A polca no Brasil: a disseminação do gênero e a \"popularização\" do piano

July 21, 2017 | Autor: Felipe Malaquias | Categoria: Piano, Século XIX, Música de Salão
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A polca no Brasil: A disseminação do gênero e a “popularização” do piano

Felipe Malaquias1

Resumo Este artigo foi realizado como parte das atividades desenvolvidas na disciplina Música Brasileira I do curso de licenciatura em música da Universidade Federal de Ouro Preto e tem como objetivo ilustrar como a polca, dança de salão originária da Boêmia, chegou ao Brasil em meados do século XIX e com imensa rapidez se espalhou tornando-se a dança mais popular nos salões da época e paralelamente como o piano virou moda na cidade do Rio de Janeiro.

Palavras-Chave: Polca; Piano; Música de salão 1. A Polca A polca é um gênero musical de dança escrito em compasso binário e andamento vivo que se originou na Boêmia (atualmente República Tcheca) no início do século XIX. Rapidamente se espalhou pelo mundo transformando-se em um verdadeiro fenômeno e ao lado da valsa, tornou-se a dança de salão mais popular da época. Segundo o Grove Dictionary, a polca foi introduzida em Praga, em 1837. Nos anos seguintes inúmeras polcas foram escritas por compositores locais e publicadas em coletâneas de danças ou em séries especiais. Em 1839 a polca chega a Viena e também a São Petersburgo, e no ano seguinte através do maior dançarino de Praga, Johann Raab, a dança já bastante popularizada chega ao território francês, onde por volta de 1843/4 veio a se tornar a dança favorita da população parisiense. Daí em diante, espalhou-se por Londres e pelas Américas. Em 1845, a polca foi dançada em Calcutá em um baile dado pelo governadorgeral em honra da Rainha Victoria do Reino Unido que em 1877 se tornaria 1

Graduando em música na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Imperatriz da Índia. Revistas e jornais da época estavam cheios de notícias, descrições, ilustrações e anúncios referentes à dança. A polca tornou-se uma verdadeira febre:

[...] De Paris, o correspondente do The Times escreveu que no momento, as preocupações políticas foram deixadas de lado pela opinião pública, sendo substituídas por um novo e cativante hobby, a polca. [...] Você sabe dançar a polca? Você gosta de polca? Polca polca polca é o suficiente para me levar à loucura2.

2. A Polca no Brasil Como nos conta Cacá Machado: “Existe certa confusão a respeito da data em que a polca, em seu rápido processo de expansão mundial, chegou ao Brasil. As dúvidas giram em torno dos anos de 1844, 1845 e 1846. Contudo, é o bastante para compreendemos que o fato se deu na segunda metade da década de 18403. A dança difundiu-se com incrível rapidez, inicialmente no Rio, depois em outros estados. E tornou-se extremamente importante4. Apesar de já espalhada, é importante dizer que a polca ganhou notabilidade sobretudo no Rio de Janeiro, onde em 1846, deu nome à febre reumática que assolou a cidade (“febre polca”), isso devido ao fato da dança ter literalmente “contaminado” a população como se fosse uma epidemia. A partir daí a polca europeia começou então a ganhar características da música brasileira: relaxamentos, síncopes e um pouco de liberdade na execução começaram a aparecer na medida em que os compositores iam ficando íntimos do novo gênero. Para exemplificar o impacto da polca nos compositores brasileiros podemos citar Ernesto Nazareth, nascido no Rio de Janeiro em 1863. Nazareth compôs ao longo da vida quase trinta polcas, entre as quais algumas chamou de polca-tango e polca-lundu.

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CERNUSÁK, Gracian; LAMB, Andrew. “Polka”. In: Grove Dictionary. Londres: Macmillan Publishers, 1980, p. 573. 3 CACÁ MACHADO. Batuque: mediadores culturais do final do século XIX. In: Moraes J. G. V. (Org.); Saliba E. T. (Org.). História e música no Brasil, São Paulo, SP, Editora Alameda/FAPESP, 2010. 4 KIEFER, Bruno. Música e dança popular - sua influência na música erudita. 2ª ed. Porto Alegre, RS, Editora Movimento, 1983.

A segunda metade do século XIX compreende uma época em que a cidade do Rio de Janeiro possuía uma vida musical intensa que abrangia tanto os teatros fechados da elite como espaços públicos como bares, festas populares e privadas nos salões das casas de família (aniversários, batizados, casamentos, etc.). Nesse contexto, vemos dois diferentes mundos sociais. Cada um com a sua cultura, de um lado a cultura musical popular que se dava na maioria das vezes nos espaços públicos e do outro a cultura da elite, que englobava os grandes teatros e salões da sociedade. Contudo, a polca exerce uma função de mediador cultural e social na população, pois é tocando polcas que os pianeiros circulavam pelos salões da elite; e é para ouvir polcas que a elite frequentava os pequenos teatros das classes populares. A polca não se resume somente ao piano. Um fato importante que deve ser apontado, é que o gênero também fez sucesso entre os chamados conjuntos de pau-e-corda (flauta, violão e cavaquinho). Estes, davam à polca sonoridade e caráter diferentes devido aos timbres que se diferem do piano. E sobretudo pela maneira de tocar, geralmente sob essa formação a polca era tocada de ouvido, onde os músicos retiravam das partituras somente as ideias principais. É relevante dizer que a polca também possui gêneros híbridos como: polcalundu, polca-maxixe, polca-tango, entre outros. Estas eram dançadas ao som do piano, na maioria das vezes interpretadas por pianeiros. Porém, se não se possuísse um piano em casa, já que tal instrumento era considerado sinônimo de status e poder limitado apenas à famílias que realmente tinham condições de adquiri-lo, as polcas, em suas partituras escritas para piano solo, poderiam ser executadas com instrumentação variada, como por exemplo uma flauta fazendo a melodia e um violão o acompanhamento. Desta forma, a polca se popularizava cada vez mais.

3. A “popularização” do piano Paralelamente à disseminação da polca, ocorreu o processo de “popularização” do piano. No início dos anos 1850 houve uma ampliação considerável na comercialização do instrumento. Porém, até o início do mesmo ano possuir um piano, no Brasil, constituía privilégio de algumas famílias de Pernambuco, da Bahia, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, o que conferia ao

instrumento uma sonora conotação de nobreza, poder, cultura e bom nascimento5. Desta forma, o piano se torna “popular”, porém entre as classes mais altas. O piano se apresentava como objeto de desejo dos lares da elite. Comprando um piano, as famílias introduziam um móvel de luxo em meio à mobília doméstica. Era um instrumento de alto valor agregado e efeito ostentatório. Assim era “inaugurado” o salão, onde aconteciam encontros privados com a presença de convidados selecionados. Então tocava-se e dançava-se polca. Desta maneira, os salões iam se multiplicando e consequentemente a importação de pianos também crescia. Até que começou a surgir o comércio de pianos usados tornando-se um importante mercado para o instrumento que podia ser comprado à vista, por meio de crediários e até mesmo por trocas, onde o vendedor aceitava um modelo antigo como entrada para a compra de um novo. Tal comércio explicitava sinais de puro consumismo da população, todos almejavam ter um piano, sem muitas vezes sequer utilizar o objeto comprado, o que foi chamado por Alencastro de “mercadoria-fetiche”. [...] “Aluga-se um lindo piano inglês, por não se precisar dele”, anuncia já em 1851, um morador da corte. Se não precisava, por que comprou? Porque dava status, porque era moda.6 Foi nessa época que, segundo Mário de Andrade, o poeta romântico Manuel de Araújo Porto Alegre teria chamado o Rio de Janeiro de “a cidade dos pianos”.7 Com a popularização do piano na segunda metade do século XIX, começaram a surgir mais pianeiros profissionais, estes eram pagos para animar bailes em casas de família. Apesar das informações escritas nas partituras, a forma culturalmente descomprometida de tocar dos pianeiros acabava modificando as músicas que em pouco tempo já estavam sendo nacionalizadas.

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TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira, Ed. 34, São Paulo. 1998, p. 130. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida e ordem privada no império. In: História da vida privada no Brasil, Vol 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 47 7 ANDRADE, Mário de. (Citado por) CACÁ MACHADO. Batuque: mediadores culturais do final do século XIX. In: Moraes J. G. V. (Org.); Saliba E. T. (Org.). História e música no Brasil, São Paulo, SP, Editora Alameda/FAPESP, 2010. 6

Mais tarde, no início do século XX, os pianeiros passariam a atuar não só nos salões mas também em casas de música, clubes, orquestras de cinema e mais adiante no rádio, ou seja, novos estabelecimentos de entretenimento. Nessa época, segundo Tinhorão, o piano já tinha alcançado um alto grau de democratização e estava suficientemente integrado na música popular brasileira.

4. A popularização da polca versus a popularização do piano Como já foi dito anteriormente, graças à grande quantidade de pianos no Rio de Janeiro, a cidade recebeu o apelido de “cidade dos pianos”. De acordo com Tinhorão, essa qualificação contribuiu para fixar o ano de 1856 como um marco inicial da história do piano popular. Sobre a polca, Machado de Assis em seu conto “Um homem célebre”, narra a história de um pianista da corte, apaixonado por Mozart, Beethoven e Bach. Dia após dia ele se sentava diante do seu piano e dedilhava o teclado, tentando compor sonatas. Tocava Haydn, mas quando vinha a inspiração, só compunha polcas. Do piano, instrumento de tamanha nobreza, só conseguia tirar polcas.8 Kiefer nos conta que como a polca estava no alge da sua popularidade era comum os compositores fazerem espécies de jogos com os títulos das obras, como por exemplo pergunta-resposta: Que é Da Chave (J. S. Barbosa) provocava o aparecimento de Achou-se a Chave (Aníbal do Amaral); Olhos Travessos (João da silva Campos) provoca Olhos Quietos (Alfredo Faller). Algumas tinham ainda nomes patriotas como Polca Republicana. Outras dão conselhos como por exemplo: Menina Veja o que Faz (B. Falcão Jr.).9 A polca se destacou como o primeiro gênero da moderna música popular urbana destinada ao consumo de camadas amplas e indeterminadas, que mais tarde seriam chamadas de massa. Isso mostra como a polca, de certa forma, “aproximava” sujeitos das mais variadas classes sociais e como esse boom ocorrido em meados do século XIX desencadeou uma série de outros acontecimentos que também ganharam notabilidade em grande escala.

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ASSIS, Machado de. (Citado por) ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida e ordem privada no império. In: História da vida privada no Brasil, Vol. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 49 9 KIEFER, Bruno. Música e dança popular - sua influência na música erudita. 2ª ed. Porto Alegre, RS, Editora Movimento, 1983, P. 17.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCASTRO, L. F. de. Vida privada e ordem privada no império. In: Alencastro L. F. de (Org.). História da vida privada no Brasil (v. 2) – Império: a corte e a modernidade nacional, São Paulo, SP, Editora Companhia das Letras, 1997. CACÁ MACHADO. Batuque: mediadores culturais do final do século XIX. In: Moraes J. G. V. (Org.); Saliba E. T. (Org.). História e música no Brasil, São Paulo, SP, Editora Alameda/FAPESP, 2010. KIEFER, Bruno. Música e dança popular – sua influência na música erudita. 2a ed. Porto Alegre, RS, Editora Movimento, 1983. TINHORÃO, José R. Pequena história da música popular – segundo seus gêneros. 7ª ed. São Paulo, SP, Editora 34, 2013. TINHORÃO, José R. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34,1998.

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