A PESSOA IDOSA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

June 6, 2017 | Autor: M. De Avila Todaro | Categoria: Education, Educational Gerontology
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Mini Curso 04

A PESSOA IDOSA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

TODARO, Mônica de Ávila - UNINOVE

Resumo
O idoso é oprimido por serem a infância e a juventude fases consideradas adequadas à escolarização? Objeto de estudo: os idosos e sua relação com a EJA na busca por alfabetização. Objetivo: analisar os discursos acerca da pessoa idosa. Metodologia: abordagem qualitativa; entrevista semi-estruturada. Participantes: estudantes idosos, professores e gestores.
Palavras-chave: Idosos; EJA; Alfabetização.

Introdução

Esta comunicação vem apresentar os resultados parciais de uma pesquisa que pretende analisar a relação entre a prática educacional e a pessoa idosa nos Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), levando em conta, essencialmente, duas teses: a da exclusão da velhice do projeto educacional brasileiro, e a da funcionalidade do sistema educacional ao sistema produtivo, que é verificada na sociedade capitalista.
Serão consideradas três problemáticas principais de análise: 1) o caráter homogêneo das práticas educacionais verificadas nos programas de EJA, que atendem a um público heterogêneo quanto à faixa etária; 2) a inexistência de uma política educacional específica para a velhice no Brasil e 3) a não-contemplação, em leis como a LDB e o Estatuto do Idoso, do analfabetismo como um fato social que afeta, sobretudo, os idosos. Acredita-se que tais problemáticas são reveladas, em essência, por meio das crenças presentes nos discursos dos atores envolvidos no trabalho com pessoas idosas.
A questão norteadora da pesquisa em andamento é: Como pensar na relação entre velhice e educação/alfabetização, numa sociedade que tem a infância e a juventude como fases tradicionalmente destinadas à vivência escolar e ao desenvolvimento humano?
Fundamentação

As pessoas idosas foram excluídas do projeto educacional, pois não interessam mais ao processo produtivo. Isso porque, na opinião de muitos, tais pessoas não "precisam" ser formadas para uma futura vida profissional.
A lógica é a seguinte: para quê se investir na educação dos que já passaram pela vida produtiva ou que estão em vias de sair dela? Isso seria um desperdício do ponto de vista do capitalismo, pois estes indivíduos não poderiam mais contribuir para a produção da riqueza.
As pessoas idosas começam, ou voltam a estudar, por diferentes motivos. Entre os idosos, a procura pela escola está relacionada à realização de uma vontade antiga de aprender os conteúdos escolares. Saber ler e escrever é uma condição frequentemente associada a ter uma vida melhor. A influência da escolaridade de filhos e netos é outro fator que impulsiona os mais velhos a estudar. É comum o desejo de auxiliar na lição de casa das crianças ou participar mais ativamente da educação delas. A busca por independência é outra razão. Não precisar mais de vizinhos ou familiares para ler documentos ou identificar as informações em rótulos dos produtos, entre outras atividades em que a leitura é necessária, é comumente citado. Com o tempo, as expectativas se ampliam.
As justificativas para continuar são várias e estão ligadas, sobretudo, às conquistas relacionadas à escola. Sentir-se mais seguro para comentar os acontecimentos atuais, ver beleza na letra de uma música, fazer amigos e se sentir parte de um grupo social, são apenas alguns exemplos.
Apesar de possuírem conhecimentos e experiências, as pessoas idosas não conseguem, na maioria das vezes, reconhecimento social, por não ter o documento (diploma) que comprova a passagem pela escola – a instituição que detém o chamado "conhecimento verdadeiro".
Em meio a esse processo de exclusão, como fica a identidade desses sujeitos? Ou, melhor dizendo, como é a identidade de um estudante idoso da EJA? Como essa identidade é construída? Como os discursos (das pessoas idosas e dos demais) contribuem para a construção de sua identidade?
O conhecimento de que a subjetividade se constrói no outro e pelo outro e de que o sujeito é atravessado por muitas vozes, não possuindo assim uma "identidade" fixa, única, mas sim identificações, indica a importância do tema problematizado.
A pessoa idosa representa o trabalhador que já se tornou improdutivo e obsoleto, e que deve dar lugar às novas gerações de trabalhadores, dotadas de conhecimentos atualizados e de uma maior disposição para o trabalho. Assim, o velho deve ser expulso, retirado do mercado de trabalho e, por que não, da escola.
Segundo Vieira Pinto (1982), o analfabeto não é o culpado por sua "ignorância". Porém, nos dias de hoje, o analfabetismo é comumente tratado como responsabilidade pessoal dos analfabetos. O Estado procura se eximir dessa responsabilidade, atribuindo, primeiramente, à família – portanto, à esfera privada e pessoal – a responsabilidade por quem quer que seja um de seus membros não ter estudado na idade própria, tal qual diz a legislação. Privatização da culpa? Não é o analfabetismo uma condição social? Quem é o verdadeiro opressor na questão do analfabetismo no Brasil?
A evasão dos programas de EJA também é um ponto importante nesta discussão. Esta é atribuída, frequentemente, a fatores relacionados à vida pessoal, social e profissional dos alunos, mas raramente são associados à inviabilidade estrutural e metodológica dos programas, à sua ineficiência como prática educacional, à sua desconsideração da heterogeneidade dos participantes e do desprezo pelos seus conhecimentos acumulados ao longo da vida e como consequência do tradicional descaso do Poder Público e da formação deficitária dos educadores para lidar com a EJA.
O processo de conscientização dos que frequentam a EJA só alcançará o estágio propriamente crítico quando todos (jovens, adultos e idosos) se identificarem como classe.
O pensamento de Paulo Freire está marcado na dedicatória da obra "Pedagogia do oprimido" e demonstra sua orientação pela visão do oprimido. Lá está escrito: "Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam".
A pedagogia de Freire é importante e sempre atual não só porque ainda há opressão no mundo, mas porque ela responde a necessidades fundamentais da educação.
A relação entre a escola e os estudantes idosos coloca toda a sociedade brasileira, hoje, frente a novos e grandes desafios diante do envelhecimento populacional e do direito à educação ao longo da vida.
As pessoas idosas estão se tornando cada vez mais visíveis e a escola, nesse novo contexto, não pode ser mais um espaço, entre outros tantos, de prática educacional da, assim chamada por Freire, "Educação bancária". Precisa ser um espaço que respeita os múltiplos saberes, exercendo uma função mais formativa e ética. Precisa tornar-se um "círculo de cultura", como dizia Paulo Freire.

A pesquisa

É objetivo desta pesquisa realizar uma análise preliminar dos "dizeres" de estudantes, docentes e gestores dos CIEJAs, por meio de entrevistas, na tentativa de puxar alguns fios que constroem a prática educacional.
A metodologia prevê a realização de uma pesquisa de abordagem qualitativa. Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas do tipo semi-estruturada (com gravação em áudio). Participaram das entrevistas estudantes idosos, docentes e gestores dos CIEJAs que trabalham com as classes iniciais de alfabetização. O critério utilizado para a escolha do local foi ser um espaço planejado especificamente para a Educação de Jovens e Adultos, mas que recebe muitas pessoas idosas.
O que são os CIEJAs? Como surgiram? Quantos são? São os Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos. A palavra "idosos" não faz parte da sigla CIEJA, apesar dos membros deste segmento etário estarem presentes em grande número, principalmente nos horários diurno e vespertino. Tais espaços que abrigam a modalidade surgiram em 2003 no governo do PT, quando da eleição da prefeita Marta Suplicy. Hoje em dia são, aproximadamente, 15 unidades na cidade de São Paulo.
Os dados coletados (discursos revelados nas entrevistas semi-estruturadas) revelaram crenças. Crenças são teorias cognitivas interiorizadas num grau tal que são percebidas como verdades e tidas não só como uma explicação da realidade, mas como a própria realidade.
Primeiramente, serão transcritas algumas das falas que parecem revelar o preconceito e a idealização que atravessam os discursos para, em seguida, tecer considerações possíveis no momento da pesquisa.
Para os gestores e professores dos CIEJAs, todos os idosos são: Bonzinhos; Carinhosos; Quietinhos; Receptivos e Amorosos.
Em relação à aprendizagem da pessoa idosa, os professores disseram que: "Os idosos são lentos"; "É difícil entrar alguma coisa na cabeça deles"; "Uns já sabem, outros não sabem nada"; "Os idosos são esforçados"; "Os idosos são sempre os mais interessados"; "Os idosos são como "carne dura", precisam de uma boa panela de pressão".
Quanto ao método de ensino, os professores afirmaram que: "Os idosos preferem o método tradicional"; "Querem que eu escreva na lousa"; "Dizem que eu não dei nada quando não escrevi na lousa"; "Não gostam de sentar em círculo"; "Detestam os dias que tem passeios e filmes".
Quando perguntados sobre a questão da evasão escolar, os gestores falaram que: "Os idosos têm muitos problemas pessoais"; "Ficam muito doentes"; "Precisam ajudar os filhos e netos"; "Se cansam facilmente"; "Emburram e não vem mais à aula"; "Desistem se há troca de professor".
Quando os estudantes idosos foram entrevistados, os discursos revelaram que: "Meu tempo já passou"; "Ela (a professora) é boazinha demais, precisava ser mais brava"; "Burro velho não aprende"; "Os meninos ficam rindo e dá uma vergonha danada"; "No meu tempo era diferente"; "Para mim, o que a professora diz é lei"; "Meus pais não me deixaram estudar".
Na voz dos gestores, os idosos: "têm tudo do bom e do melhor aqui"; "nem sabem o que vem fazer aqui"; "são exigentes"; "são reclamões"; "se acham os donos da classe"; "não querem prosseguir nos estudos"; "se acomodam".
Questionados sobre sua formação, os professores disseram que: "Na faculdade não aprendi nada sobre EJA"; "No meu tempo, não tinha esta matéria"; "O que eu sei, aprendi na prática"; "Aprendi mesmo nas capacitações"; "Fiz muitos cursos, mas não sobre EJA"; "Teoria não adianta nada!"; "Não me sinto preparada para alfabetizar idosos".
Existe uma tensão nos CIEJAs revelada nos discursos dos docentes, gestores e estudantes. Ao defender a educação como um instrumento de libertação, Freire, na Pedagogia do oprimido, considera o respeito à pessoa e o diálogo como elementos basais de uma educação transformadora.
Numa primeira análise, parece que a diferença etária, a evasão, o baixo autoconceito, a baixa autoestima, entre outros, são os desafios que estes atores apontam e que podem influenciar na prática educacional.
Tal fato nos leva a pensar numa possível culpabilização que indica uma privatização da problemática e uma consciência ingênua em relação ao analfabetismo e aos sujeitos idosos e, também, uma ausência de diálogo entre os atores.
Em nenhum momento apareceram nos dizeres aspectos ligados às políticas públicas. Nenhum dos atores entrevistados criticou ou apontou o governo ou o sistema em suas falas.
Em Freire, temos que a educação é um ato político e, como tal, não pode se dar sem a práxis (ação-reflexão). Ao negar que a construção do sujeito idoso se deu em meio a um contexto histórico, cultural e social, numa sociedade capitalista que rechaça os que não mais produzem nega-se também o direito de ser estudante em qualquer fase do ciclo da vida.
O que pudemos perceber por meio da análise dos dizeres dos atores entrevistados, com base nos pressupostos teóricos, é que a "identidade" da pessoa idosa, ou melhor, suas identificações, são produtos das representações que os outros e eles têm de si mesmos, da escola, da educação e da sociedade em geral.
Parece importante refletir sobre as metodologias, as formas de aprender e ensinar, os métodos de ensino, as relações pessoais, enfim, na prática educacional, visto que esta trata de maneira homogênea turmas heterogêneas. Mas, não parece menos importante pensar nos rastros de opressão presentes em discursos nada emancipadores que atravessam a comunidade escolar.






Considerações finais

A partir dos dados iniciais apresentados na pesquisa aqui descrita resumidamente, pode-se afirmar que os agrupamentos de estudantes nas salas de aula da EJA caracterizam-se por serem grupos bastante heterogêneos, tanto no que diz respeito aos ciclos de vida em que estão, as suas biografias e identidades, as suas disposições para aprender, as suas necessidades formativas, como em relação às representações sobre o ler e escrever, os conhecimentos e as habilidades construídos em suas experiências de vida (Vóvio, 2010).
Enfrentar a heterogeneidade é, portanto, um desafio cotidiano para a prática pedagógica de professores que atuam nessa modalidade. A presença de alunos com faixas etárias tão discrepantes em uma mesma sala de aula, requer dos educadores um cuidado especial na preparação das aulas e na seleção do material utilizado, visando sempre atender as diferentes necessidades de cada grupo.
Concentrando-se nos alunos idosos, eles possuem um perfil próprio que exige uma atuação dialógica, afetiva, sistematizada, pautada em pressupostos teóricos que consigam dar conta da sua singularidade histórica. Os alunos idosos da EJA são sujeitos da experiência, suas vidas são pontuadas por situações-limite em que souberam parar, pensar, sentir, ponderar e agir. Ao ir/voltar para a escola, querem viver essa experiência escolar como as outras já vividas ao longo de suas existências.
Educar este grupo requer conhecimentos específicos sobre a velhice. A função de alfabetizar é do pedagogo que, historicamente, apresenta uma formação mais voltada à infância e à adolescência. Desde a antiguidade, o papel do pedagogo está relacionado à infância, a introdução da formação de jovens e adultos já é um desafio em relação a essa formação e do idoso, pouco se conhece. Fica a questão: ao pensar na prática educacional, e mais precisamente na alfabetização, o que fazer diante das especificidades decorrentes do trabalho com idosos?
A pessoa idosa é oprimida por uma sociedade capitalista que só vê sentido em quem produz e por uma escola e sua comunidade que agem com preconceito. Só a práxis libertadora do idoso oprimido é capaz de superar a opressão social e restaurar a humanidade das pessoas de todas as idades, na luta por uma educação de jovens, adultos e idosos.

Referências bibliográficas
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 32 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
VIEIRA PINTO, A. Sete lições sobre a educação de adultos. São Paulo: Cortez, 1982.
VÓVIO, C. L. "Formação de educadores de jovens e adultos: a apropriação de saberes e práticas conectadas à docência." Convergências e tensões no campo da formação do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.



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