A poderosa plataforma para inclusão social: um olhar sobre políticas públicas na implantação da televisão digital

July 6, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na Educação
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A PODEROSA PLATAFORMA PARA INCLUSÃO SOCIAL: UM OLHAR SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS NA IMPLANTAÇÃO DA TELEVISÃO DIGITAL Juliano Maurício de Carvalho86 Patrícia Benetti Ikeda87 Gabriela Estefano Reis Cleto87 Grupo de Trabalho: Cultura Digital

Resumo Junto às indefinições conceituais de televisão digital, outras questões aparecem referentes a esse modelo de comunicação, principalmente no que diz respeito à verdadeira capacidade de trazer mudanças significativas para população brasileira. Com o objetivo de propor o debate e chamar atenção à importância de elaboração de políticas públicas nesse cenário, que pode significar a reestruturação do setor audiovisual mais heterogêneo, neste trabalho são delineados os principais marcos na implantação da televisão digital para serem apresentadas, em seguida, questões referentes a políticas públicas com fins de promover a democratização do meio e, consequentemente, o acesso aos direitos básicos e o exercício da cidadania. Palavras-chave: Televisão digital. Políticas públicas. Inclusão social. desenvolvimento em Televisão digital. Produção e difusão em meios digitais.

Informação

e

Resumen Junto a la indefinición conceptual de la televisión digital, aparecen otros temas para este tipo de comunicación, especialmente con respecto a la verdadera capacidad de traer cambios importantes para la población brasileña. Con el objetivo de proporcionar el debate y el llamado de atención de la importancia de políticas públicas este escenario, que podría significar la reestructuración del sector audiovisual, más heterogéneo, en este trabajo se describen los principales hitos en la aplicación de la televisión digital a presentar, entonces, las cuestiones relativas a la política pública con fines de promoción la democración del médio y, en consecuencia, el acceso a los derechos fundamentales y el ejercicio de la ciudadanía.

86 Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática e do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru (FAAC) da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”(UNESP). Pesquisador e líder do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Doutor em Ciência da Comunicação. Contato: [email protected]. 87 Estudantes de Graduação em Jornalismo pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”. Membros do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Bolsistas do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq). Contatos: [email protected] / [email protected]

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1 INTRODUÇÃO A televisão digital surge em um ambiente de convivência entre mídias tradicionais, como o rádio, e mais disruptivas, como a internet. Um grande desacordo existente diz respeito ao seu próprio conceito dentro das Tecnologias de Comunicação e Informação, no qual é colocado em debate se a televisão digital é uma nova mídia ou representa apenas uma otimização das funcionalidades da televisão analógica. Ribeiro (2007) afirma que a tecnologia digital transformou o relacionamento do homem com os meios de comunicação e de como estes meios se relacionam entre eles e as mensagens. Entretanto, diz que a verdadeira novidade é o uso ou apropriação que cada indivíduo faz do meio, sendo comum rotularem uma inovação como nova mídia. Do lado oposto, Médola (2007) considera a migração da televisão analógica para a digital a constituição de uma nova mídia, já que as mudanças, como a possível interação entre emissor e receptor, inauguram outro tipo de comunicação, estabelecendo novas linguagens, estéticas e provocando transformações na sociedade. Novos conceitos são criados, não só na tentativa de enquadrar os meios de comunicação em uma linha histórica, mas também na perspectiva de o homem ter a sensação do controle sobre os rumos de uma ferramenta de sua própria criação. Scolari (2008), dando continuidade às classificações88 de Umberto Eco, utiliza o termo hipertelevisão para caracterizar o novo cenário de adaptação de formas visuais provenientes de interfaces digitais e o novo público acostumado com a interatividade das redes e receptível frente às interações. Entretanto, o autor lembra que a redução da televisão a mera sucessão de etapas com objetivos didáticos corre o risco de simplificar os processos considerados complexos e multideterminados. A aproximação/fusão da TV às tecnologias computacionais cria uma nova mídia que ainda não conseguimos nomear. Enquanto um novo modelo de comunicação audiovisual digital interativo multiplataforma, que tem como referência e matriz

88 Umberto Eco definiu as mudanças da televisão iniciadas no começo dos anos 80 como a passagem da "Paleotelevisão" à "Neotelevisão". Nesta nova fase, termina a oposição entre informação/entretenimento e cada vez menos se fala sobre o mundo exterior: a neotelevisão fala de si mesma.

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aquilo que conhecemos como televisão, não é definido, navegamos por caminhos tortuosos e sinalizados por siglas como iTV, TVD, HDTV, IPTV, entre outras, que lembram a máxima de Abelardo Barbosa: “Eu vim para confundir, não para explicar” (AMÉRICO, 2007, p. 5).

Junto à indefinição de termos e conceitos, surgem também perguntas relacionadas ao espaço ocupado na construção da nova cadeia de valor televisiva. Castro (2008) levanta a questão classificatória dos conteúdos digitais, se é possível considerar como indústrias culturais os conteúdos produzidos a meios digitais, ou ainda se é necessário criar novos conceitos. No meio de tantas dúvidas, surgem também inquietações referentes ao potencial dessa nova ferramenta, principalmente no que diz respeito à inclusão social. Estamos diante de um novo marco regulatório? A televisão digital realmente proporcionará uma mudança na estrutura da cadeia de valor, possibilitando a participação de distintos agentes, ou o interesse dos grandes empresários continuará prevalecendo? A interatividade será plena e acessível ou representará mais um recurso para a expansão do fosso digital e, consequentemente, a ampliação da desigualdade? Este trabalho não objetiva oferecer respostas, mas levantar o debate das reais potencialidades de inclusão social advindas com essa tecnologia. Primeiramente, são delineados os marcos gerais na implantação da televisão digital para apresentar, em seguida, questões referentes à elaboração de políticas públicas com fins de promover a democratização do meio.

2 PERSPECTIVA HISTÓRICA As discussões iniciais sobre a digitalização da radiodifusão brasileira surgiram dentro de um contexto marcado pela privatização do capital nacional e por uma política nacional de comunicação desestruturada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Existiu “um conjunto de textos legais desencontrados, editados em virtudes de interesses imediatos e de lógicas do capital internacional em consonância com o grande empresariado de mídia brasileiro” (BRITTOS & BOLAÑO, 2007, p. 46). A coordenação do processo de escolha do modelo a se implantar no país ficou sob a responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações, tendo início em 1999. Outro passo importante para o processo de implantação da televisão digital no país aconteceu com a regulamentação do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações, cujo 425 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

“objetivo seria viabilizar e estimular o processo de inovação tecnológica no Brasil no âmbito das telecomunicações” (SACRINI, 2008). Sob solicitação da Anatel, a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Telecomunicações (CPqD) realizou uma pesquisa de mercado, divulgada em 2002 pelo Ministério das Comunicações, na qual consultou sociedade, emissoras e fabricantes sobre as expectativas advindas com a implantação dessa nova tecnologia. Ademais, acompanhou a pesquisa dos três sistemas digitais disponíveis testados por um grupo de 17 emissoras e pela Universidade Mackenzie de São Paulo: o americano ATSC, o europeu DVB-T e o japonês ISDB-T. Na tentativa de mostrar um projeto de implantação mais aberto à sociedade, a Anatel também realizou quatro consultas públicas89 entre 2000 e 2001, tornando público o relatório sobre testes e utilização dos sistemas de televisão digital para comentários. Mas o caráter limitativo da participação pública e a falta de interação com os agentes sociais mostraram o posicionamento distante da sociedade adotada pelo governo. Dada complexidade do assunto, o projeto de implantação da televisão digital mostrou não ser apenas a transição do sinal analógico para o digital, mas a possibilidade de reestruturação do setor do audiovisual brasileiro, apresentando novas oportunidades na exploração do serviço, implicando novos mercados para todos os agentes envolvidos, dentre os quais, prestadores de serviço, fabricantes de equipamentos e produtores de conteúdo tradicionais ou aqueles voltados à exploração de novas mídias (MARTINS & HOLANDA, 2005, p.171). Mas foi com o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva que as diretrizes da digitalização mudaram de rumo ao visar a um projeto que contemplasse o desenvolvimento sustentável e a independência tecnológica, abrindo o debate para diferentes agentes da sociedade e do governo90. A tarefa de implementação da televisão digital, até então desempenhada pela Anatel, ficou sob responsabilidade do Ministério das Comunicações. O grande passo na história da televisão digital no Brasil veio com o anúncio do lançamento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), em 2003, por meio do Decreto Nº 89

Consulta pública nº216, nº229, nº237, nº291. Em 23 de setembro de 2003, o Decreto nº185 instituiu um Grupo de Trabalho para avaliar propostas, propor diretrizes e medidas para a implantação do SBTVD. 90

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4.901. A política nacional de comunicação projetou um espaço de maior pluralidade e inclusão digital ao focar-se no desenvolvimento de um padrão brasileiro, tendo como estratégia a incorporação da tecnologia nacional para atender as necessidades particulares do país no processo de digitalização. O governo solicitou diversas pesquisas91 ao CPqD para análise de questões referentes à decisão do padrão tecnológico a se adotar no país, além de criar portarias para designar membros a compor o Comitê de Desenvolvimento, o Comitê Consultivo e um Grupo Gestor92 a fim de realizar um estudo balanceado e coeso dos aspectos tecnológicos, regulatórios, sociais, industriais, econômicos e do mercado internacional (MARTINS & HOLANDA, 2005, p.176). Em junho de 2006, foi instituído o decreto nº 5.820, em que o padrão tecnológico japonês ISDB-T foi definido como base do SBTVD-T. Foi estipulada também a criação de um Fórum composto por representantes do setor de radiodifusão, do setor industrial e da comunidade científica tecnológica a fim de assessorar o Comitê de Desenvolvimento “acerca de políticas e assuntos técnicos referentes à aprovação de inovações tecnológicas, especificações, desenvolvimento e implantação do SBTVD-T” (BRASIL, 2006). Foi estabelecido o prazo de dez anos para a transição do sinal analógico para o digital por meio de um cronograma de implantação. Para usufruir dessa inovação, é necessário adquirir o conversor denominado set-top box ou televisores com a tecnologia acoplada. No dia 2 de dezembro de 2007 foi a estréia do sinal digital na Grande São Paulo. No momento, a televisão digital brasileira traz apenas o benefício da alta definição de som e imagem, enquanto grande parte de sua potencialidade, como a interatividade e serviços eletrônicos, ainda está indisponível. A atual fase é de implantação nas principais regiões do país e de pesquisa em recursos a serem introduzidos com a nova tecnologia. Os avanços conquistados até agora se referem à infra-estrutura tecnológica de transmissão e recepção de sinal, ficando de lado o importante debate sobre o desenvolvimento de conteúdo, do ponto de vista da comunicação, sob a perspectiva de tornar a televisão digital uma possibilidade de

91 As pesquisas - realizadas por consórcios entre centro nacionais de pesquisa, universidades e instituições de desenvolvimento tecnológico - faziam parte de um projeto denominado Projeto Televisão Digital Interativa. http://sbtvd.cpqd.com.br/. 92 Todas as competências atribuídas e a organização representativa de cada órgão estão estabelecidas no Decreto nº4.901.

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via de acessão ao ciberespaço enquanto ambiente de circulação da informação e da comunicação, democratizando os sistemas de produção e difusão de conteúdos (MÉDOLA, 2007).

3 O DESAFIO DA INCLUSÃO DIGITAL Sobre a relação entre tecnologia e sociedade, Castells lembra a primeira lei proposta por Kranzberg, no na qual afirma que “a tecnologia não é boa, nem ruim e também não é neutra” (KRANZBERG,1985 apud CASTELLS, 2008). É nesse aspecto que se deve considerar a televisão digital no país, uma vez que o rumo de sua implantação pode desviar de sua verdadeira finalidade que inclui, conforme o decreto de 2003, a promoção da inclusão social, da diversidade cultural do país e da língua pátria, e a criação de uma rede universal de educação à distância. Por ser fonte de informação e entretenimento da população brasileira, a televisão tem enorme influência na cultura e na cidadania, e a estratégia a ser adotada para a digitalização do sinal pode aumentar ou diminuir o grau de desigualdade da sociedade. Sob o olhar sócio-técnico, a posição adotada pelo presidente Lula representou um grande progresso no debate da digitalização da mídia eletrônica em relação ao governo anterior. Além do estímulo no desenvolvimento de um sistema próprio, outros avanços foram pertinentes como a volta do Ministério das Comunicações na formulação de políticas, a promoção da inclusão digital com aposta no recurso de interatividade e a tentativa de mobilização de diversos segmentos sociedade. Entretanto, os participantes não atuaram de forma integrada e equivalente na formação do projeto nacional, e nem todos os atores foram envolvidos, evidenciado, principalmente, a desarticulação da política com a opinião pública. As pesquisas de opinião realizadas para a Anatel atestam o total desconhecimento ou do consumidor sobre o que significa digitalizar a televisão no Brasil. A imprensa tampouco compreende o problema e aborda-o como se tratasse apenas da definição de um padrão ou de um protocolo que poderia ser adquirido dos Estados Unidos (ATSC), da Europa (DVB) ou do Japão (ISDB) (MOTA, 2005, p.200).

Outra evidência da frágil participação da sociedade foi o esvaziamento do Comitê Consultivo, cujo papel era propor ações e diretrizes relativas ao SBTVD e integrado por representantes de entidades que desenvolvem atividades relacionadas à tecnologia de televisão 428 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

digital. O desgaste começou com a posse de Hélio Costa no Ministério das Comunicações em 2005, cujas declarações sobre alguns assuntos polêmicos como software livre e rádios comunitárias desconsideravam premissas do decreto de instituição do SBTVD. Foi perceptível que no processo de implantação “a própria noção de público sofreu modificações, quando adotada o conceito de sujeitos coletivos, pois quando a voz do primeiro não se fez ouvir na sociedade, surgiu uma opinião midiatizada e comprometida com a visão do mercado” (SANTOS, 2006). Outra questão a ser levantada é que a mera digitalização do sinal e a disponibilização dos recursos dessa nova ferramenta não garantem que ela apresente caráter universal e privilegie o acesso coletivo. Essa questão se torna mais aguda quando projetada dentro da heterogeneidade da população brasileira, marcada por alta desigualdade na distribuição de renda e também pela diversidade de culturas regionais. Como afirmam Mattos e Chagas (2008) em seus estudos sobre os desafios para a inclusão digital no país, o problema passa por duas questões principais. O primeiro é referente ao fator econômico limitante para a inclusão digital, uma vez que é necessária infra-estrutura para ter acesso à nova tecnologia. Apesar de constar no decreto nº 4.901 o planejamento do processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis a sua renda, não existiu até agora nenhum sinal do programa de subsidiação dos conversores digitais que havia sido anunciado pelo Estado. Outro aspecto diz respeito à questão cognitiva, no qual é levantado o seguinte ponto: “como construir uma sociedade de ‘infoincluídos’ em uma sociedade marcada por relativamente altas taxas de analfabetismo funcional?”. Fica evidente que a mera existência da tecnologia não é capaz de resolver questões referentes à inclusão digital, e consequentemente, à inclusão social. Se a parte de recepção dentro do canal comunicativo for falha, não existirá a compreensão e captação da mensagem, deixando de lado o aspecto bidirecional tão necessário para a integração do público com a nova tecnologia e, consequentemente, afastando-o do exercício da cidadania e da promoção da democracia. Como advertem os mesmos autores, é necessário que a inclusão digital faça parte do sistema educacional brasileiro, constituindo-se como parte dos valores sociais que permitem à população exercer cidadania desde os primeiros momentos na construção da sua identidade, dentro do ambiente escolar. A exclusão digital amplia a desigualdade, por isso é essencial que as políticas 429 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

públicas sejam colocadas em primeiro plano, e não como consequência da implantação de uma nova ferramenta. É necessário também assumir estratégia de produção de conteúdo partindo sob o olhar dos envolvidos. Isso significa o estabelecimento de uma nova linguagem, o desenvolvimento de interfaces para facilitar o acesso e a padronização de usabilidade. Por isso, deve-se considerar que: As mudanças provocadas pela nova tecnologia levarão tempo para ser efetivamente assimiladas pela sociedade, pois implicarão transformações nos processos de produção e de consumo. O próprio cidadão ou consumidor deverá se adaptar à nova tecnologia. Há uma demanda de construção de conhecimento em novas bases, já que, tanto do ponto de vista da tecnologia como da inteligência necessária ao seu funcionamento, é preciso o surgimento de uma nova cultura. Construir um modelo de interatividade desafia a elaboração de sistemas de não-especialistas, leigos, iniciantes e iletrados digitais (MOTA, 2005, p.221).

Esse desafio é o que a autora acima chama de “organização pedagógica dos fluxos informacionais”, que consiste na capacidade de assimilação das informações disponíveis, dando ao público um significado e uma base para a ação, ou seja, tanto para obter o conhecimento quanto para agir sobre os estímulos informacionais recebidos em formas cognitivas. A desorganização desses fluxos é resultado “de um alto grau de incomunicabilidade em todas as pontas dos processos de atendimento à população, seja no âmbito da oferta, seja da satisfação da demanda, seja dos prestadores do serviço”. Mota esclarece que tal cenário se explica pelo fato de a comunicação ser pensada como instrumento póstumo no processo, e não como um artifício que fundamenta e permite o ajuste da política de acordo com a realidade do público. Para que se concretize realmente a mudança do passivo “telespectador” para o participativo “usuário” é necessário que o mercado audiovisual “fuja da mera produção de mercadorias e se aproxime do ideal ágora grega universalizada, é preciso amplo movimento, que construa novas formas de organização das entidades produtoras, programadoras e distribuidoras de fluxos comerciais” (BRITTOS & BOLAÑO, 2007). Trata de um desfio que corresponde à convocação do governo Lula ao formular políticas de comunicação pensando o modelo digital, passa pela formação de consórcios universitários de pesquisa sobre tecnologia e produção de conteúdo, envolve a sociedade civil e seus representantes e deverá desaguar no envolvimento 430 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

de educadores, produtores audiovisuais, associações, federações de trabalhadores e todos aqueles que veem no projeto de TV nacional, ampliação de mercado de valor não somente para as emissoras, mas também para os profissionais (CASTRO, 2005, p.317).

Ao levar em consideração as possibilidades advindas com a interatividade, a demanda por conteúdo põe em evidência a necessidade de uma melhor articulação entre as diferentes áreas de conhecimento. É preciso um olhar não somente multidisciplinar, mas um em que as disciplinas devem “conversar” entre si e se complementarem numa perspectiva transdisciplinar, já que no processo de desenvolvimento de programas digitais será envolvida uma série de profissionais de distintas áreas e competências diversas devido ao caráter de convergência midiática. A produção de conteúdo é inegável base para a consolidação da televisão digital em uma perspectiva democrática, e uma grande oportunidade na inserção de produtores independentes. Na esfera da inclusão social, a televisão digital também surge com o papel de “propiciar a criação de rede universal à distância” (BRASIL, 2003). Esse potencial pode ser de fato explorado se as políticas a serem adotadas promoverem e direcionarem seu uso para essa importante finalidade, uma vez que, como acontece na relação com qualquer tecnologia, alcançar os objetivos almejados quase sempre depende mais de um empenho social e político do que do recurso técnico em si (SACRINI, 2008). Entretanto, é indispensável que a tecnologia e as emissoras adotem a interatividade com canal de retorno, isto é, a possibilidade de o usuário interagir com os emissores. Devem ser discutidas questões referentes ao problema do custo do canal de retorno e aos reais interesses mercadológico, já que conteúdo e interatividade plena não garantem condições concretas para a inclusão digital (MÉDOLA, 2007). Dentro do paradigma da televisão digital interativa surgem inovadoras possibilidades na exploração para o desenvolvimento de projetos educativos. Uma delas é o T-learning, caracterizado pela convergência da televisão e das ciências da computação (cross-media) com o Ensino à Distância (EaD), que consiste no acesso a objetos educacionais projetados e construídos em pequenos conjuntos com o objetivo de ampliar as situações de aprendizagem. Esse recurso, com características de educação informal e edutenimento, permite ao aluno desempenhar papel ativo no seu processo de aprendizagem, possibilita a construção de conhecimento e o desenvolvimento de 431 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

habilidades intelectuais e comunicacionais, além de ser um aprendizado personalizado e disponível a qualquer momento do dia (AMÉRICO, 2007). A educação à distância, como assevera Cosette (2008), traz a possibilidade não só de participação dos alunos, mas também lhes permite se tornarem co-participantes da construção de conhecimento, por meio de conteúdos educativos, entretenimento e cultura, ampliando a aprendizagem em um processo de mão dupla com caráter ativo e dialógico. Permite a superação da contradição educador-educando, colocando ambos em um mesmo patamar ao proporcionar uma posição participativa do aluno com a possibilidade de criar seu próprio conteúdo, dando visibilidade a sua cultura e identidade. Uma alternativa é o emprego da televisão digital dentro da sala de aula, o que possibilita o progresso na aprendizagem e na relação aluno/professor ao se utilizar uma ferramenta dinâmica e que requer participação. Entretanto é necessário capacitar professores para a utilização da ferramenta, de modo que se explore todos os recursos de fato oferecidos e se faça o uso da inovação como um meio de integração, permitindo a apreensão das informações pelo aluno. A observação do movimento de convergência entre as mídias, ampliado com a digitalização da televisão, deixa evidente a importância deste momento para a efetiva aplicação dos novos recursos na construção de conhecimento e de uma sociedade participativa socialmente.

A apreensão dos conteúdos gerados pelas TIC's promove não apenas a óbvia ampliação e democratização do conhecimento, como também uma mais equânime apropriação da riqueza social produzida pela "Sociedade da Informação e da Comunicação", ao permitir inserção mais qualificada dos mais pobres no mercado de trabalho, sem contar as melhores condições de acesso à cultura e ao entretenimento por parte de camadas cada vez mais amplas da população (MATTOS & CHAGAS, 2008, p.85).

No ano passado, as comemorações do 60º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, do 20º aniversário da Constituição Brasileira e do 10º aniversário da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão trouxeram à mídia uma série de discussões sobre o fortalecimento da democracia e dos direitos dos cidadãos, além da abertura de debates sobre políticas públicas. Entretanto, em nenhum desses momentos a televisão digital foi pauta nas discussões, sendo ignorado o seu potencial como ferramenta de inclusão social e promoção da cidadania. Tal fato 432 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

demonstra que, na maior parte das vezes, sob olhar comercial que a população está sujeita, não é estabelecida a relação entre televisão digital, direitos sociais e desenvolvimento humano. Portanto, fica evidente que o desafio não trata apenas de como fazer a nova tecnologia chegar às mãos da população, mas perpassa um problema bem mais profundo e enraizado na história da televisão brasileira: “como transformar conceitualmente um modelo centralizado e vertical em formas plurais, descentralizadas e de oportunidades múltiplas. Como unir em um sistema fechado com a desejável flexibilidade de abertura e de inclusão de interesses de outras partes.” (MOTA, 2005).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Acompanhar a trajetória de implantação da televisão digital significa mais levantar dúvidas referentes às potencialidades advindas desse “modelo de comunicação audiovisual digital interativo multiplataforma” do que, de fato, esclarecer os rumos da nova cadeia, mesmo porque ela ainda está em construção. Na tentativa de estabelecer controle sobre essa ferramenta, velhos conceitos são resgatados e novos são construídos, criando uma série de inquietações referentes à verdadeira transformação da televisão no processo comunicativo. O consenso se estabelece quando é colocada a elaboração de políticas públicas como fator decisivo na reestruturação do setor do audiovisual, marcado atualmente pelo monopólio e homogeneidade. As infinitas possibilidades trazidas com a digitalização dessa rede baseada na convergência midiática trazem positivas perspectivas de democratização dos meios de comunicação e, consequentemente, a inclusão social. Porém, observa-se a necessidade de maior esforço frente a esse potencial, pois, ao acompanhar os rumos seguidos até agora, tudo indica que a implantação da plataforma digital televisiva não corresponde a uma revolução no setor audiovisual, uma vez que as decisões sobre o sistema tecnológico a ser adotado no país não foram constituídas por um amplo debate e não priorizou a lógica de inclusão social. O quadro de concentração de propriedade das comunicações parece continuar intacto frente ao processo de digitalização, o que coloca em dúvida se realmente a televisão digital cumprirá o papel de democratização e de inserção da sociedade às redes de informação que lhe foi objetivado. 433 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMÉRICO. Marcos. A Produção de Conteúdos Audiovisuais Educacionais Interativos para TV Digital. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, XXX, 2007, Santos. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0813-1.pdf >. Acesso em: 4 jul. 2009. BRASIL. Ministério das Comunicações. Telecomunicações: TV Digital. Decreto nº 5.820, 29 jun. 2006. BRITTOS, Valério; BOLAÑO, César. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: volume I. 11ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2008. COSETTE, Castro. Industrias de Contenidos e Médios Digitales – Entre la teoria y la práctica: la creación de centros para producción de contenidos. Diálogos de la Comunicación, n.77, p.1-10, 2008.CPQD. P&D e inovação. Disponível em < http://www.cpqd.com.br/2/314+tv-digital-tvdigital-sistema-brasileiro-de-televisao-digital-sbtvd.html >. Acesso em: 10 fev. 2009. MÉDOLA, A. S. L. D. . Interatividade a serviço da inclusão digital: perspectiva para o modelo de TV digital brasileiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, XXX, 2007, Santos. Disponível em < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0639-1. Acesso em: 5 jul. 2009. MOTA, Regina. Os desafios da TV digital no Brasil. In: CASTRO, Cosette; FILHO, André; TOME, Takashi (Orgs.). Mídias digitais. São Paulo: Paulinas, 2005. p.199-223. MOTA, M.; TOME, T.; FRANCISCO, T. O processo de deliberação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital: aspectos técnicos, políticos e jurídicos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, XXIX, 2006, Brasília. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0966-1.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2009. RIBEIRO, Ângelo A. . A televisão e a concorrência digital: o fim do monopólio do vídeo. Estudos em Jornalismo e Mídia (UFSC), v. Ano IV, p. 69-78, 2007. SACRINI, Marcelo. Televisão Digital: atributos tecnológicos e princípios pedagógicos para implementação no contexto escolar. 2008, 315f. Dissertação (Mestrado – Área de concentração: Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. SANTOS, Adriana C. O. A digitalização da TV no Brasil: a sociedade civil organizada e a opinião pública a respeito do Sistema Brasileiro de TV Digital – SBTVD. 2006, 495 f. Tese 434 Anais do II Simpósio de Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã. Bauru: Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã, 2009.

(Doutorado – Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo. SCOLARI, Carlos. Hacia la hipertelevisión. Los primeros sintomas de uma nueva configuración del dispositivo televisio. Diálogos de la Comunicación, n.77, p.1-9, 2008.

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