tristopha da silaba ant da palavra irrideant, na forma de tristopha liquescente; Proposta de interpretação: um neuma liquescente possui duplicidade de forma. Ou ele possui uma ou duas notas, nos casos que envolvem cefalicus e epiphonus. Nos casos que ele possuir duas notas, deve-se entoar o fonema da segunda letra sobre esta nota, para criar uma sensação de articulação destacada na passagem para a próxima sílaba. Caso possua somente uma, esta articulação sobre a segunda letra deve acontecer do mesmo jeito, porém utilizando-se de uma nota. No caso da tristopha liquescente, as letras de articulação, neste caso o encontro consonantal nt deve ser pronunciado sobre a última nota da tritopha. 4. Torculi speciali: torculus de articulação na sílaba ctant da palavra exspectant. Proposta de interpretação: Este neuma especial tem uma interpretação bastante particular. Ele deve ser allargato e articulado sobre as consonantes nt em direção a consoante da próxima palavra, n de non. Terminada a análise dos neumas especiais, tudo se torna mais simples. Basta allargare as notas que possuem episemas, ou letras indicativas de allargamento (x e t) ou ainda os neumas com modificação de traçado. Dou destaque especial a três: pes, clivis e torculus completamente allargati. Caso esses neumas especiais sejam

precedidos de neumas ou parte de neumas con episema, o allargamento é extendido ao grupo de notas inteiro. Neumas marcados com c de celeriter não necessariamente devem ser ainda mais rápidos. Lembrem-se que o gregoriano possui ritmo binário. Certamente foram marcados com celeriter para recordar os cantores de não “puxarem o tempo da música para trás”. O canto trabalhado não possui nenhum caso de reagrupamento, também chamado de stacco neumatico (corte neumático). O manejo da respiração deve ser cauteloso. O grupo inteiro jamais deve respirar em conjunto em pontos sem indicação de vírgulas, meia barra ou barra inteira. Deve-se evitar respirações em pontos de um quarto de barra. É necessário diferenciar claramente o tempo de respiração de uma meia barra para uma barra inteira. A barra inteira separa de maneira clara as frases, a meia barra propõe uma continuação com uma breve respiração. Os melhores pontos de respiração no canto Ad te levavi são: após a palavra meam, após a palavra erubescam, prestando atenção nesta frase: “Deus meus in te confido, non erubescam” que, por ser longa, solicitará uma respiração individual dos coristas, após o trecho inimici mei, e após a palavra exspectant. Atentando a todos os detalhes aqui explicitados, uma melhor exegese da palavra se dará com a execução atenta a todos os detalhes semiológicos. O canto gregoriano, nascido há mais de dez séculos, vive um novo processo embrionário, buscando suas raízes mais profundas de declamação, exegese e retórica. Assim, pouco a pouco, como declara o documento do Concilio Vaticano II, ele é recolocado de volta ao lugar principal da liturgia, pois se trata da mais bela expressão cultural de uma liturgia em constante mudança, mas baseada em alicerces eternos, que foram esteio para todo desenvolvimento expressivo, técnico e científico que a música do ocidente proporcionou à civilização humana. Vivemos um processo de desconstrução dos pilares de expressão artística ocidental, em busca de novos horizontes estéticos. Neste mar novo, agitado e revolto, navega um pequeno barco em direção contrária, a pesquisa sobre o canto gregoriano.

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