A Pobreza em África

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III



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A Pobreza em África
A Pobreza em África




A Pobreza em África
2

VI











Fernando António Paulo Pereira

Projeto de Investigação subordinado ao tema

"A Pobreza em África"



Maio
2004
















ÍNDICE


Página
Nota prévia
03
Introdução
04
1- A herança africana
06
2- Situação atual
10
3- Fatores políticos determinantes
15
3.1- Os Estados dirigidos por um homem-forte
16
3.2- As guerras e as suas consequências nas populações
18
3.3- As crianças-soldados
22
4- Fatores socioeconómicos determinantes
24
4.1- A falta das infraestruturas básicas
24
4.2- As famílias numerosas
26
4.3- O desemprego
28
4.4- A fuga de cérebros
30
4.5- A cobiça das grandes potências
32
5- Fatores culturais determinantes
36
5.1- A Sida ignorada
36
5.2- A Mutilação Genital Feminina
38
5.3- O analfabetismo
40
5.4- A cultura de uma classe política corrupta
42
Conclusão
46
Bibliografia
51
Apêndice – Mapas I a XVI
53


Classificação obtida: 17 valores.


Fig. 1 (pág. 1, em fundo) – África, imagem de satélite.





Nota prévia

Os mapas constantes deste trabalho foram adaptados de Diciopédia 2003 e da Internet. Porém isso não significa que estivessem prontos a usar, tendo sido necessário trabalhá-los com recurso a software de tratamento de imagem de forma a servirem os objetivos delineados.

O facto de estes mapas não estarem "atualizados" tem várias explicações: em primeiro lugar estes relatórios consomem bastante tempo na sua elaboração desde o trabalho de campo até à interpretação e "ilustração" dos dados obtidos, pelo que, de algum modo, se justifica que não sejam atualizados a cada ano que passa; depois, as mudanças socioeconómicas ocorrem nos países de forma gradual, dificilmente se conseguindo que, por exemplo, de um ano para o outro, ocorram alterações significativas.

Poderá, por outro lado, causar estranheza tão grande recurso à Internet, como pode ser verificado ao longo deste trabalho e na Bibliografia on-line. A verdade é que se procurou dar ênfase a autores africanos – que melhor que os ocidentais saberão o que se passa nos seus países – bem como aos dados da ONU – fonte fidedigna para se estabelecer um quadro atualizado da situação em África –, sendo tanto uns como outros extremamente penosos de obter em termos financeiros e de tempo pelas vias tradicionais.

Um Homem Popular, de Chinua Achebe, é uma obra de ficção literária que conta a história da ascensão e queda de uma figura imaginária da política nigeriana, assim como do regime corrupto de que fazia parte, ilustrando, de forma por vezes divertida e outras vezes trágica, a vivência e mentalidade africana tradicionais face aos problemas socioeconómicos que enfrenta.

Apesar destas ressalvas, resta-me dizer que é minha convicção que o resultado final do trabalho que ora se apresenta não será afetado por estas condicionantes.







INTRODUÇÃO
Quando se fala em pobreza no continente africano, há que, antes de mais, definir o termo pobreza. Neste trabalho, o termo pretende englobar a falta generalizada das condições necessárias a uma qualidade de vida aceitável, tendo por referência padrões socioeconómicos como a esperança média de vida, a taxa de natalidade, as taxas de mortalidade de adultos e infantil, a percentagem da população idosa, o índice de desenvolvimento humano, a distribuição do PIB per capita ou a taxa de desemprego, os quais, comparados aos europeus (dado a colonização africana ter partido da Europa), permitem ilustrar o enorme abismo existente entre os dois continentes e, ao mesmo tempo, acentuar a precaridade da existência na esmagadora maioria dos países africanos.

Todavia, existem também fatores determinantes de ordem política e cultural que são simultaneamente causa e efeito em relação àqueles dados, nomeadamente os intermináveis conflitos armados que dizimam as populações rurais e destroem os campos, a corrupção da classe política que começa frequentemente no topo da hierarquia, a ostensiva cegueira desta em relação a problemas de saúde pública como a Sida ou a Mutilação Genital Feminina que entram em choque com tradições ancestrais das quais ninguém já recorda a origem e, cumulativamente, o analfabetismo que mantém o povo no obscurantismo de práticas mágico-religiosas e de tradições que são atentatórias dos mais elementares direitos humanos.

São todos estes fatores que, na opinião do autor, determinaram ou estiveram na origem das difíceis condições de vida da maioria dos povos africanos, aos quais não será estranha uma ação colonial europeia sempre pronta a extorquir o máximo dando o mínimo em troca. E serão também estes temas a merecer a atenção no trabalho que ora se apresenta, o qual tem ainda a ambição, quiçá desmedida, de, mediante uma síntese da informação obtida, apontar uma rota de saída deste ciclo vicioso constituído por guerra-fome-peste-guerra, ao qual nem toda a ajuda humanitária mundial consegue pôr cobro.

Há que ressalvar, porém, que nem tudo é catastrófico no panorama do continente africano. Aqui e ali verificam-se diversas situações de melhoria deste quadro de desgraça coletiva, seja pela progressiva consciencialização da classe política africana de que deve trabalhar para o bem comum, pelo facto de as populações estarem cansadas de guerras sucessivas e exigirem a paz ou por um, até aqui praticamente inexistente, empenhamento na resolução dos conflitos por parte das grandes potências, quer africanas quer ocidentais, ao invés de tentarem lucrar com eles.

Deste modo, algumas questões aqui desenvolvidas poderão pecar por desatualizadas em certos casos, uma vez que se privilegiou o estudo da situação de África como um todo e não país a país. Contudo a grande maioria dos povos africanos ainda vive no limiar da subsistência ou abaixo dele e, apesar da melhoria significativa registada em alguns setores, ainda procura desesperadamente um fim para o seu sofrimento.

1- A HERANÇA AFRICANA
Apesar de berço da humanidade, o continente africano foi, até há pouco tempo atrás, claramente desprezado por um Ocidente que via nas suas conquistas científico-tecnológicas e num capitalismo triunfante uma mais-valia que o colocava no topo da Humanidade. A África servia apenas como depósito de indesejáveis e fonte de matérias-primas e de mão de obra barata.

Em 1928 um autor defendia que «Até D. Livingstone pode-se dizer que a África propriamente dita não tivera história. A maior parte dos seus habitantes tinha permanecido, durante tempos imemoriais, mergulhados na barbárie. Tal fora, ao que parece, o desígnio da natureza. Eles permaneciam no estagnamento, sem avançar nem recuar.» Em meados do século, outro entendia que «As raças africanas propriamente ditas – à exceção do Egito e de uma parte da África Menor – não participaram na história tal como a entendem os historiadores… Não me recuso a aceitar que tenhamos nas veias algumas gotas de sangue africano (de africano provavelmente de pele amarela), mas devemos confessar que aquilo que delas pode subsistir é muito difícil de encontrar. Portanto, apenas duas raças humanas que habitam a África desempenharam um papel digno de nota na história universal: em primeiro lugar e de maneira considerável os Egípcios; depois os povos do Norte de África.» Em 1957 ainda um outro autor escrevia convictamente que «Estes povos [os africanos, claro…] nada deram à humanidade. E deve ter havido qualquer coisa neles que os impediu. Nada produziram. Nem Euclides, nem Aristóteles, nem Galileu, nem Lavoisier, nem Pasteur. As suas epopeias não foram cantadas por nenhum Homero.»

Outros autores, contudo, apercebiam uma realidade totalmente diferente. «A grande maioria dos povos africanos, como não têm classes, não constituem Estados no sentido estrito da palavra. Mais exatamente, o Estado e as classes sociais apenas existiam na fase embrionária. É por isso que, no que respeita a estes povos, não se pode falar da sua história, no sentido científico do termo, mas antes do aparecimento dos usurpadores europeus.», «No Sahel ao sul do Sara estabeleceram-se estados e impérios instalados por grupos de invasores de pele clara (berberes, judeus), vindos da África do Norte, ou por negros que deles tinham aprendido os métodos de guerra.», «Em geral a África ocidental comportou-se como um vasto beco sem saída, recebendo, diluindo e, finalmente, assimilando ou esterilizando os elementos exteriores.»

Fig. 2 – Antigos reinos africanos.Fig. 2 – Antigos reinos africanos.
Fig. 2 – Antigos reinos africanos.
Fig. 2 – Antigos reinos africanos.
Efetivamente grandes impérios se estabeleceram em África muito antes de os colonizadores europeus terem chegado. Um caso óbvio é o do Egito dos faraós, cujo legado é muito mais profundo e desconhecido do que se imaginaria. Dos egípcios, por intermédio dos gregos, recebemos as ferramentas da escrita e o cálculo matemático e as pirâmides ficaram para a posteridade como um monumento à sua engenharia.

Começando na expansão árabe a partir do Egito que acabou com a predominância do império bizantino no Norte de África, vários outros impérios surgiram na confluência das rotas mercantes terrestres ou junto das minas de ouro como o império dos Almorávidas que se expandiria para a Península Ibérica a partir do Magreb, o império do Ghana – o primeiro império negro – cuja organização política e prosperidade impressionaram viajantes árabes que já haviam visto as grandes urbes de Espanha e do Magreb, o império do Mali assente num tipo de governo indireto sobre os povos vassalos que reconheciam como único soberano o imperador Maliano, o império de Gao na região atualmente ocupada pelo Senegal e pela Gambia, o Benim, o poderoso reino da Etiópia, o grande Zimbabwe e os reinos do Congo e do Monomotapa.

No entanto, concentravam-se junto à orla marítima, penalizados pelo facto de o continente ser extremamente inacessível, sem um Mediterrâneo ou um Báltico que facilitassem a penetração; além disso, de todos os grandes rios africanos, apenas o Nilo é navegável a partir do mar, o que, acrescendo aos rápidos e quedas de água que estão semeados pelos seus cursos, tornam dificílima a já de si fraca navegabilidade. Há que contar também com o clima, a topografia e a vegetação, variando da floresta densa ao deserto escaldante.

Todos aqueles impérios tiveram, contudo, o seu auge muito antes de Portugal e Espanha terem dado início às suas expansões marítimas. Quando as navegações portuguesas fizeram o reconhecimento da costa africana, trouxeram uma imagem totalmente nova à Europa, em termos geográficos e culturais, enriquecidos aqui e ali com vislumbres da vida dos habitantes das regiões do interior. Nos séculos seguintes, várias outras potências europeias prosseguiram a exploração do continente, sob a forma de comércio, expedições militares ou missionação. Porém, até finais do séc. XIX, a África era o Continente Tenebroso do qual pouco ou nada se conhecia, a não ser os relatos de viajantes como Heródoto ou Ptolomeu que, embora ricos de pormenores, pecavam por inúmeras incorreções. Por outro lado, se na antiguidade greco-romana o negro era representado de forma caricatural, até grotesca ou monstruosa, na Idade Média, surge associado à noite, ao mundo das trevas, às forças do mal, chegando mesmo a personificar um demónio. Surgiu também associado a criaturas fantásticas de origem animal ou vegetal, como habitante das terras longínquas situadas do lado oposto do mundo, em relação ao Ocidente europeu. Um legado todavia ficou: o nome de "Afri" dado pelos historiadores latinos aos cartagineses e a palavra "África" que sob o império romano designava Cartago.

Só a partir de finais do séc. XIX e princípios do séc. XX se procurou aprofundar esse conhecimento, com as sucessivas expedições científicas a embrenharem-se pelo interior africano dando notícia das terras e povos encontrados. Infelizmente, as potências europeias que as enviaram não estavam interessadas em compreender a mentalidade africana ou sequer os seus usos e costumes, mas sim em tirar de ambos o maior proveito possível, criando um mito da África Negra como uma terra atrasada e disponível para ser explorada sem pudor até ao seu âmago.

A subjugação colonial transformaria as sociedades agrárias africanas em sociedades periféricas controladas por outras, centralizadas, que dependiam das metrópoles europeias, processo que se desenrolou em espaços artificialmente subtraídos de grandes regiões que enquadravam um conjunto de agregações sociais que, na maioria, não estavam separadas mas sim ligadas por relações de trocas e de migrações regulares. A subjugação colonial seria levada e efeito pela destruição sistemática das sociedades africanas, quer através de ações militares quer pela imposição de uma administração colonial regulando as diversas formas de comércio e estabelecendo corveias e impostos.

Deste contacto, os povos africanos jamais recuperariam, sendo forçados a abraçar uma modernidade imposta pelo colonizador, com uma consequente rutura da sua estrutura social que ainda hoje teima em retê-los num patamar de subdesenvolvimento.


2- SITUAÇÃO ATUAL
A situação atual dos países africanos pode deduzir-se da análise de vários indicadores.

Mapa I
No que respeita à distribuição da população, em 2001, surgia a Nigéria como o país mais populoso com mais de 280 milhões de habitantes, seguida do Egito e da Etiópia com mais de 120 e menos de 280 milhões de habitantes.

Mapa II
Quanto à distribuição da densidade populacional, também em 2001, verifica-se que esta era mais intensa nas regiões situadas na base do corno de África (Burundi, Ruanda, Uganda, Quénia, Etiópia), nas regiões banhadas pelo Mediterrâneo (Egito, Tunísia e Marrocos) e ainda nas regiões banhadas pelo golfo da Guiné (Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim e Nigéria) com a adição do Senegal, um pouco mais afastado, todos com mais de 200 e menos de 500 habitantes por km2.

Mapa III
No que respeita à esperança de vida, ainda em 2001, verifica-se que a Líbia constitui a exceção com uma esperança média de vida igual ou superior a 75 anos, seguida de perto por Tunísia, Argélia e Marrocos, com mais de 65 e menos de 75 anos. A esmagadora maioria dos países africanos apresentava resultados iguais ou inferiores a 55 anos para a esperança de vida dos seus habitantes.

Mapa IV
Tomando em análise a taxa de natalidade, relativa ainda a 2001, verifica-se que o continente africano é constituído por uma população jovem, apresentando quantitativos altos de nascimentos: 40 em cada mil habitantes em vários países.



Mapa V
Por outro lado, a taxa de mortalidade, novamente em 2001, era também bastante elevada, sendo de realçar a Líbia e a Tunísia que têm a menor taxa do continente com menos de cinco em cada mil habitantes.

Mapa VI
No referente à taxa de mortalidade infantil, também em 2001, vários países atingiam e ultrapassavam a cota das 100 óbitos de crianças por cada mil nascimentos. No outro extremo da tabela sobressaem Líbia, Tunísia e Argélia, com 10 a 40 óbitos de crianças por cada mil nascimentos.

Mapa VII
A percentagem de população idosa – maior de 65 anos – em 2001 no continente africano era baixíssima, sendo que somente a Tunísia e o Gabão atingiam 5 a 10% de idosos e a maioria se ficava por menos de 5%, pelo que pode afirmar-se que, até há pouco tempo atrás, raramente se chegava a velho em África.

Mapa VIII
Quanto ao índice de desenvolvimento humano, verifica-se que, em 1998, era liderado pela Líbia – com um nível muito elevado –, seguida a certa distância por alguns países – com um nível médio –, sendo que a maioria apresentava um nível baixo ou muito baixo.

Mapa IX
O índice de desenvolvimento humano em 2002 é bastante semelhante ao relativo a 1998, apenas com uma escala mais abrangente na qual se verifica que os mesmos países que lideravam os resultados do mapa anterior lideram os resultados neste.

Mapa X
No respeitante ao Produto Interno Bruto per capita, apenas o Gana apresentava, em 1997, um rendimento superior a 16 mil e inferior a 21 mil dólares, seguido de Líbia, Tunísia e África do Sul com PIB superior a 11 mil e inferior a 16 mil dólares. Todos os outros países apresentavam PIB extremamente baixo.



Mapa XI
Por seu lado, a taxa de crescimento do PIB em 2001, era liderada por Líbia, Sudão, Uganda, Botswana com mais de 6% e menos de 9%, sendo que a maioria apresentava um crescimento pouco superior a 0% e inferior a 3%. De salientar ainda que países como o Sara Ocidental, a Costa do Marfim, a Eritreia, a República Democrática do Congo e o Zimbabué não apresentavam quaisquer dados.

Mapa XII
Com referência à taxa de desemprego, ainda em 2001, verifica-se que grande parte dos países a tinha muito elevada, ultrapassando os 20% de desempregados e que somente o Sudão – com menos de 6% –, a República Centro-Africana – com 6% a 10% – e Tunísia, Egito e Costa do Marfim – com 11% a 15% – tinham uma situação melhor. De salientar ainda o grande número de países para os quais não existiam dados disponíveis.

Mapa XIII
Quanto à taxa de alfabetização, em 2000, esta tinha uma percentagem bastante elevada em países como a Líbia, Camarões, República Democrática do Congo, Quénia, Tanzânia, Zâmbia, Namíbia, Botswana, Zimbabué, África do Sul – com 75% ou mais – e, no outro extremo, uma percentagem muito baixa – entre 0,1% e 25% – em países como Níger e Burkina-Faso.

Mapa XIV
No que refere à taxa de HIV nos adultos, em 2000, verifica-se que era muito elevada nos países do Sul do continente africano como Zâmbia, Namíbia, Botswana, Zimbabué, África do Sul e ainda o Quénia – com 15% ou mais – e, no outro extremo, bastante baixa – entre 0% e cerca de 6% – na maioria dos países do Norte de África. De salientar ainda que Tunísia, Sara Ocidental, Mauritânia, Guiné-Conakry, Libéria, Níger, Gabão e Somália não apresentavam quaisquer dados.

Mapa XV
A percentagem de pessoas subalimentadas no continente africano era, em 2000, elevadíssima em países como Djibouti, República do Congo, Burundi, Angola e Moçambique – com 50,25% ou mais da população – sendo, no outro extremo, bastante mais baixa – entre 3% e 18,75% – em países como Egito, Argélia, Marrocos, Mauritânia, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Gabão e Suazilândia. De referir ainda que países como Líbia, Tunísia, Sara Ocidental, Guiné-Bissau, Libéria, Guiné Equatorial, Djibouti, Somália e África do Sul não apresentavam quaisquer dados.

Mapa XVI
Na transição dos anos de 1990 para 2000, ainda demasiadas regiões do continente africano sofriam com conflitos armados quer originários de guerras civis – Argélia, Serra Leoa, Libéria, Sudão, Somália, Uganda, Ruanda, Burundi, República Democrática do Congo, República do Congo e Angola – quer originários de guerras inter estados – Eritreia, Etiópia –, qual deles o mais sangrento.


Do atrás exposto, pode inferir-se que a Líbia era o país que apresentava melhor perfomance, sendo o país com maior esperança de vida dos seus habitantes, com a menor taxa de mortalidade tanto de adultos – a par com a Tunísia – como infantil – em conjunto com Tunísia e Argélia –, com uma das maiores taxas de crescimento do PIB – em conjunto com Sudão, Uganda e Botswana –, com o maior índice de desenvolvimento humano, com o segundo maior PIB per capita em conjunto com Tunísia e África do Sul, com uma das mais elevadas taxas de alfabetização e uma das menores taxas de contaminação pela Sida.

Por outro lado, a Tunísia apresentava também um bom perfil, tendo a segunda maior esperança média de vida em conjunto com Marrocos e Argélia, a menor taxa de mortalidade tanto de adultos – a par com a Líbia – como infantil – em conjunto com Líbia e Argélia –, a maior percentagem de idosos do continente africano a par com o Gabão, o segundo maior índice de desenvolvimento humano – em conjunto com Marrocos, Argélia, Egito, Gabão, República do Congo, Namíbia, Botswana, Zimbabué e África do Sul –, o maior PIB per capita em conjunto com Líbia e África do Sul e a terceira menor taxa de desemprego em conjunto com Egito e Costa do Marfim.

Apenas estes dois países sobressaem pela positiva em quase todos os indicadores socioeconómicos referenciados. Outros países conseguem resultados medianos ou, pontualmente, bons resultados, neste ou naquele indicador, mas de modo geral têm níveis muito elevados daqueles outros que mais penalizam as populações como a baixa esperança média de vida ou as altas taxas de mortalidade.



3- FATORES POLÍTICOS DETERMINANTES
Nenhum destes fatores pode ser visto isoladamente, pois todos se relacionam e se interpenetram. Se pode ser considerado que as guerras tribais sempre estiveram presentes nas sociedades africanas, também é certo que, com a modernização do armamento, essas guerras atingiram níveis inauditos de sofrimento das populações e de destruição das economias. Por outro lado, as crianças são o segmento da população que mais é atingido pelos conflitos armados, quer pela fome e desnutrição que são obrigadas a passar quer por serem recrutadas à força para os combates perdendo aí a sua inocência. Acresce também que os Estados africanos, em muitos casos pouco depois da sua independência, sofreram golpes militares ou "palacianos" que conduziram ao poder figuras ditatoriais, que desenvolveram os maiores esforços em acumular riqueza pessoal em detrimento dos seus povos.

Verifica-se então um ciclo vicioso em que os golpes militares conduzem a governos ditatoriais – caracterizados por nepotismo (favoritismo dos governantes aos seus familiares), plutocracia (poder da riqueza e do dinheiro no governo de uma nação), cleptocracia (que se pode designar como um regime em que o governante subtrai as verbas do Estado para uso próprio) e ditadura (concentração dos poderes do Estado num só indivíduo ou num partido único) – que semeiam a instabilidade e conduzem a guerras civis, onde as fações beligerantes se apropriam das crianças como soldados, destroem os campos e desalojam as populações privando-as dos seus meios de subsistência, originando ódios e mais violência.

3.1- Os Estados dirigidos por um homem-forte
Fig. 3 – Estados dirigidos por um homem-forte.Fig. 3 – Estados dirigidos por um homem-forte.
Fig. 3 – Estados dirigidos por um homem-forte.
Fig. 3 – Estados dirigidos por um homem-forte.
Alguns homens-fortes africanos ficariam para a História, pela negativa, como paradigmas de corrupção e nepotismo. Foi o caso de Mobutu Sese Seko que durante 37 anos governou o então Zaire (hoje República Democrática do Congo), um dos países mais ricos do continente africano (entre outras potencialidades económicas, destaca-se a exploração de metais e pedras preciosas), concentrando nas suas mãos uma grande parte do Produto Interno Bruto do país enquanto o seu povo vivia cada vez mais abaixo do limiar da pobreza; a dívida externa chegou a atingir os 12 mil milhões de dólares, ao passo que a fortuna pessoal de Mobutu, quase toda no estrangeiro, subia para índices estimados hoje em cerca de 7000 milhões de dólares. Outro exemplo é o de Idi Amin, o recentemente falecido presidente do Uganda, um ditador e um tirano que apoiou diversas organizações terroristas, autointitulando-se "doutor/marechal/presidente" e atribuindo à sua própria pessoa uma constelação de condecorações ugandesas e estrangeiras; as suas ações violentas e sanguinárias durante os oito anos que esteve no poder deixaram o país num estado de terror permanente, calculando-se que terão sido mortos cerca de 300 mil ugandeses. Por seu turno Muhammar Khadaffi, eterno presidente da Líbia, representa a ingerência nos assuntos doutros países, tendo o seu Governo sido implicado em vários golpes de Estado fracassados no Egito e no Sudão, e as suas tropas intervido na longa guerra civil do Chade. Todos estes "homens fortes" ascenderam ao poder através de golpes militares.

E já que se fala em ingerência externa, como classificar a guerra civil na atual República Democrática do Congo (ex-Zaire) que grassa desde 1998 – em que Ruanda e Uganda apoiam os rebeldes e Angola, Namíbia e Zimbabué apoiam o governo constituído –, senão como um campo de batalha de ingerências? Outro exemplo flagrante é o de Angola, cujos conflitos armados duram há 30 anos, tantos como os que conta desde que é um país soberano, colecionando já uma longa lista de acordos falhados – incluindo o referente à independência do país (Alvor, Portugal, 1974) – ao longo dos últimos anos: Gbadolite (1989), Bicesse (1991), Addis-Abeba, Abidjan (1993), Lusaka (1994); embora a UNITA, decapitada da sua liderança, tenha deixado de existir como inimigo jurado, nem por isso a paz se instalou, tendo o Presidente José Eduardo dos Santos (que é também Primeiro-Ministro) deslocado a guerra para o Enclave de Cabinda.

Outro exemplo flagrante é o da Nigéria. A presença britânica começou oficialmente pelo controlo de Lagos em 1861 e, em 1866, a Nigéria passa a ser colónia inglesa, assumindo o estatuto de Colónia e Protetorado da Nigéria em 1914. Os dez anos anteriores à declaração da independência, feita a 1 de outubro de 1960, foram marcados por várias iniciativas constitucionais subordinadas à autonomia nigeriana com objetivos independentistas, das quais se destaca a Constituição de Lyttelton, que conseguiu levar em consideração os desequilíbrios existentes a vários níveis entre as regiões. Mas seriam estes desequilíbrios a estar na origem do golpe de Estado militar ocorrido a 15 de janeiro de 1966 (já com o território dividido em 12 estados), liderado pelo general Johnson Aguiyi-Ironsi, que, por tentar dissolver o federalismo, seria assassinado a 29 de julho desse ano, sendo substituído pelo coronel (mais tarde general) Yakubu Gowo. Os conflitos étnicos conduziram a uma guerra civil quando, a 30 de maio de 1967, o líder da região oriental declarou a independência da República do Biafra, mas, apesar do reconhecimento e apoio dados por alguns Estados africanos à nova república, a verdade é que a 15 de janeiro de 1970 uma delegação do Biafra se rendeu formalmente ao governo nigeriano em Lagos. O general Gowo, ao comunicar o adiamento da entrada em vigor de uma administração civil, provocou a sua deposição, levada a cabo em 29 de julho de 1975 pelo brigadeiro Murtala Ramat Mohammed, que seria assassinado a 13 de fevereiro de 1976, ano em que o número de estados no território passou para 19 (em 1991, este número aumentou para 30). A II República, instaurada a 1 de outubro de 1979, tem vivido também em permanente instabilidade governativa. Após o derrube do primeiro presidente eleito da II República, Shehu Shagari, por um golpe de Estado militar a 31 de dezembro de 1993, outro golpe ocorreu a 27 de agosto de 1985, liderado pelo general Ibrahim Babangida, que governou o país até 1993, ano em que, após ter anulado as eleições presidenciais, foi deposto pelos militares, subindo ao poder o general Sani Abacha. A política de Abacha pautou-se pelo autoritarismo político, reprimindo e ilegalizando qualquer movimento pró-democracia, onde se destacava Moshood Abiola, presumível vencedor das eleições de 1993, que foram anuladas. Quando Abiola se proclamou, a 11 de junho de 1994 e perante uma multidão de 3000 pessoas, presidente, chefe das forças armadas e líder do governo, causou de imediato uma violenta reação governamental culminada com a prisão de Abiola a 23 de junho, que foi posteriormente condenado por traição. Esta decisão do Alto Tribunal de Abuja conduziu a inúmeros levantamentos populares que, conjuntamente com greves levadas a cabo nas explorações petrolíferas, minaram a já de si débil economia nigeriana; este quadro de instabilidade social e política manteve-se até setembro desse ano, quando os líderes dos sindicatos dos trabalhadores petrolíferos decidiram acabar com a greve. A 6 de setembro, Abacha decretou poderes absolutos para o seu regime, negando qualquer direito de jurisdição por parte dos tribunais sobre o seu governo.

3.2- As guerras e as suas consequências nas populações
Todos estes conflitos armados constituem uma catástrofe para as economias dos países onde ocorrem. Dois em cada dez habitantes da África a sul do Sahara vivem atualmente num país formalmente em guerra ou profundamente perturbado pela violência; aquilo a que os especialistas chamam de "conflito de baixa intensidade" é hoje em dia tão endémico como a malária no continente africano, onde, nos últimos 40 anos, cerca de uma vintena de países registaram pelo menos um conflito armado dentro das suas fronteiras. Muitos destes países, abençoados pelos deuses em riquezas e possibilidades – como Angola –, afundaram-se na guerra pelo saque e na mais escabrosa corrupção, hipotecando o futuro de gerações inteiras dos seus nacionais; outros, cuja pobreza estrutural aconselharia à canalização de todos os recursos e energias para a batalha contra o subdesenvolvimento – casos da Serra Leoa, Somália, Uganda, Sudão – escolheram tratar de destruir o que não têm para satisfazer a ambição de fações dirigidas por tiranos locais. O genocídio no Ruanda em 1994, além do massacre étnico indiscriminado, cortaria o PIB do país pela metade. As guerras civis no Uganda e em Moçambique tiveram consequências devastadoras quer para as vítimas quer para a economia desses países. Por outro lado, as diferenças climáticas entre o Norte e o Sul do Uganda – este banhado pelo Lago Vitória, aquele consumido pela seca – geram o ressentimento das populações que sofrem com a seca, criando terreno fértil para o surgimento de um grupo armado rebelde e para a insegurança geral; em Moçambique, por seu turno, muitos habitantes da região pobre do Norte apoiam a Renamo, o antigo grupo rebelde, e no Ruanda ainda existe um reprimido desejo de vingança. Acrescente-se ainda que estes países são extremamente dependentes da ajuda internacional, contabilizando esta 50% do orçamento do Uganda, 60% daquele do Ruanda e 70% do de Moçambique.

De África traça-se hoje o perfil trágico de um continente mergulhado na barbárie que sacrifica todas as esperanças numa irracional espiral de sangue e terror. Os conflitos que se instalaram teimam em perpetuar-se naquela que é a região do planeta com maior incidência de guerras civis. E o número de vítimas é bastante elevado. As estimativas apontam para 7,3 milhões de refugiados e centenas de milhares de mortos. E se nenhum país do mundo respeita integralmente os trinta artigos que compõem a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada unanimemente pela Assembleia-geral das Nações Unidas em 1948. Como demonstrado pelo levantamento exaustivo realizado por Charles Humana (World Human Rights Guide, 1984), a taxa média de aplicação e respeito dos Direitos Humanos nos países do mundo ocidental, coincidentemente mais ricos e mais democráticos, é de mais de 90%. No entanto, é justamente entre os cinquenta e sete países que compõem o continente africano onde se encontram as maiores taxas de violação e desrespeito dos Direitos Humanos. Nesses países, a taxa média de aplicação não atinge o limite inferior de 64%. No caso dos países da África subsariana, esse índice é geralmente medíocre ou mau.

Como explicar essa discrepância entre os países africanos e os do mundo ocidental em matéria dos direitos humanos? Constata-se também uma coincidência entre a pobreza e a falta de democracia na África, ambos os factos relacionados com a violência. Se os países da Europa ocidental conseguiram no último meio século formar uma ilha de paz, os da África dita negra formam desde as independências (1957-2001) uma das zonas mais violentas do mundo contemporâneo. Num relatório ao Conselho de Segurança sobre as causas dos conflitos, da promoção da paz e do desenvolvimento durável, o atual Secretário-geral da ONU, Kofi Annan confessa a incompetência de sua Organização e sua falência por não ter evitado as tragédias na África. Desde 1970, mais de trinta guerras aconteceram no continente, sendo a maioria delas no próprio interior dos Estados. Apenas em 1996, catorze dos cinquenta e sete países africanos sofreram conflitos armados, o que provocou mais de oito milhões de refugiados e um imenso deslocamento das pessoas. A lista dos pontos quentes tem a forma de uma ladainha necrológica: Biafra, Zaire, Sul do Sudão, Etiópia, Angola, Moçambique, Ruanda, Burundi, África do Sul, Libéria, Somália... Diante desta violência, a opinião comum formada a partir de um olhar jornalístico ocidental e etnocêntrico colonial acostumou-nos à seguinte explicação, fundamentada num cenário em três atos: no início havia uma África pré-colonial despedaçada pelas guerras tribais incessantes; em seguida veio a Missão Colonizadora através das potências coloniais, que conseguiram, com muito trabalho e dedicação, construir o progresso e apaziguar as tribos selvagens; por fim vem a África pós-independência que, por uma espécie de atavismo hereditário, retorna, após a saída do colonizador, ao velho tempo pré-colonial caracterizado pelas incessantes guerras tribais que, por sua vez, seriam um atavismo das hordas primitivas que viviam permanentemente em guerra umas contra outras. Uma tal explicação torna natural o estado da violência na África "negra" e inviabiliza, consequentemente, qualquer tentativa de apaziguamento. No entanto, se olharmos a história da Humanidade, percebemos que os povos da África "negra" não são nem mais nem menos violentos que os dos outros continentes.

A violência sempre foi, segundo as palavras de Karl Marx, a maior "parteira" da história, nomeadamente no que concerne os processos de formação dos diferentes Estados-Nações, desde a China dos Tsing até os Estados Unidos da América, passando pelas guerras de Duas Rosas na Grã-Bretanha ou pelo rude exército da unidade alemã fundada por Bismarck, sem esquecer as duas últimas guerras mundiais e todas as barbaridades recentes nos países dos Balcãs e no Leste Europeu. Para entender o lugar da violência na África contemporânea, é preciso fazer um recuo histórico, tentar situar a experiência atual numa perspetiva histórica global, suscetível de explicar as especificidades de nossa época. A história da África não é apenas a de suas formas de Estado, muitas vezes flutuantes e geograficamente limitadas. As etnias também têm história. A conquista colonial interrompeu brutalmente os processos (geralmente violentos) que, em numerosos pontos do continente, conduziam ao nascimento de Estados proto-nacionais, como os "Jihad" de Samori Touré ou de Uthman Dan Folio, o crescimento de Buganda ou do Estado caravaneiro de Mirambo; fê-lo utilizando uma outra violência, pois na verdade a colonização constitui uma modalidade de violência cujas consequências explicariam em parte os conflitos e antagonismos irredutíveis vividos pela África de hoje e cujas saídas são difíceis.

A etnização ou tribalização da África foi um processo constante em todas as políticas coloniais. As formações políticas diversificadas como impérios, reinos, chefias e clãs foram reduzidas a um mosaico de etnias que cada regime colonial tentou inventariar. Em algumas situações, criaram-se etnias e/ou fabricaram-se consciências étnicas que não existiam antes da chegada do colonizador. As oposições étnicas atuais exprimem e refletem tantas outras coisas que as diferenças culturais e hostilidades tradicionais que se perseguiam sob outras formas. Por outras palavras, os tribalismos "contemporâneos" só podem exprimir outras coisas que não a etnicidade, porque as violências deles resultados nada ou pouco têm a ver com as diferenças culturais. As realidades do Ruanda, Burundi, Somália, etc., mostram que essas diferenças não existiram e que muitos países africanos têm mais semelhanças do que diferenças culturais. As guerras na África contemporânea são essencialmente civis. A natureza do sistema do Estado herdado da colonização constitui o coração dos conflitos.

Este pesadelo para as populações civis, originou a destruição generalizada das sociedades rurais a tal nível que se torna necessário procurar denodadamente onde se encontram alguns, raros, enclaves de estabilidade social. As guerras africanas são, em média, mais curtas, mas mais sanguinárias; são também as mais intensas – a avaliar pela comparação entre o número de baixas e a duração média, mesmo sem incluírem as mortes por fome e outros efeitos colaterais. As crianças, principais vítimas, não apenas são mortas e feridas em números assustadores, como crescem privadas da satisfação das suas necessidades materiais e afetivas pela ausência de estruturas que lhes deem sentido a uma vida social e cultural. Escolas, casas, sistemas de saúde e instituições religiosas, tudo foi consumido na vertigem das guerras.

3.3- As crianças-soldados
«Onde houver meninas pequenas, deve-se violá-las» – ordem dada por um caudilho liberiano às suas tropas, intercetada por uma emissora de rádio.

«Para destruir os ratos grandes, deve-se matar os pequenos» – captado da Rádio Livre Mille Collines, uma emissora extremista hutu que transmite no Ruanda.

Fig. 4 – Criança-soldado.

Esta é a mentalidade que, combinada à miséria em que se encontram a maioria dos países que hoje estão em guerra, faz com que a realidade de milhares de seres humanos se aproxime ou ultrapasse a noção que temos de inferno. Se observarmos os conflitos atuais, veremos que a grande maioria deles ocorrem dentro de um mesmo país, por razões étnicas ou religiosas. Famílias que sempre conviveram lado a lado são levadas a envolverem-se num tipo de guerra onde o ódio pelo antigo vizinho aflora de maneira muito mais cruel e sangrenta que nas guerras internacionais. Aqui, as crianças são vistas como uma arma silenciosa e matá-las significa eliminar um futuro inimigo. Os que não são mortos acabam por presenciar o massacre das suas famílias: uma lembrança que os acompanhará para sempre. E este é apenas o início do pesadelo. Sem família e sem terra, essas crianças são abandonadas à própria sorte. Acabam sendo forçadas, por rapto ou intimidação, a juntarem-se às forças em guerra, rebeldes ou governamentais. Por vezes, nos primeiros dias, são mantidas sem comida, nem bebida. Ou são torturadas para servir de exemplo aos demais. Depois disso, estão prontas a obedecerem e aceitam atacar os moradores de suas próprias vilas. Outros, desesperados, em busca de comida e segurança, acabam por se apresentar como voluntários. São considerados bons combatentes, pois já não têm mais nada a perder.

Nalgumas sociedades, a vida militar poderá ser uma opção atraente, pois muitas vezes os jovens associam as armas à obtenção de poder e o poder pode atuar como forte motivação em situações de desesperada impotência. Noutros casos, as atividades de guerra são glorificadas, como na Serra Leoa, em que surgiram relatos de crianças-soldados que se orgulhavam do número de inimigos que tinham matado. Em países com sistemas administrativos fracos, não há o registo de nascimento – também motivado pelo não assumir da paternidade, pelo conflito entre os progenitores ou pelo seu desinteresse ou desleixo – pelo que as crianças não sabem sequer que idade têm, sendo recrutadas com base na sua aparência física e, com frequência, os recrutas são arbitrariamente apanhados nas ruas ou mesmo nas escolas e orfanatos pelas milícias, pela polícia ou por quadros do exército, processo que na Etiópia era conhecido como "afesa". Embora as crianças, de ambos os sexos, possam começar por funções de suporte indireto, não demora muito até que sejam colocadas na frente de batalha onde os comandantes exploram a sua coragem, derivada da inconsciência dos perigos, enchendo-as de álcool ou de drogas.

Mais de 300 mil crianças são utilizadas como crianças-soldados em 41 países no mundo e os Governos e grupos militares, sobretudo na África e Ásia, continuam a preferir recrutar jovens adolescentes. São mais baratos, mais facilmente "descartáveis" e coagidos à obediência, sendo utilizadas na linha da frente dos combates e como "detetores de minas", espiões, correios e escravas de sexo. E, embora o número de crianças utilizadas nas guerras se tenha mantido constante nos últimos anos, o número de países onde elas são utilizadas como combatentes aumentou nos últimos 30 anos. Infelizmente, os intermináveis conflitos africanos poderão fazer disparar os números desta vergonha humana: cerca de 120 mil jovens, na sua grande maioria com idades entre os 15 e 17 anos, são atualmente utilizados como combatentes em África. Mas o primeiro relatório realizado a nível mundial afirma perentoriamente que existem crianças-soldados com apenas sete anos!

A sua reinserção na sociedade é extremamente difícil. Uma alegre criança de 12 anos de idade, pode regressar a casa com uns taciturnos 16 anos sentindo-se agora poderosa e independente. Esta situação é ainda mais penosa para as raparigas-soldados que foram sistematicamente violadas ou vítimas de abusos sexuais, quer devido a convicções ou atitudes culturais que tornam complicado o regresso às suas famílias quer devido à inexistência de perspetivas de casamento, o que as empurra para a prostituição.


4- FATORES SOCIO-ECONÓMICOS DETERMINANTES
Quando se tornaram independentes, os países africanos romperam com as políticas coloniais e o "socialismo africano" que se estendeu a vários desses países criou condições de vida bastante diferentes. Porém, três fatores permaneceram idênticos: a dependência económica unilateral em relação ao exterior, do mercado mundial ou das metrópoles (capitalistas ou socialistas); hegemonia da capital (da era colonial ou uma nova) e das estruturas urbanas; aplicação de programas de modernização por um aparelho burocrático.

Tanto antes como depois da independência, esse aparelho burocrático reproduz o modelo estabelecido pelo colonialismo. A dependência exterior manifesta-se, pela presença de expatriados, provenientes da metrópole colonial, dos países doadores ou dos países "aliados" (socialistas); o governo central funciona como um sistema composto de organizações especializadas e hierarquizadas, ao passo que os sistemas rurais, pertencentes a um segundo plano, têm ainda a sobreposição das estruturas hierárquicas tradicionais.

O Estado é governado segundo um sistema político pós-colonial que deriva do conceito de "cidadão", membro de uma nação única, e prevê a sua igualdade perante a lei; porém, as diferenças étnicas, agudizadas pela política colonial, surgem como antagonismos políticos e o clientelismo associado à etnia que está no poder assume uma aparência de igualdade legal.

4.1- A falta das infraestruturas básicas
A grande maioria dos pobres habita na África rural, onde a incidência, profundidade e severidade da pobreza são maiores que nas áreas urbanas. A população rural é também menos instruída e menos saudável, além de ter piores serviços e menores oportunidades de emprego, ao mesmo tempo que depende grandemente de uma produção baseada nos recursos naturais. A prestação de serviços básicos de educação e saúde não chega às populações rurais pois, embora os Governos invistam cerca de um terço do seu orçamento nessas áreas, a corrupção generalizada faz com que apenas uma ínfima parte dessas verbas chegue de facto às populações mais necessitadas.
Fig. 5 – A falta de infraestruturas básicas.Fig. 5 – A falta de infraestruturas básicas.
Fig. 5 – A falta de infraestruturas básicas.
Fig. 5 – A falta de infraestruturas básicas.
Em Marrocos, por exemplo, apenas 11% dos mais pobres têm acesso a água potável, enquanto que todo o extrato mais abastado beneficia desse serviço; na Etiópia, menos de 10% das camadas mais desfavorecidas possuem água potável em casa, ao passo que entre os mais ricos a taxa ultrapassa os 60%. Na Libéria, a população era, em 2001, de 3.225.837 habitantes, o que correspondia a uma densidade de 28 habitante por km2. Estima-se que, em 2025, a população da Libéria atinja 7,2 milhões de pessoas. A produção de alimentos é inferior ao crescimento populacional, razão pela qual a produção per capita diminuiu bastante. A população com acesso a água potável é bastante escassa (58% da população urbana; 8% da população rural). A percentagem de habitantes com acesso a saneamento básico é igualmente reduzida (49% da população urbana; 4% da população rural). A esperança de vida, à nascença, é de 55 anos. Morrem, em média, 126 crianças durante o 1º ano de vida, em cada mil nascimentos vivos. Esse número sobe para 217 se considerarmos as crianças até 5 anos de idade.


4.2- As famílias numerosas
Por outro lado, a população dos países em vias de desenvolvimento duplicou desde 1965, sendo presentemente de 4,8 biliões. Este crescimento da população humana tem sido a principal causa da crescente procura de alimentos, água e outros recursos de sustento da vida no passado, e isso continuará a acontecer no futuro previsível. As Nações Unidas preveem que a população dos países em desenvolvimento atingirá 6,5 biliões até ao ano 2020 e 8,2 biliões até 2050 (o número total para a população mundial está previsto para 7,7 biliões em 2020 e 9,4 biliões em 2050). Embora as populações dos vários países em desenvolvimento continuem a expandir-se rapidamente, a taxa de crescimento está a baixar moderadamente. A taxa de crescimento média anual da população era de 2,4% por ano em 1965, calculando-se que seja de 1,7% atualmente, e espera-se que desça para 1,2% no ano 2020. A principal causa deste declínio é a revolução a que se tem assistido no comportamento dos seres humanos na área reprodutiva desde a década de 1960.

Fig. 6 – As famílias numerosas.

O uso de métodos anticoncecionais, outrora raro, está mais generalizado, tendo o número de nascimentos por mulher baixado para metade – tendo passado de seis ou mais nos anos 60 para cerca de três na atualidade. A redução do índice de fertilidade tem acontecido com mais rapidez na Ásia e na América Latina. Na África Subsariana as mudanças têm sido relativamente pequenas, mas assiste-se a uma diminuição acentuada em vários países dessa região – Botswana, Quénia, África do Sul e Zimbabué, por exemplo. Porém, a população continua a crescer, mesmo apesar do declínio das taxas de fertilidade.

Em primeiro lugar, o decréscimo significativo iniciado nos anos de 1960 ainda mantém o índice de fertilidade em cerca de 50% acima do número de duas crianças, necessário para estabilizar a população. Com mais de duas crianças sobreviventes por mulher, cada geração torna-se mais numerosa do que a precedente à medida que a população continua a crescer. As taxas de fertilidade elevadas (mas com tendência a baixar) permanecem como a força impulsionadora do crescimento da população com variações em função da região. O índice de fertilidade é mais elevado em África, atualmente de 5,3 filhos por mulher e mais baixo na Ásia e na América Latina, onde a fertilidade baixou para quase menos de 3 filhos por mulher. Um elevado índice de fertilidade pode, por seu lado, ser atribuído a duas causas distintas subjacentes: gravidezes indesejadas e o desejo de ter uma família com mais de dois filhos que sobrevivam. Cerca de um em cada cinco nascimentos são indesejados e um grande número deles não é programado. Nestes países em vias de desenvolvimento, segundo as estimativas, são feitos todos os anos 25 milhões de abortos – grande parte deles em condições pouco seguras. Muitos casais têm um grande número de filhos porque receiam que algumas das crianças venham a falecer, e querem ter a certeza de que sobreviverá um número suficiente de filhos que ajudarão a manter a família e ampararão os pais na sua velhice. Na maioria dos países em desenvolvimento, o número de crianças desejadas pela mulher na família ainda é superior a duas crianças; nos países da África Subsariana, por exemplo, o número de filhos desejado na família é, em geral, superior a cinco crianças.

Em segundo lugar, continuará a observar-se uma diminuição das taxas de mortalidade, historicamente a principal causa do crescimento da população. A melhoria do poder aquisitivo das populações, uma melhor nutrição, um maior investimento na sanidade pública e no abastecimento de água potável, um maior acesso aos serviços de saúde e a aplicação mais generalizada das medidas de saúde pública, tal como as vacinações, contribuirão para uma vida mais prolongada e mais salutar da população, na maioria dos países. Constituem exceção alguns países – principalmente países africanos ao Sul do Saara, em que a epidemia da SIDA se faz sentir com mais severidade. Contudo, não se espera que a Sida faça estagnar o crescimento da população.

O terceiro fator de crescimento é aquilo a que os especialistas chamam de "ímpeto populacional". Trata-se da tendência de uma população manter o seu crescimento ainda que a taxa de fertilidade baixasse subitamente para o nível de mera substituição de geração de 2,1 nascimentos por mulher, com um índice de mortalidade constante e migração zero. Como a estrutura etária da população é jovem, a maior geração de adolescentes da história irá, em breve, entrar na fase da idade fértil. Mesmo que cada mulher tenha apenas dois filhos, as crianças produzidas serão mais do que suficientes para manter o crescimento das populações ao mesmo nível nas próximas décadas.

4.3- O desemprego
No seu relatório relativo a 2003, a Organização Internacional do Trabalho estima o número de desempregados em 6,2% da população ativa do planeta. Uma pequena subida em relação a 2002, quando a OIT calculou o número de desempregados em 185,4 milhões de pessoas. Nesta pesquisa, destacam-se 108,1 milhões de homens sem emprego, ou seja 600 mil a mais do que em 2002. No entanto, o desemprego entre as mulheres baixou um pouco, passando a 77,8 milhões contra 77,9 milhões de 2002. Os mais afetados parecem ser os jovens entre 15 e 24 anos (88,2 milhões de desempregados), que possuem uma taxa considerável de desemprego de 14,4%. Todavia ao passo que a taxa de desemprego dos países industrializados ficou em 6,8% e em 9,2% nas nações consideradas em transição (ex-bloco soviético) – num total de 16% para a Europa – nos países em desenvolvimento a taxa de desemprego foi de 12,2% para a África do Norte e 10,9% na África Subsariana, o que perfaz um total de 23,1% no continente africano.

Fig. 7 – Desemprego.Fig. 7 – Desemprego.
Fig. 7 – Desemprego.
Fig. 7 – Desemprego.
Destes números, uma percentagem significativa são mulheres. Com 1,208 mil milhões de trabalhadoras (1,006 em 1993), as mulheres já representam mais de 40% da mão-de-obra mundial, sublinha a OIT num relatório, intitulado "Tendências mundiais do emprego para as mulheres". Porém, as mulheres são também mais afetadas pelo desemprego, sobretudo as jovens: cerca de 35,8 milhões de mulheres com idades entre os 15 e os 24 anos procuram emprego em todo o mundo, ou seja, perto de metade do total de mulheres desempregadas (77,8 milhões). «Ser mulher e jovem pode implicar uma dupla discriminação», diz a OIT. «As jovens têm dificuldade de entrar no mercado de trabalho e de conservar o emprego em períodos de abrandamento económico». Os empregos que ocupam são também mais precários, caracterizados por salários muito baixos, rendimentos irregulares, pouca ou nenhuma segurança de trabalho e ausência de proteção social. Em consequência disso, constituem a maior parte da categoria de "trabalhadores pobres", dispondo de menos de um dólar por dia (cerca de € 0,80) representando 60% da população, ou seja, 330 milhões de indivíduos. Finalmente, «as mulheres são pior pagas do que os homens em todo o mundo», usufruindo na melhor das hipóteses de 90% do salário dos seus colegas masculinos, além de constituírem 70% dos 1,3 biliões de pessoas que vivem na pobreza em todo o mundo, realizando cerca de 66% do trabalho mundial e recebendo menos de 5% dos rendimentos.




4.4- A fuga de cérebros
Fig. 8 – Fuga de cérebros.Fig. 8 – Fuga de cérebros.Paradoxalmente à elevada taxa de desemprego, verifica-se a fuga de cérebros nos países africanos, motivada pelos baixos salários pagos aos seus profissionais. A contradição está em que se gastam anualmente quatro mil milhões de dólares para recrutar e pagar a 100.000 expatriados para trabalharem na África, mas falha-se em investir uma quantia proporcional para recrutar os 250.000 profissionais africanos que trabalham fora da África. Os profissionais africanos que trabalham em África têm salários consideravelmente menores do que os salários de expatriados com qualificação semelhante, além de que muitas pessoas não estão empregadas nos seus campos de experiência e especialização, sendo que, por exemplo, muitos oficiais militares são políticos de uniforme e alguns médicos ganham salários suplementares como motoristas de táxi.
Fig. 8 – Fuga de cérebros.
Fig. 8 – Fuga de cérebros.

A instabilidade política tem o efeito de aumentar as taxas de emigração de profissionais para as nações desenvolvidas e muitos deles emigraram durante os reinados brutais de Idi Amin, Mobutu e Sani Abacha; a guerra no Sudão entre o norte islâmico e o sul cristão conduziu à emigração de metade dos profissionais sudaneses. Em 1991, um de cada três países africanos era afetado pelos conflitos, existindo hoje mais refugiados em África do que em qualquer outra região do mundo. Verifica-se que os países que absorvem cérebros são vencedores, enquanto os países que fornecem cérebros são perdedores. Os países recetores incluem os Estados Unidos, a Austrália e a Alemanha; os países fornecedores de cérebros incluem a Nigéria, a África do Sul e Gana. Só a Nigéria tem 100.000 emigrantes nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, 64% de estrangeiros nascidos na Nigéria com 25 ou mais anos de idade têm ao menos o grau de bacharelado; 43% dos estrangeiros que vivem nos Estados Unidos, nascidos na África, são pelo menos bacharéis. Nigerianos e outros africanos representam os grupos étnicos com maior nível educacional nos Estados Unidos.

O impacto social da fuga de cérebros verifica-se na dificuldade de criação de uma classe média formada por médicos, engenheiros e outros profissionais, resultando numa sociedade africana dividida em duas classes: uma gigantesca subclasse formada por pessoas muito pobres, em geral desempregadas, e uma classe formada por poucas pessoas muito ricas que, na maioria das vezes, são oficiais corruptos do governo ou de órgãos militares. Uma ampla classe média instruída asseguraria que o poder político fosse transferido por meio de votos ao invés de guerras, não permitindo o surgimento de lideranças fracas e corruptas. Além disso, quando os médicos emigram para os Estados Unidos, os pobres são forçados a buscar tratamento médico em curandeiros tradicionais enquanto a elite voa a Londres para os seus check-up de rotina.

O impacto económico também é visível pois os melhores e mais brilhantes profissionais podem emigrar, deixando para trás os mais fracos e menos imaginativos, o que significa uma morte lenta para África. Os profissionais que emigram incluem aqueles com especialização técnica e habilidades administrativas e empreendedoras. A ausência destes profissionais aumenta a corrupção endémica e torna mais fácil para os militares derrubarem governos democraticamente eleitos. O continente africano precisa ainda de uma classe média numerosa para construir uma grande base de contribuição de impostos que, em contrapartida, possibilitaria a construção de boas escolas e a disponibilização de eletricidade sem interrupções. Os 250.000 profissionais africanos trabalhando noutros continentes aumentariam a proporção da classe média.

Os africanos que deixam os seus países para estudar e trabalhar no estrangeiro têm, de algum modo, a obrigação moral de regressar e compartilhar os benefícios da sua educação, mas na prática será difícil a um profissional africano renunciar a um salário de 50.000 dólares por ano no país de adoção para aceitar um emprego de 500 dólares por ano em África. O problema começou no início da década de 1980, quando muitas nações africanas passaram por programas de ajustes estruturais que implicaram a desvalorização das suas moedas e cortes nos gastos públicos. A desvalorização da moeda restringiu a quantidade de equipamentos e livros que poderiam ser comprados. Além disso, tornou difícil o estudo de ciências, engenharia e medicina no exterior. Um professor universitário que ganhava 1.000 dólares por mês em 1980 ganha atualmente 50 dólares por mês e a maioria é forçada a emigrar. Quando o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional forçaram a Nigéria a reduzir gastos públicos, o Governo cortou o orçamento da educação ao invés de reduzir o orçamento dos militares. Enquanto o salário dos professores deixou de ser pago durante vários meses, a Nigéria gastava centenas de milhões de dólares na importação de armas.

4.5- A cobiça das grandes potências
Outro fator socioeconómico determinante do subdesenvolvimento africano tem sido a cobiça das potências ocidentais em relação às matérias-primas existentes naquele continente. Há muitos anos, talvez décadas, que as grandes empresas petrolíferas sabem da existência de muito petróleo e gás natural no Golfo da Guiné. Sobretudo na ampla zona económica exclusiva da Guiné Equatorial no Oceano Atlântico, considerada por especialistas como um novo Kuwait. Precisavam apenas de tempo para que os seus engenheiros conseguissem desenvolver a tecnologia adequada para superar a barreira dos 500 metros de profundidade, onde se encontram entre 5% e 10% das reservas mundiais de petróleo. Agora que possuem os meios para enfrentar esse desafio, a exploração das jazidas a grande profundidade transformou a região que vai desde Marrocos à Namíbia numa potencial concorrente à do Golfo Pérsico.

Fig. 9- A cobiça das grandes potências.Fig. 9- A cobiça das grandes potências.
Fig. 9- A cobiça das grandes potências.
Fig. 9- A cobiça das grandes potências.
Já em 2001, os especialistas calculavam 90 biliões de barris de petróleo nas reservas da África ocidental, sem contar com as enormes jazidas da Argélia e do Sudão ou com as boas perspetivas que as explorações no litoral de Madagáscar e de Moçambique apresentavam.
Embora os números não possam ainda competir com os 650 biliões de barris das reservas no Oriente Médio, as africanas representam um respeitável segundo lugar na produção mundial. Dos 8 biliões de novos barris de petróleo localizados em reservas no mundo em 2001, 7 biliões foram descobertos na costa dos países do Golfo da Guiné. Desde então, esses números não param de crescer. Em maio de 2001, um parecer dos peritos do governo Bush, sobre a orientação da política energética, indicava a África ocidental como o ponto mais adequado quando fosse preciso procurar fontes alternativas de abastecimento: «Juntamente com a América Latina, a África ocidental se apresenta como uma das fontes de petróleo e gás para o mercado americano de mais rápido crescimento. O petróleo africano é de grande qualidade e de baixo teor de enxofre, o que preenche os mais rigorosos requisitos dos Estados Unidos». À época, Nigéria e Angola forneciam aos Estados Unidos tanto petróleo como a Venezuela e o México juntos. As previsões apontam para que o petróleo africano (sem contar com o da região do Magrebe e do Sudão) passe dos 15% atuais para 25% em menos de 15 anos.

Para os Estados Unidos, o petróleo africano (especialmente o que se encontra nas águas do Golfo da Guiné) não tem apenas a vantagem de ser abundante e de boa qualidade. A maioria das reservas encontra-se no alto mar, a grande distância das guerras regionais ou do descontentamento popular, que tantas dores de cabeça e má imagem deram, por exemplo, às companhias petrolíferas que sugaram o delta do Níger, na Nigéria. A maior proximidade das costas dos Estados Unidos destas plataformas proporciona rotas de abastecimento mais curtas, ao mesmo tempo em que se libertam das estreitas passagens a que a rota do Médio Oriente obriga, em caso de guerra, e dos bloqueios a que poderiam estar sujeitos por parte dos países que se encontram no caminho. O governo de Bush conta também com o apoio do Congresso de seu país, que já encaminhou uma proposta para que se declare o Golfo da Guiné área de "interesse vital" para a segurança dos EUA. Os parlamentares aconselham ainda a realização de um programa de consolidação dessa relação comercial com investimentos e ajuda humanitária, «para libertar os africanos da pobreza». Daí a importância da recente visita do presidente Bush a alguns países africanos; no final da visita, ele prometeu uma boa soma de dinheiro para o combate à Sida, que dizima milhões de africanos. Mas o plano dos EUA não para por aí. Está prevista também uma presença militar mais forte, a começar por São Tomé e Príncipe, tendo sido já aprovada, inclusive, a criação de uma base aeronaval nesse país da costa oeste africana.

A fórmula que garante o êxito é simples: a África tem o petróleo de que os Estados Unidos necessitam desesperadamente. Eles, em troca, ofereceriam aos africanos os meios necessários para combater a fome e a guerra que devastam o continente. Efetivamente, no papel, a riqueza que a produção de petróleo e de gás assegura é mais que suficiente para criar nesse novo mapa energético uma zona de prosperidade, com a força necessária para contagiar até os vizinhos. Mas, até agora, a prática tem demonstrado que a descoberta de grandes jazidas de petróleo e de recursos minerais ocorre em países com economias e sociedades frágeis, com a força de um íman que apenas atrai novos males e desgraças. O fenómeno não é exclusivamente africano.

Recentemente, a ONG inglesa Oxfam apresentou o relatório "Setores Extrativos e Pobreza", em que denuncia que a descoberta de riquezas minerais se transforma, muitas vezes, numa maldição para os países que as possuem. Os motivos: faz aumentar os níveis de corrupção, os gastos militares e situações de violência armada, além de criar governos autoritários. Segundo o estudo, existem mais de 50 países em desenvolvimento nos quais esses setores produtivos são importantes. O problema é que dos 3,5 biliões de pessoas que neles vivem, 1,5 biliões sobrevivem com menos de 2 dólares por dia. No caso desses, as riquezas não melhoraram as suas oportunidades de conseguir uma vida melhor. Pelo contrário, tendem a se agravar. O próprio continente africano conta com um abundante historial de luta pelo controle das "monoculturas" de diamantes, madeira ou petróleo que contribuiu para alimentar guerras civis e regionais e, sobretudo, para estabelecer ditaduras cruéis e corruptas com efeitos devastadores para os seus cidadãos. Claro, com o apoio de grandes potências, como a França, a Inglaterra, a Holanda e os Estados Unidos. Angola é um bom exemplo daquilo que se chamou o "paradoxo da riqueza". O petróleo, que começou a ser explorado com sucesso em meados dos anos 80, não consegue sarar as feridas de uma das guerras civis mais sangrentas da África. Em 2001, a indústria petrolífera proporcionou investimentos entre 3 biliões e 5 biliões de dólares, mas a desnutrição mata uma criança angolana a cada 3 minutos, o que dá o macabro balanço de 480 vidas ceifadas por dia; três quartos da população sobrevive com menos de um dólar por dia e a esperança de vida não supera os 45 anos. A cobiça do petróleo e dos diamantes foi responsável pelo regresso da guerra em 1998, obrigando mais de 3 milhões de civis a fugirem das suas terras.

Entre as multinacionais do petróleo que atuaram na África, a francesa Elf é acusada de ser a que mais lucrou com a corrupção. A intrincada rede de contas secretas, que agora estão sob investigação no Liechtenstein e na Suíça, é responsável pelo desvio de enormes quantias para as contas privadas dos ditadores africanos. Um exemplo conhecido é o do ditador nigeriano Sani Abacha e os seus colaboradores, que receberam, entre 1991 e 1995, cerca de 190 milhões de Euros em troca de um contrato favorável à Elf; nesses anos, através de uma de suas contas secretas, a Elf aplicava 25,6 milhões de Euros por ano no tráfico de influências na África. Pensa-se que durante mais de 20 anos a Elf funcionou como uma extensão da diplomacia e dos serviços secretos, que, além do petróleo, exigia dos ditadores uma lista dos militantes de esquerda contrários aos interesses estratégicos da França. A prática desse tipo de corrupção privou a maioria da população de uma oportunidade de sair da pobreza extrema, além de que o tráfico de armas só fez piorar essa situação.


5- Fatores culturais determinantes
5.1- A Sida ignorada
Segundo dados da UNAIDS no final de 2000, existem no mundo 36,1 milhões de pessoas atingidas pela Sida, isto é, um número 50% superior às previsões para 2000 feitas em 1991. Estima-se que em 2000 tenham sido infetadas mais 5,3 milhões de pessoas e morrido devido à doença 3 milhões. A situação é particularmente dramática no continente africano onde vivem 25,3 milhões de pessoas infetadas com o HIV ou com Sida que correspondem a 70% dos adultos e 80% das crianças infetadas a nível mundial; só em 2000 ficaram infetadas em África mais 3,8 milhões de pessoas. Esta doença é já a primeira causa de morte no continente africano e vitimou no ano passado 2,4 milhões de africanos.

Fig. 9 – A SIDA ignorada.Fig. 9 – A SIDA ignorada.De todas as regiões da África negra, a zona austral é a que enfrenta o pior desafio no que diz respeito ao HIV. As taxas de prevalência do vírus chegam a atingir 30% em alguns países desta região, como a Suazilândia, o Botswana e a África do Sul. No geral, 20% da população da África Austral na faixa etária dos 15 aos 49 anos é seropositiva e a maior parte não sabe que é portadora do vírus HIV. Os Chefes de Estado africanos concordaram em dedicar pelo menos 15% do orçamento geral dos seus países ao setor da saúde mas até agora apenas cinco cumpriram com a promessa.
Fig. 9 – A SIDA ignorada.
Fig. 9 – A SIDA ignorada.

De acordo com o recente relatório da UNAIDS (Joint United Nations Program on HIV/AIDS), só em 2001, 4 milhões e meio de pessoas no continente africano contraíram o vírus de imunodeficiência adquirida, perfazendo um total de três milhões de crianças e 37 milhões de adultos já infetados – um aumento de 50% em relação às previsões de 1999 – dos quais três milhões morreram constituindo o total mais elevado de sempre, apesar da terapia antirretrovírus ter reduzido o número de mortes nos países ricos. Comparado com o ano 2000, o número de novas infeções diárias na África Subsariana baixou mas a epidemia está longe de ser estancada.

Cerca de metade dos seropositivos foram infetados antes dos 25 anos; normalmente, morrem antes de chegar aos 35. Até ao final de 2001, a Sida deixou 14 milhões de crianças órfãs (crianças com menos de 15 anos que perderam um ou ambos os pais). Estima-se que, em 2001, cerca de 800 mil crianças até aos 14 anos tenham sido infetadas com HIV, 90% das quais nasceram de mães seropositivas, tendo sido infetadas durante o parto ou através da amamentação. E, destas, a grande maioria reside na África subsariana. Este tipo de transmissão ocorre, sobretudo, no continente africano, apesar de estudos recentes indicarem de que este vírus reduz a fertilidade das mulheres em 20%.

Em todo o mundo, com exceção de África, existem mais homens infetados e a morrer com o vírus da imunodeficiência do que mulheres; em conjunto, um total estimado em 2,2 milhões de homens, com idades entre os 15 e os 49 anos, foram infetados durante 2001, contribuindo para um total acumulado de 18,6 milhões de homens adultos seropositivos no final do ano. Em África, no entanto, existem 12 a 13 mulheres seropositivas por cada dez homens infetados, o que está diretamente relacionado com a maior eficácia de transmissão do vírus do homem para a mulher, por via sexual, do que o inverso.

Num continente marcado pela pobreza, apenas algumas dezenas de milhar de pessoas têm acesso a drogas retrovirais que, para muitos, transformou a Sida de sentença de morte numa doença controlável. Existem, porém, grandes discrepâncias quanto à forma como os países africanos enfrentam esta doença. As "estrelas" do continente são o Senegal e o Uganda, onde a ação precoce no combate à discriminação e o encorajamento ao sexo seguro ajudou a manter as taxas de infeção relativamente baixas ou estabilizadas. Do outro lado encontra-se a África do Sul, cuja classe política passou anos a negar e até mesmo a duvidar das evidências científicas de que a Sida é causada por um vírus. Este lamentável erro deixou o país com a maior taxa de infeção pelo HIV do mundo, com uma média de mil mortes diárias em 2001.

5.2- A Mutilação Genital Feminina
Fig. 10- A Mutilação Genital Feminina.Fig. 10- A Mutilação Genital Feminina.
Fig. 10- A Mutilação Genital Feminina.
Fig. 10- A Mutilação Genital Feminina.
Existe um dia na vida de milhões de africanas que elas jamais esquecem. É o dia em que sofreram a oblação do clítoris ou mutilação genital feminina. Nada que se compare à circuncisão masculina. A brutalidade pela qual cerca de dois milhões de meninas e adolescentes – normalmente entre os 5 e os 12 anos de idade – passam anualmente é praticada em pelo menos 28 países da África e, dependendo da região, a tortura varia de intensidade. No tipo de mutilação mais brando, a ponta do clítoris é cortada. Em alguns rituais, ele é integralmente extirpado (clitoridectomia). Na versão mais radical, é feita uma infibulação: são retirados o clitóris e os lábios vaginais e, em seguida, o que sobrou de um lado da vulva é costurado ao outro lado, deixando-se apenas um minúsculo orifício pelo qual a mulher urina e menstrua. Tudo isto é realizado sem nenhum tipo de anestesia, com instrumentos não esterilizados como facas, tesouras, lâminas de barbear ou mesmo cacos de vidro. Em certos casos, a mesma faca chega a mutilar mais de 200 raparigas, muitas das quais acabam por morrer nos hospitais e centros de saúde onde chegam em condições horríveis, com infeções que já atingiram tal ponto que se tornam irreversíveis.

É uma prática tão arraigada em algumas populações que muitas mulheres africanas nem imaginam que fora dali o costume não seja adotado. As estimativas sobre o atual número de mulheres que já se submeteram a esta tradição monstruosa variam de 80 milhões a 130 milhões.

As complicações agudas da mutilação genital feminina são: hemorragias, infeções, hemorragia de órgãos adjacentes, dor violenta; as complicações tardias são: cicatrizes malignas, infeções urológicas crónicas, tétano, gangrena, complicações obstétricas e problemas psicológicos e sociais. Aquelas que foram infibuladas sofrem ainda mais. A menstruação é extremamente dolorosa e, no parto, podem acontecer complicações sérias para o bebé e para a mãe (perturbações na expulsão, formação de fístula, roturas e incontinência). Nessas ocasiões, é necessário reabrir a vagina (geralmente cortando com uma navalha) e qualquer demora acarreta uma pressão por vezes fatal no crânio e na coluna da criança. Quando não é feita a reabertura da vagina, a saída do bebé do útero pode provocar cortes que vão da vagina ao ânus.

O próprio termo "circuncisão" foi substituído por outro mais apropriado e destituído da possibilidade de eufemismo: mutilação genital feminina. No início de 1996, o comité da ONU para Eliminação da Discriminação contra Mulheres descartou diferenciações antropológicas e considerou a mutilação feminina uma violação dos direitos humanos – o que abriu espaço para que governos onde o ritual é praticado sofram maiores pressões para a sua eliminação.

Em muitos países o problema foi um assunto tabu durante algum tempo, especialmente devido à presença de grupos étnicos de países nos quais a MGF é prática comum: imigrantes, refugiados, pessoas que fugiram da fome e da guerra. Devido ao seu impacto na saúde física e mental de mulheres e crianças, a MGF é considerada um assunto de preocupação para os médicos que são mundialmente confrontados com os efeitos desta prática tradicional. 

Várias razões explicam a existência e a continuação da prática da mutilação genital feminina: costume e tradição (preservar virgindade das meninas jovens e limitar a sexualidade das mulheres) e razões sociais. Todavia nenhuma das principais religiões faz qualquer referência explícita à circuncisão feminina nem apoia esta prática. A opinião médica atual é que a MGF é prejudicial à saúde física e mental de meninas e mulheres, sendo vista também como uma forma de opressão da mulher.


5.3- O analfabetismo
Em 1992, na Conferência "Educação para Todos", na Tailândia, a UNESCO comprometia-se a diminuir os índices mundiais de analfabetismo. Atualmente, apesar de a situação ter melhorado, cerca de 25% de adultos e jovens dos países em desenvolvimento e pobres ainda são analfabetos, o que corresponde a cerca de 900 milhões de pessoas. Entre as causas que dificultaram e dificultam a erradicação do analfabetismo mundial está o facto de que em alguns países da África do Subsariana e Sul da Ásia, por exemplo, as taxas demográficas apresentaram um alto crescimento, além de guerras e conflitos, que obrigaram a um aperto orçamentário, levando a uma queda da despesa per capita com educação. Além disso, embora os governos dos países em desenvolvimento invistam a maioria dos recursos da educação no ciclo básico (escola primária), os resultados não se têm mostrado satisfatórios. Nos países pobres, a situação é ainda pior.
Fig. 11- Analfabetismo.Fig. 11- Analfabetismo.
Fig. 11- Analfabetismo.
Fig. 11- Analfabetismo.
No entanto, é preciso deixar claro que só a limitação orçamental não pode ser aceite como a única explicação para o problema do analfabetismo nos países pobres e em desenvolvimento. O trabalho de alfabetização ainda se mantém no fundo da escala de orçamentos tanto de agências nacionais quanto dos doadores internacionais. Como se pode perceber, a situação não é nada boa, mas já esteve pior. Segundo dados da UNESCO e ONU, em 1950, o índice de analfabetismo na África era de 84%; dados referentes ao ano de 2000 indicam que esse índice caiu para 39%.

Não há verdadeiro desenvolvimento sem escola. O desenvolvimento humano, com efeito, será na base de todos os outros desenvolvimentos: económico, político, social, etc. Uma boa política de desenvolvimento tem pois que apostar, antes de tudo, na educação das crianças e da juventude. Isso não tem acontecido em África, infelizmente, sobretudo na parte do continente ao sul do Sara, onde 42 milhões de crianças nunca se sentaram num banco de escola. No Fórum mundial sobre a educação que teve lugar em abril de 2001 em Dakar, os participantes recordaram, na declaração final, que a educação é não apenas "a chave de um desenvolvimento estável", mas é igualmente "um direito fundamental da pessoa humana". Há muitas crianças e jovens africanos a quem não é salvaguardado esse direito. As raparigas são as mais descriminadas, constituindo 58% das crianças e jovens sem escola.

Segundo Kofi Annan, secretário-geral da ONU, "a educação das raparigas representa um investimento a longo prazo cujo rendimento é excecionalmente alto". Raparigas e mulheres melhor formadas contribuem enormemente para uma melhor nutrição, uma melhor saúde, um melhor desenvolvimento e um melhor clima de paz na sociedade. Os países africanos precisam de apoios financeiros para poderem resolver as graves carências ao nível da educação. Mas a experiência ensina-nos que os problemas da educação em África não se resumem a falta de dinheiro ou a falta de meios. Faltam também políticas sérias de investimento neste setor. Por vezes, há os meios e os apoios, mas eles não são bem aplicados.

Acresce ainda que o analfabetismo entre as mulheres nos países em desenvolvimento é 17% mais elevado que nos homens. A edição anual do Relatório da UNICEF, a respeito da condição da infância no mundo, foi dedicada, em 1999, à instrução, denunciando que a discriminação sexual começa nos primeiros anos de educação escolar: em 1980, o número de meninos alfabetizados chegava a 74% da população, contra 56% de meninas. Em 1995, a diferença diminui um pouco: 81% de meninos, contra 66% de meninas; os números, porém, podem ser relativos pela falta de dados exatos relativamente a alguns dos países mais pobres mas, caso estivessem disponíveis, a realidade não mudaria substancialmente. A principal causa dessa discriminação é a pobreza – as famílias enviam para as escolas os meninos, enquanto as meninas ficam em casa ajudando –, mas há também fatores culturais ou religiosos, sobretudo nos países onde a mulher pouco conta na sociedade. Entre os quinze países que mais discriminam as meninas, 11 são africanos e 7 de maioria muçulmana, porém, há exceções: em alguns países, embora pobres, a situação inverte-se e a alfabetização é maior entre as meninas, como no Lesoto, onde há 11% mais meninas que meninos na escola; entre os quinze países onde as meninas frequentam as escolas em percentagem maior que os meninos, quatro são africanos porque aí os meninos começam a trabalhar desde muito novos.


5.4- A cultura de uma classe política corrupta
Fig. 12- Classe política corrupta.Fig. 12- Classe política corrupta.
Fig. 12- Classe política corrupta.
Fig. 12- Classe política corrupta.
A questão da classe política corrupta já foi abordada em capítulos precedentes, uma vez que está intimamente relacionada com todos os fatores determinantes anteriormente expostos. Efetivamente, o obstáculo maior ao desenvolvimento de África é, demasiadas vezes, a sua classe política que, ao invés de pugnar pelo bem-estar dos seus povos, opta por se envolver na mais ostensiva corrupção. Daqui resulta a desgraça das populações, pois não apenas a ajuda internacional não é canalizada para aliviar a fome e a doença de que padecem – acabando nas contas bancárias secretas da elite dirigente –, como também gera rivalidades que se traduzem em conflitos armados, enquanto as populações são atiradas para a mais abjeta miséria.

Os países ocidentais, por seu turno, não podem eximir-se de responsabilidades pois são eles que, na prossecução dos seus interesses estratégicos, encorajam a corrupção dos dirigentes africanos, comprando assim aliados úteis e cúmplices na exploração desenfreada dos recursos naturais em África.

Por outro lado, o exemplo de corrupção das elites mina a confiança do povo nas suas instituições, levando-o a encará-las com cinismo e a tomar parte ativa no suborno para obter o que, em circunstâncias normais, não é mais que o funcionamento regular dessas mesmas instituições.

Em muitos casos os países africanos, de potenciais candidatos à economia de mercado, passam velozmente por um processo de privatização da nomenclatura em que, os até aí marxistas, se transformam, da noite para o dia, em capitalistas à moda do Ocidente, alienando em seu favor grande parte do património do Estado e gerindo a outra como representantes do povo. Paulatinamente, volatilizam-se largos milhões das receitas dos Estados em esquemas de corrupção e tráfico de influências.

Se no passado a prática do roubo era adversa aos hábitos e costumes das comunidades, sendo um problema de sobrevivência nas grandes cidades, atualmente o roubo ou o saque dos bens públicos aparenta ser um passaporte de afirmação, de honra e dignidade da classe política dirigente; um cartão de visita da elite. Esta inversão de valores denuncia uma desmoralização da honra, da honestidade e da solidariedade em favor do roubo, do saque, da corrupção, da incompetência, do clientelismo e até do assassínio, da chantagem e da intimidação como práticas correntes.

Em termos mais crus, a classe política dirigente sente-se, ainda em demasiados casos, confortável no seu papel de corrupta, não sendo mais que verdadeiros piratas que tomaram de assalto o barco do poder.

«A autoridade do Estado deve ser exercida para favorecer a coesão social. Quando o poder passa do exercício da autoridade ao autoritarismo, ele consagra o abuso do poder, e portanto, da autoridade. A consequência de tal conduta é o esboroamento da coesão social, a divisão do Povo e da Nação, a perda de legitimidade do poder, o isolamento dos dirigentes, a desconfiança do povo.»

Habitualmente líderes e povos africanos buscam no passado colonial a principal causa para os seus problemas atuais. Sem minimizar os efeitos da colonização, atualmente a África pode queixar-se mais dos seus próprios líderes do que do passado colonial: «(...) em matéria de repressão e crimes contra os seus povos, os políticos africanos ultrapassam largamente os colonizadores.»

«Se a colonização era humana e socialmente imoral, o Estado Africano é atualmente o principal fator de conflito e de instabilidade dos povos africanos, por ser um permanente viveiro de oligarquias devido à natureza da sua formação.»



CONCLUSÃO
Como já foi referido, nenhum dos fatores determinantes inventariados pode ser encarado isoladamente. Todos eles são em simultâneo causa e efeito uns dos outros, todos eles são originados por outros ou estão na origem de outros.

Se pode ser considerado que muita da miséria das populações africanas advém dos governantes corruptos que gerem os seus destinos, há que considerar também as circunstâncias em que esses governantes chegam ao poder, muitas vezes com o beneplácito ou encorajamento das potências ocidentais, na defesa de interesses estratégicos próprios que passam pelo assegurar do fornecimento de matérias-primas para as suas indústrias.

Por outro lado, o analfabetismo que grassa em muitas regiões de África predispõe o povo a aceitar a corrupção como parte essencial do sistema sem a qual este não funciona. A falta das infraestruturas básicas como saneamento ou água canalizada, por seu turno, resultam na fácil propagação das doenças infetocontagioso das quais a Sida ocupa um destacadíssimo primeiro lugar, "beneficiando" ainda de um ambiente cultural africano em que líderes políticos fecham obstinadamente os olhos à realidade e o povo tem comportamentos de risco inconsciente.

Todavia, como foi aludido logo de início, todas estas situações, embora reais, pecam já por alguma desatualização. Em grande parte do continente africano os países empreendem uma viragem nas suas políticas, motivada por novas gerações de políticos que, cansadas dos sistemas de governação corruptos e despóticos, encetam a reconstrução de nações marcadas pela miséria e decidem empenhar-se a fundo no bem-estar dos seus governados.

Para isso, contam com a ajuda internacional através de programas de apoio como o NEPAD (New Economic Partnership for African Development – Nova Parceira Económica para o Desenvolvimento de África) que preveem um conjunto de linhas mestras que deverão guiar essa reconstrução: reformas económicas e estabilidade política (como primeira prioridade), construção de infraestruturas (saneamento básico, estradas, fornecimento de eletricidade, etc.), educação das populações e melhoria das condições de saúde pública, acesso a terra arável e melhoria da eficácia dos sistemas agrícolas.

África permanece um continente com enorme potencial ainda não realizado e, por vezes, irreversivelmente danificado. A redução da pobreza permanece o desafio central do desenvolvimento e os políticos e tecnocratas das novas gerações deverão – conscientes dos erros do passado, que englobam não apenas as heranças coloniais, as transições pós-independência e o final das "relações privilegiadas" da guerra-fria, mas também a insegurança e corrupção, a instabilidade política e a desastrosa gestão económica – partir em busca de soluções no sentido da democratização política, económica e institucional. Assim, numa estratégia de desenvolvimento a longo prazo, deverá haver uma transformação estrutural e sistémica da economia conduzida pelos seguintes parâmetros:

Desmilitarização da economia e da sociedade e subordinação da estrutura militar ao poder político; consolidação da paz interna e inter-regional investindo na edificação do Estado-Nação, encorajando o crescimento e fortalecendo a influência da sociedade civil, bem como instituindo os princípios de boa governação no seio de uma democracia multipartidária.

Reabilitação e reconstrução das infraestruturas chave essenciais à recuperação económica e ao desenvolvimento sustentado.

Melhoramento da capacidade institucional de conceção e aplicação das políticas para o estabelecimento de uma eficaz gestão macroeconómica e para o lançamento das bases para o desenvolvimento sustentável a longo prazo.

Estabelecimento de uma estratégia eficaz de redução da pobreza e da exclusão social e criação de um sistema de segurança social flexível com definição rigorosa do "patamar" de solidariedade a satisfazer.

Reorientação da despesa pública de gastos militares e com segurança para os setores sociais; programa global de gastos públicos dirigido ao investimento contínuo no desenvolvimento de recursos humanos e acumulação de recursos físicos (nomeadamente, em habitação, cuidados de saúde primários, educação básica e na educação para as mulheres, e em treino profissional).

Definição adequada do papel do Estado e do setor privado na promoção do desenvolvimento económico e dinamização da cooperação entre ambos dentro das respetivas esferas.

Assegurar uma boa governação assente em instituições fortes e eficientes, com funcionários públicos de grande qualidade e honestidade, não sujeitos a pressões políticas, num ambiente de total transparência nos contactos e nos esclarecimentos prestados ao eleitorado.

Mudanças radicais nas instituições, nas estruturas e na legislação, bem como reestruturação e privatização das empresas públicas, no contexto de mudanças qualitativas das regras referentes à propriedade privada e à afetação e distribuição de recursos, assentes na devolução da autoridade de decisão política e de desenvolvimento local e regional.

Impulsionar a produção agrícola e a promoção de exportações de produtos manufaturados.

Abrir a economia aos investimentos, capital humano, ideias e tecnologias estrangeiras;
Participar ativamente em programas de integração regional e de cooperação económica internacional.

É assim possível resgatar África da pobreza. Mas estas são apenas as linhas mestras. Não serão mais que um conjunto de boas intenções se os próprios africanos não decidirem de uma vez pôr termo aos conflitos armados, envidar esforços para erradicar a fome e aliviar a doença. A pobreza não é irremediável nem inevitável.

África está à espera. Por quanto mais tempo?


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http://blog.invisiblechildren.com.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2010/03/Screen-shot2010-03-30-at10.31.57-AM.png (fig. 6)

http://www.oplop.uff.br/sites/default/files/styles/medium/public/images/galerias/manifestacao_de_trabalhadores_-_cabo_verde.jpg?itok=UNxhZCh9 (fig. 7)

http://www.africareview.com/image/view/-/1364538/highRes/340983/-/maxh/283/maxw/432/-/cwcq8s/-/BrainIMAGE.jpg (fig. 8)

https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRYHtNCM9TnWsSJvERSNkxfToAuFrBZZqeeQOZTXYST-28tpYZD (fig. 9)

https://media.licdn.com/mpr/mpr/p/4/005/0a4/1fa/36eedf9.jpg (fig. 10)

https://nimsanigeria.files.wordpress.com/2013/02/female-genital-mutilation-source-middle-east.jpg (fig. 11)

http://www.eleosproject.org/resources/_wsb_512x385_Victor+$40+school+in+Sudan.jpg (fig. 12)

http://www.africanbusinessreview.co.za/public/uploads/large/large_article_im1199_Corruption.jpg (fig. 13)


APÊNDICE – MAPAS


Mapa I – Distribuição da população por país em 2001.































Mapa II – Distribuição da densidade populacional por país em 2001.





































Mapa III – Distribuição da esperança média de vida por país em 2001.









































Mapa IV – Distribuição das taxas de natalidade por país em 2001.




































Mapa V – Distribuição das taxas de mortalidade por país em 2001.




































Mapa VI – Distribuição das taxas de mortalidade infantil por país em 2001.




































Mapa VII – Percentagem da população idosa (maior de 65 anos) por país em 2001.




































Mapa VIII – Índice de desenvolvimento humano por país em 1998.
























Mapa IX – Índice de desenvolvimento humano por país em 2002.





















Mapa X – Distribuição do PIB per capita por país em 1997.







































Mapa XI – Taxas de crescimento do PIB por país em 2001.





















Mapa XII – Distribuição das taxas de desemprego por país em 2001.



































Mapa XIII – Taxa de alfabetização de adultos em percentagem da população com mais de 15 anos em 2000.

































Mapa XIV – Percentagem de HIV nos adultos por país em 2000.




























Mapa XV – Percentagem de pessoas subalimentadas em 2000.



















Mapa XVI – As guerras em África na transição dos anos de 1990 para 2000.





































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Coupland, L'Histoire de l'Afrique Orientale, apud Joseph Ki-Zerbo, História da África Negra, Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1999, 3ª edição, 2 vols., p. 10.
Eugène Pittard, Les Races et l'Histoire, Paris, 1953, Ed. Albin Michel, p. 505 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., pp. 10, 11.
P. Gaxotte, La Revue de Paris, outubro de 1957, p. 12 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 11.
Endre Sik, Histoire de l'Afrique Noire, Akademiai Kiado, Budapeste, 1965, t. I, p. 19 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 11.
Kingsworth, Africa South of the Sahara, Cambridge, 1963, p. 14 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 12.
S. Trimingham, History of Islam in West Africa, 1962, p. 19 apud Joseph Ki-Zerbo, op. cit., p. 12.
Cf. António Luís Ferronha, As Civilizações Africanas: I – África e os Africanos, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996, pp. 15-17, 45-47.
Cf. Christian Sigrist, "La destruction des sociétés agraires en Afrique – Esquisse théorique", AAVV, Caderno de Estudos Africanos, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, nº 1, julho/dezembro de 2001, pp. 71-83.
N.A.: Mapas adaptados de Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's], (Mapas 1 a 8, 11 a 13); de http://www.rede-nonio.min-edu.pt/es/esamalia/12e/tema1/mapas.htm, (Mapas 9, 10, 14, 15); de Francisco Galope, António Aly Silva, "Guerras – África, um triste retrato", 02/08/2001 in http://www.visaonline.pt, (Mapa 16). Vide Apêndice – Mapas.

«Estávamos à beira de eleições gerais; o POP sentia-se à vontade no país e não havia qualquer receio de não ser reconduzido. O seu opositor, o Partido da Aliança Progressista, era fraco e estava desorganizado. Depois veio a crise do mercado internacional do café. De um dia para o outro (ou pelo menos assim nos pareceu) o governo viu-se a braços com uma perigosa crise financeira. O café era o esteio da nossa economia, do mesmo modo que os cultivadores eram o baluarte do POP. O ministro das Finanças da época era um excelente economista, com um doutoramento em Finanças Públicas. Apresentou ao gabinete um plano completo para enfrentar a situação. O primeiro-ministro disse «não» ao plano. Não queria arriscar perder as eleições por ter baixado o preço pago aos agricultores de café naquele momento crítico; ordens seriam dadas ao Banco Nacional para imprimir quinze milhões de libras. Dois terços do gabinete apoiaram o ministro. Na manhã seguinte o primeiro-ministro despediu-os e à noite falou à nação através da rádio. Disse que os ministros despedidos eram conspiradores e traidores que se tinham aliado a sabotadores estrangeiros para destruir a novel nação. (...) Os jornais e a rádio divulgaram a versão do caso dada pelo primeiro-ministro. (...) O Daily Chronicle, um dos órgãos oficiais do POP, tinha salientado num editorial que o Bando dos Malvados, como chamavam agora aos ministros demitidos, vinham todos da universidade e eram todos profissionais altamente especializados. (...) "Vamos agora e de uma vez por todas extrair do nosso corpo político, como um dentista extrai um dente mal cheiroso, esses decadentes que sabem de economia pelos manuais e macaqueiam as maneiras e a fala dos brancos. Temos orgulho de sermos africanos. Os nossos verdadeiros líderes não são aqueles que ficaram inebriados com diplomas de Oxford, Cambridge ou Harvard, mas sim aqueles que falam a língua do nosso povo. Fora com a odiosa e dispendiosa educação universitária que apenas afasta um africano da sua antiga e rica cultura e o coloca acima do seu povo..." (...) Outros jornais salientaram que mesmo em Inglaterra, onde o Bando dos Malvados tinha recebido a sua «suposta educação» não era necessário ser-se economista para se ser ministro das Finanças, ou médico para se ser ministro da Saúde. O importante era a fidelidade ao Partido. (...) Foi esse o dia em que a verdade finalmente veio à superfície; só que ninguém prestou atenção. Lembro-me da cara constrangida do ministro das Finanças demitido quando encaminhava a sua equipa para a câmara e era violentamente vaiado por deputados e pelo público. Naquela semana o carro dele tinha sido destruído pela populaça furiosa e a sua casa apedrejada. Outro ministro demitido fora arrancado de dentro do seu carro, espancado até ficar inconsciente, arrastado durante cinquenta metros, e depois atado de pés e mãos, amordaçado e abandonado à beira da estrada. Quando a câmara reuniu ainda ele estava no hospital. (...) Quando o primeiro-ministro disse que tinha sido apunhalado pelas costas pelos próprios ingratos que tinha tirado do esquecimento, alguns membros da câmara estavam em lágrimas. (...) Convém não esquecer que então ninguém tinha razões para pensar que pudesse haver outra versão dos acontecimentos. O primeiro-ministro continuava a falar. Foi então que fez a seguinte declaração solene, agora célebre (tristemente célebre, digamos): — A partir de hoje devemos cuidar e guardar zelosamente a nossa liberdade duramente conquistada. Não devemos nunca mais confiar o nosso destino e o destino de África à classe de intelectuais pretensiosos e educados no Ocidente, que não hesitariam em vender a mãe por um prato de sopa...». Cf. Chinua Achebe, Um Homem Popular, Filipe Jarro (trad.), Lisboa, Ed. Caminho, 1987, pp. 11-13.
Cf. "Mobutu Sese Seko" in Diciopédia 2003, op cit.
Cf. "Idi Amin" in Diciopédia 2003, op. cit.
Cf. "Muammar Khadaffi" in Diciopédia 2003, op. cit.
Cf. "República Democrática do Congo" in Diciopédia 2003, op. cit.
Cf. Rafael Marques, "As raízes da violência em África", Jornadas sobre Conflitos e Ingerências: a Violência em África, Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, 16 a 18 de outubro de 2002 in
http://www.visaonews.com/vnn/misc/opiniao/11052002OP.asp, consultado em 2004/03/26.
Cf. "Nigéria" in Diciopédia 2003, op. cit.
Cf. Mapa 16, p. XVI.
S.v. Guerras em África cf. Francisco Galope, António Aly Silva, "Guerras – África, um triste retrato", 02/08/2001, http://www.visaoonline.pt; Lucas Habkost Silva, "África: Uma Região de Paradoxos Econômicos", tradução analisada do artigo "Lion cubs on a wire" in The Economist, 22/08/2003, http://solidus.com.br/panorama.asp?paispaiscodigo=84, consultado em 2004/03/18; Kabengele Munanga, "Etnicidade, Violência e Direitos Humanos em África" in http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/Etnicidade.html, consultado em 2004/03/18.
Cf. "Campanha Mundial em Favor das Crianças Soldados" in http://utopia.com.br/anistia/campanhas/c_soldado.html, consultado em 2004/03/22.
Idem.
S.v. Crianças-soldados Cf. "Campanha Mundial em Favor das Crianças Soldados" in http://utopia.com.br/anistia/campanhas/c_soldado.html, consultado em 2004/03/22; "Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças", Relatório de Graça Machel no seguimento da Resolução 48/157 da Assembleia-geral das Nações Unidas, Doc. A/51/306 de 28/08/1996 in http://www.cidadevirtual.pt/cpr/icac/icac_2.html consultado em 2004/03/22.
Cf. Christian Sigrist, op. cit., pp. 72, 73.
Cf. Christian Sigrist, op. cit., p. 73.
Idem, p. 74.
Cf. African Development Report 2002 – Rural Development for Poverty Reduction in Africa, New York, African Development Bank, 2002, p. 106.
Idem.
Cf. "Libéria" in Diciopédia 2003, op. cit.
Cf. John Bongaarts e Judith Bruce, "Crescimento da população e opções de políticas nos países em desenvolvimento" in Visão 2020, Resumo nº 53, http://www.ifpri.org/portug/2020/briefs/br53po.htm, consultado em 2004/03/24.
Cf. Mapas 1 e 2, pp. I, II.
«O problema com o meu pai era o seu desejo interminável de esposas e filhos. Ou talvez devesse dizer filhos e esposas. Agora mesmo tem cinco esposas – a mais nova é uma rapariga com quem casou no ano passado. E deve ter pelo menos sessenta e oito, ou até setenta anos. Recebe uma pensão pequena que seria o suficiente se tivesse uma família pequena em vez dos atuais trinta e cinco filhos. É claro que hoje nem sequer pretende sustentar a família toda. Deixa cada mulher entregue a si mesma. Para as mais velhas, como a Mama, não é mau porque têm filhos crescidos que as podem ajudar, mas as mais novas têm de conseguir o dinheiro para a escola dos filhos a partir do cultivo e do pequeno comércio.». Cf. Chinua Achebe, Um Homem Popular, Filipe Jarro (trad.), Lisboa, Ed. Caminho, 1987, p. 38.
Cf. Mapa 12, p. XII.
Cf. "Desemprego se mantém em nível recorde no mundo em 2003, segundo OIT" in Último Segundo, jornal on-line in http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/mundo/artigo/0,,1491424,00.html, consultado em 2004/03/18.
Cf. "Desemprego e Precariedade Laboral Ameaçam as Trabalhadoras" in Jornal Público on-line in http://jornal.publico.pt/publico/2004/03/08/Sociedade/S10CX01.html consultado em 2004-03-18.
Cf. http://www.actionaid.org.br/p/pdf/gender.pdf consultado em 2004-03-18.
Adaptado de entrevista de Reuben Abati, do jornal The Guardian, com o Eng.º Philip Emeagwali, nigeriano, apelidado de "Bill Gates de África" pelas suas investigações no âmbito da matemática computacional. Cf. http://emeagwali.org/interviews/brain-drain/educacao-na-africa-a-fuga-e-cerebros-worldnet-africa-journal.html consultado em 2004-03-18.
Cf. Antônio Pacheco, Ana Camacho, "África: novo mapa do tesouro" in http://www.semfronteirasweb.com.br/exibe_artigo.php?cod=155 consultado em 2004/03/18.
S.v. Sida cf. "A Sida no mundo" in http://www.roche.pt/sida/estatisticas/sites.cfm consultado em 2004/03/18; Projeto de Resolução das Nações Unidas nº 146/VIII "Por uma política de cooperação no combate à Sida" in http://www.pcp.pt/ar/legis-8/projres/pjr146.html consultado em 2004/03/24; "Sida hipoteca o futuro em África" in A Página da Educação http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=2701 consultado em 2004/03/24; cf. Mapa 14, p. XIV.
Adaptado de "Sida em África", notícia da Televisão de Moçambique em 2001/12/03 in NoTMoC: Notícias de Moçambique, edição on-line, Ano 3, Edição 43, 2001-12-03, http://www.mol.co.mz/notmoc/2001/1203in.html consultado em 2004/03/19.
S.v. Mutilação Genital Feminina cf. "Declaração de Budapeste sobre a condenação da Mutilação Genital Feminina" in http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/medica/04Budapeste.html consultado em 2004-03-24; Eduardo Ferraz, "Ocidente tenta coibir o ritual milenar africano de extirpação do clitóris de crianças e adolescentes" in http://www.geocities.com/realidadebr/rn/mulcumana/m201196.htm consultado em 2004-03-24.
S.v. Analfabetismo, cf. Universidade Federal de Góias, "8 de setembro: Dia Mundial da Alfabetização" in http://www.ufg.br/data2003/setembro/08_alfabetizacao.html consultado em 2004-03-25; "África – O futuro de África passa pela escola" in http://www.solsef.pt/pontovst.htm#TITULO_04 consultado em 2004-03-25; "Discriminação sexual desde a alfabetização", Revista "Mundo e Missão" in http://www.pime.org.br/pimenet/mundoemissao/dadosdiscrim.htm consultado em 2004-03-25.
«A primeira coisa que os críticos afirmam acerca das residências oficiais dos nossos ministros é que têm todas sete quartos e sete casas de banho, para cada dia da semana. Só posso dizer que nessa primeira noite não havia na minha cabeça espaço nenhum para críticas. Estava simplesmente hipnotizado pelo luxo da grande suite que me tinha sido atribuída. Quando me deitei na cama de casal, que parecia montada numa almofada de ar, liguei a lâmpada de cabeceira e vi a bonita mobília na posição de deitado e olhei através da porta aberta para a casa de banho brilhante e para as toalhas tão largas como um Iappa. Tenho de confessar que se naquele momento me fizessem ministro teria toda a preocupação em continuar a sê-lo para sempre. E talvez devesse agradecer a Deus por não o ser. E uma prova de ignorância da básica natureza humana dizer, como dizem alguns críticos, que, porque um homem como Nanga passou de repente da pobreza e da insignificância para a sua opulência atual, seria relativamente fácil convencê-lo a deixar tudo e a regressar ao seu estado original.»
«Um homem que acabou de chegar da chuva e de secar o corpo e de vestir roupa seca é muito mais avesso a sair de novo do que outro que esteve sempre dentro de casa. O problema da nossa recente nação – como eu o vi deitado naquela cama – era que nenhum de nós esteve dentro de casa o tempo suficiente para ser capaz de dizer «Que se lixe!». Estivemos todos à chuva até ontem. Depois, alguns – os espertos e os afortunados, e raramente os melhores – repartiram entre si o único abrigo que os nossos anteriores governantes deixaram, e apossaram-se dele e fecharam-se lá dentro. E de lá de dentro tentaram convencer o resto. Com a ajuda de muitos altifalantes, de que a primeira fase da luta já estava ganha e que a fase seguinte – o alargamento da casa – era ainda mais importante e exigia táticas novas e originais: exigia que todas as disputas cessassem e que o povo inteiro falasse a uma só voz e que mais nenhum desacordo ou discussão no exterior do abrigo subvertesse e deitasse abaixo a casa inteira.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 40.
«(...) – Não te estou a perceber, Max. Estás a dizer que aceitaste dinheiro e te inclinaste perante o POP?» «– Não estou a dizer nada disso. O papel que assinei não tinha qualquer força legal e nós precisávamos de dinheiro...»
«– Tinha força moral – disse eu, desiludido. – Desculpa, Max, mas acho que fizeste uma grande asneira. Pensei que quiséssemos que a nossa luta fosse limpa... Devias ter tido cuidado a partir de agora vão ser ainda mais perigosos e as pessoas depois dizem que eles têm razão.» «Estava mesmo preocupado. Se o nosso povo não percebia mais nada percebia pelo menos que um homem que recebe dinheiro de outro homem em troca de um serviço tem de realizar esse serviço ou ficar vulnerável à justa vingança do outro. Nem Deus nem o juju o podem ajudar.» «– Oh, esquece isso. Sabes, Odili, que o Consórcio Britânico deu quatrocentas mil libras ao POP para estas eleições? Sim, e também sabemos que os americanos foram ainda mais generosos, apesar de ainda não dispormos dos números. Agora diz-me como é que pensas travar esta guerra suja sem sujares um pouco as mãos. Diz só. (...) Entretanto, meu caro, se te fizerem a oferta de novo, aceita-a. O dinheiro é tanto dele como teu...». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 137.

«Uma certa manhã Bonifácio e um dos outros brutamontes acordaram-me e pediram-me vinte e cinco libras. Eu sabia que era inevitável uma dose de exploração nestas coisas e não discutia cada tostão que se gastava. Mas, ao mesmo tempo não via como podia abdicar da responsabilidade dos fundos que o CPC me tinha confiado. Tinha de satisfazer a minha consciência de que estava a exercer o controlo adequado. – Dei dez libras ainda ontem – disse eu, e ia acrescentar que, ao contrário dos nossos adversários, tínhamos fundos escassos, questão que já abordara muitas vezes. (...) – Para que precisam vocês de vinte e cinco libras? E o que é que fizeram às dez libras?» «– Damos três libras e dez àquele polícia para que deitasse fora o papel nosso caso. Depois damos uma libra e dez ao escriturário do Tribunal porque dizem quando o assunto até vista o polícia não pode deitar fora só assim. Depois damos mais duas libras…». Cf. Chinua Achebe, op. cit., pp. 124, 125.

«Alguns comentadores políticos disseram que foi o cinismo supremo destas transações que inflamou o povo e deitou abaixo o governo. Pura conversa fiada. O próprio povo, como já vimos, tinha-se tornado ainda mais cínico do que os seus líderes e estava apático frente às negociatas. «Deixem-nos comer» dizia a opinião pública, «afinal, quando os brancos comiam tudo alguma vez nos suicidámos?» Claro que não. E onde está o todo-poderoso homem branco hoje em dia? Veio, comeu e foi-se embora. Mas nós ainda cá estamos. A coisa mais importante é continuar vivo; se se conseguir isso ultrapassam-se os outros problemas. O principal, como nos ensinaram os mais velhos é a reminiscência; e só os que sobrevivem conseguem obtê-la. Aliás, se se sobreviver, quem sabe?, talvez amanhã seja a minha vez de comer. Talvez o meu filho me traga a minha parte a casa.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 154.
«– Koko tirou o suficiente para que o dono pudesse reparar – disse o meu pai. (...) As palavras do meu pai atingiram-me porque foram as mesmas que os aldeões de Anata disseram acerca de Josiah, o comerciante banido. Só que no caso deles faziam sentido; o dono era a aldeia, e a aldeia tem um espírito; podia dizer não aos sacrilégios. Mas nos assuntos do Estado não existiam donos, e as leis da nossa aldeia deixavam de ter valor.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 158.
Manuel Jorge, "O poder e a autoridade: a legitimidade em questão", Fórum sobre as Múltiplas Consequências da Guerra em Angola, Luanda, 15 de março de 2001 apud Rafael Marques, "As raízes da violência em África: o caso de Angola", Jornadas sobre Conflitos e Ingerências: a Violência em África, Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, 16 a 18 de outubro de 2002 in http://www.visaonews.com/vnn/misc/opiniao/11052002OP.asp consultado em 2004/03/26.
Manuel Santos Lima, "O compromisso dos intelectuais com a cidadania", Fórum sobre as Múltiplas Consequências da Guerra em Angola, Luanda, 15 de março de 2001 apud Rafael Marques, "As raízes da violência em África: o caso de Angola", Jornadas sobre Conflitos e Ingerências: a Violência em África, Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, 16 a 18 de outubro de 2002 in http://www.visaonews.com/vnn/misc/opiniao/11052002OP.asp consultado em 2004/03/26.
Idem.
Cf. Luc Christiaensen, Lionel Demery, Stefano Peternostro, Growth, Distribution and Poverty in Africa – Messages from the 1990's, Washington, D.C., The World Bank, 2002, pp. 47-49.
Cf. Fátima Moura Roque, "Visão Estratégica para o Desenvolvimento a longo prazo da África no século XXI" in Lusíada – Revista de Relações Internacionais, Porto, Universidade Lusíada do Porto, 2001, nº 2, pp. 114-135.
Idem.
«Porque eu lhe perguntei de brincadeira, antes de nos deitarmos, se ainda escrevia poesia, Max foi pescar umas linhas que escrevera sete anos antes para uma música conhecida na altura. Escreveu-as nos meses inebriantes de grandes esperanças logo depois da Independência. Agora, cantava-as como um canto fúnebre. E, acreditem, as lágrimas vieram-me ao canto do olho; lágrimas pela esperança morta à nascença. Podem chamar-me sentimental, se quiserem. Tenho o poema, Dança-Oferenda à Mãe-Terra, mesmo frente dos olhos enquanto escrevo e poderia citá-lo todo; mas em letras de imprensa nunca conseguiria transmitir o sentimento trágico que me atravessou naquela noite em que Max o cantou batendo o ritmo com o pé, e relembrando a alegria e as grandes promessas de há sete anos que agora pareciam a mais de sete vidas de distância!» «Regressarei a casa para ela – durante muitos séculos vagueei / E farei a minha oferenda aos pés da minha Mãe bem-amada / Reconstruirei a sua casa, os templos que violaram e pilharam / E fá-los-ei bonitos com pau-preto, bronze e terracota.» «Li este último verso vezes sem conta. Pobre mãe preta! Tanto tempo à espera que o seu filho chegue à idade de lhe dar conforto e compensá-la pelos anos de vergonha e desleixo.». Cf. Chinua Achebe, op. cit., p. 90.



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