A poesia como ferramenta de afirmação na periferia de Salvador

May 19, 2017 | Autor: V. Almeida de Jesus | Categoria: Poetry, Literatura, Centre-Periphery Relations
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A poesia como ferramenta de afirmação na periferia de Salvador

Conhecida como “Terra da Felicidade”, a Bahia, cuja porta de entrada principal é sua capital soteropolitana, Salvador, tem experimentado um fluxo de criação literária sem precedentes em sua história. Vale salientar que os meios de divulgação, nas redes sociais, demonstram esta efervescência criativa, e que dão suporte a artistas novos e consagrados. Nesse sentido, basta uma simples pesquisa na internet para encontrar grupos e coletivos de artistas da palavra, poetas individuais e organizações do terceiro setor envolvidos nesse grande caldeirão poético. Se a felicidade estampada como chamariz para turista não bate à porta de todos os baianos, a poesia, esta, sim, portadora de uma energia criativa e criadora, é passaporte para sorrisos, lutas, embates, afirmações e conquistas de novos paradigmas sociais. Ressalte-se que os Poetas da Praça (anos 80), formado por Douglas de Almeida, Walter Cézar, Geraldo Maia, Zeca de Magalhães, Eduardo Teles, Antônio Short, Gilberto Costa, Haroldo Nunes, Jairo Rodrigues, César Lisboa, Araripe Junior, Ronaldo Braga, Valente Junior, Miguel Carneiro, Mario de Oliveira, Ametistas Nunes, dentre outros, foi um dos maiores, se não o maior movimento popular literário de resistência à Ditadura Militar, cujos participantes se apresentavam na Praça da Piedade para protestar e denunciar os desmandos através de poemas e performances. Ainda hoje são referências os gritos de protesto, a forma de performar e objeto de estudo em universidades e grupos de pesquisa. Outra iniciativa que marcou história foi a Seliba – Semana Literária da Bahia (1978), realizada pelo diretor do Instituto de Educação Isaías Alves – ICEIA, professor Hermano Golveia, na Praça da Piedade. Além dos Poetas da Praça, muitos deles ainda em atividade, outros grupos começaram a surgir na capital baiana. Em 2009 não era tão grande o número de saraus, ou não havia uma maior visibilidade, o que pode ter camuflado a existência e atuação de poetas e poetisas pela cidade. Este marco simbólico é o ano de fundação do Projeto Fala Escritor, que reúne interessados em literatura e outras artes, uma vez por mês, para declamar, ler textos, admirar obras artísticas e debater o cenário do livro, leitura, edição, publicação,

divulgação etc. É também do mesmo período o Sarau Bem Black e o Sarau Bem Legal, o primeiro para poetas adultos e o segundo para crianças, ambos apresentados pelo escritor e professor Nelson Maca. O Sarau da Onça, inspirado no Bem Black e no Sarau da Cooperifa - este fundado em São Paulo por Sérgio Vaz -, surge no bairro Sussuarana e estimula a criação do Sarau da Laje, composto por crianças e na mesma pegada da poesia que retrata os anseios e pensamentos de quem mora na periferia. É de Sussuarana, também, o Grupo Recital Ágape, que faz itinerância, junto com o Sarau da Onça, pela Bahia, Brasil e fora do país, através de representantes. O que se percebe, a olhos e ouvidos atentos, é que os artistas da palavra estão empoderados, politicamente, lutando por direitos, não só relativos às políticas literárias, mas a todos os direitos elencados na Constituição Federal. O tema dos poemas e dos discursos variam de respeito, cidadania, luta contra o racismo, machismo, homofobia, gordofobia, contra a cultura do estupro, a favor dos direitos humanos, pelo empoderamento da população negra, por auto estima e respeito à estética afro-brasileira, em prol das liberdades individuais, da democracia, pelo fortalecimento das cotas sociais e raciais nas universidades, pelo direito à vida, a favor das religiões de matrizes africanas, pelo estabelecimento de novos paradigmas literários que levem em conta a produção de escritores e escritoras negras, pelo direito de negros e negras ocuparem espaços de poder nos órgãos e entidades públicos, pelo direito a saber e a reproduzir a verdadeira história da diáspora, pelo reconhecimento dos heróis e heroínas negros e negras brasileiros, pelo ensino da história afro e indígena nas escolas, denunciando a injustiça que coloca na cadeia a maioria da população negra e periférica, contra o jornalismo sensacionalista e que representa negros e negras das periferias sempre como vilões, por representações positivas de negros e negras nas novelas e filmes brasileiros, contra o extermínio de negros nas periferias das cidades, a favor da liberdade de culto religioso, luta pelo meio ambiente, contra a violência policial, pelo direito à saúde, esporte, lazer e educação de boa qualidade, a favor do estado laico, direito da mulher para decidir sobre aborto, em defesa da vida, das minorias etc.

As políticas culturais tomaram corpo desde 2006, com a criação da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Antes, outras iniciativas, como Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL, incentivaram os Estados a criarem seus Planos Estaduais de Cultura, Planos Estaduais do Livro e Leitura, Conselhos Estaduais de Cultura; os municípios a criarem os Planos Municipais de Cultura,, Conselhos Municipais de Cultura, que desaguaram nas Conferências Federais, Estaduais e Municipais de Cultura, Conferências Setoriais, Colegiados Setoriais etc. A partir de então, muitas ações politicas e artísticas têm acontecido na capital e também contribuem para a proliferação da arte na cidade do Salvador: Ações Poéticas nas Comunidades, Escritas em Trânsito, Mapa da Palavra, Editais Públicos (Fundação Cultural do Estado da Bahia, através da Coordenação de Literatura), Concurso Literário para Estudantes de Escolas Públicas (Fundação Pedro Calmon, Secult-BA), Selo Literário João Ubaldo Ribeiro, Editais Arte em Toda Parte, Prêmio Literário Jorge Amado, Projeto Boca de Brasa (Fundação Gregório de Matos, Secretaria de Cultura do Município do Salvador, PMLLB), Bate Papo com Escritor e Encontro de Escritores Baianos - ENEB (União Baiana de Escritores – Ubesc), Parada do Livro da Bahia (Plano Municipal do Livro, da Leitura e da Biblioteca – PMLLB de Salvador-BA), Bienais do Livro promovidas pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, Feira do Livro de Feira de Santana, Feira do Livro do Campo Grande (Diretoria do Livro e Leitura, da Fundação Pedro Calmon, Secult-BA), Festa Literária Internacional de Cachoeira – FLICA, Festa Literária do Sertão de Jequié – Felisquié, Festa Literária Internacional da Chapada Diamantina – Flich, trabalhos institucionais realizados pelo Conselho Municipal de Políticas Culturais de Salvador – CMPC, Colegiados Setoriais das Artes (incluídos o Colegiado Setorial de Literatura do Estado da Bahia e Colegiado do Livro e Leitura), contações de histórias realizadas por coletivos e pessoas individuais, trabalhos efetivos realizados pelas Bibliotecas Comunitárias de Salvador, Movimento Cultural ArtPoesia, atividades da Academia de Letras da Bahia, encontros e debates da Academia de Letras de Lauro de Freitas – ALALF, produções, realizações da Academia de Letras de Alagoinhas e da Casa do Poeta de Alagoinhas, apresentações de poetas no Centro Cultural A BOCA (Santo Antônio Além do Carmo, Salvador-

BA), Feiras de livros infantis realizadas por escritoras como Sandra Poppoff, Ações de distribuição de livros pelo projeto Ler na Praça (Brotas, Salvador-BA), Festival de Literatura Infantil e Ilustração, Festival de Arte e Cultura do Sarau da Onça, atividades culturais do Movimento Clara Clarear, concursos literários do Projeto Alma Brasileira, Cortejo Literário promovido pelo Movimento de Cultura Popular do Subúrbio, Cortejo Poético-Performático promovido por Douglas de Almeida no carnaval de Salvador, Cortejo Cênico Forró do Cecéu em homenagem a Castro Alves (Cabaceiras do Paraguaçu-BA), Cortejo “A morte e a ressurreição de Castro Alves” (Colégio Ipiranga, Dois de Julho, Salvador-BA), Coletivo Tática Prática da Poesia (Jocevaldo Santiago, Adalmi Xabath Chabi e Leandro Silva da Mota), Revista Òmnira, Revista Cotoxó, Antologias Cogito Editora, Slam da Onça, Slam Lonan (Nelson Maca), Pré Balada (Marcelino Freire, Nelson Maca e outros), participação de poetas baianos no Parlamento Internacional de Escritores da Colômbia, Feira do Livro e da Imprensa de Genebra, Bienais Internacionais do Livro da Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, Prêmio Literário Galinha Pulando (em dez anos publicou quase dois mil poetas de língua portuguesa), encontros de cordelistas e xilogravuristas, encontros de contadores e contadoras de histórias etc. Perinho Santana pinta nas paredes e no muro do trem do subúrbio em Plataforma. O Poeta das Flores, Wagner Américo, recita e distribui flores pela cidade. Iniciativas de poetas como Rilton Santos (“Poeta com P de Preto”), Marcos Peralta e outros, que publicam folhetos e livretos, são louváveis e impulsionam o mercado de mão em mão, em recitais em ônibus ou eventos diversos. O grupo Poesia em Trânsito, através de edital público, imprimiu milhares de livrinhos com textos de vários artistas da palavra, democratizando o acesso à produção poética. Poetas como Lívia Natália (“Água Negra”, “Correntezas e outros estudos marinhos” e “Outras Águas”), Alex Simões (“Contrassonetos Catados & Via Vândala”), Nelson Maca (“Gramática da Ira”) e Cidinha da Silva (“Sobre-vivente” e vários outros livros) também fazem parte da cena literária baiana, com livros solos e penetração no mercado. Na área infantil, Davi Nunes é um expoente com “Bucala: a pequena Princesa do Quilombo do Cabula”, juntamente com uma série de autores com os primeiros livros impressos, engrossam as fileiras de poemas e escritos da literatura negra e periférica baiana. Há, ainda, antologias e livros coletivos

como a antologia “A poesia cria asas” (Grupo Ágape), “O diferencial da favela: poesias quebradas de quebrada” (classificados em concurso do Sarau da Onça), autores baianos selecionados para os Cadernos Negros, antologia “Enegrescência” (concurso realizado pelo grupo de mesmo nome), “Movimento Poetas na Praça – entre a transgressão e a tradição” (Douglas de Almeida e outros), “Fala Escritor” (organização de Valdeck Almeida de Jesus), CD com poemas declamados ou cantados de Giovane Sobrevivente: “Melanina” e Indemar Nascimento: “Uma Alma Gritante”. Todo esse arsenal de palavras e rimas, crônicas, romances e outros gêneros, ainda precisa de pesquisadores, estudiosos e críticos de arte para amparar, comparar, estudar, além de profissionais para distribuir, escoar, vender, fazer chegar a produção aos leitores e fruidores. Em Itaberaba, no Campus da UNEB, já existe um Grupo de Estudo Literatura e Periferias, mas talvez não dê conta de toda a profusão de criações da Bahia inteira. Mas é um começo. Importante salientar que política cultural não pode e nem deve ser apartada das políticas de saúde, de segurança, de educação, de direitos difusos, e da vida cotidiana da população. Nesse sentido, se e quando os órgãos e entidades públicos e privados realizam projetos, devem, sempre, levar em conta a malha viva e pulsante de fazedores e realizadores culturais da cidade, do território onde estão inseridos. Mas se depender desses realizadores e fazedores, a inclusão será sempre a primeira palavra, pois todos e todas estão atentos, interligados em rede, fiscalizando as ações culturais. Muito ainda há por se realizar e o caminho é longo, prevendo, claro, novos e saudáveis debates, sempre. Nessa caminhada, não só a periferia está atenta, como vigilante, se empoderando, se instrumentalizando. Prova viva são os projetos aprovados nos diversos editais de cultura e as redes que se formam e se firmam no entorno da cidade, de mãos dadas, e constroem um panorama inclusivo, democrático, empoderador. Se a poesia, por si, já é marginalizada, aquela produzida na periferia ocupa, realmente, pouco espaço de destaque e poder, ao contrário da onda que vem invadindo não só a periferia mas também as partes centrais de todas as urbes, devido à luta organizada e à guerrilha de palavras e rimas.

Alguns grupos de escritores E lista de coletivos não para de crescer, alguns com trabalhos intermitentes, outros que param por falta de apoio, mas também tem aqueles cujos componentes se envolvem com trabalhos fixos, ações em escolas, e acabam deixando os saraus para quando puderem se reorganizar. Eis uma lista, que a cada dia se torna maior: Sarau da Chácara (Santo Antônio Além do Carmo), Sarau de Itapuã (Casa da Música, no Parque Metropolitano de Abaeté), Sarau da Câmara Municipal de Salvador (com Edgar Velame na curadoria), Sarau do Gato Preto (Thiago Oliveira Nascimento), Sarau das 7 Praças (Marcos Peralta, Semírames Sé e outros), Movimento Exploesia, Academia de Cultura da Bahia, Sarau dos 13 Poetas Malditos (Espaço Canduras e Artes), Sarau Varvara (Varenka de Fátima Araújo), Sarau Urbano (Galeria Pierre Verger), Sarau Rainhas Negras (Jocélia Fonseca), Sarau d'A Flauta (Âmbar Café), Sarau da Capelinha (São Caetano), Sarau do BEM - Biblioteca Em Movimento (Colégio Senhor do Bomfim), Sarau da Sereia (Osmar Machado Tólstoi), Sarau do Gheto (Gamboa, com Pareta Calderasch), Slam da Raça (Indemar Nascimento), Slam das Minas (Fabiana Lima e Dricca Silva), Sarau pela Vida (Cosme de Farias), Sarau Beneficente (Estrada Velha do Aeroporto), Slam Deixa Acontecer (Evanilson Alves), Slam da Quadra (Samuca Koala, São Caetano), Impacto Poético, Prosa e Poesia (Fábio Haendel, Ligia Benigno, Kátia Borges, Nilson Galvão, Mariana Paiva), Sarau da Zefa (Conjunto Pirajá I), Sarau Ferroviário (Biblioteca Comunitária Paulo Freira, em Escada), CEPA – Círculo de Estudos, Pensamento e Ação (Germano Machado), CHA Cultural (Biblioteca Infantil Monteiro Lobato), Pós-Lida (James Martins), Sarau Aa Cara de Ethos (Mussurunga I), Sarau Boca Quente (Ladeira da Preguiça), Sarau das Ruas (Ladeira da Preguiça e itinerante), A Pombagem, A Chicheria, Sarau da Cor (Denisson Palumbo), Sarau da Praça (Praça Cultural Bendengó, Itapuã), Resistência Poética (itinerante), Sarau A(mar) (itinerante, em praias da cidade), Sarau do Cabrito (Alto do Cabrito, com Grupo Cultural E²), Sarau Porto dos Livros (Largo do Porto da Barra), Sarau Fábrica de Rimas (Loteamento Vila Mar – Nova Brasília, Estrada Velha do Aeroporto), EdificaRap (Arvoredo, Cabula), Sarau Erótico (Zezé Olukemi), Sarau Lilás (Casa Amarela, Campo Grande), Sarau da JACA – Juventude Ativista de Cajazeiras (Marcos Paulo de Oliveira Silva), Sarau da Paz (Bairro da Paz), Sarau da Flor (Espaço L7), Sarau

da Mata Escura, Kakarecos Brechó (Rua do Carmo, Pelourinho), Sarau de Letras da UFBA, Sarau do Palacete das Artes, Sarau Viva a Poesia Viva (Douglas de Almeida), Sarau Cosme de Farias, Arte Marginal Salvador, Cajazeiras que Lê, Sarau Enegrescência (David Alves Gomes, Lidiane Ferreira, Gonesa Gonçalves e Fábio Cunha, na Casa de Angola), Sarau da UCSAL, eventos culturais do Buk Porão (Escadaria do Passo, Pelourinho), Galeria 13 (Rua da Independência), Poesia em Trânsito (recitais em ônibus e transporte coletivo), As Sussurradeiras (sopram poesia nos ouvidos), Importuno Poético (Jocélia Fonseca, Cléa Barbosa e Lutigarde Oliveira), Sarau do Beco (Sueide Kintê, Paripe), Sarau das Flores (Casa Preta), Sarau da Lona Preta, na capital, e Sarau da Casa de Barro (Cachoeira-BA), Sarau de Sapeaçu (Jacquinha Nogueira), Sarau do Pôr do Sol (Jequié-BA), Sarau Serra Viva (Serra GrandeBA), Sarau do Angari (Juazeiro-BA), Caruru dos Sete Poetas (Cachoeira-BA). * Valdeck Almeida de Jesus é jornalista, poeta, escritor e mecenas cultural. https://galinhapulando.blogspot.com.br/2016/10/a-poesia-como-ferramenta-deafirmacao.html

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