A Polícia em Guerra: a ditadura e a Polícia Militar em São Paulo (1964-1982)

May 26, 2017 | Autor: Gabriel Nascimento | Categoria: Police, Militarism and militarization, Military Dictatorship, Police and Policing, Repression
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

Gabriel dos Santos Nascimento

A Polícia em Guerra: a ditadura e a Polícia Militar em São Paulo (1964-1982)

Guarulhos 2016

1

Gabriel dos Santos Nascimento

A Polícia em Guerra: a ditadura e a Polícia Militar em São Paulo (1964-1982)

Dissertação Departamento

de de

Mestrado História

apresentada

ao

da

de

Escola

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Clifford Andrew Welch

Guarulhos 2016

2

Nascimento, Gabriel dos Santos. A Polícia em Guerra: a ditadura e a Polícia Militar em São Paulo (19641982) / Gabriel dos Santos Nascimento. - Guarulhos, SP, 2016. 179 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2016 Orientador: Clifford Andrew Welch. Título em inglês: Police at war: dictatorship and military police in São Paulo (1964-1982) 1. Polícia. 2. Ditadura. 3. Repressão. I. Título

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Para minha vó, Ugalde

4 AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que me concedeu uma bolsa de pesquisa, entre setembro de 2013 e junho de 2015, o que permitiu uma dedicação plena ao trabalho. Infinitos agradecimentos à minha vó, por tudo. Em particular, pelo apoio em momentos de grande dificuldade, sem o qual tudo isso seria impossível. Da mesma forma, agradeço minha mãe, Verna, e toda a minha família, que sabem compreender minhas prolongadas ausências. Também agradeço a um incontável número de pessoas que encontrei entre indas e vindas por salas de aula, bares e ruas, seja de Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo ou Guarulhos. Amigos que contribuiram das mais diversas formas, direta e indiretamente. Seria injusto, sob risco de esquercer vários nomes, tentar citar todos aos quais devo alguma coisa. Mas, agradeço especialmente a Aruan Henri, Márcia Freitas, Gabi Nery, Anita Lazarim, Mari Simarro, Thamires Regina, Jazz Venceslau, Bruno Caccavelli, Aline Ribeiro, Verônica Calsoni, Roger Camacho, Kat Moreno, Dri Bagdonas, João Rampim, Lessa, Jaque Gonçalves, Day Osorio, Pedro Mora, entre tantos outros que por falha minha não foram citados. Durante a graduação, as experiências de trabalho no Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT), do Instituto de Economia, sob coordenação da Prof. Dra. Magda Barros Biavaschi, e no Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (CECULT), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, sob coordenação do Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva, me deram a oportunidade de envolvimento direto em pesquisas, além de contato com professores, pesquisadores e amigos que muito contribuiram na minha formação. Agradeço a Thaís Battibugli, que além de ser uma importante referência bibliográfica, sempre se mostrou muito solicita, respondendo vários emails ao longo dos anos, e que, gentilmente me cedeu os relatórios das missões estrangeiras sobre as polícias. Agradeço ao meu orientador, Clifford, que aceitou se aventurar nesse terreno estranho, me oferecendo a oportunidade de desenvolver esse trabalho. Sempre se mostrou solicito fornecendo o apoio, mas também a autonomia necessária. Sou muito grato também aos professores André Rosemberg e Edilene Toledo que acompanharam várias fases do desenvolvimento deste trabalho e se disporam compor a banca de defesa e tecer comentarios, sendo importantes interlocutores.

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5

Il popolo è minorenne, la città è malata; ad altri spette il compito di curare e di educare, a noi il dovere di reprimere! La repressione è il nostro vaccino! Repressione è civiltà! Elio Petri. Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto, 1970. O povo é imaturo, a cidade está doente; outros tem a responsabilidade de cuidar e educar, nós, o dever de reprimir! A repressão é nossa vacina! Repressão é civilização! Elio Petri. Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, 1970.

6 Resumo Este trabalho pretende analisar a formação da Polícia Militar do Estado de São Paulo durante a ditadura militar. Concentrando-se no período que vai do golpe de 1964 até a primeira eleição direta para governador em 1982, busca-se, em primeiro lugar, compreender quais fatores levaram à unificação da Guarda Civil e da Força Pública, originando a Polícia Militar. É feita uma descrição da estrutura da segurança pública no estado e das disputas que existiam entre as corporações e demais agentes políticos e sociais em torno de propostas de reforma. Após o golpe, o governo federal aumenta a pressão pela unificação em torno de uma única corporação fardada militar. As disputas entre a Guarda Civil e a Força Pública se acirram até que, em meio ao crescimento da luta armada e o fechamento do regime, a ditadura impõe a unificação das polícias, originando a Polícia Militar. A unificação não seguiu apenas critérios pragmáticos, mas orientou-se também doutrinariamente. Assim, discute-se também como a doutrina da "guerra revolucionária", desenvolvida na França contra os movimentos de libertação nacional nas colônias, foi incorporada pela ditadura brasileira e serviu de base para a reorganização das polícias. A doutrina foi introduzida sistematicamente nos currículos dos policiais militares, dando grande ênfase nas funções de contraguerrilha e espionagem. Com base nisso, as tropas de choque e órgãos de inteligência passam a ter grande prevalência, sendo amplificadas em número e poder dentro da Polícia Militar. Palavras-chave: Ditadura. Polícia. Repressão.

7 Abstract This work intends to analyze the formation of the Military Police of the State of São Paulo (Polícia Militar do Estado de São Paulo) during the military dictatorship. Focusing on the period between the 1964 coup and the first direct state government election in 1982, it seeks, first, to understand the factors that lead to the unification of the Civil Guard (Guarda Civil) and Public Force (Força Pública), giving origin to the Military Police. The state public security structure is described and disputes involving the corporations and other social and political agents around reform propositions are analyzed. After the coup, the federal government increased the pressure for the unification in a single military corporation in uniform. Disputes between the Civil Guard and the Public Force increased until, amid the growing of the armed struggle and the hardening of the regime, the dictatorship imposed the unification of these corporations, giving origin to he Military Police. The unification did not follow only pragmatic organizational criteria; it also had an ideological orientation. The thesis examines how the "revolutionary war" doctrine, developed in France to fight national liberation movements in its colonies, was assimilated by the Brazilian dictatorship and used to orient police reorganization. From the start, the doctrine was systematically introduced in Military Police school programs, giving great emphasis to espionage and counter-insurgency tactics. Based on this, shock-troop and intelligence units rose to predominance in the Military Police, growing in number and influence within the corporation. Keywords: Dictatorship. Police. Repression.

8 Lista de Siglas ACADEPOL

Academia de Polícia

Ag. D.

Agrupamento de Divisões

ALN

Aliança de Libertação Nacional

APM

Academia de Polícia Militar

ARENA

Aliança Renovadora Nacional

BG

Batalhão de Guardas

BP

Batalhão Policial

BPChq

Batalhão de Polícia de Choque

BPFem

Batalhão de Policiamento Feminino

BPGd

Batalhão de Polícia de Guarda

BPM

Batalhão de Polícia Militar

BPM/I

Batalhão de Polícia Militar do Interior

BPM/M

Batalhão de Polícia Militar Metropolitano

BPTran

Batalhão de Polícia de Trânsito

CB

Corpo de Bombeiros

CFA

Centro de Formação e Aperfeiçoamento

Cia. Ind.

Companhia Independente

CIE

Centro de Informaçãoes do Exército

CIOp

Coordenação de Informações e Operações

CIPM

Companhia Independente de Polícia Militar

CISA

Centro de Informações da Aeronáutica

CM

Corpo Musical

CNV

Comissão Nacional da Verdade

COMAR

Comando Aéreo Regional

CONCLAT

Conferência Nacional da Classe Trabalhadora

COPOC

Comando de Policiamento Ostensivo da Capital

CP

Código Penal

CPA

Inicialmente designava a Companhia de Policiamento Auxiliar. Posteriormente passou a designar os Comandos de Policiamento de Área

CPC

Comando de Policiamento da Capital

CPChq

Comando de Policiamento de Choque

CPF

Corpo de Policiamento Florestal

CPI

Comando de Policiamento do Interior

CPM

Código Penal Militar

CPPM

Código de Processo Penal Militar

9 CPRP

Companhia de Policiamento de Rádio Patrulha

CPT

Comando de Policiamento de Trânsito

CSCS

Centro Social dos Cabos e Soldados

CVESP

Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva"

DDP

Divisão de Divertimentos Públicos

DE

Divisão Escolar

DEGRAN

Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo

DEIC

Departamento Estadual de Investigações Criminais

DEOPS

Departamento Estadual de Ordem Política e Social

DEREX

Departamento Regional de Polícia de São Paulo Exterior

DERIN

Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo Interior

DET

Departamento Estadual de Trânsito

DG

Divisão de Guarnições

DGE

Diretoria Geral de Ensino

DI

Departamento de Investigações

DICOM

Divisão de Comunicações da Polícia Civil

DIG

Divisão de Investigações Gerais

DINA

Dirección de Inteligencia Nacional

DMTM

Divisão de Manutenção e Transporte Motorizado

DOI-CODI

Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna

DOP

Détachement Opérationnel de Protéction

DOPS

Departamento de Ordem Política e Social

DP

Divisão de Policiamento da Guarda Civil e também Distrito Policial da Polícia Civil

DPC

Divisão de Policiamento de Campinas

DPEP

Divisão de Proteção a Escolares e Pedestres

DPF

Departamento de Polícia Federal

DPI

Divisão de Pessoal Intérprete

DPM

Departamento de Polícia Militar (anteriormente Delegacia de Polícia Militar)

DPR

Divisões de Policiamento de Repartições Públicas

DPRP

Divisão de Policiamento de Ribeirão Preto

DPS

Divisão de Policiamento de Sorocaba

DPSAL

Divisão de Policiamento e Segurança da Assembléia Legislativa

DPSPJ

Divisão de Policiamento e Segurança dos Palácios da Justiça

DPSSF

Divisão de Policiamento e Segurança da Secretaria da Fazenda

10 DR

Divisão de Reserva

DRP

Divisão de Rádio Patrulha

DRPS

Divisão de Rádio Patrulha de Santos

DSFF

Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária

DSMT

Divisão de Serviço Motorizado de Trânsito

DSN

Doutrina de Segurança Nacional

DT

Divisão de Trânsito

DTM

Divisão de Transporte e Manutenção

DTS

Divisão de Trânsito de Santos

EB

Exército Brasileiro

EFA

Escola de Formação e Aperfeiçoamento

EM

Estado Maior

ESG

Escola Superior de Guerra

FEB

Força Expedicionária Brasileira

FIESP

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FLN

Frente de Libertação Nacional

FP

Força Pública

GC

Guarda Civil

GPEF

Grupamento de Policiamento de Estradas de Ferro

GPI

Grupamento de Policiamento Independente

GPMOR

Grupamento Policial Militar da Operação Registro

IAPA

Inter-American Police Academy

IGPM

Inspetoria Geral das Polícias Militares

II/Ex

II Exército

IPA

International Police Academy

IPM

Inquérito Policial Militar

LSN

Lei de Segurança Nacional

MDB

Movimento Democrático Brasileiro

MR-8

Movimento Revolucionário 8 de Outubro

OBAN

Operação Bandeirante (ou Bandeirantes)

OPS

Office of Public Security

P/1

1ª Seção do Estado Maior da Polícia Militar (e assim sucessivamente conforme a numeração)

PCB

Partido Comunista Brasileiro

PCdoB

Partido Comunista do Brasil

PDC

Partido Democrata Cristão

11 PM

Polícia Militar

PMDB

Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMRG

Presídio Militar "Romão Gomes"

PSD

Partido Social Democrático

PSP

Partido Social Progressista

PT

Partido dos Trabalhadores

PTB

Partido Trabalhista do Brasil

PTN

Partido Trabalhista Nacional

QG

Quartel General

RONE

Ronda Noturna Especial

ROTA

Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar

RUDI

Rondas Unificadas do Departamento de Investigações

S.Com.

Serviço de Comunicações

S.Farm.

Serviço Farmacêutico

S.Odont.

Serviço Odontológico

S.Subs.

Serviço de Subsistência

SDB

Subdivisão de Bauru

SDJ

Subdivisão de Jundiaí

SDM

Subdivisão de Marília

SDMC

Subdivisão de Mogi das Cruzes

SDP

Subdivisão de Piracicaba

SDPP

Subdivisão de Presidente Prudente

SE

Serviço de Engenharia

SF

Serviço de Fundos

SGP

Superintendência Geral do Policiamento

SI

Serviço de Intendência

SM

Serviço Médico

SMB

Serviço de Material Bélico

SNI

Serviço Nacional de Informações

SOA

School of Americas

SPI

Serviço de Policiamento em Interdições

SSP

Secretária de Segurança Pública

STM

Superior Tribunal Militar

STM

Serviço de Transporte e Manutenção

TJM

Tribunal de Justiça Militar

UDN

União Democrática Nacional

12 UNE

União Nacional dos Estudantes

USAID

United States Agency for International Development

VPR

Vanguarda Popular Revolucionária

13

SUMÁRIO                                

Introdução.............................................................................................................................14 A militarização.................................................................................................................19 História da Polícia...........................................................................................................23 As Fontes.........................................................................................................................28 Estrutura dos Capítulos....................................................................................................32 CAPÍTULO 1 – A ESTRUTURA DAS POLÍCIAS EM SÃO PAULO E OS PROJETOS DE REFORMA............................................................................................................................33 1.1. A estrutura do policiamento em São Paulo (1946-1964)..........................................34 1.1.1. Polícia Civil......................................................................................................35 1.1.2. Força Pública ...................................................................................................41 1.1.3. Guarda Civil......................................................................................................51 1.2. Os projetos de reforma e conflitos internos..............................................................62 CAPÍTULO 2 - DO GOLPE À CRIAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR (1964-1970)...........73 2.1. A Batalha da Maria Antônia......................................................................................90 2.2. A criação da Polícia Militar: da Operação Bandeirante ao fim da Guarda Civil .....92 CAPÍTULO 3 - A GUERRA REVOLUCIONÁRIA.........................................................109 3.1. A Doutrina de Segurança Nacional e a guerra revolucionária: conceito e origens.110 3.2. O papel da Polícia Militar na guerra revolucionária...............................................119 3.3. A doutrinação na guerra revolucionária: a rede de ensino nacional e internacional124 3.4. Da guerrilha à "guerra diária nas ruas de São Paulo": a função das tropas de choque134 3.5. A repressão e a espionagem: a ação da 2ª Seção do Estado-Maior da Polícia Militar143 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................147 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................150 Apêndice I - Boletins Gerais..........................................................................................159 Apêndice II – Estrutura da Polícia Civil .......................................................................163 Apêndice III - Efetivos e localização dos Batalhões Policiais da Força Pública em 1966165 Apêndice IV - Efetivo da Guarda Civil em 1964..........................................................166 Apêndice V– Evolução organizativa das unidades da Força Pública, Guarda Civil e Polícia Militar.............................................................................................................................167 ANEXOS............................................................................................................................169 Anexo I - Nota do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de São Paulo. 09/04/2014 ........................................................................................................................................169 Anexo II - Decreto estadual nº 47.478, de 30 de Dezembro de 1966............................172 Anexo III - Solicitação de informações sobre o Estado Maior da PM através da Lei de Acesso à Informação......................................................................................................................174 Anexo IV – Evolução Organizacional das Divisões de Policiamento da Guarda Civil 176

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INTRODUÇÃO Seria tudo isso fruto de nossa vocação para enxergar a população como inimiga? Seria a ditadura que ainda está em nossa cabeça? A influência da Lei de Segurança Nacional? Ou ainda nossa compulsão de atirar para matar?! Em que mundo esses "especialistas" fundamentam suas teorias? Muito provavelmente a resposta esteja em outro século e em outro continente, nascida da cabeça de alguém que pregou a difusão de um modelo hegemônico, que se deve construir espalhando intelectuais em partidos, universidades, meios de comunicação. Em seguida, minando estruturas básicas e sólidas de formação moral, como família, escola e religião. Por fim, ruindo estruturas estatais, as instituições democráticas.1

Esse trecho é parte do comunicado enviado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo à imprensa, em abril de 2014, como resposta à crescente demanda pela sua "desmilitarização". Tal questão não é recente, mas costuma ressurgir de tempos em tempos no cenário público, em geral após algum evento de destaque. Nesse caso específico, o estopim foi a atuação violenta da Polícia Militar na repressão às diversas manifestações de rua que se espalharam pelo país a partir de junho de 2013. Cenas de policiais atacando manifestantes e jornalistas se espalharam pelas mídias tradicionais e alternativas, catalisando os protestos e colocando a "desmilitarização" como uma das suas bandeiras – senão principais – mais recorrentes.2 O seu caráter militar é denunciado como causador dos abusos e da violência desmedida e identificado unanimemente pelos críticos como um resquício da ditadura militar.3 1 Nota da Polícia Militar do Estado de São Paulo ao portal de notícias UOL, em 09/04/2014. Ver nota completa no Anexo I. As citações a seguir, quando não indicadas, pertencem a este documento. 2 As chamadas "Jornadas de Junho" se iniciaram com protestos convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, logo se espalhando por todo o país. Ver JUDENSNAIDER; LIMA; POMAR; ORTELLADO: 2013 e MARICATO et al.: 2013. 3 Recentemente, se instaurou um debate acerca da terminologia mais adequada para descrever o regime. Alguns autores passaram a substituir o tradicional termo "militar" pela expressão "civil-militar", com o intuito contestar a memória, instituída a partir da abertura, que colocava a "sociedade" como vítima dos "militares", num binômio "oposição/Estado". Tal memória foi estimulada, principalmente, por setores liberais que colaboraram com o golpe e o regime, tornando-se, posteriormente, opositores. Além de setores já reconhecidos como colaboradores por parte da historiografia mais antiga, tais como a Igreja Católica, empresários e a grande imprensa, também passa a ser indicada a conivência e o apoio de extensos setores não organizados da sociedade. Não há, todavia, um consenso sobre a questão, e nem é necessário, para este trabalho, aprofundar essa discussão. Diante da necessidade de uma terminologia, optou-se pela manutenção do adjetivo "militar", em concordância com Martins Filho (2014). Sem desconsiderar a colaboração e conivência de largos extratos civis com a ditadura, o autor aponta quatro problemas no termo "civil-militar". O primeiro é a homogeneização do mundo civil. Enquanto os militares são definidos como aqueles que integram as Forças Armadas, os civis são todo o resto. Assim, falar em colaboração civil (e não em classes sociais) implica na identificação entre grupos que tiveram posturas totalmente opostas durante o regime. Em segundo lugar, a ideologia militar é fundamental para o regime. Não havia, no Brasil, uma direita civil capaz de articular uma visão de mundo tão organizada. Assim, mesmo que líderes civis fossem grandes defensores e

15 Após figurar quase um ano como uma das grandes vilãs das manifestações públicas e alvo de críticas por setores progressistas da imprensa, a PM paulista resolveu quebrar o seu tradicional formalismo lacônico – "todas as irregularidades serão apuradas" – e respondeu à imprensa com um comunicado argumentativo. O título, "A PM e o Zepelim?", indica o tom do texto. Tal qual a personagem da música de Chico Buarque, a PM se coloca na posição de mártir injustiçada e incompreendida, constantemente atacada pela mesma população pela qual se sacrifica. As recorrentes acusações de que "a Polícia Militar trata parte da população brasileira como potencial inimigo", "o sistema de segurança pública é o mesmo da ditadura, guiado pela Lei de Segurança Nacional", e outras mais, seriam obra de parte da imprensa e pretensos "especialistas" – sempre referidos entre aspas – movidos por desinformação e oportunismo. Citando um conhecido colunista ultra-conservador, o documento afirma que 2014 é "o ano de satanização dos militares". Contra isso, o comunicado tenta legitimar as ações da corporação, apresentando cifras recentes de seu trabalho, como ocorrências, prisões, apreensões e atendimentos diversos. As acusações de violência e abuso sistemáticos são rebatidas ressaltando-se o papel da corregedoria em punir desvios, conforme "códigos rígidos de conduta", o que faria da PM "a instituição que mais depura seu público interno". Por fim, sem questionar ou defender explicitamente a ditadura, o comunicado busca afastar dele a Polícia Militar, afirmando as mudanças de procedimento ocorridas após 1997, quando a PM passou a adotar (ao menos em tese) uma estrutura de polícia comunitária e métodos de tiro defensivo.4 Em seu trabalho cotidiano, a PM se desviaria, na maioria das vezes, do posicionamento político, enquanto seus "costumazes detratores", não. São estes, e não a PM, que seguiriam presos ao passado, agindo sob motivações ideológicas. O comunicado, porém, trai a si mesmo. Em meio ao conservadorismo e à ironia que articuladores dos princípios e práticas do regime, a sua origem era fundamentalmente militar. O terceiro problema, seria que o termo "civil-militar" ignora a estrutura de poder. Quem gere o Estado e as formas de sucessão são os militares e não os civis, não hesitando, inclusive, em intervir quando é conveniente. Por fim, a própria dinâmica do regime é pautada, ainda que não exclusivamente, na dinâmica interna das Forças Armadas. As políticas do governo se alteram conforme determinado grupo militar assume o poder. Diante de tudo isso, conclui Martins Filho (2014), é necessário problematizar o termo e as relações entre civis e militares na ditadura. 4 A partir de 1997 ocorreram uma série de mudanças no treinamento e na organização do policiamento da PM paulista, visando diminuir a letalidade e os abusos, como a adoção, ao menos em tese, de um referencial de "policiamento comunitário" e do "Método Giraldi de Tiro Defensivo para a Preservação da Vida". Tudo isso é mencionado no comunicado. O que não é mencionado, é que tais mudanças foram impulsionadas pelo episódio da Favela Naval. Na madrugada de 7 de abril de 1997, policiais militares do 24º BPM/M realizaram uma blitz nesta favela em Diadema. Durante a operação, os PMs torturaram e extorquiram civis que passavam pelo local, culminando com o assassinato de um homem que se retirava após a sessão de tortura, com um tiro na nuca. Toda a ação, contudo, foi filmada por um cinegrafista amador e exibida em horário nobre na televisão. A repercussão foi grande, abalando a Polícia Militar. Oito dos nove PMs envolvidos na ação foram expulsos e condenados pela Justiça comum. Passou-se a discutir mudanças estruturais na corporação, inclusive a sua desmilitarização. O então governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB-SP) encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 514/97, que estabelecia que as atividades de policiamento passariam a ser, integralmente, responsabilidade da Polícia Civil, ficando a PM restrita a poucas atividades. A PEC, por fim, não foi aprovada. Porém, tentando reverter o quadro de desprestígio, o Comando da PM implementou um processo de reforma, revendo uma série de procedimentos, incluindo os descritos acima. (MANSO, 2012: 248)

16 permeiam todo o texto, ecoam elementos justamente daquilo que a PM nega possuir. Observemos, por exemplo, o trecho que abre esta introdução, onde a PM esboça a suposta estratégia de seus "detratores". Tais indivíduos, orientados por uma ideia surgida em "outro século e em outro continente, nascida da cabeça de alguém que pregou a difusão de um modelo hegemônico" travam, não uma disputa militar e territorial, mas uma disputa por mentes. Inicialmente, infiltram-se em espaços legítimos (partidos, universidades e meios de comunicação), a partir de onde difundem seus ideais políticos a camadas amplas da população. Em seguida, expandem seus alvos, minando a "formação moral" da sociedade (família, escola, religião) até que, por fim por fim, conseguem atingir as bases estruturais do Estado. Mesclada com alguns conceitos mais recentes da direita, tal qual o "marxismo cultural" (uma espécie de apropriação bastante peculiar do conceito de hegemonia de Gramsci), a descrição acima mimetiza a dinâmica de um pensamento mais antigo, intrinsecamente ligado às ditaduras militares latino-americanas, a doutrina da "guerra revolucionária". Gestada pelos militares franceses a partir da sua experiência na repressão às guerras de libertação nacional na Indochina e na Argélia, essa doutrina se disseminou pela América Latina, tornando-se componente das Doutrinas de Segurança Nacional das ditaduras. No jargão militar da época, os "inimigos internos" se empenhavam, inicialmente, em uma "guerra psicológica", buscando o convencimento da população e a deslegitimação das instituições. De início, agiriam sem declarar seus objetivos, através de simples propaganda. Avançariam, então, em etapas, passando por grandes protestos públicos, atos de "terrorismo" e sabotagem, tomada de regiões rurais, até surgirem como um exército revolucionário unificado e proundamente enraizado na população. Como se pretende demonstrar neste trabalho, tal doutrina orientou a reorganização da estrutura policial entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 70. No plano ideal, o combate ao inimigo interno deveria mobilizar, de forma coordenada, todos os agentes da repressão, atingindo todas as esferas da vida social. Pela sua inserção no cotidiano, a polícia tinha um papel específico e fundamental nesse projeto, devendo ser rearranjada e corretamente doutrinada. No plano real, contudo, esse projeto esbarra em uma série de conflitos entre os agentes, demandas inesperadas e tensões da vida política do regime. Ao fim, a ditadura molda uma polícia para o autoritarismo, mas não da forma desejada. Não obstante passados mais de 30 anos do fim do regime militar, o comunicado evidencia que, ao contrário do que ele próprio afirma, o passado ditatorial não é "um espírito confuso, agarrando-se a um corpo jacente", mas algo ainda bastante arraigado na mentalidade da corporação. Diante de um volume crescente de críticas, vindas de diversos setores da sociedade, o comando da PM é incapaz de interpretá-las, senão como a ação de "inimigos internos" a serviço de um processo conspiratório subversivo.

17 Os críticos da violência policial, sejam acadêmicos, organizações de Direitos Humanos ou movimentos sociais, identificam, há tempos, a permanência de diversos resquícios da ditadura militar na PM, dos quais, certamente, os do âmbito meramente discursivo são os menos nocivos. Abuso de autoridade, prisões arbitrárias, tortura e execuções sumárias, entre outras violações de direitos básicos, seguem sendo constantemente denunciadas como parte de um legado autoritário, onde a militarização aparece, justamente, como o fator de manutenção das práticas da ditadura. No entanto, os vínculos entre a militarização e a violência policial são, por vezes, expressos de forma vaga e sem relação empírica. Em geral, a "militarização" aparece como sinônimo de "militarismo", ou seja, um aspecto ideológico – em geral, não muito definido - que seria responsável por incutir nos policiais militares uma "lógica de guerra", onde os setores divergentes e marginalizados da população são vistos não como cidadãos portadores de direitos, mas como o inimigo a ser combatido e destruído. Por sua vez, a condição sine qua non para a perpetuação dessa ideologia seria o aspecto formal da militarização, ou seja, o fato de que os policiais são regidos por códigos militares, o que hoje se denomina "investidura militar". 5 Assim, a "desmilitarização", equivalendo à conversão da Polícia Militar em uma corporação civil, aparece como uma medida fundamental – ainda que não total – para a contenção da violência de Estado.6 Ainda, ao argumento de combate à violência, alguns autores somam o de "eficiência". Segundo eles, a existência de duas polícias – a Polícia Militar e a Polícia Civil - com atribuições distintas, dificulta a coordenação das ações, a troca de informações e mobiliza um grande volume de agentes para cargos burocráticos duplicados, ao invés do trabalho "propriamente" policial. Além disso, as duas corporações possuem formas de acesso distintas entre o alto e o baixo escalão, dificultando que policiais experientes ascendam a cargos de chefia. Diante disso, a desmilitarização, seguida de uma unificação entre PM e Polícia Civil, constituindo uma polícia de "ciclo completo" e 5 Segundo Carvalho, essa é a expressão corrente para designar o status militar da PM desde os anos 80. CARVALHO, 2011:113. 6 Esses argumentos perpassam, em maior ou menor grau, vários discursos de defensores da desmilitarização. Em um período recente, boa parte dessa discussão se deu através da imprensa, demonstrando a relevância que a questão atingiu no debate público. Ver, por exemplo, os artigos do professor de direito Túlio Vianna, "Desmilitarizar e unificar a polícia" disponível em http://www.revistaforum.com.br/2013/01/09/desmilitarizar-e-unificar-a-policia/ ; do Movimento Mães de Maio (formado por mães de vítimas de uma onda de execuções levadas a cabo pela Polícia Militar, em São Paulo, no ano de 2006), "Desmilitarizar as polícias: um bom começo", disponível em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1528 ; do deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL/RJ), "É preciso desmilitarizar a polícia? Sim", disponível em http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/12/1390874-e-preciso-desmilitarizar-a-policia-militar-sim.shtml , entre outros. Todos os links foram acessados em 01/02/2016. É importante ressaltar que o caso do Rio de Janeiro possui uma discussão um tanto distinta. Desde o início dos anos 90, a cidade do Rio de Janeiro vem sendo palco de diversos experimentos de intervenção direta das Forças Armadas na segurança pública. A partir de 2008, a instalação das primeiras Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) aumentou ainda mais essa aproximação. Dessa maneira, o debate sobre a militarização no Rio de Janeiro lida, muitas vezes, com questões ausentes (ou ao menos minoritárias) no resto do país, como a presença direta das Forças Armadas, o uso de armamentos pesados e veículos blindados e a prática de ocupação permanente de áreas de favelas (SOARES: 2000; ALVES, EVANSON: 2013; BRITO, OLIVEIRA: 2013).

18 "carreira única" – i.e, que unisse os trabalhos ostensivo e investigativo e estruturada com um caminho único de ascensão hierárquica - aumentaria a eficiência do trabalho policial. Frequentemente, tanto na questão da violência quanto na de eficiência, invocam-se as polícias dos Estados Unidos e da Inglaterra como exemplos legitimadores da proposta.7 Várias entidades, nacionais e internacionais reiteraram o pedido pela desmilitarização, que acabou obtendo ressonância em algumas instâncias do Estado. Ainda em 2012, um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou a desmilitarização e unificação das polícias visando, principalmente, conter as execuções extra-judiciais.8 No ano seguinte, começou a tramitar, no Congresso, um projeto sobre a questão. 9 Em 2014, a Anistia Internacional, após mais uma série de mortes em favelas do Rio de Janeiro, publicou uma nota solicitando mudanças estruturais urgentes na polícia, incluindo a desmilitarização.10 Ainda neste mesmo ano, um conjunto de movimentos sociais endereçou uma carta à Comissão Nacional da Verdade (CNV), com sugestões de inclusão como recomendações no seu Relatório Final, entre elas a desmilitarização da polícia. 11 O tópico acabou sendo acatado pela Comissão, que também recomendou, entre outras coisas, a extinção da Justiça Militar Estadual, responsável por julgar crimes de policiais militares em alguns estados (CNV, 2014: 971, 972). É evidente, portanto, que a demanda pela desmilitarização é sólida, contando com respaldo de agentes variados. Diante dos números alarmantes da violência policial, é necessário um cinismo muito grande para negar que o Brasil possui um problema grave nessa questão.12 Ainda assim, é 7 Por exemplo, o artigo citado na nota anterior de Túlio Vianna e o artigo de Luís Eduardo Soares (2014). Soares, que foi subsecretário de segurança no Rio de Janeiro em 1999 e 2000, e Secretário Nacional de Segurança Pública, em 2003, auxiliou na elaboração da PEC 51/2013, que prevê a desmilitarização da PM e sua unificação com a Polícia Civil. 8 HUMAN RIGHTS COUNCIL "A/HRC/WG.6/13/BRA/2 - Compilation prepared by the Office of the High Commissioner for Human Rights in accordance with paragraph 5 of the annex to Human Rights Council resolution 16/21 - Brazil", 22/03/2012, p.6. Disponível em http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G12/124/65/PDF/G1212465.pdf?OpenElement acessado 5/02/2016. 9 O principal deles é a PEC 51/2013, que prevê a desmilitarização e unificação das polícias, concedendo autonomia sobre a sua organização para os Estados. Além dela, também estão trâmitando as PECs 430/2009 e 102/2011, de conteúdo semelhante, porém menos elaborado, e não receberam tanta atenção. Em 2014, um deputado ligado à Polícia Militar propôs a PEC 431/2014, que institui o ciclo único, sem a desmilitarização e a unificação, o que, na prática, concederia à PM o poder de realizar investigações. Esse projeto foi duramente criticados por entidades de defesa dos Direitos Humanos. Todos os projetos ainda estão em fase de tramitação. 10 Ver https://anistia.org.br/noticias/mortes-na-favela-pavao-pavaozinho-devem-ser-totalmente-esclarecidas-e-autoresresponsabilizados/ acessado 07/02/2016. 11 A íntegra do documento, com a lista de movimentos que o endossaram, está incluída no artigo "Movimentos recomendam temas de interesse social à Comissão da Verdade" disponível em http://www.mst.org.br/2014/10/31/movimentos-recomendam-temas-de-interesse-social-a-comissao-daverdade.html . Acessado em 09/02/2016. 12 Segundo a ONG Human Rights Watch, entre janeiro de 2003 e setembro de 2009, apenas as polícias do Rio de Janeiro e São Paulo assassinaram, respectivamente, 7.611 e 3.399 pessoas, totalizando 11.010 pessoas vítimas, muitas das quais com sinais de execução sumária. A quantidade de vítimas letais da violência policial nesses estados superam em muito, por exemplo, os de mortos por todas as polícias dos EUA no mesmo período (HUMAN RIGHTS WATCH, 2009: 22, 34, 35). No ano de 2014, as polícias vitimaram 3.009 pessoas em todo o Brasil, das quais 965 somente no Estado de São Paulo (contabilizando também mortes fora do horário de serviço) (FÓRUM

19 necessário cautela na análise. A jurista Maria Lúcia Karam lembra que "as críticas à violência do Estado tendem a se concentrar nos policiais, a linha de frente do sistema penal, muitas vezes ignorando demais agentes envolvidos como o Ministério Público, o Poder Judiciário, governantes e legisladores, bem como órgãos da mídia e mesmo a sociedade como um todo" (KARAM, 2015). Não se trata aqui de "absolver" a Polícia Militar (ou qualquer outra corporação), através de uma naturalização da violência do Estado, mas sim de compreender que esta é profundamente complexa, sendo entrecruzada por diversos fatores, muitos dos quais são externos ao próprio Estado, como, por exemplo, o considerável apoio do qual goza, entre a população, a imagem de uma polícia "dura" (CALDEIRA, 2000: 135-137). Além disso, há uma tendência em se compreender a militarização da polícia como “uma opção necessária e inevitável e alheia aos processos históricos” (ROSEMBERG, 2015). Forma-se a imagem de uma continuidade crescente daquilo que, de fato, é marcado por uma série de rupturas e conflitos, mudanças de projetos, choques de interesses e disputas de poder. Quase como um "pecado original", a condição militar aparece como uma deturpação da "verdadeira" missão da polícia, de (supostamente) garantir os direitos do cidadão, convertendo-a numa força de repressão à população, a serviço das elites. A ditadura militar se encaixa nessa narrativa de maneira paradoxal, criando algo que já existe. Ao mesmo tempo em que a polícia é vista como violenta e militarizada desde o seu surgimento, a invenção da ditadura, a Polícia Militar, surge como uma corporação totalmente distinta (e muito pior). Não se pretende aqui a negação total dessa narrativa, mas colocá-la em perspectiva histórica, procurando iluminar os vários pontos obscuros, compreendendo a dinâmica que leva a polícia a agir de determinada maneira. De início, deve-se abordar dois problemas centrais: a confusão em torno do conceito de "militarização" e as limitações dos estudos sobre a história da polícia no Brasil, em especial no período da ditadura militar. A militarização O fato do Brasil possuir polícias que são juridicamente militares induz ao erro de se considerar isso como fator único, suficiente e necessário para a militarização. Porém, observando-se exemplos de outros países, é possível perceber a elasticidade do conceito. As polícias da Inglaterra e dos Estados Unidos, tidas como exemplos de corporações civis, já sofreram críticas pela sua militarização. Na Inglaterra, onde a polícia é considerada uma referência internacional no trato com a população, a crítica ganhou força a partir do recrudescimento da repressão contra os tumultos BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015). Esses números não incluem um grande volume de mortos por milícias e grupos de extermínio compostos por políciais, cuja autoria não foi comprovada.

20 urbanos e greves a partir do fim dos anos 70. O governo Thatcher (1979-1990) introduziu expedientes que, até então, eram novidade dentro da Inglaterra – apesar de recorrentes nas colônias e na Irlanda do Norte - como o uso de novas unidades de polícia de choque e bombas de gás lacrimogêneo. Investigações posteriores indicaram o uso de manuais secretos de forte inspiração militar na repressão à greve dos mineiros de 1984 e 1985, o que valeu, até mesmo, críticas contra a aplicação de "táticas de Estado Policial" (REINER, 2004: 109-111). Nos Estados Unidos, a crítica à militarização vem, pelo menos, desde os anos 60, com a criação e difusão das equipes SWAT - grupos de elite, com armamento pesado - para reprimir as crescentes revoltas urbanas e os diversos grupos armados que surgiam (BALKO, 2014: 133). Muitos desses eventos, é importante pontuar, tinham raízes na discriminação racial dos negros, como as revoltas de Watts, em Los Angeles, ou os Panteras Negras. Essa crítica ganhou força novamente após os ataques de 11 de Setembro de 2001, quando a polícía intensificou o uso de tecnologias de vigilânica e armamentos oriundos das Forças Armadas, e, mais recentemente, pelo forte aparato mobilizado para reprimir a mais recente onda de protestos das populações negras, que eram justamente contra a violência policia (GRAHAM, 2011). Nos dois casos, são países que não possuem polícias com investidura militar. Em um texto de 1921, Walter Benjamin define o "militarismo" como "a imposição do emprego universal da violência como meio para os fins do Estado". Nessa acepção mais geral, o caráter militar é avesso à conciliação e ao diálogo, impondo uma solução necessariamente violenta para os conflitos sociais, com o objetivo de "manutenção do direito" e do poder do Estado, ou, em outras palavras, a "cristalização da dominação" (BENJAMIN, 2011: 131-132). Tomada como tendência, tal definição facilmente se aplica às polícias brasileiras. Contudo, quando se tenta uma análise mais específica da "militarização da polícia" percebe-se a carência de uma definição consensual. Considerando isso, serão abordados aqui alguns autores cuja contribuição para a discussão da militarização pode oferecer ferramentas para o caso brasileiro. Alguns autores, esforçaram-se em dividir a "militarização" em "dimensões" da sua possível manifestação. O antropólogo Pete Kraska (2007) define "militarismo" como uma ideologia orientada à resolução de problemas, através do uso da força e ameaça de violência. A "militarização" seria, então, a aplicação do "militarismo" à uma organização ou situação. Na polícia, a militarização poderia se manifestar em quatro dimensões. A primeira, a dimensão cultural, corresponde às manifestações na linguagem e na aparência das polícias, de maneira a assemelhar-se às Forças Armadas. A dimensão organizacional, se refere a existência de arranjos militares, tais como centros de comando e controle ou esquadrões de elite padronizados. A dimensão operacional corresponde à

21 utilização de padrões de atividade modelados a partir dos militares, como em áreas de inteligência, supervisão e situações de alto-risco. Por fim, a última dimensão seria relativa aos materiais, correspondendo à utilização de tecnologia militar. Em um diálogo direto com Kraska, o sociólogo Paul Hathazy (2013), ao estudar as polícias argentinas, propõe dimensões que, segundo ele, seriam mais concretas. A primeira delas seria a dimensão jurisdicional, ou seja, se a segurança interna está sob controle de policiais ou das Forças Armadas. A segunda dimensão seria a orgânica, que corresponde ao formato da distribuição de poder nas polícias. Hathazy, seguindo a tipologia de Clive Emsley (1999), afirma que as polícias podem ser divididas em três tipos ideais, conforme a distribuição do poder com relação às autoridades: estatais civis, municipais civis e estatais militares. As primeiras são subordinadas ao poder central, porém, possuindo uma orientação ao policiamento civil (a Polícia Metropolitana de Londres, por exemplo); o segundo tipo, são polícias sob controle majoritariamente local (como as polícias dos condados britânicas, ou as guardas municipais do Brasil); por fim, as estatais militares seriam subordinadas ao poder central e "equipadas como soldados" e aquarteladas (como a gendarmerie francesa).13 Em seguida, vem a dimensão burocrática, que engloba as definições de Kraska dos âmbitos cultural, organizacional e operacional, sendo compreendidas como profundamente entrelaçadas. Grosso modo, refere-se ao funcionamento prático da polícia. Por fim, a dimensão discursiva abrange o uso de um vocabulário e uma simbologia bélicos por parte das autoridades e da imprensa para se referir às atribuições policiais sobre a população. Essa abordagem traz consigo o risco de uma interpretação excessivamente fragmentada da polícia. Na dinâmica da vida social, as fronteiras entre essas dimensões são pouco claras e interagem entre si. O aspecto burocrático, em especial, fica demasiadamente preso às especificações formais e oficiais, ignorando o espaço de autonomia dos agentes e a manutenção de práticas internas à revelia dos comandos. Mesmo assim, o trabalho de Hathazy é importante ao demonstrar empiricamente como uma polícia de jurisdição civil – no caso, a da província de Córdoba, na Argentina – passou por um processo de militarização sem alteração de seus aspectos legais. A partir de 2000, setores conservadores do peronismo assumiram o governo da província, promovendo uma reestruturação dos cargos de comando, discursos e práticas da corporação 13 Importante ressaltar, como os próprios autores fazem, que esses são tipos ideais. Quando se observam os casos particulares, as distinções tendem a ter fronteiras pouco claras. As polícias militares do Brasil, por exemplo, não se encaixam em nenhum tipo específico. São subordinadas a poderes estaduais - intermediários entre os níveis federal e municipal – e, apesar de equipadas como soldados, se orientam ao policiamento municipal, não permanecendo, em sua maioria, aquarteladas. No Brasil, o mais próximo de uma polícia estatal militar seria, talvez, a Força Nacional de Segurança Pública, criada em 2004 e subordinada ao Ministério da Justiça.

22 policial. A Polícia de Córdoba teve suas unidades de choque fortalecidas e ganhou novas rondas especiais, passando a implementar operações de cerco e de saturação em áreas pobres da capital da província, resultando em um crescimento exponencial no número de detidos (HATHAZY, 2013; LLANO EN LLAMAS, 2014). Stephen Graham (2011) aborda a militarização das polícias como parte do "novo militarismo urbano". Na sua perspectiva, o avanço de uma globalização desigual vem transformando o espaço das cidades. Cada vez mais, os conflitos deixam de se dar nos fronts e migram para o interior do espaço urbano. As respostas do Estado às ameaças do "terror" e do crime cotidiano se tornam gradativamente mais semelhantes e intercambiáveis, fazendo girar toda uma indústria bélica. Ocorre, então, um processo que o autor denomina como "bumerangue de Foucault". O termo se origina de uma reflexão feita por Michel Foucault em uma de suas aulas no Collège de France, onde o filósofo entende a colonização como um processo de mão dupla, onde diversas técnicas de produção e de controle aplicadas nas colônias voltam, de maneira modificada, para própria Europa, como uma espécie de "colonialismo interno"14. Graham traz essa reflexão para o período contemporâneo, mostrando como técnicas de guerra usadas, por exemplo, na Palestina e no Iraque, são assimiladas pelas forças de segurança do norte global.15 Equipamentos de identificação e vigilânica, armamentos "não-letais", drones, veículos blindados e outras tecnologias, em geral, comercializadas pelas mesmas grandes companhias privadas que abastecem os exércitos, tornam-se parte do equipamento cotidiano da polícia. Se instaura uma "guerra de baixa intensidade" dentro do espaço urbano, onde a figura do inimigo é generalizada para diversos grupos sociais (GRAHAM, 2011: xvi-xxi; 2012). A análise de Graham volta-se, sobretudo, para a Europa e os Estados durante a primeira década do Século XXI. No entanto, a ditadura brasileira, como se pretende demonstrar, passou por um processo análogo de importação de técnicas militares de repressão estrangeiras. Por fim, as reflexões de André Rosemberg sobre o militarismo na polícia paulista são extremamente relevantes. Segundo o autor, o militarismo não deve ser tomado enquanto característica estática, mas deve ser contextualizado historicamente. No Brasil, apesar da polícia possuir um caráter militar desde a sua criação, este varia conforme as contingências e articulações dos agentes envolvidos. Em primeiro lugar, não se pode subestimar as suas limitações materiais. Em 14 O texto referido de Foucault é Em defesa da sociedade (apud GRAHAM, 2012). 15 As noções de Norte e Sul Globais, utilizadas por Graham, se originam na Conferência África-Ásia de Bandung, Indonésia. Realizada em 1955, ela reuniu 29 países da África e Ásia (incluindo o Oriente Médio) para discutir o colonialismo e a cooperação econômica e cultural. Sua carta de príncípios serviu de base para o Movimento dos Não-Alinhados, fundado em 1961. Posteriormente, o termo foi apropriado pelos estudos pós-coloniais como uma forma de descrever as relações entre os países no mundo Pós-Guerra Fria. Com a queda do bloco soviético, a divisão entre Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos deixa de ter sentido. O Sul Global surge então para designar os países que eram identificados como do Terceiro Mundo, enquanto o Norte corresponderia ao resto. Essa divisão não é meramente geográfica, mas também ideológica, constituindo "uma aspiração e uma agenda" de colaboração entre os países do Sul (GROVOGUI, 2010).

23 especial durante o Império, a polícia possuía sérias restrições para implementar uma disciplina e treinamento militares adequados, sofrendo com a deficiência de itens básicos, como armamentos e cursos de formação, tendo dificuldade, até mesmo, para atingir o efetivo estipulado. Durante a Primeira República, uma missão de oficiais do Exército francês foi encarregada de reorganizar e treinar a polícia, com a intenção de convertê-la numa guarda pretoriana, moldada nas mais modernas técnicas militares. No entanto, mesmo esse objetivo não foi totalmente bem sucedido, enfrentando resistência de policiais mais antigos, e ainda coexistindo com os tradicionais abusos de autoridade e indisciplina. Dessa maneira, a penetração do ethos militar sempre foi ambígua. A situação paradoxal de constituir-se um "pequeno exército", sem que houvesse nenhum inimigo a combater (com exceção de episódios de greve e insurreições), fazia com que a opção marcial nem sempre fosse a escolhida. Apesar da maior parte da historiografia reforçar o caráter extremamente repressivo do controle social operado pela Força Pública, é preciso não exagerar a eficácia do doutrinamento e das formas de controle internos da corporação. Diante das necessidades do trabalho cotidiano, onde os policiais deviam se confrontar com as mais variadas situações, era necessário apelar para diversas estratégias de negociações e acertos, aproveitando-se, muitas vezes, de seus status para obter vantagens econômicas. Para o autor, portanto, não se pode tributar a violência policial necessariamente ao ethos militar, devendo-se levar em conta, primeiramente, o contexto histórico onde a polícia está inserida (ROSEMBERG, 2015).

A História da Polícia A polícia, enquanto objeto de estudo, é algo relativamente recente. Até os anos 60, a produção sobre o assunto se restringia, basicamente, a historiografias de caráter oficial e memórias, escritas por antigos policiais. Segundo Marcos Bretas, havia, na academia, uma perspectiva fortemente marcada por uma "naturalização" da polícia. Considerada como integrante de uma parte "administrativa" do Estado e independente da dinâmica política, a polícia estaria sujeita apenas a uma evolução organizativa linear e racional, indigna de constituir um assunto em si mesma. Por sua vez, na historiografia crítica, a "naturalização" aparecia de maneira diferente. As poucas referências à polícia, quando existem, colocam-na como “apêndice da história das classes populares”. Nessa perspectiva, a polícia surge durante greves e revoltas para fazer o que se espera que ela faça - ou seja, a imposição violenta das leis de um Estado de classes - para, em seguida, recolher-se aos quartéis e delegacias a espera de uma nova manifestação dos trabalhadores (BRETAS, 1997: 1922). A partir da década de 60, quando os choques entre policiais e manifestantes se tornaram cada vez mais frequentes, a polícia ficou em evidência, atraindo a atenção de pesquisadores da Europa e

24 dos Estados Unidos, fazendo surgir a "sociologia da polícia" (BRETAS; ROSEMBERG; ROSEMBERG, 2013). No Brasil, o debate chegou mais tardiamente, na passagem entre as décadas de 70 e 80. 16 O país vive, então, um período de abertura política, com a suspensão do AI-5, a promulgação da Lei de Anistia, o retorno ao pluripartidarismo e o desmonte gradual dos órgãos ligados à repressão política. É um período também marcado pelo crescimento da percepção da violência urbana. A "fala do crime", definida por Teresa Caldeira como o hábito repetitivo de se entabular conversas, piadas e comentários que tem o crime e o medo como objeto, ajuda a difundir a percepção de uma onda de violência urbana em ascensão (CALDEIRA, 2000: 27).17 Paradoxalmente, enquanto se vive um clima de relaxamento da repressão política, há um aumento da violência policial contra o "crime comum" (PINHEIRO, 1982, 1984; BENEVIDES, 1983; FERNANDES, 1989). É nesse contexto que surgem os primeiros trabalhos sobre a polícia. Estes podem ser divididos em dois caminhos: os que buscaram se focar no presente e na história mais imediata, e aqueles que se voltaram para o período de consolidação do Estado. Entre os que se voltaram para a urgência do presente, contam vários jornalistas, que buscaram denunciar a violência das forças de repressão. Merece destaque o importante trabalho do jornalista Antonio Carlos Fon (1979), sobre a Operação Bandeirantes e o DOI-CODI. Preso pela Operação Bandeirantes em 1969, o jornalista ficou quase dois meses sob custódia da polícia, sendo vítima de torturas. A importância do seu livro reside em ser um dos primeiros a analisar a violência do regime não como fruto de "exceções" de alguns agentes desviantes, mas como parte do projeto de repressão política e, portanto, com conivência do alto escalão.18 Cientistas sociais também passaram a se interessar mais pela questão, dando início a todo um campo de estudos sobre violência urbana que floresceria nos anos seguintes. 19 Paulo Sérgio 16 Uma exceção é o trabalho pioneiro de Heloísa Fernandes, Política e Segurança Pública. Publicado em 1973, ele aborda as forças repressivas de São Paulo desde o Império até o fim da Primeira República. A abordagem é orientada por um marxismo bastante ortodoxo, característico da época. A polícia é referida como “superestrutura”, sendo que “a análise desta instituição específica (Polícia Militar) deveria ser referida às relações de produção que devem ser asseguradas (reproduzidas) pelo aparelho repressivo do Estado” (FERNANDES, 1973: 18). O pequeno livro do jurista Dalmo Dallari, O Pequeno Exército Paulista, publicado em 1977, também antecede a onda de estudos que viria poucos anos depois. Dallari se concentra no uso da polícia como instrumento de poder político pelas elites estaduais, desde o surgimento do primeiro corpo de policiamento, em 1831, até a criação da Polícia Militar, em 1970. Apesar do pioneirismo (ou, talvez, devido a ele) nenhum dos dois livros chamou muita atenção à época de sua publicação (BRETAS, ROSEMBERG, 2013: 164). 17 O quanto essa percepção corresponde à realidade é alvo de discussões. Há poucos dados quantitativos disponíveis para o período, sendo, em geral, de baixa confiabilidade. Considerando isso, Bruno Paes Manso faz uma análise dos índices de homicídios, com base nos dados disponíveis no Banco de Dados do SUS, identificando um acentuado crescimento na curva de homicídios na Grande São Paulo a partir de 1975, chegando à 59,4 por 100 mil habitantes em 1990 (MANSO, 2012: 75). 18 Para uma análise sobre o livro, ver MAUÉS, 2009. 19 Para um balanço do desenvolvimento dos estudos sobre violência nas ciências sociais ver ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2004.

25 Pinheiro escreveu uma série de importantes artigos sobre a polícia paulista, dentre os quais tem relevância fundamental aquele intitulado Polícia e Crise Política: o caso das polícias militares (PINHEIRO, 1982).20 Este artigo permaneceu, durante muito tempo, como a única análise acadêmica da formação da Polícia Militar durante a ditadura. 21 A sua tese é de que a crise política instaurada a partir do “golpe da junta militar em 1969” implicou numa reorientação da prática policial. Tal crise, resultado da disputa de poder entre os diferentes setores das classes dominantes e dos setores do aparelho de Estado, culminou no predomínio da concepção de que o poder deveria ser mantido principalmente pela coerção física. A partir daí, a polícia é autorizada e estimulada a aplicar, contra o crime comum, as técnicas utilizadas na repressão à luta armada. O salto da violência letal seria, portanto, a institucionalização das práticas de vigilantismo, aplicadas antes de maneira ilegal. No entanto, apesar de largamente aceita por outros autores (HUGGINS, 1998; ZAVERUSCHA, 2010; MANSO, 2012; NAPOLITANO, 2014), essa tese, possui um ponto fraco. A afirmação de que a polícia passou por uma grande mudança nas suas práticas, após 1969, implica numa comparação com o período imediatamente anterior. Porém, como o campo de estudos sobre a polícia ainda dava seus primeiros passos, não havia nenhum estudo aprofundado desse período. Soma-se a isso, a impossibilidade de acesso a fontes e mesmo dados oficiais sistematizados.22 Se era inegável que a polícia se tornara mais violenta, a análise das formas como a mudança se deu dependia, em grande parte, mais de deduções do que de análises empíricas. Contudo, o trabalho mais conhecido sobre a Polícia Militar durante a ditadura não é um produto da academia. É o livro-reportagem ROTA 66: a história da polícia que mata, do jornalista Caco Barcellos (1992). Neste livro, o autor analisa a atuação da PM detendo-se especialmente nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), grupo de elite da Polícia Militar. O seu ponto de partida é o caso que dá nome ao livro, quando policiais da viatura 66 da ROTA perseguiram e executaram com tiros de metralhadora três jovens nos Jardins, um conjunto de bairros da elite paulistana, em 1975. O "incomum" desse episódio foi o fato de que as vítimas dessa vez pertenciam 20 Outros relevantes do mesmo autor são PINHEIRO, 1979, 1981; PINHEIRO; SADER, 1983. Existe ainda uma coletânea de artigos escritos para a Folha de S. Paulo entre 1981 e 1983, intitulada Escritos Indignados: polícia, prisões e políticas no Estado Autoritário (No 20º aniversário do Regime de Exceção, 1964-1984). Como o título indica, os artigos tratam de diversos temas ligados à repressão nos últimos anos da ditadura, inclusive a polícia. No entanto, tratando-se de artigos de jornal, não fazem nenhuma discussão mais aprofundada e focam-se, na maioria das vezes, em casos específicos do momento (PINHEIRO, 1984). 21 Existe ainda, nesse período, uma vasta produção de livros de jornalistas policiais. Muitas vezes, constituem o único registro publicado de diversos episódios de violência policial, tendo um importante potencial enquanto fonte. Não obstante, são, em geral, publicações curtas, de editoras já extintas, que acabam não recebendo muita (ou mesmo nenhuma) atenção dos pesquisadores. Ver, por exemplo, SOUZA, 1981; SOUZA, 1980; SOUZA, FAERMAN, PORTELA, 1978; CHINEM, LOPES, 1980; BARBOSA, 1983. 22 Segundo Cristina Neme, a coleta sistemática de dados sobre violência policial se iniciou apenas na década de 1980 (NEME, 1999: 11, nota 6).

26 a famílias de classe média alta e não aos grupos marginalizados que eram os alvos comuns desse tipo de ação. O caso ganhou grande repercussão na imprensa e, através dele, foi possível evidenciar as práticas de extermínio e fraude praticados pela ROTA. Ficou explícito também o conflito de jurisdição sobre os policiais militares. Até então, não estava claro se os crimes cometidos por eles em serviço seriam da alçada da Justiça Comum ou da Justiça Militar. O caso correu por quatro anos em meio a essa ambiguidade, até que uma medida autoritária do Governo Geisel definiu que os crimes de PMs ficariam a cargo exclusivo da extremamente corporativa Justiça Militar, que terminou por absolver os policiais. A partir desse episódio, o autor segue uma investigação mapeando os homicídios cometidos pela PM, a partir de um banco de dados de jornais sensacionalistas. A sua narrativa converge com a tese de Pinheiro, de que a ROTA seria um “esquadrão da morte oficial” (BARCELLOS, 1992: 119). O trabalho, diversas vezes, apresenta problemas com relação à citação de fontes, bem como se utiliza de um recurso estilístico próprio do jornalismo literário, inserindo uma narrativa romanceada nos eventos, confundindo o que foi efetivamente observado em documentação ou entrevistas e o que se trata de pura suposição. Além disso, a resenha de R.S. Rose aponta que houve equívocos numéricos no manejo do banco de dados (BARCELLOS, 1996). Não obstante, constitui um trabalho importante e também, por muito tempo, um dos únicos. O outro caminho seguido pelos estudos sobre a polícia foi traçado pela historiografia. A visão da polícia enquanto um mero instrumento administrativo foi superada a partir de questionamentos vindos de diferentes tradições teóricas. As influências de Michel Foucault e E.P. Thompson, em que pesem suas divergências, ajudaram a jogar o foco da atenção para as práticas de dominação e experiências cotidianas. Os primeiros estudos se concentraram no Império e a Primeira República, que se constituem, até hoje, os períodos mais sólidos dessa produção.23 A polícia deixa de ser compreendida como um mero instrumento de dominação das classes dominantes, passando a ser, em si, um agente dos conflitos sociais. Recorrendo mais uma vez a Walter Benjamin, o infâme da polícia é congregar, ao mesmo tempo, a violência que instaura o direito e a violência que o mantém (BENJAMIN, 2011: 135). Ela o mantém na medida em que é o próprio agente responsável por garantir, por meio da violência, o cumprimento das leis. E o instaura, pois é ela que age nas incontáveis áreas onde não há uma situação clara de direito. Conforme dito acima, no cotidiano de seu trabalho, os policiais, em sua maior parte do baixo escalão, se deparam com uma série de situações que demandam decisões rápidas. Muitas delas fogem do dualismo dominação/resistência, envolvendo negociações, mediações e outras interações diversas (ROSEMBERG, 2010: 24). No lugar de greves e insurreições, a questão da autonomia dos 23 Para um balanço mais extenso da historiografia sobre a polícia no Brasil ver BRETAS, ROSEMBERG, 2013.

27 policiais e a rotina, muitas vezes tediosa, do trabalho cotidiano se fazem bastante presentes. Uma característica dessa historiografia é a reiteração da falibilidade da instituição. Seja pela precariedade material ou pela indisciplina de seus componentes, o projeto imposto de modernização é um fracasso (ROSEMBERG, 2010: 37; BRETAS, ROSEMBERG, 2013: 168). Sendo um campo bastante recente, muitas questões ainda permanecem em aberto. Segundo Bretas e Rosemberg, as abordagens sobre a polícia parecem seguir duas tensões; por um lado, entre uma história da dominação em que a polícia é instrumento e uma história onde o exercício da dominação pela e na polícia se apresenta como um problema; por outro, entre uma história da polícia onde as questões que realmente interessam estão fora dela e uma história mais diretamente ligada à vida policial (BRETAS, ROSEMBERG: 2013)

Assim, é preciso desvendar até que ponto a ação da polícia faz parte de um projeto centralizado, e até onde é resultado da autonomia dos responsáveis diretos, isto é, os policiais que executam o policiamento. Ao mesmo tempo em que a polícia é uma instituição extremamente hierarquizada, os policiais dispõe, de fato, de grande autonomia no seu trabalho cotidiano. Esses dois pólos devem ser articulados para não incorrer no risco de tratar as violências praticadas como desvios individuais (ao gosto do discurso oficial), nem como a política de um Estado demiurgo que tudo pode. Essa historiografia reflete sobre uma questão que se mantém desde os primeiros trabalhos nos anos 60: afinal, o que faz a polícia? A "sociologia da polícia" tentou formular diversas "teorias da polícia" (ROSEMBERG, LIMA, 2011). Estas, no entanto, pecam por serem demasiadamente essencialistas. É dificil definir o que a polícia é ou faz. A gama de funções por ela executada não se restringe apenas aquelas de caráter repressivo. Conforme o lugar e o período histórico, a polícia é responsável por tarefas diversas, como a ordenação do trânsito, emissão de documentos de identificação, alvarás, serviços de assistência social e auxílios diversos a outros órgãos públicos. Mesmo as tarefas repressivas possuem caráter variável, podendo ser tanto a simples guarda de um prédio público até ações de enfrentamente de tropas de choque e unidade de elite com armamentos pesados. A própria mudança do contexto social implica em grandes diferenças. Dificilmente se pode encontrar similitudes muito claras entre as práticas do Corpo de Policiamento Permanente de 1831, patrulhando um mundo majoritariamente rural e escravocrata, e a Polícia Militar dos dias de hoje, agindo nas ruas de uma metrópole da periferia do capitalismo.

28 No esforço de uma definição, faz mais sentido se falar em uma "condição policial". Conforme Monjardet (2003: 194), esta é um destino social imposto, uma reação a elementos externos. Não estando ligada a uma situação específica de trabalho, visto que este é muito diverso, a condição policial não funda uma identidade, mas uma diferença e, consequentemente, uma solidariedade. Os policiais não se consideram iguais entre si, mas sim diferentes dos de fora. Estes, os civis, são vistos sempre potencialmente propensos a atacar a polícia, seja no âmbito discursivo ou até mesmo fisicamente. Daí a necessidade de uma desconfiança permanente e uma proteção interna contra críticas, tendendo ao isolacionismo. Pode-se questionar se tal dimensão é aplicável e/ou suficiente para todas as polícias, em diferentes contextos sociais e históricos. No entanto, a ideia de uma definição pela negação parece se aplicar bem, ao menos ao caso brasileiro. Na PM paulista, um antigo ditado, "paisano é bom, mas tem muito", referindo-se aos civis, indica claramente como o isolacionismo pode ser reforçado pela investidura militar. (SOUZA, 2013: 38) Se a produção sobre o Império e a Primeira República estão bem desenvolvidas, o mesmo não se pode dizer dos períodos posteriores. A partir da década de 1930, em grande parte, pela escassez de fontes, o volume de trabalhos se torna muito menor e toma um caráter distinto. A profusão de ditaduras - o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985) – orienta os trabalhos na direção de um diálogo muito maior com as polícias políticas. Sobre o Estado Novo, o trabalho mais importante, sem dúvida, é o de Elizabeth Cancelli (1994), que aborda o papel do DOPS no projeto totalitário de Vargas. Sobre o período democrático entre 1945 e 1964, praticamente o único trabalho de grande fôlego é o de Thaís Battibugli (2010). A autora analisa a estrutura da polícia paulista e o seu papel em ter que lidar com uma inédita ordem democrática. A partir do golpe, há uma produção extensa sobre os órgãos de repressão e espionagem políticos. 24 Por outro lado, a polícia comum é quase um "não-lugar" nesse período, figurando apenas de forma marginal no debate. As Fontes Talvez o principal fator dessa desproporcionalidade na concentração dos períodos da historiografia seja a escassez de fontes. A documentação do fundo "Polícia" disponível no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), encerra-se na década de 20. Dessa maneira, não existe disponível material com registros do cotidiano, análogo ao utilizado, por exemplo, por Marcos Bretas (1997) ou André Rosemberg (2010). O único fundo, disponível no APESP, que toca o 24 Para um balanço, ver FICO, 2004. Posteriormente surgiram vários trabalhos importantes, com destaque para JOFFILY, 2013.

29 período da ditadura militar é o fundo DEOPS.25 Como parte da Polícia Civil, o fundo DEOPS constitui uma fonte indireta para se obter acesso à Polícia Militar. O acervo é bastante extenso, acompanhando diversos grupos ao longo dos seus quase 60 anos de existência. Ali, os policiais militares são personagens recorrentes, seja como auxiliares no trabalhos, rivais e até mesmo como alvos de investigação. Esse fundo apresenta uma documentação variada, desde relatórios até compilações de jornais. O fundo procurou manter a estrutura original do acervo, se dividindo em quatro séries: 1) prontuários 2) Delegacia Especializada de Ordem Social; 3) Delegacia Especializada de Ordem Política; 4) Arquivo Geral. Os prontuários referem-se a pessoas investigadas pelo DEOPS. Nas séries das duas Delegacias Especializadas constam Dossiês Temáticos, compostos basicamente por recortes de jornal, havendo também alguns relatórios de investigação. Por fim, a série do Arquivo Geral possui documentação de todos os setores do DEOPS, distribuídos em dossiês temáticos, identificados por códigos alfanuméricos. Esses dossiês possuem um conteúdo mais variado que os dossiês das Delegacias Especializadas, com relatórios, inquéritos, correspondências, informes e recortes de jornal (CORREA, 2008). Ele é o que mais se assemelha com a analogia feita aos arquivos policiais enquanto "lixeiras da história". São arquivos, muitas vezes, de conteúdo assimétrico e aleatório, unidos por uma abrangente conceituação temática e vagamente organizados em ordem cronológica. Além disso, eles dizem muito mais sobre as instituições que os produziram do que sobre os objetos aos quais se referem. O seu conteúdo é fortemente marcado pelos preconceitos dos agentes e pelos vícios e falhas do funcionamento da corporação. Assim, é preciso atenção redobrada para não tomar a versão pelo fato (ROSEMBERG, SOUZA, 2009: 170). Por fim, é preciso ter em mente que a história do próprio fundo impingiu marcas na sua configuração. Diferentes dos acervos "comuns" da Polícia Civil, que perdem rapidamente a sua importância aos olhos daqueles que os produziram, ficando jogados às traças por várias delegacias, o DEOPS teve um papel central para o Estado, durante a ditadura. Assim, em 4 de março de 1983, 11 dias antes da posse de Franco Montoro, como primeiro governador eleito por voto direto em 17 anos, José Maria Marin, seu antecessor, extinguiu o DEOPS e colocou seu acervo sob guarda da Polícia Federal. A documentação só seria transferida para o APESP em 1991. Assim, não é possível saber se as várias lacunas sequenciais que existem são fruto de descuido ou um apagamento deliberado enquanto o acervo foi mantido com a Polícia Federal. 25 O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) passou por uma re-estruturação em 1975 (Decreto 6.836, de 30 de setembro de 1975), passando a denominar-se Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), denominação que persistiu até sua extinção em 1983. O fundo do Arquivo do Estado que reúne a sua documentação intitula-se “Fundo DEOPS”, assim, para se referir a essa documentação como um todo, será utilizada esta denominação.

30 O outro fundo consultado foi aquele disponível no Museu de Polícia. Pouco conhecido dos pesquisadores, o Museu não é sequer propriamente um arquivo. Sob responsabilidade da Polícia Militar, ele expõe a precariedade e descaso quanto à documentação policial. Localizado em um antigo quartel, o Museu não possui as mínimas condições técnicas para o armazenamento do seu material. Ao longo da pesquisa, que se estendeu sazonalmente entre 2011 e 2014, o prédio chegou a ficar interditado por vários meses devido ao risco de desabamento. Ressalvando o empenho e dedicação dos funcionários, todos policiais militares, há uma carência evidente de recursos e de pessoal, principalmente com conhecimento de arquivística. O acervo não conta nem mesmo com um catálogo, sendo necessário recorrer constantemente aos conhecimentos individuais de alguns funcionários, o que, evidentemente, tolhe bastante a liberdade de pesquisa. Feitas essas considerações, é importante afirmar que se trata de um acervo rico e bastante inexplorado. A documentação disponível é basicamente produzida pela cúpula da Polícia Militar, sendo composta majoritariamente de boletins, manuais e relatórios. A linguagem hermética, repetitiva e repleta de siglas, própria de uma burocracia militar, constitui uma barreira considerável a ser superada. A partir dessa documentação, é possível acompanhar as evoluções institucionais, mudanças de orientação, diretrizes, sindicâncias, notas do comando, entre outras coisas. Compõe o acervo ainda, a obra de Waldyr Rodrigues de Moraes. Moraes foi um estudioso que, através de pesquisas no acervo do Museu de Polícia, escreveu, provavelmente, a maior "história geral" da polícia paulista, além de organizar diversos dados sobre efetivos, comandantes de batalhões, entre outros. Seu livro Milícia Paulista: sua história, concluído em 1998, jamais foi publicado por uma editora, havendo exemplares impressos e encadernados por conta própria no Museu de Polícia. A obra de Rodrigues de Moraes é muito emblemática do descompasso entre o conhecimento que se tem sobre a polícia dentro e fora dos quartéis. Enquanto é considerada hoje, pelos policiais militares, uma das mais completas obras escritas sobre a história da polícia, tal obra é praticamente desconhecida fora dos muros dos quartéis.26 O trabalho de Moraes se insere na tradição da historiográfica oficial da Policia Militar, articulada em torno de grandes comandantes, mostrando apenas a evolução organizacional. Mesmo assim, é um trabalho de grande valor pela rigorosa compilação de dados, contendo legislação, efetivos e comandantes das mais diversas unidades da polícia paulista. No percurso da pesquisa, foi publicado o Relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no fim de 2014. A CNV teve acesso a uma documentação ainda mantida sob sigilo, o que enriqueceu a discussão sobre a ditadura. No seu rastro, foram também publicados os relatórios das 26 A afirmação da importância de Waldyr de Moraes para os PMs se deve a conversas com vários oficiais e praças no quartel onde se localiza o Museu, podendo, portanto, estar bastante enviesada.

31 várias comissões auxiliares. Para este trabalho, foi muito importante o relatório da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva". A cargo da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, essa comissão pautou grande parte de seu trabalho em depoimentos, cujas transcrições foram disponibilizadas na íntegra.27 Como última observação sobre as fontes, cabe um comentário sobre as barreiras impostas pelo Estado. Em 16 de maio de 2012, entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527, sancionada em novembro de 2011, que regulamenta o acesso à documentação produzida pelo o Estado. De acordo com seu texto, qualquer cidadão tem direito garantido ao acesso à qualquer documento não classificado, sendo os órgãos públicos obrigados a criar mecanismos que facilitassem esse acesso. Por meio da lei, foi possível obter algumas informações, em geral de caráter mais quantitativo. No entanto, quando foi feita a solicitação dos assentamentos individuais de PMs apontados pela CNV como integrantes do DOI-CODI, a resposta foi negativa. Assentamentos individuais são os registros das unidades onde um policial foi alocado ao longo da carreira. A negativa veio na forma do Decreto estadual nº 58.052, de 16 de meio de 2012. Publicado no mesmo dia em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, ele confere poderes aos Secretários das pastas estaduais, ao Delegado Geral da Polícia Civil e ao Comandante da Polícia Militar, de decretarem sigilo sobre a documentação produzida por seus órgãos. Na prática, para o que interessa aqui, essa lei da poderes às polícias de anular o direito à informação. Considerando as dificuldades que existem no acesso à documentação policial, não é surpreendente que o presente trabalho possua diversas limitações. A ausência de uma documentação propriamente "operacional" produzida pela própria PM limita muito uma análise do seu cotididiano. Uma das várias consequências é que se torna difícil determinar o caráter da interação da polícia com a população e as características das vítimas do abuso policial. O caráter muitas vezes racista da ação policial é invisível a essa documentação. É necessário pontuar, também, que o estudo não se propõe a abarcar toda a Polícia Militar. Em primeiro lugar, devido à grande diferença de características demográficas e sócio-econômicas entre a área metropolitana da capital e o interior do Estado, optou-se por restringir o objeto às unidades atuantes na Região Metropolitana de São Paulo. 28 As próprias corporações policiais parecem considerar essas distinção, mantendo uma série de unidades especializadas lotadas apenas na capital. Além disso, essa ampla gama de unidades especializadas, atua nos mais mais diferentes serviços, inclusive internos à corporação. Dessa maneira, algumas delas - em geral as que destoam do senso comum sobre o que é o trabalho policial - aparecem na 27 Disponível em http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/. 28 A Região Metropolitana de São Paulo, compreendendo um total de 39 municípios, só viria a ser estabelecida legalmente em 1973, pela Lei Complamentar nº 14, de 8 de junho deste ano. Apesar disso, o processo gradual de conurbação já vinha estabelecendo, desde muito antes, uma área metropolitana em torno da capital.

32 documentação apenas de forma muito marginal. Para não incorrer em generalizações descabidas, esse trabalho vai abordar apenas os policiais que executam as funções de policiamento urbano, choque e comandos. Unidades médicas, odontológicas, rodoviárias e florestais, além do Corpo de Bombeiros, estão excluídas devido à essa limitação. Também está excluída a Polícia Feminina, porém por razão distinta. Os Batalhões de Polícia Feminina permaneceram como unidades a parte dentro da Polícia Militar até 2000, quando as mulheres foram incorporadas aos demais batalhões. Surgida em 1955, a Polícia Feminina sempre teve sua atuação marcada pela distinção de gênero, cumprindo, prioritariamente, funções ligadas ao cuidar e ao serviço social, como auxílio à crianças, mulheres e pobres. Há, no Museu da PM, farta documentação sobre os postos de Polícia Feminina existentes na cidade de São Paulo. Porém, em função dessa grande distinção de atribuições em relação aos policiais homens, e ao prazo limitado da pesquisa, optou-se por não abordar este ponto. Estrutura dos Capítulos O texto está dividido em três capítulos. O primeiro discute a estrutura das polícias antes do golpe, a dinâmica da relação que as três corporações mantinham entre si e a disputa em torno de projetos de reforma dessa estrutura. A descrição organizativa costuma ser deixada em segundo nos trabalhos sobre a polícia. Porém, a compreensão dos meandros organizativos no momento imediatamente anterior ao golpe é fundamental para se compreender que tipo de mudança ocorre. Além disso, para o pesquisador, uma implicação do não detalhamento da organização, é justamente, que a decifração da documentação se torna mais difícil. Assim, espera-se que a descrição detalhada sirva também de guia aos interessados em verificar as fontes. O segundo capítulo aborda o período do golpe até a unificação da Força Pública e da Guarda Civil, em 1970. Ele descreve os conflitos que se deram entre as duas corporações e os movimentos de avanço e retrocesso que culminaram na unificação. O último capítulo discute o caráter ideológico da reestruturação das polícias. A unificação não é uma mera reação às dificuldades impostas pela luta armada ou pelo crescimento da criminalidade, mas atende a um projeto repressivo pautado na Doutrina da Guerra Revolucionária, de origem francesa. A sua difusão se dá através de uma presença maciça e recorrente nos cursos de formação dos policiais militares e nos diversos intercâmbios nacionais e internacionais realizados no período, fundamentando, também, o fortalecimento e expansão das unidades de choque e de inteligência da Polícia Militar.

33

CAPÍTULO 1 – A ESTRUTURA DAS POLÍCIAS EM SÃO PAULO E OS PROJETOS DE REFORMA

A atual organização da polícia compõe-se de um mistifório de divisões, seções, serviços, bureaus, departamento, corporações, corpos, juntas, comissões e outros grupamentos empilhados uns sobre os outros por leis, decretos, decretos-leis, ordens e regulamentos – com pequena ou mesmo nenhuma relação entre as várias unidades, dispensando-se pouca consideração às suas finalidades reais. Em alguns casos, essas unidades heterogêneas escaparam

ao

controle

administrativo

unificado

e

tornaram-se

praticamente

independentes. LINGO, Joseph; AVIGNONE, Arthur. Estudos sobre a organização policial do Estado de São Paulo. 1958. p. 127.

Oito de abril de 1970 é a data que marca a criação da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Neste dia deixaram de existir formalmente a Força Pública e a Guarda Civil, as duas corporações que dividiam a tarefa do policiamento ostensivo desde 1926, dando lugar ao que, nas palavras dos governantes de então, era uma nova corporação.29 A "unificação", como é conhecida, não foi, no entanto, mais uma simples reestruturação administrativa, comum a qualquer força policial. Ocorrida em plenos "anos de chumbo", é impossível dissociá-la do processo de fechamento da ditadura e da criação de novos instrumentos de repressão política. Ao mesmo tempo, ela também não foi pensada do dia para a noite pela cabeça de um grupo de generais. Aos interesses dos ditadores se soma um longo processo de debates sobre uma grande reforma policial que vem, pelo menos, desde o fim da ditadura do Estado Novo. A complexa estrutura da polícia brasileira - e em especial da paulista - que repartia o policiamento entre três corporações principais, colocava em cena diversos agentes com interesses e perspectivas próprias. Dessa maneira, para compreender a unificação, é necessário, antes, se desenhar um panorama desses embates e projetos de reforma, que ora privilegiavam um modelo civil, ora um modelo militar. As polícias são órgãos extremamente burocráticos, e a descrição de sua estrutura, muitas vezes, é deixada em segundo plano pela bibliografia. A polícia, seja ela qual for, não é monolítica. Seus diversos setores possuem visões e experiências distintas, marcadas pelo tipo de função

29 Ver, por exemplo, a nota do então Governador Abreu Sodré afirmando que a Polícia Militar seria uma nova corporação. Boletim Geral da Guarda Civil de São Paulo nº 1. 2 de janeiro de 1970. Anexo. Museu de Polícia.

34 desempenhada, local e pelo próprio discurso da unidade sobre si mesma (REINER, 2014:132). 30 Um policial que, por exemplo, executa o policiamento nos arredores de teatros, com certeza tem uma visão muito distinta sobre algumas questões em comparação a um integrante de uma tropa de choque. Assim, identificar o papel de unidades específicas ajuda a elucidar de uma forma mais apurada o desenvolvimento e atuação da polícia, principalmente durante a ditadura. 1.1. A estrutura do policiamento em São Paulo (1946-1964) Desde que começou a ser estruturado, ainda no século XIX, o policiamento no Brasil organizou-se, principalmente, em torno de instituições provinciais e, posteriormente, estaduais. Até 1970, o policiamento no Estado de São Paulo era dividido, basicamente, entre três corporações: a Força Pública (FP), a Guarda Civil (GC) e a Polícia Civil (PC), subordinadas à Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública (SSP). 31 Criada em 1906, a Secretaria era responsável por coordenar as polícias, o sistema prisional, e demais serviços que vão sendo criados ao longo dos anos, como o Instituto Médico Legal, o Serviço de Identificação, a Inspetoria de Serviço de Trânsito, a Tesouraria Geral, entre outros (BATTIBUGLI, 2010: 29). O secretário, nomeado pelo governador, tinha poderes de editar portarias, sugerir reestruturações nas carreiras policiais, organizar o policiamento, propor medidas de combate à criminalidade, elaborar anteprojetos de lei sobre vencimentos e melhorias, além de encaminhar relatórios anuais ao governador32 (BATTIBUGLI, 2010: 29). No entanto, apesar do controle formal, as corporações policiais possuiam comando, pessoal e instalações próprias, o que lhes conferia grande autonomia operacional. É difícil estipular o grau do controle de fato da SSP sobre as polícias. Thaís Battibugli, estudando a Força Pública no período de 1946 a 1964, encontra indícios da fragilidade do controle da secretaria nas constantes declarações dos secretários de que iriam coibir as violências praticadas pelos policiais que, apesar disso, continuavam seguidamente a figurar nas páginas da imprensa (BATTIBUGLI, 2010: 29-31, 99, 100). 30 Robert Reiner se refere à "cultura policial", afirmando que ela possui várias "subculturas" internas. Apesar de amplamente utilizado na bibliografia ligada às Ciências Sociais sobre a polícia, o conceito encontra certa resistência na historiografia, em razão da indefinição teórica e metodológica sobre o que caracterizaria uma cultura propriamente policial, distinta de elementos culturais mais gerais. Essa crítica pode ser ainda mais aprofundada diante da menção a "subculturas". Para esta crítica ver BRETAS, 1997b: 15-16 e ROSEMBERG, 2012. A parte este problema, os elementos mencionados por Reiner como fatores da atuação das distintas unidades policiais permanecem válidos. 31 Existiam também outras corporações menores, a maior parte criada durante os anos 50, com funções de policiamento específicas. Em geral, foram sendo incorporadas à Guarda Civil e à Força Pública poucos anos antes da unificação. São elas a Guarda Noturna, Polícia Feminina, Polícia Rodoviária Estadual, Polícia Marítima e Aérea dos Portos do Estado, Polícia das Estradas de Ferro, Polícia Florestal e Polícia Bancária. Ver BATTIBUGLI, 2010: 28. 32 Tais relatórios não estão disponíveis no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Por duas vezes, solicitei, por meio da Lei de Acesso à Informação, o acesso à esses relatórios, obtendo, porém, respostas negativas, sob alegação de que não havia especificado quais relatórios seriam.

35

1.1.1. Polícia Civil Apesar de possuir o menor efetivo entre as três polícias, contando, em 1965, com 8.633 policiais, a Polícia Civil era a principal corporação policial da época (BATTIBUGLI, 2010: 3, 300). Era a única a possuir tanto funções de polícia administrativa como de polícia judiciária.33 Dessa maneira, além de realizar o trabalho preventivo, através de rondas policiais, e de vigilância da população, através de diversas delegacias especializadas, ela também era responsável por realizar as investigações, através do inquérito policial, a peça investigativa que serve de base para a abertura de processos judiciais, visando punir crimes ou contravenções (KANT DE LIMA, 1989: 4). A estrutura organizativa da Polícia Civil, em meados dos anos 60, tinha em seu topo o Delegado-Geral, nomeado pelo Secretário de Segurança, e o Conselho da Polícia Civil, integrado pelos Delegados Auxiliares, que chefiavam as Divisões Policiais, a instância imediatamente inferior. O posto de Delegado Auxiliar era o mais alto da corporação, abaixo apenas do Delegado-Geral, que era o responsável pela sua nomeação. O termo "auxiliar" devia-se

ao fato de eles serem

considerados "auxiliares da ação direta do Secretário da Segurança Pública" (PESTANA, 1963: 123). Conforme o Manual de Organização Policial do Estado de São Paulo, de autoria de José Cesar Pestana, então professor da Escola de Polícia, a distribuição do serviço da Polícia Civil pode obedecer a dois critérios diferentes. Pode ser territorial, pois, partindo do pressuposto de que "qualquer serviço policial está sempre ligado a um certo lugar", o território do Estado foi dividido em regiões policiais, sob competência de algumas das Divisões Policiais. Por outro lado, o critério de distribuição pode ser especial, ou seja, a partir do pressuposto de que "todo serviço policial tem uma natureza", algumas das Divisões Policiais são compostas por órgãos especializados em delitos e serviços específicos (PESTANA, 1963, p.124). As Divisões Policiais foram instituídas em 1945, através de um decreto-lei do então Interventor Federal, Fernando de Souza Costa.34 As delegacias e demais repartições policiais já existentes foram organizadas nas Divisões, tendo várias delas tendo sua denominações alteradas. Às 33 No âmbito da teoria jurídica, a polícia administrativa, ou ostensiva, é aquela responsável pelo trabalho preventivo, agindo antes dos atos ilícitos acontecerem, visando impedir comportamentos antissociais e garantindo a ordem pública. Já a polícia judiciária, ou investigativa, é a que age de maneira repressiva, após os atos ilícitos, realizando investigações para auxiliar o Poder Judiciário a punir os indivíduos responsáveis. Ambas as funções não se restringem somente às organizações policiais, podendo ser exercidas por outros órgãos do Estado, como agências específicas fiscalizadoras da saúde, educação, trânsito, entre outros. Essa divisão, no entanto, é por demais abstrata, principalmente no que concerne ao trabalho da Polícia Civil, que muitas vezes misturava as duas atribuições (KANT DE LIMA, 1989: 4). 34 Decreto-Lei estadual nº 14.854, de 09/07/1945.

36 vésperas do golpe, a Polícia civil possuía oito Divisões Policiais. A 1ª, 2ª e 3ª Divisões tinham atribuições territoriais, sendo a primeira responsável pela cidade de São Paulo e de 21 municípios ao redor35, enquanto a 2ª e a 3ª Divisões eram responsáveis pelo interior do Estado 36. As demais eram Divisões especializadas, responsáveis por crimes e contravenções específicos. A 4ª Divisão constituía o Departamento de Investigações (DI), um dos mais importantes, sendo responsável por uma ampla gama de funções, desde a investigação de crimes de autoria desconhecida - como assaltos, roubos de veículos e homicídios - até controle sobre alguns grupos sociais e comportamentos "desviantes" - como prostitutas, vadios, abortos, entorpecentes - bem como fiscalização hotéis, registro de empregadas domésticas, entre outras coisas diversas (BATTIBUGLI, 2010: 278). Além disso, o DI possuía patrulhas móveis especializadas. A principal delas era a RUDI (Rondas Unificadas do Departamento de Investigações), que tinha a função de "exercer vigilância initerrupta, diurna e noturna, sobre os indivíduos e locais suspeitos em toda a capital e municípios circunvizinhos" (PESTANA, 1963: 188). Mesmo antes da ditadura, a RUDI era conhecida pela sua violência. Em uma descrição de 1969 do jornal O Estado de S. Paulo, "seus investigadores nunca pensaram duas vezes antes de sacar uma arma ou espancar um suspeito".37 A 5ª Divisão Policial era o famigerado Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) 38, responsável por investigar crimes políticos e vigiar movimentos sociais, partidos e organizações políticas, além de fazer o controle de estrangeiros e da fabricação e comércio de armas. O DEOPS foi criado em 1924, como parte da resposta do governo estadual às sucessivas crises, como a greve geral de 1917, as revoltas tenentistas de 1922 e a revolta de 1924. Durante a ditadura do Estado Novo, o DOPS teve papel destacado na repressão em São Paulo. Com a democratização em 1946, havia a expectativa de uma reestruturação no órgão, porém ele se manteve praticamente inalterado 35 Santo André, Osasco, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Barueri, Caieiras, Cajamar, Cotia, Diadema, Embu, Franco da rocha, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Mairiporã, Mauá, Pirapora do Bom Jesus, Ribeirão Pires, Santana de Parnaíba, Taboão da Serra (PESTANA, 1963: 124) 36 A 2ª Divisão Policial era responsável pelos arredores das cidades de Araraquara, Campinas, Casa Branca, Barretos, Guaratinguetá, Piracicaba, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto e Taubaté. A 3ª Divisão Policial era responsável pelos arredores das cidades de Araçatuba, Assis, Bauru, Botucatu, Itapetininga, Jaú, Marília, Presidente Prudente e Sorocaba. (BATTIBUGLI, 2010: 278) 37 O ESTADO DE SÃO PAULO. "RUDI não mudou na volta". 27/03/1969, p. 19 38 Durante sua longa existência, entre 1924 e 1983, a polícia política paulista sofreu diversas alterações na sua denominação e organização. Criada pela Lei estadual nº 2304 de 30/12/24, como Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), foi desmembrada em 1930 entre a Delegacia de Ordem Política e a Delegacia de Ordem Social, pelo Decreto estadual nº 4.780-A, de 28/11/30. Durante o Estado Novo, as duas delegacias foram subordinadas à Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública, pelo Decreto-lei nº 9.893-B, de 31/12/38. Em 1940, foi transformada em Superintendência de Ordem Política e Social, pelo Decreto nº 10.910, de 23/01/40. Quatro anos depois, novamente passa a ser denominada Delegacia de Ordem Política e Social, pelo Decreto-lei nº13.969, de 9/05/44. No ano seguinte, através do Decreto- lei nº 14. 854, de 09/07/45, o mesmo que organiza as Divisões Policiais, passa a constituir a 5ª Divisão Policial, sob a denominação de Departamento de Ordem Política e Social. A parte mudanças de estrutura interna, permanece com essa denominação até 1975, com o Decreto nº 6.836, de 30/09/75, que altera a sua denominação para Departamento Estadual de Ordem Social e Política (DEOPS). Permaneceu com essa denominação até a sua extinção pelo Decreto nº 20.728 de 04/03/83. No texto, fiz a opção de utilizar a sigla equivalente ao período.

37 até 1969. O DOPS era considerado fundamental pelos governadores na manutenção da ordem pública e continuou a agir contra sindicatos e organizações de esquerda, em especial o PCB, que foi relegado à ilegalidade, novamente, em 1947.

Neste período, o DOPS era composto pelas

Delegacias de Ordem Política, de Ordem Social, de Estrangeiros, de Ordem Econômica, de Armas e Explosivos e um Serviço Secreto (BATTIBUGLI, 2010: 34-36; CORREA, 2008). A 6ª Divisão Policial era denominada Departamento de Policiamento, sendo responsável por coordenar as tarefas de policiamento e rádio patrulha da Guarda Civil e da Força Pública e também por reunir dados estatísticos sobre ocorrências por todo o estado. Apesar disso, o serviço estatístico era bastante deficitário, devido a problemas de comunicação e repasse de informação com as delegacias. Dessa maneira, boa parte do trabalho de planejamento dessa divisão era desperdiçado, sendo ignorado pelos delegados (BATTIBUGLI, 2010: 38). A 6ª Divisão também possuía uma ronda própria, a RONE (Ronda Noturna Especial). Composta por quatro investigadores, sob a chefia direta de um Delegado, atuava entre as 22:00 e 6:00 horas, no combate a roubos e assaltos.39 A 7ª Divisão Policial era a Divisão de Polícia Marítima e Aérea, responsável pela área do Porto de Santos. A Polícia Marítima e Aérea era uma corporação independente, porém, subordinada à Polícia Civil. Criada no final século XIX, tinha como função o policiamento e execução de serviços alfandegários no Porto de Santos, incluindo seu espaço aéreo. Embora fosse uma tarefa de competência federal, era mantido um convênio com o governo estadual para a prestação dos serviços.40 A 8ª Divisão Policial foi instituída em 1947, sendo inicialmente denominada de Serviço de Proteção e Previdência, tinha funções de assistência social a mendigos, idosos, inválidos, ébrios, viciados em entorpecentes, migrantes e ex-presidiários, entre outros grupos. Em 1956, foi reestruturada, passando a denominar-se Setor de Polícia Científica, sendo responsável por mais uma série de serviços sem muita relação entre si, como a Escola de Polícia, o Instituto de Polícia Técnica, o Serviço Médico Legal, o Serviço de Identificação (responsável pela emissão de documentos de identidade). Os órgãos tinham independência de ação e competiam entre si por verbas e equipamentos (BATTIBUGLI, 2010: 33, 34). A 1ª Divisão Policial, responsável pela região da capital, era dividida em cinco Zonas 39 Portaria nº 91 da SSP de 17/09/56, disponível no DO do Estado de São Paulo de 18/09/56, p. 6. 40 A então Polícia Marítima do Porto de Santos foi criada pelo Decreto nº 121 em 1892 (Decreto nº 121) de 29/10/1892, sendo inicialmente subordinada diretamente ao Chefe de Polícia. Em 1946, o policiamento das zonas portuárias vou regulamentado por Decreto federal (Decreto-lei nº 8.806, de 24/01/1946 e Decreto nº 20.532-B, de 25/01/46) passando a estar a cargo do então Departamento Federal de Segurança Pública podendo, porém, ser executado por polícias estaduais, quando não houver disponibilidade federal, como no caso do porto de Santos. Dessa maneira, o Decreto-Lei nº 16.494, de 18/12/1946 reorganizou a polícia marítima na Inspetoria de Polícia Marítima e Aérea dos Portos do Estado de São Paulo, subordinada à 7ª Divisão Policial. Em 1952, sua denominação foi alterada para Divisão de Polícia Maritima e Aérea. Em 1968, ela seria integrada à Guarda Civil. (MORAES, 1998 : 264-266; SYLVESTRE, 1985: 85-86; BATTIBUGLI, 2010: 28)

38 Policiais: Centro, Norte, Sul, Leste e Oeste. 41 Cada uma dessas zonas é dividida em Delegacias de Circunscrição. Em 1963, a cidade de São Paulo possuía 31 delegacias de circunscrição, além de outras 21 nos municípios circunvizinhos, conforme: Quadro 1: Delegacias de Circunscrição pela Zonas da capital (1963) Zona Centro

1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 8ª e 12ª

Zona Norte

9ª,13ª, 19ª, 20ª e 28ª

Zona Sul

11ª, 15ª, 16ª, 17ª, 26ª, 27ª e 29ª

Zona Leste

10ª, 18ª, 21ª, 22ª, 25ª, 30ª, 31ª e 32ª

Zona Oeste

7ª, 14ª e 23ª

Essas Delegacias de Circunscrição eram as unidades administrativas mais próximas à população. Em geral, eram nelas que o cidadão devia comparecer para prestar uma queixa. Mesmo em casos em que se tratasse de atribuição de um departamento especializado, como um homicídio ou uma denúncia de subversão, por exemplo, cabia à Delegacia de Circunscrição fazer o encaminhamento adequado do caso. De maneira semelhante, os demais Departamentos possuíam delegacias especializadas para cada uma de suas atribuições, como, por exemplo a Delegacia de Ordem Social e a Delegacia de Ordem Política do DOPS, ou a Delegacia de Segurança Pessoal (responsável por homicídios), do DI. Também haviam outros tipos de repartições, com denominações diversas, que não constituíam delegacias, porém possuíam funções especializadas, como o Serviço Secreto do DOPS, o Setor de Entorpecentes do DI ou a Divisão de Policiamento da Rádio Patrulha da 6ª Divisão, entre outros. A Polícia Civil possuía três carreiras principais, de acessos distintos: delegado, investigador e escrivão. O delegado de polícia é a principal autoridade policial, sendo a única carreira que pode ter acesso ao posto máximo de chefia, que é o de Delegado-Geral, nomeado pelo governador. A carreira, a única da Polícia Civil que exige um diploma de bacharel em Direito, possui seis degraus. Inicia-se como delegado de 5ª Classe, e, através das promoções, se passa sucessivamente pela 4ª, 3ª, 2ª e 1ª Classes até chegar à Classe Especial, a mais alta. O delegado é o responsável pela instauração e condução do inquérito policial, decidindo em qual artigo do Código Penal o delito se encaixa, além de decidir sobre a autuação das prisões em flagrante. Aos Delegados de Classe Especial cabiam a chefia das Zonas Policiais e das principais delegacias especializadas, além de serem os únicos que podiam ter acesso ao Posto de Delegado Auxiliar, que chefiava as Divisões Policiais, e ao cargo de Delegado Geral. As Delegacias de Circunscrição recebiam classificações de classe, conforme conveniência da administração estadual, 41 Lei estadual nº 4984, 20/11/58 e Decreto estadual nº 34481, de 10/01/59.

39 cabendo a cada delegado uma delegacia de classe correspondente. 42 Por exemplo, uma delegacia de primeira classe teria como titular um Delegado de 1ª Classe, enquanto uma Delegacia de segunda classe estaria a cargo de um Delegado de 2ª Classe, e assim por diante. Além disso, o delegado também devia chefiar pessoalmente as rondas da Polícia Civil, como a RUDI e a RONE.43 Um dos maiores indícios, talvez, da prevalência da Polícia Civil sobre as demais corporações era que o delegado também possuía poderes sobre estas. Uma portaria da Secretaria de Segurança de 1947, atribuiu aos delegados uma série de funções de coordenação sobre o policiamento da FP e da GC. Cabia a ele organizar e fiscalizar, junto aos destacamentos da FP e da GC da sua circunscrição, o policiamento fixo de patrulhas e de rondas. Devia também fiscalizar, "constante e pessoalmente", as prisões efetuadas tanto nas delegacias como nos postos policiais a cargo das outras corporações, dando o encaminhamento devido. Por fim, devia encaminhar breves relatórios diários sobre o andamento dos crimes e do policiamento, sugerindo providências para o aperfeiçoamento do policiamento ostensivo e judiciário. 44 No entanto, essa relação de subordinação não era pacífica. Conforme Battibugli, em geral, a Força Pública não aceitava a autoridade da Polícia Civil na condução do policiamento, o que ocasionava diversos conflitos (BATTIBUGLI, 2010: 32). O delegado não se dirigia diretamente aos destacamentos e divisões da FP e da GC, mas aos respectivos comandantes ou inspetores responsáveis. Assim, devia manter um bom relacionamento com estes para garantir a execução adequada e rápida de suas determinações. A carreira de escrivão é de nível médio, sendo, porém, necessário o certificado de conclusão do curso de escrivães da Escola de Polícia. Suas principais atribuições são escriturar os livros de registros de ordem, transcrevendo documentos, circulares, ofícios e portarias; escrever o expediente da delegacia, os inquéritos, Boletins de Ocorrência, mandatos, precatórias, alvarás e outros atos próprios do trabalho; lavrar, em livro rubricado pelo delegado, os termos de fiança, bem como os registros de seu pagamento; arrolar no livro de inventários os bens da delegacia e os documentos que tenham que ser arquivados; manter um livro de carga e descarga de remessa de autos, conclusões finais dos inquéritos, ofícios e demais documentos (PESTANA, 1963: 396). A carreira possuía oito níveis: Escrivão de Classe Especial, Escrivão de 1ª Classe, Escrivão de Classe Intermediária e de 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Classes, além do posto de Escrivão Auxiliar, restrito ao trabalho nas Divisões Policiais. 42 O Decreto-Lei nº 14.854, de 09/07/1945 estabeleceu a classificação das delegacias. Ao longos dos anos diversas leis foram sendo criadas alterando as classificações de algumas delas, bem como criando outras novas delegacias. Através desse decreto-lei é possível observar a importância do DI e do DOPS que, já em 1945, concentravam praticamente todas as delegacias de classe especial. 43 Ver Apêndice II. 44 Portaria nº 57 da SSP, de 12/08/47, disponível do DO do Estado de São Paulo de 14/08/47 p. 11 e BATTIBUGLI, 2010: 32.

40 A terceira carreira da Polícia Civil é a de investigador. Ele está no mesmo nível funcional do escrivão, possuindo vencimentos semelhantes e não havendo nenhuma relação de subordinação entre eles. A carreira possuía cinco níveis, sendo a mais alta a de Investigador de Classe Especial, sendo seguido pelos Investigadores de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Classes. A carreira é um desdobramento do antigo cargo de "inspetor de segurança" (que não deve ser confundido com o inspetor da Guarda Civil), previsto no Regulamento Policial de 1928, então ainda vigente.45 Segundo Pestana, não havia nenhuma legislação que definisse as atribuições de um investigador. Como apenas o regulamento do DI tinha definições desse tipo, Pestana considera que elas podem ser estendidas a todos os demais investigadores da corporação (PESTANA, 1963: 401). Dessa maneira, ao investigador competia executar os serviços distribuídos, apresentando um relatório circunstanciado dos resultado; prender pessoas encontradas na prática de crimes ou contravenções, "auxiliar no que estiver ao alcance o restabelecimento da ordem pública", além de dever manter sigilo sobre as atividades policiais, lhes sendo vedado dar entrevistas ou comentar casos ao público. Além disso, o delegado titular designava um investigador de classe especial ou de 1ª classe para o posto de encarregado dos serviços de investigação. Cabia a ele a função de supervisor dos demais investigadores da delegacia, distribuindo os serviços entre eles, fiscalizando sua conduta, organizando listas de suas residências e antigas profissões, devendo reportar qualquer problema ao delegado (PESTANA, 1963: 400-401). Além dessas três carreiras principais, haviam alguns outros profissionais da Polícia Civil que exerciam tarefas importantes na corporação. Entre eles cabem destaque aos radiotelegrafistas, responsáveis pelas funções de comunicação e os carcereiros, responsáveis pelas cadeias das delegacias (conhecidas como "xadrez") e por algumas cadeias públicas. Em algumas delegacias de circunscrição das periferias, os comandantes dos destacamentos da Guarda Civil ou da Força Pública exerciam a função de subdelegados. Na ausência do delegado titular, cabia a ele executar as suas tarefas, com exceção das específicas de polícia judiciária, ou seja, devia fiscalizar as atividades da delegacia e dar os primeiros encaminhamentos das ocorrências, repassando as informações ao delegado. Até 1957, esse cargo podia ser exercido por qualquer cidadão, policial ou não. A partir deste ano, no entanto, por meio de um decreto do então governador Jânio Quadros, este cargo se tornou exclusivo dos comandantes dos destacamentos subordinados às delegacias.46 45 O Regulamento Policial foi estabelecido pelo Decreto nº 4.405-A, de 17/04/1928 e permaneceu em vigor até a Lei Orgânica da Polícia nº 10.123, de 27/05/1968. No seu artigo 10, os inspetores de segurança são definidos simplesmente como "órgãos auxiliares da administração policial" (i.e. do então denominado Chefe de Polícia e dos delegados), sem maiores especificações sobre suas funções. O Decreto nº 9.893-A, de 31/12/38, alterou a antiga denominação de "inspetor" para "investigador". 46 Decreto estadual nº 30.589, de 30/12/57. O regime de trabalho dos policiais na função de subdelegados foi regulado pela Portaria nº 17 da SSP, de 14/02/58, publicada no DOESP de 22/02/58, p. 5.

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1.1.2. Força Pública A Força Pública era a maior corporação policial do Estado, contando com um efetivo, em média três ou quatro vezes maior que o da Polícia Civil e duas vezes maior que o da Guarda Civil, conforme o ano. Em 1965, por exemplo, a Força Pública possuia um efetivo de 31.232 policiais, enquanto a Guarda Civil possuia 15 mil e a Polícia Civil apenas 8.633. 47 As origens da Força Pública remontam à Companhia de Municipais Permanente (CMP), criada pelo presidente da província em 1831.48 Dotada de um fardamento marrom, era a corporação responsável pelo policiamento ostensivo em todo o Estado, exceto nas áreas a cargo da Guarda Civil. A Força Pública era uma corporação militar e seus membros estavam sujeitos a mesma legislação das Forças Armadas. A partir da Constituição Federal de 1934 – a primeira a fazer menção às milícias estaduais - as "polícias militares" passaram a ser consideradas reserva do Exército, ou seja, poderiam ser mobilizadas em caso de necessidade. 49 Até então, a parte alguns poucos decretos federais, não havia nenhuma prescrição constitucional que estipulasse controle federal sobre as polícias, ficando sua organização praticamente a cargo exclusivo dos governos estaduais.50 Nesse período, a Força Pública muitas vezes foi utilizada como instrumento político dos governadores em disputas entre si e com o governo federal. O ápice da militarização da Força Pública se deu justamente na Primeira República. Em 1906, o governo estadual solicitou a vinda de uma "missão francesa", composta oficiais do exército francês, considerado então um dos melhores do mundo, para auxiliar na reorganização e no treinamento da Força Pública (DALLARI, 1975: 42-45; MORAES, 1998: 558-564; CARVALHO, 2011: 115). A corporação chegou a possuir, até mesmo, uma esquadrilha aérea, que existiu de maneira intermitente entre 1919 e 1930.51 47 Lei 9.547 de 23/11/66. BATTIBUGLI, 2010: 300 48 É preciso problematizar essa afirmação. Segundo André Rosemberg, "se é verdadeque a literatura memorialística produzida pela própria corporação identifica a origem mitológica da PM atual nos primeiros corpos policiais criados em 1831, condescender com essa linearidade inconsútil seria inadequado, uma vez que variantes formais, estruturais e de príncipios interferiram na vida institucional desde então." ROSEMBERG, 2010: 53. 49 Apesar das diferentes denominações em cada estado, a legislação federal sempre se referiu às polícias estaduais como “polícias militares”. 50 A legislação federal existente até então versava, em sua maioria, sobre questões orçamentárias (por exemplo, Lei federal nº 3.454, de 6/01/18), a exigência do encaminhamento de relatórios ao Ministério da Guerra sobre o material bélico das polícias (por exemplo, Decreto federal nº 15.795, de 10/11/22) e sobre a aplicação do Código Militar aos seus integrantes (por exemplo, Decreto federal nº3.351, de 3/10/17 e Decreto federal nº 4.527, de 6/01/22). Não havia a estipulação de nenhum mecanismo de controle ou subordinação de facto das milícias estaduais ao governo federal. 51 Em 1913 foi criada a Escola de Aviação da Força Pública. No entanto, a ideia não seguiu adiante e a Escola foi desativada. Em 1919 foi criada a Esquadrilha de Aviação da FP que funcionou até 1922. Em 31 de dezembro de 1924, a Esquadrilha foi novamente organizada, persistindo até 1930, quando foi desativada pelo governo federal. Durante a "Revolução Constitucionalista" ainda foi criado o Grupo Misto de Aviação, extinto ao fim do conflito (MORAES, 1998: 607-613)

42 Ao longo dos anos 1920, na onda das revoltas tenentistas, Força Pública envolveu-se em diversos confrontos contra forças policiais de outros estados e dissidências internas à própria corporação. Em 1930, a FP foi mobilizada pelo governador para tentar impedir tomada do poder por Getúlio Vargas. Vitorioso, o novo governo apressou-se em diminuir seu poder de fogo e aumentar o controle federal sobre a corporação para evitar o seu uso político. Esse controle foi intensificado após a insurreição paulista de 1932. Dessa maneira, ocorreu a subordinação ao Exército prevista na Constituição de 1934. Tal subordinação não visava uma maior militarização da polícia, mas sim um maior controle pelo governo federal (NEME, 1999: 49; DALLARI, 1975). A militarização é presente não somente na estrutura da corporação, mas também no sua autoimagem. Referências bélicas são bastante frequentes nos discursos da Força Pública sobre sua própria história. O Brasão da Força Pública, instituído em 1958 52 trazia 16 estrelas, simbolizando os "marcos históricos" da corporação, sendo estes: 1: 15/12/1831 – criação do Corpo Municipal Permanente 2: 1842 – Revolução Liberal de Sorocaba 3: 1866 – Retirada da Laguna 4: 1866 - Guerra do Paraguai 5: 1893 – Revolução Federalista 6: 1896 – Luta dos Protocolos, São Paulo 7: 1897 - Campanha de Canudos 8: 1904 – Revolta da Vacina, Rio de Janeiro 9: 1910 - Revolta da Armada, Santos 10: 1917 - Movimento Federalista na Capital, São Paulo 11: 1922 – Revolta em Mato Grosso 12: 1924 – Revolução de São Paulo (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso) 13: 1926 – Campanha do Norte (Ceará, Paraíba, Bahia e Pernambuco) 14: 1926 - Campanha de Goiás 15: 1930 – Revolução Liberal de Outubro, São Paulo 16: 1932 – Campanha Constitucionalista de São Paulo53 Nota-se que, com exceção da primeira estrela, referente à fundação da primeira milícia estadual, todas as demais são campanhas militares contra outras forças militares ou repressão a 52 Decreto nº 34.244, de 17/12/1958. 53 O Estado de São Paulo "Terá monumento o fundador da milícia" 25/08/65, p. 14

43 revoltas populares. A "Canção da Força Pública", publicada em 1964, se inicia com comandos militares – "Sentido! Frente, ordinário, marcha!" - e faz referência a "cruzadas" e "guerras", terminando por relembrar a sua participação em alguns conflitos, como a "glória em Canudos" e a "missão cumprida em Palmas".54 A Força Publica mimetizava a estrutura hierárquica e organizativa do Exército. Existiam duas carreiras com ingressos distintos na corporação. Nos anos 60, ambos os cursos eram fornecidos pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento, que seria posteriormente desmembrado em duas instituições.55 Dessa maneira, ao ingressar como praça, o policial passa por um curso de formação de soldados, assumindo um posto com a patente de soldado. Com as promoções se poderia ascender, sucessivamente, para as patentes de cabo, 3° sargento, 2° sargento, 1° sargento até subtenente. Os oficiais, por sua vez, ingressavam através de um curso de formação de oficiais, com a patente de aluno oficial, ascendendo à aspirante a oficial, no período de estágio. Concluído o estágio, iniciava suas funções numa graduação já como 2° tenente, podendo subir na hierarquia através das patentes de 1° tenente, capitão, major, tenente-coronel e, por fim, coronel. Inexistia na Força Pública a patente de general, que seria a seguinte e mais alta na hierarquia do Exército. 56 Entre as duas carreiras, existiam ainda os praças especiais, que são os estudantes do curso de formação de oficiais, que já ingressam no curso preparatório como superiores aos praças graduados.

54 130 de 31 – Canção da Força Pública, letra de Guilherme de Almeida (apud MORAES, 1998: 688). 55 Os dois cursos foram criados como instituições separadas em 1910, como o Curso Especial de Instrução Militar, para oficiais, e a Companhia-Escola, para praças. Em 1931, com a dissolução do Batalhão-Escola, voltado às praças, os dois cursos de formação foram unificados no Centro de Instrução Militar, que, em 1950, teve sua denominação alterada para Centro de Formação e Aperfeiçoamento, e, novamente, em 1969, para Academia de Polícia Militar. Os dois cursos só voltariam a pertencer a instituições distintas em 1970, quando, após a unificação, foi criado um Centro de Formação e Aperfeiçoamento, voltado exclusivamente às praças, passando a Academia de Polícia Militar a ocupar-se apenas de oficiais. Em 1978, a Academia integrou o nome do bairro onde está situada, passando a denominar-se de Academia de Polícia Militar do Barro Branco (MORAES, 1998: 113, 119, 121, 150, 190). 56 Considerando o discurso oficial de que a Polícia Militar tem suas origens no CMP em 1831, a corporação teve três generais oriundos de suas fileiras ao longo das suas diferentes configurações. Francisco Alves do Nascimento Pinto alcançou a patente quando foi reformado em 1907, em decorrência da sua participação como comandante de um destacamento que foi incorporado ao Exército durante a Guerra do Paraguai. Miguel Costa atingiu a patente em 1931, quando foi reincorporado à Força Pública, devido à sua participação na "Revolução de 30". Ele tinha sido excluído da corporação em 1924, devido à sua participação na "Revolução de 1924", ingressando posteriormente como um dos comandantes da Coluna Prestes. Júlio Marcondes Salgado foi promovido "post mortem" por decreto do governador Pedro de Toledo, em 1932, após falecer em um acidente durante um teste de morteiros, durante a "Revolução Constitucionalista". As três promoções ocorreram em situações excepcionais, envolvendo, nos dois casos mais recentes, momentos de grande convulsão social. Nascimento Pinto e Miguel Costa foram nomeados Generais Honorários do Exército, enquanto Marcondes Salgado foi nomeado General Comandante da FP, pelo governador (MORAES, 1998: 619-622).

44 Quadro 2 - Estrutura Hierárquica da Força Pública Coronel Oficiais superiores Oficiais

Tenente-Coronel Major

Oficial intermediário Oficiais subalternos

Capitão 1º Tenente 2º Tenente Aspirante a Oficial

Praças

Praças especiais

Aluno Oficial Aluno do Curso Preparatório Subtenente 1º Sargento

Praças graduados

2º Sargento 3º Sargento Cabo Soldado

Fonte: PESTANA, 1963: 320. Os praças constituem a maioria absoluta da corporação, sendo aproximadamente 97% do efetivo. A Lei estadual n° 9547, de 23 de Novembro de 1966, e o Decreto estadual nº 47.478, de 30 de Novembro de 1966, foram os últimos a regular o efetivo da Força Pública antes de 1970. 57 Foi estabelecido um efetivo total de 35.906 policiais, dos quais 34.713 seriam praças e apenas 1193 oficiais. Apesar de não haver dados disponíveis para avaliar o índice de ascensão de praças para oficiais, é possível supor que isso era pouco comum. Não foi encontrado registro de nenhum mecanismo direto para que possibilite essa ascensão, o que obrigava o praça que desejasse se tornar um oficial a ter que prestar o concurso para o curso de formação de oficiais e ingressar como aspirante. O efetivo de oficiais era distribuído em sete Quadros: Quadro de Oficiais Combatentes, Quadro de Oficiais Auxiliares de Administração, Quadro de Oficiais de Saúde (Médicos), Quadro de Oficiais de Saúde (Farmacêuticos), Quadro de Oficiais de Saúde (Dentistas), Quadro de Oficiais de Veterinária, Quadro de Oficiais Especialistas.58 Os praças eram divididos entre o Quadro de Praças Especiais, o Quadro de Praças Combatentes, Quadro de Praças Escreventes e o Quadro de 57 A Lei nº 9547 estabelece o efetivo, enquanto o Decreto 47.478 aprova a sua distribuição entre as unidades, proposta pelo Comando da Corporação. Durante a publicação dessa lei, a Força Pública já havia sofrido uma pequena alteração na sua estrutura, com a ampliação do Estado-Maior. Ver Anexo II. 58 Correspondem aos oficiais do Corpo Musical, uma parte do Corpo de Policiamento Rodoviário e a um Coronel Capelão.

45 Praças Especialistas ou Artífices59. Os oficias e praça combatentes são os envolvidos nas tarefas de policiamento e correspondem à maioria absoluta da corporação. Conforme o efetivo aprovado em 1966, dos 1193 oficiais, 923 seriam combatentes, enquanto os outros 270 estão distribuídos entre os demais quadros. No caso dos praças, 30.677 seriam do quadro de combatentes, enquanto apenas 3.594 pertenceriam aos demais quadros, além dos 442 integrantes do quadro de praças especiais. Apesar de não corresponderem a maioria da corporação, o efetivo que não exerce funções de policiamento não é desprezível. Observando a mesma característica na PM dos anos 90, Cristina Neme aponta que essa estrutura, com uma série de serviços internos próprios, sugere a intenção de fornecer grande autonomia, garantindo auto-suficiência à corporação (NEME, 1999: 27). O efetivo se distribui nas diversas Unidades Administrativas da corporação. Estas podem ser de cinco tipos: de Comando e Administração, de Policiamento e Guarda, Serviços de Bombeiros, Serviços Auxiliares e Órgãos de Ensino. O Comando e Administração era constituído pelo Quartel General (QG), situado no bairro da Luz, no centro da capital. No topo da hierarquia estava o Comando Geral, encabeçado pelo Comandante Geral, nomeado pelo Secretário de Segurança, e seu gabinete, que incluía o Departamento de Polícia Militar (DPM), com função de corregedoria. Além disso, compunham o QG outros órgãos, como o Estado Maior, a Inspetoria Administrativa, a Inspetoria Geral de Formação, a Inspetoria de Bombeiros, a Ajudância Geral, a Unidade Administrativa do QG e a Inspetoria de Saúde. O Estado Maior (EM) é um órgão típico das Forças Armadas, exercendo função de assessoramento do Comandante Geral de assuntos específicos. Ele é dividido em seções, cada uma responsável por um aspecto do gestão da corporação. Tradicionalmente, a maior parte das corporações militares ao redor do mundo tem como núcleo básico de organização do EM, a 1ª seção (atividades de pessoal), a 2ª (serviço de inteligência), a 3ª (operações), a 4ª (apoio logistico) e a 5ª (relações públicas), podendo haver, claro, outras seções (JOFFILY, 2013: 40). 60 Após a "Revolução Constitucionalista" de 1932, o Estado Maior da FP foi reduzido apenas à segunda seção, que abrigava todas as atividades. Estava organizado em F1 – Pessoal, F2 – Informações, F3 – Operações, F4 – Logística (MORAES, 1998: 349)61. 59 A Lei nº9.547, de 23/11/66, que dispõe sobre os efetivos da FP, define separadamente o Quadro de Praças Especialistas do Policiamento Rodoviário (Art. 2), porém o Decreto nº 47.478, de 30/12/1966, que aprova o quadro orçamentário organizado pelo Comando Geral, com base nessa mesma lei, considera-os como integrantes do Quadro de Praças Especialistas ou Artífices. 60 No Brasil, a designação das seções também pode ser referida por uma sigla composta por uma letra que indica a corporação, seguida do número da seção. No Exército, por exemplo, as seções são designadas como S/1, S/2, e assim por diante. No caso da Força Pública, as seções assumia a letra F. Posteriormente, a Polícia Militar utilizaria a letra P. 61 Ver Anexo III.

46 As Unidades de Policiamento e Guarda são aquelas envolvidas nas tarefas de policiamento ostensivo. Organizam-se de forma semelhante à Infantaria do Exército. A Unidade principal era o então donominado Batalhão Policial (BP), sendo responsável pelo policiamento em uma área determinada. Um BP é dividido sucessivamente em companhias e pelotões, podendo também ser subdividida em destacamentos menores, conforme a conveniência. No caso das unidades montadas, o que seria o BP é denominado Regimento, e as companhias são denominadas esquadrões. Conforme o caso, uma companhia pode ter uma função especializada, como guarda de prédios públicos ou tropa de choque. Haviam ainda Corpos, Grupamentos de Policiamento e Companhias Independentes (Cia. Ind.), com funções de policiamento ou especializadas, não subordinadas a nenhum BP. As funções de comando administrativo e operacional são designidadasde acordo com a posição na hierarquia. Dessa maneira, na capital, a distribuição de comando dos efetivos segue o seguinte quadro: Quadro 3 - Comando de efetivo conforme patente na Força Pública Patente 62

Oficial

Efetivo efetivo superior a 25 policiais (praças e oficiais)

Subtenente

efetivo entre 21 e 25 praças

1º Sargento

efetivo entre 16 e 20 praças

2º Sargento

efetivo entre 11 e 15 praças

3º Sargento

efetivo entre 4 e 10 praças

Cabo Fonte: PESTANA, 1963: 321

efetivo de 3 ou menos praças

Dessa maneira, normalmente, um BP e um Corpo de Policiamento são comandados por um tenente-coronel, um grupamento por um major, uma companhia por um capitão, um pelotão por um tenente e um destacamento por um sargento (NEME, 1999: 28-29)63. Em 1966, a Força Pública possuía dezenove Batalhões Policiais, um Regimento de Cavalaria, dois Grupamentos de Policiamento Independente (GPI), sete Companhias Independentes, uma Companhia de Guarda (Cia. de Guarda), um Batalhão de Guarda (BG), além do Corpo de Policiamento Florestal (CPF), Corpo de Policiamento Rodoviário (CPR) e um Grupamento de

62 Destacamentos do interior sempre são comandados por oficial subalterno. 63 Essa configuração é confirmada pelos Decretos estaduais nº 45.930, de 17/01/66 e nº 47.478, de 30/12/66.

47 Policiamento de Estradas de Ferro (GPEF)64. Essas unidades permaneceram com essa configuração até a unificação com a Guarda Civil em 1970. Dos dezenove Batalhões Policiais então existentes, a capital sediava nove 65, bem como o Regimento de Cavalaria "Nove de Julho", a Cia. de Guardas, o Batalhão de Guardas e o Grupamento de Policiamento de Estradas de Ferro (GPEF). 66 Havia ainda um BP sediado em Santo André,67 e três Companhias Independentes em cidades vizinhas. 68 As demais unidades estavam sediadas no interior e no litoral do Estado.69 Além disso, algumas unidades realizavam serviços específicos, distintos do policiamento comum. Eram elas o 1º, 11º, 12º, 14º e 15º Batalhões, o Regimento de Cavalaria e o Departamento de Polícia Militar (DPM). O 1º BP "Tobias de Aguiar" era um dos mais antigos e importantes da corporação. 70 Desde sua criação, é considerado um Batalhão de elite da polícia, executando tarefas de patrulhamento e de tropa de choque, além de possuir um histórico de envolvimento em operações bélicas. Uma autorepresentação que valorizava o desempenho de funções bélicas e a participação em "grandes batalhas" era algo comum na Força Pública. Porém, no caso do 1º Batalhão ela aparece de forma ainda mais acentuada que na maioria dos demais batalhões. O estandarte-distintivo do Batalhão, 64 Ver Apêndice III. 65 1º BP "Tobias Aguiar", 2º BP, 9º BP, 11º BP, 12º BP, 14º BP, 15º BP, 16º BP e 19º BP. 66 O GPEF foi criado pelo Decreto nº 44.209, de 29/12/1964. Iniciou suas atividades na Estrada de Ferro Sorocabana, estendendo, posteriormento seu efetivo para toda a rede da FEPASA. Possuía duas Companhias e um pelotão de serviços, com destacamentos em Rio Claro e Sorocaba. Após a unificação, foi convertido no 27º Batalhão, com sede em São José dos Campos, sendo extinto em 1974 (MORAES, 1998: 266, 267, 274). 67 O 10º BP, com sede em Santo André. A 2ª Companhia deste BP estava lotada em São Caetano do Sul, a 3ª Companhia em São Bernardo e a 4ª Companhia em Mauá (Resumo Histórico. Pasta CPC, Vol. 2. CPA/M-6, 10º BPM/M, s/n, s/d [provavelmente de 1980]. Museu de Polícia; ver também MORAES, 1998: 129). 68 A 1ª Cia. Ind. em Mogi das Cruzes, a 2 ª Cia. Ind. em Guarulhos e a 4ª Cia. Ind. em Osasco. 69 O Corpo de Policiamento Florestal (CPF) teve sua 2ª Companhia instalada em Mogi das Cruzes em 1963, sendo posteriormente transferida para Taubaté. Ao longo de sua existência, chegou a ter outras companhias lotadas na Capital e municípios circunvizinhos, porém, devido à própria natureza de suas funções, a maior parte do efetivo é lotado no interior e nas áreas de floresta da Capital (MORAES, 1998: 495). O Corpo de Policiamento Rodoviário (CPR) foi constituído pela antiga Polícia Rodoviária, corporação antes independente que foi incorporada à Força Pública em 1962. Tendo a função de policiar as estradas a cargo do governo estadual, seus efetivos eram lotados, em geral em cidades do interior (MORAES, 1998 : 493-494). 70 A data de fundação do Batalhão mais comumente reconhecida na "mitologia" da Polícia Militar é 1º de dezembro de 1891, quando foi formado o 1º Corpo Militar de Polícia, a partir da junção de quatro Companhias de Infantaria do Corpo Policial Permanente (CPP). O Batalhão teve diversas denominações ao longo de sua história, conforme as mudanças organizacionais da polícia: 1º Batalhão de Infantaria (1892), 1º Batalhão de Caçadores Paulista (1931), 1º Batalhão de Infantaria (1932), 1º Batalhão de Caçadores (1933), 1º Batalhão de Caçadores "Tobias de Aguiar" (1955),1º Batalhão de Infantaria "Tobias de Aguiar" (1958), 1º Batalhão Policial "Tobias de Aguiar" (1960), 1º Batalhão de Polícia Militar "Tobias de Aguiar" (1971) e 1º Batalhão de Polícia de Choque "Tobias de Aguiar" (1975), denominação que mantém até hoje. A denominação "Tobias de Aguiar" foi instituída pelo Decreto nº 20.986, de 1º de Dezembro de 1951, durante a cerimônia pelo 60º aniversário do batalhão e é uma homenagem ao presidente da Província de São Paulo, Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que, em 1831, criou o Corpo de Municipais Permanente, que é considerada a data de nascimento da Força Pública e da Polícia Militar. Cabe assinalar ainda que algumas versões de oficiais ligados ao 1º Batalhão, sugerem que sua origem estaria na própria criação do Corpo de Municipais Permanente, se confundindo "com a própria história da Polícia Militar e com a história do Estado de São Paulo" (TELHADA, 2011: 48-49, 384-388; MORAES, 1998: 172, 576-578; Ten Dornellas, Ten Luiz Carlos. "Batalhão Tobias de Aguiar: Um Século de História" Pasta CPChq. 1º BPChq, 23 de Maio de 1991, s/n).

48 criado em 195171, trazia a inscrição de dez de suas "principais campanhas": Itararé (1894) 72, Canudos (1897),73 Capital Federal (1904)74, São Paulo (1922, 1924 e 1930)75, Cunha (1932)76, Mato Grosso (1925), Goiás (1926) e Rio Grande do Sul (1925) 77. Estes eventos se assemelham muito mais a confrontos militares do que a operações de controle social típicas de policiamento. Muitas destas se deram fora do território do Estado de São Paulo, com a incorporação temporária do 1º Batalhão a unidades do Exército, em combate contra outras tropas sublevadas. Tanto o discurso oficial do Batalhão, quanto publicações independentes de ex-integrantes tem por hábito ressaltar as "operações de guerra" 78 nas quais o Batalhão se envolveu. Nos "resumos históricos" produzidos pelo próprio Batalhão estão praticamente ausentes quaisquer referências a outras atividades policiais exercidas antes de 1970, além das "operações de guerra". As tarefas de patrulhamento e choque, que constituíam a maior parte de sua atividade, estão ausentes dessas descrições. Uma das poucas exceções é um "resumo histórico" assinado pelo Major PM Roberto Salgado, então comandante interino do Batalhão, onde são enumeradas brevemente, entre suas "missões", as atividades como tropa de choque e policiamento ostensivo a pé e motorizado. 79 Mesmo Waldyr de Moraes, que faz descrições detalhadas das funções de cada unidade, reserva apenas uma frase ao policiamento no capítulo destinado ao Batalhão Tobias de Aguiar (MORAES, 1998: 578).80 O Coronel Telhada, eventualmente, ao longo de seu livro, também alterna os grandes eventos bélicos - que incluem descrições detalhadas dos movimentos – com descrições do 71 Decreto nº 20.986, de 1/12/1951. 72 Combate à Revolução Federalista, que defendia maior autonomia do Rio Grande do Sul frente ao recém instaurado governo republicano. 73 Participação na Guerra de Canudos, no interior da Bahia. 74 Repressão à Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro. 75 1922: Repressão à chamada "Sedição do Mato Grosso", parte das revoltas do Tenentismo. O 1º Batalhão foi incorporado ao Exército e se posicionou na fronteira do estado de São Paulo para evitar o avanço das tropas do Mato Grosso. 1924: participação na "Revolta Paulista de 1924", quando tropas do Exército e da Força Pública tentaram derrubar o presidente da província, Arthur Bernardes. O 1º Batalhão acabou se dividindo, com parte lutando ao lado dos rebeldes e parte ao lado do governo estadual. 1930: mobilização visando combater as tropas aliadas a Getúlio Vargas na chamada "Revolução de 30". 76 Cunha é uma cidade paulista do Vale do Paraíba que foi palco de uma batalha durante a chamada "Revolução Constitucionalista". 77 As Campanhas do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás foram empreendidas contra a Coluna Prestes. 78 Essa expressão é recorrente em vários documentos que compõe "Resumos Históricos" do 1º Batalhão, presentes na. Pasta CPChq. 1º BPCHQ, s/n, s/d. Museu de Polícia. A maior parta dos resumos históricos dessa pasta não possui data nem autoria. O ofício que solicita os resumos data de 23/04/1980 e é encaminhado ao Chefe da 5ª EM/PM. 79 "Extrato do Histórico do Primeiro Batalhão Policial Militar Tobias de Aguiar", do Major PM Roberto Salgado. 1º BPChq. Pasta CPChq. S/d. Museu de Polícia. Este documento, como grande parte dos demais da pasta, não possui data. Com base na referência que é feita ao comandante do Batalhão na época como sendo o Ten-Cel PM Salvador D'Aquino, que esteve à frente da unidade entre novembro de 1969 e dezembro de 1976, no conteúdo do texto, que não avança além de 1970, e nos outros documentos próximos, que datam todos de 1971, é possível inferir que data, provavelente, de 1971. 80 "Além dessas operações de guerra, o 1º Batalhão participava, e participa, ativamente das missões quotidianas, preservando a ordem pública e garantindo a lei". Nos demais capítulos sobre a Força Pública e o Comando de Policiamento de Choque, ao qual o 1º Batalhão seria integrado em 1976, predominam também as referência bélicas (MORAES, 1998: 112-131, 483, 484)

49 policiamento e participação em campanhas de saúde pública (TELHADA, 2011). Fora tais exceções, o que predomina é a exaltação das funções bélicas e da alta capacidade militar do Batalhão.81 A origem da sua função de choque está na Polícia Especial, criada em 1935 e subordinada à então Superintendência de Ordem Social e Política (denominação do DOPS na época). A função dessa unidade era "atuar, com presteza e eficiência, nos casos de grave perturbação da ordem pública" – i.e., atuar como tropa de choque. 82 A breve bibliografia que discorre sobre essa unidade, cujos autores são ligados às polícias, é unânime em identificá-la como um órgão de repressão da ditadura do Estado Novo (SYLVESTRE, 1985: 75; TELHADA, 2011: 411; MORAES, 1998: 263-264). Com o fim da ditadura do Estado Novo, a existência da Polícia Especial foi questionada e a unidade acabou sendo extinta pela Constituição Estadual de 1947. 83 Em 1949, os chefes e subchefes da Polícia Especial foram alocados na Guarda Civil 84, enquanto o restante do efetivo foi alocado no recém criado Batalhão Policial, que exercia a função de rádio patrulha que cabia à FP.85 Nesse batalhão, eles constituíram a Companhia de Policiamento Auxiliar (CPA), com funções de tropa de choque. Em 14 de julho de 1960, essa companhia seria transferida para o 1ª BP com a denominação de 1ª CPA, mantendo a função anterior (TELHADA, 2011: 411420; MORAES, 1998: 121)86. Os esquadrões de cavalaria estão presentes de forma intermitente na polícia desde sua primeira configuração. Já no Corpo de Municipais Permanente, criado em 1831, trinta homens do total de 130, constituíam uma polícia montada. O Regimento de Cavalaria "9 de Julho" reconhece sua origem na criação do Corpo de Cavalaria da então Força Policial, em 1892. De maneira semelhante ao 1º BP, a cavalaria também valoriza enormemente o seu papel bélico. Seu resumos históricos destacam a sua participação em "serviços de guerra", como a "Revolta da Armada (1893), a "Revolução Paulista" (1924), a "Revolução Nacional" (1930), a "Revolução Constitucionalista" (1932) e a "Revolução de 31 de Março" (1964), entre outras. 87 A denominação "9 de Julho", foi 81 A escassa bibliografia acadêmica sobre a FP, não aborda especificamente a atuação cotidiana do 1º BP. 82 Decreto estadual nº 7.221, de 21/06/1935. Telhada (2011: 411) erroneamente aponta o surgimento da Polícia Especial em "meados de 1944", provavelmente baseando-se nos "resumos históricos" do 1º Batalhão. A "Breve História da Origem da 1º CPA", por exemplo, assinada pelo seu então comandante, Capitão PM Iser Brisolla, possivelmente foi uma das bases para a afirmação de Telhada, visto que o texto do coronel é a reprodução quase completa desse documento. A razão de identificarem "meados de 1944" como a data do surgimento da Polícia Especial não está clara. É possível que seja devido a uma confusão com o Decreto estadual nº 13.934, de 10 de abril de 1944, que alterou a sede da unidade. Ver "Breve História da Origem da 1ª CPA". 28/01/72 Pasta CPC. 1º BPChq. Museu de Polícia. 83 Artigo 22 da Constituição do Estado de São Paulo de 1947: "Fica extinta a Polícia Especial, ressalvados os direitos de seus componentes". 84 Lei estadual nº 327, de 14/07/49. 85 A essa época, os demais batalhões eram denominados "batalhões de caçadores", seguindo uma numeração, enquanto o Batalhão Policial não possuía número. 86 Ver também "Breve História da Origem da 1ª CPA". 28/01/72 Pasta CPC. 1º BPChq. Museu de Polícia. 87 Relações Públicas do Regimento de Polícia Montada "Nove de Julho". "Histórico do R Pol Mont '9 de Julho'". Pasta CPCHq - 2 BPChq. Rpol 9 de Julho. 1980 p. 10

50 conferida em 1955, em homenagem ao conflito de 1932. A cavalaria possui funções de reconhecimento, segurança e reserva móvel. É caracterizada como uma arma de grande mobilidade e poder de fogo, sendo empregada no policiamento de locais de difícil acesso e também como tropa de choque.88 Era organizado com um esquadrão de comando, um esquadrão de fuzileiros, dois esquadões de policiamento e um esquadrão de destacamento, responsável por regiões distantes do centro da capital.89 Da mesma maneira que o 1º BP, a cavalaria também foi incorporada temporariamente ao II Exército durante o golpe de 1964. O 11º BP e o 12º BP eram responsáveis, respectivamente, pelas funções de policiamento de trânsito e rádio patrulha nas áreas sob jurisdição da FP 90, enquanto Batalhão de Guardas91, a Companhia de Guardas,92 o 14ºBP e o 15º BP93 realizavam funções de guarda de prédios públicos e escolta de presos. O Departamento de Polícia Militar (DPM) foi criado em 1950 com a denominação de Delegacia de Polícia Militar, sendo diretamente subordinado ao Comando Geral, com as seguintes 88 "O que faz o Regimento de Cavalaria 9 de Julho". Militia, nº 8, Novembro de 1970. pp. 24-26 89 Presidente Venceslau, Santos, Sorocaba, Piracicaba, Araraquara, Bauru, Santo André, Ribeirão Preto, Taubaté, Campinas, Guarulhos e o Bairro do Butantã (MORAES, 1998, vol 2, p. 393). O autor não indica exatamente em que ano o Regimento possui essa configuração, mas é provavelmente durante os anos 50. 90 A origem do 11º BP data de 1948, quando a então 1ª Companhia Independente foi transformada no Batalhão Policial, executando tarefas de policiamento de trânsito, auxiliar. Em 1956, a Companhia de Policiamento de Rádio Patrulha (CPRP) foi desmembrada, dando origem ao 2º Batalhão Policial., enquanto o 1º Batalhão ficou exclusivamente com as funções de policiamento de trânsito, com efetivo a disposição da Secretaria Municipal de Transportes. Em 1960, com a mudança na denominação dos batalhões da FP, eles foram denominados, respectivamente, 11º e 12º BPs. O histórico do 11º BP ressalta que ele "nunca foi empenhado em movimentos armados, salientando apenas sua participação na Revolução de 31 de Março de 1964 que se limitou à manutenção interna ficando o seu efetivo de prontidão preparado para qualquer eventualidade que por ventura surji-se" (sic). "Resumo Histórico desta Unidade" 11º BPM/M. CPA/M-1. Pasta CPC. 1980; "Resumo Histórico da Unidade" 12º BPM/M. CPA/M-2. Pasta CPC. Os três resumos históricos do 12º BP não mencionam o período entre 1960 e 1971. 91 O Batalhão de Guardas foi criado em 1936, reunindo todas as tarefas de guarda (MORAES, 1998: 272, 479). Em 1962, teve sua 1ª companhia desmembrada e transformada na Companhia de Guarda, responsável exclusivamente pela proteção do Palácio do Governo estadual e da execução cerimônias de honras militares. Possuíam um uniforme distinto das demais unidades, mais bem trabalhado, nas cores da bandeira de São Paulo, vermelho, preto e branco, conhecido como "vermelhão" (MORAES, 1998: 187, 479. 480). 92 A Cia. de Guarda foi criada pela Lei nº 7.455, de 16/11/1962 e teve suas atribuições definidas pelo Decreto nº 41.291, de 26/12/1962. A sede desta companhia era o Palácio do Governo, então sediado no Palácio dos Campos Elíseos, no centro da capital. Em 1965, a sede do governo e da Cia. de Guarda foi transladada para o Palácio dos Bandeirantes, no bairro do Morumbi. Ver também "Histórico do BPGP". 1º BPGP. Pasta CPC. Museu de Polícia. (provavelmente data de 1990). 93 Ambos os batalhões foram criados em 1962 e estavam à disposição da Secretaria de Justiça e Negócios do Interior (Lei estadual nº 7184, de 19/10/1962. O 14º BP tem suas atribuições fixadas pelos Decretos nº 41585, de 28/01/63, e nº 43180, de 25/03/64, e o 15º BP pelo Decreto nº 41373, de 04/01/63). O primeiro estava incumbido de prestar "serviços de proteção, vigilância, condução e orientação de educação física de menores do sexo masculino" na Vara Privativa de Menores e ao Serviço Social de Menores, responsáveis por menores infratores (Artigo 1, do Decreto estadual nº 41585, de 28/01/63). Além desta atribuição, há registro de que um destacamento da sua 3ª Companhia teria dado origem à Guarda Militar, responsável pele serviço de guarda da Secretaria de Segurança Pública. A referência aparece no livro de Waldyr de Moraes (1998: 481) e no "Histórico da 2ª Companhia Independente de Policiamento de Guarda". Ver Ofício nº 2CIPGd-286/12, de 29 de Abril de 1980, de autoria do Cap. PM Wilton Brandão Parreira Filho, então Comandante da 2ª CIPGd. Pasta CPC. 2ª Companhia Independente de Policiamento de Guarda. Museu de Polícia. No entanto, não foi encontrada nenhuma legislação referente, nem há especificação das datas em que isso ocorreu. Provavelmente foi entre 1962, data de criação do 14º BP e 1971, quando a Guarda Militar é transformada na 8ª CIPM. O 15º BP realizava a guarda externa de presídios e escolta de presos.

51 atribuições: instaurar Inquérito Policial Militar (IPM) por delegação do Comando Geral; instaurar sindicâncias; proceder investigações internas; estabelecer policiamento ostensivo e repressivo e cooperar na fiscalização da disciplina fora da Corporação, Serviços e Estabelecimentos; executar o policiamento na zona do meretrício e imediações; montar guarda no Quartel General; além de outros serviços que lhe forem atribuídos pelo Comando Geral (MORAES, 1998: 121). O DPM, em outras palavras, tinha como função principal a de corregedoria – nome que inclusive passaria a adotar décadas depois – ou seja, de disciplinamento dos "elementos desajustados" que "deslustravam por suas ações, o bom conceito desfrutado pela milícia perante a comunidade". 94 A unidade passou por várias reestruturações, tendo diversas denominações. 95 Em 1952, o Canil da FP foi incorporado à DPM. Criado em 1950, o Canil era empregado no policiamento ostensivo, guarda de instalações da polícia, controle de distúrbios civis, busca de foragidos e pessoas desaparecidas, revistas em busca de entorpecentes ilegais, além da exibição de adestramento em solenidades. 96 Em 1966, com a denominação de Departamento de Polícia Militar (DPM), a unidade estava subordinada ao Estado Maior, adotando uma boina azul celeste que a diferenciava do resto da tropa. Além disso, a FP possuia uma série de outros serviços não envolvidos diretamente nas tarefas de policiamento. Eram eles o Serviço de Bombeiros 97, os Serviços Auxiliares98, o Corpo Musical (CM) e o Presídio Militar "Romão Gomes" (PMRG), destinado a policiais condenados. 1.1.3. Guarda Civil A Guarda Civil (GC) era também uma corporação fardada e responsável pelo policiamento ostensivo. Porém, diferentemente da Força Pública, era uma corporação civil, inspirada na Polícia Metropolitana de Londres. A escassa bibliografia existente relaciona a sua criação, em 1926, com as turbulências do tenentismo. Vicente Sylvestre aponta que, principalmente após a "Revolução de 1924", que contou com envolvimento de uma grande fração da FP, o governo do Estado se confrontou com dois problemas, um referente à segurança pública e outro à "política dos governadores". Em primeiro lugar, após a derrota dos revoltosos, a Força Pública foi reorganizada, deixando a capital sem policiamento, o que implicou no aumento dos crimes. Além disso, a FP tinha 94 "Resumo Histórico do Batalhão" e "Histórico do 3º Batalhão de Polícia de Choque". 3º Batalhão de Polícia de Choque – DPM. Pasta CPChq – 2 BPChq. 1980. Museu de Polícia. 95 Delegacia de Polícia Militar (1950), Companhia Policial Aero-Transportada – CPAT (1954), Delegacia de Polícia Militar (1957), Departamento de Polícia Militar (1963), 3ª Companhia Independete (1970), 35º Batalhão de Polícia Militar (1971) e 3º Batalhão de Polícia de Choque – Corregedoria (1975). 96 "Histórico do Canil". 3º Batalhão de Polícia de Choque. 3ª Cia – Canil. Pasta CPChq – 2º BPChq. S/d. Museu de Polícia. 97 Composto por um Corpo de Bombeiros (CB), dois Grupamentos e uma Companhia Independente (CIB). 98 Compostos pelos serviços de transporte e manutenção (STM), material bélico (SMB), de fundos (SF), de engenharia (SE), de intendência (SI), do comunicações (Scom), o serviço médico (SM), odontológico (S.Odont.), farmacêutico (S.Farm.) e de subsistência (S.Subs.).

52 se mostrado não confiável. Na dinâmica de conflitos dos anos 20, o governo necessitava de uma corporação armada que fosse fiel à sua orientação política (SYLVESTRE, 1985: 23-25). Nesse mesmo sentido, Marcelo Quintanilha Martins informa que, após a derrota da insurreição, o efetivo da FP foi reduzido aproximadamente pela metade. A Guarda Civil foi, então, instituída como diretamente subordinada ao 3º delegado auxiliar, homem de confiança do governador (MARTINS, 2012: 72). A bibliografia de caráter mais "oficial" de Waldyr de Moraes – embora, em grande parte baseada na obra de Sylvestre – dá ênfase à questão da segurança pública, omitindo motivações políticas. Para ele, a mobilização do efetivo da FP em diversas campanhas militares fora de São Paulo entre os anos de 1924 e 1926 trouxe a necessidade de se criar uma outra "polícia, não militarizada, mas preparada dentro dos padrões militares, inclusive armada com fuzis" (MORAES, 1998: 132).99 É certo que anteriormente já havia atuado no Estado uma corporação em moldes semelhantes. No fim do Império a Companhia de Urbanos (1875-1891) foi criada sob inspiração da polícia parisiense – não confundir com a gendarmerie – que, por sua vez, era inspirada na congênere londrina. Ela foi criada para ser uma polícia elitizada, racional, moderna e urbana, em um contraponto ao Corpo Policial Permanente e às polícias locais, vinculadas a uma imagem arcaica e rural (ROSEMBERG, 2010: 54-61). Não é da alçada deste trabalho elucidar as razões da criação da Guarda Civil. Porém, além dos motivos apresentados por Sylvestre e Moraes, ligados ao engajamento da FP nos movimentos de sublevação dos anos 1920, a escolha do modelo "britânico", certamente também está ligada a ideia de modernidade, que tem como modelo de civilização a Europa. Assim, o policiamento nas áreas onde circulava a jovem e moderna burguesia paulistana dos anos 1920 não poderia ser levado a cargo por um "pequeno exército".100 Dessa maneira, em 22 de Outubro de 1926 foi formalmente criada a Guarda Civil. 101 Diferente da Força Pública, a GC possuía uma carreira única, na qual o guarda devia percorrer toda a hierarquia para atingir a classe mais alta. Em 1966, a carreira possuía onze níveis, divididos em quatro círculos, conforme o quadro abaixo: Quadro 4 - Hierarquia da Guarda Civil Inspetor Chefe Superintendente Círculo dos Chefes

Inspetor chefe de Agrupamento Inspetor Chefe de Divisão

Círculo dos Inspetores

Inspetor

99 Essa citação, na verdade, é idêntica a um trecho de Sylvestre (1985, 25), porém, como diversos outros trechos da obra de Moraes, não está devidamente assinalada. 100A expressão consta numa mensagem enviada pelo então Governador Albuquerque Lins ao Congresso Legislativo do Estado de São Paulo em 14 de julho de 1909. Ver ROSEMBERG, 2015. 101Lei estadual nº 2141, de 22/10/1926.

53 Subinspetor Círculo dos Graduados

Guarda Civil de Classe Distinta

Círculo dos Guardas

Guarda Civil de Classe Especial Guarda Civil de 1ª Classe Guarda Civil de 2ª Classe Guarda Civil de 3ª Classe

Guarda Civil estagiário Fonte: Regulamento Disciplinar da Guarda Civil do Estado de São Paulo, Decreto estadual nº 44.006, de 30/10/64. Após a admissão, o guarda estagiário era encaminhado à Divisão Escolar, onde recebia um curso de instrução com duração entre 120 e 180 dias, incluindo aulas práticas. Ao concluir este curso, o guarda ascendia à 3ª Classe, iniciando as atividades de policiamento. Para cada ascensão entre a 3ª Classe e a Classe Especial era necessário prestar um concurso, sendo considerado também o acúmulo de tempo e boas avaliações de comportamento. A ascensão de Classe Especial até Inspetor se dava por meio de concursos para ingresso no curso de Guardas Civis e Inspetores, sob responsabilidade da Escola de Polícia. Esse curso era ministrado por professores da Polícia Civil e da Guarda Civil e possuía quatro séries, cada uma relativa a um posto. A terceira, segunda e primeira séries tinham duração de um ano cada uma. O último curso da carreira era o Curso de Guardas Civis e Inspetores – Série Especialização, com duração de 180 dias, credenciando o guarda aos três postos de Inspetor Chefe (SYLVESTRE, 1985: 59-60). A última lei que estabeleceu seu efetivo data de 1964, fixando-o em 15 mil homens. 102 Posteriormente, como se verá adiante, com a incorporação da Polícia Feminina e da Polícia Marítima e Aérea, a corporação recebeu, respectivamente, acréscimos de 160 e 762 policiais. Pela lei de 1964, esse efetivo era distribuído em três quadros: Quadro de Serviço de Policiamento, com 14.710 guardas; Quadro da Banda de Música, com 208 guardas e Quadro da Divisão de Saúde, com 82 guardas.103 Esse efetivo era dividido entre os diferentes órgãos que compunham a Guarda Civil. Da mesma maneira que as outras corporações policiais, a GC passou por várias reestruturações ao longo de sua existência. Em 1964 era composta por uma Diretoria, um Serviço de Administração, uma Superintendência Geral do Policiamento, um Serviço de Fundos, uma Divisão de Saúde, um Serviço de Assistência Religiosa, uma Banda de Música e os Serviços Auxiliares (SYLVESTRE,

102Lei estadual nº 8521, de 19/12/64. 103Ver Apêndice IV.

54 1985: 57-58; MORAES: 140).104 A Divisão de Saúde e a Banda de Música estavam a cargo dos respectivos quadros específicos, enquanto as demais eram compostas pelo quadro do Serviço de Policiamento e alguns funcionários públicos civis. A Diretoria era constituída por um Comandante105 e um Sub-comandante nomeados pelo Governador, uma Assistência Técnica, um Secretário e o Setor de Relações Públicas. Desde sua criação, o Comando foi exercido por delegados da Polícia Civil, oficiais da Força Pública e do Exército e civis não vinculados à polícia. Nos últimos anos antes do golpe, no entanto, o cargo estava a cargo de inspetores chefe de agrupamentos. A Superintendência Geral do Policiamento (SGP) era a maior seção, composta pelas unidades que executavam os serviços policiais. A chefia era responsável pelo planejamento e fiscalização dos mesmos e por manter a ligação entre a Diretoria e a Polícia Civil. As unidades operacionais da Guarda Civil eram as Divisões, responsáveis pelo policiamento em alguns bairros da capital e em algumas cidades do interior, além de funções especializadas. Além disso, em cidades menores as unidades eram denominadas Subdivisões, não havendo nenhuma relação de subordinação entre elas. Ambas podiam ainda ser subdivididas em repartições menores, denominadas Guarnições (BATTIBUGLI, 2010: 54-55). As Divisões e Subdivisões estavam subordinadas aos Agrupamentos de Divisões, que tinham caráter administrativo, com função de coordenar as atividades de um determinado número de unidades.106 Em 1962, foram criadas as Superintendências de Agrupamento, sob o comando do também recém criado cargo de Inspetor Chefe Superintendente. 107 Essas Superintendências ficariam responsáveis por coordenar entre dois e quatro Agrupamentos (MORAES, 1998: 140). 108 Não havia uma determinação exata do número de policiais necessário para se caracterizar nenhuma dessas unidades, mas uma Divisão correspondia, mais ou menos, à uma companhia militar, enquanto um

104Ver também Lei estadual nº 8521, de 19/12/64. A descrição das funções desses órgãos que se segue é retirada, em sua maior parte da obra de Vicente Sylvestre. Diferentemente da FP, não foi encontrado nenhum quadro que apresentasse a distribuição detalhada do efetivo em cada unidade. 105Conforme os registros de Vicente Sylvestre, em 20 de outubro de 1962, o título da chefia da GC foi alterado de "Diretor" e "Vice-Diretor" para "Comandante" e "Subcomandante", respectivamente (SYLVESTRE, 1985: 176177). 106Conforme os dados disponibilizados por Waldyr de Moraes, se tomamos o ano de 1967 como base, os Agrupamentos responsáveis pelas Divisões de policiamento comum congregam entre quatro e seis unidades, enquanto aquelas responsáveis por tarefas especializadas possuem entre duas e cinco unidades. Neste ano, todas as cinco Subdivisões então existentes estavam agrupadas em conjunto com as três Divisões do interior no 12º Agrupamento (excluindo as três Divisões de Santos que eram subordinadas ao 11º Agrupamento). MORAES, 1998: 141-143. 107Lei estadual nº 6895, de 01/09/62. Essa lei também alterou a denominação do antigo Serviço de Policiamento para Superintendência Geral do Policiamento. 108Conforme Moraes, em 1962 a divisão dos Agrupamentos nas Superintendências era a seguinte: 1ª Superintendência – 1º, 2º, 3º e 4º Agrupamentos; 2ª Superintendência – 5º e 6º Agrupamentos; 3ª Superintendência – 7º, 8º e 9º Agrupamentos; 4ª Superintendência – 10º, 11º e 12º Agrupamentos.

55 Agrupamento corresponderia a um batalhão (BATTIBUGLI, 2010: 55).109 Considerando o quadro organizativo de 1964, a distribuição do comando das unidades de policiamento seguida a hierarquia do círculo de chefes. Ou seja, a Superintendência Geral do Policiamento e as Superintendências de Agrupamento estavam a cargo dos Inspetores Chefes Superintendentes, os Agrupamentos de Divisão eram comandados pelos Inspetores Chefes de Agrupamento, e as Divisões, pelos Inspetores Chefes de Divisão. No interior das Divisões, os policiais entre a 3ª Classe e a Classe Especial eram conhecidos como "rondantes", ficando responsáveis pelas tarefas de policiamento, sendo acompanhados pelos guardas de classe distinta. Os subinspetores e inspetores também realizavam trabalho de ronda, chefiando e supervisionando o serviço de policiamento dos subalternos e apurando infrações cometidas. Operações maiores eram executadas sob a direção dos inspetores chefe de divisão e, excepcionalmente, dos inspetores chefe de agrupamento (BATTIBUGLI, 2010: 55-56). Quadro 5 - Comando de unidades conforme posição hierárquica na Guarda Civil Posição hierárquica

Cargos nas unidade da GC Chefia da Superintendência Geral do

Inspetores Chefes Superintendentes Policiamento e das Superintendências de Agrupamento Inspetores Chefes de Agrupamento

Agrupamentos de Divisão

Inspetores Chefes de Divisão

Divisões de Policiamento

Inspetores e Subinspetores

Supervisão das rondas de policiamento

Classe Distinta, Especial, 1ª, 2ª e 3ª Execução das rondas de policiamento Classes Fonte: BATTIBUGLI, 2010: 55-56 Em 1955 foi criado, como parte da Guarda Civil, o Corpo de Policiamento Especial Feminino.110 Essa unidade tinha atribuições que, conforme o texto da lei, se considerava que melhor podiam ser executadas pelas mulheres, devido a "sua formação psicológica peculiar". Tais atribuições consistiam em ações de assistência social, voltadas à mulheres, crianças e idosos. Em 1959, o Corpo foi desligado da Guarda Civil, tornando-se uma corporação autônoma, sob denominação de Policia Feminina.111 Permaneceria assim até 1969, quando, como parte dos 109Thaís Battibugli credita essa informação a entrevistas não gravadas com dois oficiais da reserva da PM. (BATTIBUGLI, 2010: 55, nota 80). Na documentação consultada tampouco foi encontrada qualquer dado relativo aos seus efetivos. É de se supor que as Subdivisões possuíssem um contingente menor que as Divisões. 110Decreto estadual nº 24548, de 12/05/1955. 111Lei estadual nº 5235, de 15/01/59.

56 movimentos para a unificação das duas corporações, a Polícia Feminina foi novamente anexada à GC. Em 1964, a SGP era composta por quatro Superintendências de Agrupamentos (S.Ag.), 13 Agrupamentos de Divisões (Ag.D.), 47 Divisões de Policiamento (DP) e seis Subdivisões, conforme: - 19 Divisões de Policiamento da Capital (DPs); - quatro Divisões de Trânsito (DT); - uma Divisão de Serviço Motorizado de Trânsito (DSMT); - uma Divisão de Proteção a Escolares e Pedestres (DPEP); - seis Divisões de Rádio Patrulha (DRP); - duas Divisões de Divertimentos Públicos (DDP); - duas Divisões de Policiamento de Repartições Públicas (DPR); - uma Divisão de Guarnições (DG); - uma Divisão de Pessoal Intérprete (DPI); - uma Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária (DSFF); - uma Divisão de Reserva (DR); - uma Divisão Escolar (DE); - uma Divisão de Transporte e Manutenção (DTM); - uma Divisão de Policiamento de Santos; - uma Divisão de Rádio Patrulha de Santos (DRPS); - uma Divisão de Trânsito de Santos (DTS); - uma Divisão de Policiamento de Campinas (DPC); - uma Divisão de Policiamento de Sorocaba (DPS); - uma Divisão de Policiamento de Ribeirão Preto (DPRP); - uma Subdivisão de Marília (SDM); - uma Subdivisão de Bauru (SDB); - uma Subdivisão de Jundiaí (SDJ); - uma Subdivisão de Presidente Prudente (SDPP); - uma Subdivisão de Mogi das Cruzes (SDMC); - uma Subdivisão de Piracicaba (SDPI).112 Em 1965, foram criadas ainda as subdivisões de Guarulhos e São Carlos, sendo que somente 112Lei estadual nº 8.521, de 19/12/64.

57 a última foi, de fato, estabelecida.113 Os dados disponíveis são incompletos, mas é possível observar que as Divisões mudavam frequentemente de denominação e de subordinação aos diferentes agrupamentos. Em 1955, um Ato da Secretaria de Segurança Pública determinou que todas as DPs recebessem o número correspondente à Delegacia de Circunscrição onde atuavam. Uma implicação disso é que, diferentemente dos batalhões da FP, não havia uma sequência contínua na numeração das divisões da GC. Não existiam, por exemplo, as 9ª,13ª, 19ª, 20ª e 28ª DPs, correspondentes às Delegacias de Circunscrição da Zona Norte, a cargo da Força Pública (MORAES, 1998: 138-139).114 Em 1956, um Decreto estadual instituiu o que ficou conhecido como "paralelo 38", que distribuía o policiamento dos destacamentos e divisões entre as diferentes delegacias circunscricionais das Zonas Policiais da cidade (SYLVESTRE, 1985, 50). 115 Em 1959, essa divisão era a seguinte: Quadro 6 – Circunscrições sob jurisdição da Guarda Civil em 1959 Guarda Civil Zona Central

1ª Sé; 3ª Santa Ifigênia; 4ª Consolação; 5ª Liberdade; 6ª Cambuci; 8ª Brás;

Zona Oeste

7ª Lapa; 14ª Butantã; 23ª Perdizes; 24ª Osasco

Zona Sul

11ª Santo Amaro; 15ª Jardim Paulista; 16ª Saúde; 17ª Ipiranga; 26ª Sacomã; 27ª Congonhas; 29ª Vila Prudente

Zona Leste

18ª Alto da Mooca; 25 Belenzinho

Zona Norte

nenhuma

Quadro 6 – Circunscrições sob jurisdição da Força Pública em 1959 Força Pública 113Respectivamente, Leis estaduais nº 8.920, de 18/08/65, e nº 9.067, de 3/11/65. A informação de que a Subdivisão de Guarulhos não foi estabelecida consta em SYLVESTRE, 1985: 54. 114Ato 25 da SSP, de 20/10/55. Os dados sistematizados referentes à quais agrupamentos pertencem as divisões ao longo dos anos estão em no Anexo IV, construído a partir de MORAES, 2004: tabelas 20 e 21. No original, não há numeração de páginas, tampouco todos os anos. Além disso, como não se trata de uma edição profissional, constam alguns erros de digitação, inclusive em algumas siglas e numerações, podendo não corresponder com a realidade da época. 115Decreto estadual nº 26686, de 5/11/56. O apelido "paralelo 38" provavelmente é uma referência à linha divisória estabelecida entre as áreas de influência soviética, ao norte, e estadunidense, ao sul, após a expulsão do Japão da península coreana, ao fim da Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra da Coréia (1950-1953) o paralelo 38 se consolidou com a fronteira entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul. A comparação, em tom de ironia, a uma situação bélica também sugere uma percepção de alta tensão sobre as relações entre os policiais da GC e da FP.

58 Zona Centro

2ª Bom Retiro; 12ª Pari

Zona Oeste

nenhuma

Zona Sul

nenhuma

Zona Leste

10ª Penha; 21ª Vila Matilde; 22ª São Miguel Paulista;

30ª Vila

Gomes

Cardim; 31ª Vila Carrão, 32ª Itaquera; Zona Norte

9ª Santana; 13ª Casa Verde; 19ª Vila Maria; 20ª Tucuruvi; 28ª Nossa Senhora do Ó

Ou seja, a Guarda Civil era responsável, majoritariamente, pelas zonas central, sul e oeste, mais populosas e com maior poder aquisitivo, enquanto à Força Pública cabiam as zonas norte e leste, então, com uma grande área não-urbanizada e população mais pobre. Apesar de ter um efetivo total quase duas vezes maior, a FP possuía menos policiais na capital do que a GC. Em 1960, por exemplo, o efetivo total da FP era de 18 mil homens, enquanto a GC possuía apenas 8922. No entanto, a capital possuía 7168 policiais, sendo 6165 guardas civis e apenas 1003 policiais da FP. Por outro lado, no interior do Estado, com um total de 5183 policiais, a predominância era da FP, com 4864 homens, enquanto a GC possuía apenas sendo 319 (BATTIBUGLI, 2010: 52-53). Além do policiamento em geral, a GC executava uma série de atividades específicas, através de suas unidades especializadas. Algumas dessas atividades eram também divididas com a FP, conforme suas respectivas áreas de atuação. Os principais exemplos de tarefas compartilhadas eram o policiamento de trânsito, a rádio patrulha, a guarda de prédios públicos e a tropa de choque. Em 1964, a GC dispunha de quatro Divisões de Trânsito (DTs) e três DPs específicos para o policiamento de trânsito, dividido com o 11º BP, além de outras duas unidades responsáveis pela conservação da frota e fornecimento de guardas motoristas para autoridades. 116 A função de Rádio patrulha era, inicialmente, executada apenas pela Guarda Civil, até que foi estendida também à Força Pública, em 1956. As rádio patrulhas consistiam em viaturas permanentemente em contato via rádio com uma central, o que conferia grande mobilidade e capacidade de ação aos policiais. Era um serviço considerado de grande importância pelas duas corporações. Na Guarda Civil, seu efetivo 116A Guarda Civil executava o policiamento de trânsito desde a sua criação. Com a reorganização em 1947, foram criadas três Divisões de Trânsito (Decreto-lei estadual nº16943, de 20/02/47). A 4ª Divisão de Trânsito, a Divisão de Serviço Motorizado de Trânsito e a Divisão de Transporte e Manutenção foram criadas em 1958 (Lei estadual nº 4759, de 19/06/58). A DSMT chamava-se então, Divisão Motorizada de Trânsito (DMT), nome que foi alterado para DSMT pela Lei estadual nº 6856, de 18/07/62. As quatro DTs e a 3ª, 6ª e 14ª DPs dividiam com o 11º BP as tarefas de fiscalização e controle do trânsito, cada um nas suas áreas respectivas. A DTM cuidava da manutenção e conservação da frota de veículos, além de fornecer guardas motoristas para autoridades. Até 1948, a Guarda Civil também possuía uma divisão de Policiamento Rodoviário, que foi extinta com a criação da Polícia Rodoviária (SYLVESTRE, 1985: 53).

59 chegou a aproximadamente 3.000 homens e com seis Divisões de Rádio Patrulha, divididas entre o 5ª e 6º Agrupamentos, sob comando da 2ª Superintendência. Vicente Sylvestre ressalta que, devido à própria característica desse tipo de policiamento, que responde à chamadas de ocorrências, os guardas das RPs acabavam cumprindo uma função mais repressiva que preventiva. Ainda assim, eram também parte do cotidiano desta função ações assistenciais, como auxílio a grávidas, por exemplo (SYLVESTRE, 1985: 53; MORAES, 1998: 140). As duas Divisões de Policiamento de Repartições Públicas (DPRs) 117, a Divisão de Guarnições (DG)118 e a Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária (DSFF) 119 eram responsáveis pela guarda de diversos prédios públicos, alguns com exclusividade e outros em conjunto com unidades da FP. A Divisão de Reserva (DR) foi criada em 1934 para "ocorrer aos serviços extraordinários".120 Segundo um relatório da Polícia Militar de 1979, há grandes dificuldades em realizar um levantamento em profundidade da atuação operacional dessa divisão. 121 Isso seria devido às características da organização da Guarda Civil, que não possui registros históricos e galerias de comandantes aos moldes da Força Pública. Dessa maneira, prossegue o relatório, o que pode ser levantado é com base em relatos pessoais e registros dos Boletins Gerais e da 5ª EM/PM. De fato, os três autores que discutem a Guarda Civil não fornecem muitas indicações sobre esta divisão.

Moraes e Battibugli se limitam apenas a citar sua existência dentro da corporação.

Sylvestre, afirma que a DR se destinava ao "policiamento especial de emergência", citando como exemplo de sua atuação o isolamento de locais de incêndios para auxiliar o trabalho do Corpo de Bombeiros (SYLVESTRE, 1985: 52). Ainda conforme o relatório de 1979, a primeira ação da DR foi o policiamento do estádio Parque Antártica, na zona oeste da capital. Um outro relatório de 1980, reafirma a dificuldade de se descrever suas atividades, mas aponta que, numa "visão geral de seus trabalhos", a DR sempre esteve voltada ao policiamento de choque. 122 Em 1949, ela recebeu 16 117 As duas Divisões de Policiamento de Repartições Públicas foram criadas respectivamente em 1942 e 1954 e eram responsáveis pelo policiamento dos recintos de acesso ao público nas repartições federais, estaduais e municipais, fazendo a segurança e prestando informações (SYLVESTRE, 1985: 51; MORAES,1998: 134, 138). 118A Divisão de Guarnições, criada em 1958 (Lei estadual nº 4759, de 19/06/58), tinha seus guardas distribuídos entre as guarnições de diversos lugares, como a Assembléia Legislativa, Câmara Municipal, Palácio da Justiça, Aeroporto de Congonhas, Sede do Comando da Guarda Civil, Casa de Detenção, Presídio Tiradentes, Catedral Metropolitana, Estação Rodoviária, Hospedaria de Imigrantes, Juizado de Menores, Palácio do Governo, Parque do Ibirapuera, Departamento de Correios e Telégrafos, Tribunal de Justiça do Trabalho e Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa) (SYLVESTRE, 1985: 52). 119A Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária, criada em 1958, realizava o policiamento no edifício da Secretaria da Fazenda e a guarda da Caixa Forte do Tesouro do Estado, além de prestar informações ao público que ia à Secretaria (SYLVESTRE, 1985: 51; MORAES, 1998: 139). 120Ofício nº 2BPChq-0102/11. Assunto: Data de fundação do 2º BPChq. 8 /02/79. Pasta CPChq, vol 2. 2 º BPChq. Museu de Polícia. 121Ofício nº CPChq-091/1. Assunto: data fundação – sobre. 20/02/79. Pasta CPChq, vol 2. 2º BPChq. Museu de Polícia. 122Histórico do Batalhão. 2º Batalhão de Polícia de Choque. 14/04/80. Pasta CPChq, vol 2. 2º BPChq. Museu de

60 ex-integrantes da chefia da extinta Polícia Especial da ditadura Vargas. 123 Conforme um outro "resumo histórico", a DR iniciou atividades de controle de multidões, "aproximado ao 'Choque' da Força Pública", por volta de 1957.124 Apesar disso, sua atividade parece estar mais voltada ao policiamento em eventos esportivos do que à repressão a distúrbios civis. Não obstante, é a Divisão da GC que mais teve proximidade com práticas militares. Em 1944, um grupo de 73 guardas civis integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a 2ª Guerra Mundial, onde compuseram, em conjunto com militares do Exército, a então denominada "Polícia Militar", que executava funções que hoje correspondem à Polícia do Exército 125 (MORAES, 1998:134; SYLVESTRE, 1985: 62-68). Quando regressaram, foram prontamente incorporados à Divisão de Reserva. Além disso, alguns relatórios informam que, em 1967, integrantes da DR integraram o contingente brasileiro em uma Missão de Paz da ONU no Canal de Suez.126 Sua própria constituição, afirma o relatório de 1979, "chegou a um aspecto para-militar autêntico, diferindo da estrutura das demais unidades da Guarda Civil, porquanto, desenvolveu-se até possuir 8 (oito) pelotões, usando capacete e botacomando e chegando a ter um EM [Estado Maior] incipiente, porém, sempre com a presença de um P/3 (...) seu efetivo e estrutura, amolda-se, então mais ao Batalhão que à Companhia".127 A GC também possuia unidades voltadas para a atuação em diversos contextos específicos, como áreas de escolas128, de entretenimento público129 e atendimento a estrangeiros.130 Além disso, a Divisão Escolar, criada em 1934, era responsável pela formação dos guardas até classe distinta, Polícia. 123Lei estadual nº 327, de 14/07/49. 124Resumo Histórico. 2º Batalhão de Polícia de Choque. S/d. Pasta CPChq, vol 2. 2º BPChq. Museu de Polícia. 125A Polícia do Exército (PE) é constituída de unidades de infantaria que executam funções de policiamento e segurança em áreas militares. 1262º Batalhão de Polícia de Choque. S/d. Pasta CPChq, vol 2. 2º BPChq. Museu de Polícia; "Há 63 anos trabalhando em alerta máximo". Páginas da História. Maio de 1997. Pasta CPChq, vol 2. 2º BPChq. Museu de Polícia. A Missão de Paz da ONU ocorreu após a Guerra dos Seis Dias entre Israel e uma frente de Estados arábes (Egito, Síria e Jordânia, principalmente). O conflito terminou com a vitória de Israel, invadindo diversos territórios dos outros países, incluindo a Península do Sinai, na margem leste do Canal de Suez, que acabou sendo fechado pelo governo egípcio até 1974. 127Ofício nº 2BPChq-0102/11. Assunto: Data de fundação do 2º BPChq. 8 /02/79. Pasta CPChq, vol 2. 2 º BPChq. Museu de Polícia. 128A Divisão de Proteção Escolar e Pedestres foi criada em 1954 (Portaria 754, de 24/11/54, ver MORAES, 1998: 138) e era responsável pela guarda dos entornos dos colégios, auxiliando os estudantes na travessia das ruas. Segundo Vicente Sylvestre, essa Divisão chegou a fazer a guarda de 650 colégios na capital, que reuniam cerca de um milhão e duzentos mil estudantes (SYLVESTRE, 1985: 51). 129O policiamento de divertimentos públicos, isto é, cinemas, teatros e estabelecimentos congêneres também era executado pela GC desde seus primeiros anos de atuação. Após 1947, essa tarefa ficou a cargo da Divisão de Divertimentos Públicos (DDP). Em 1955 foi criada a 2ª DDP, a título precário, sendo regulamentada definitivamente em 1957 (MORAES, 1998: 139, nota 103). Essas divisões também executavam o policiamento de solenidades públicas, religiosas e sociais em uniforme de gala (SYLVESTRE, 1985: 51). 130A Divisão de Pessoal Intérprete (DPI), criada em 1959, possuía um contingente capacitado em 20 idiomas, voltado a atender principalmente turistas estrangeiros e imigrantes. Os guardas eram distribuídos em cabines de informações espalhadas pelo centro da capital e em lugares como hospitais, casas de crédito, delegacias, estação rodoviária, o Porto de Santos e o aeroporto de Congonhas, entre outros. Eram identificados por uma faixa verde e amarela no braço esquerdo , com as bandeiras dos idiomas que dominavam (SYLVESTRE, 1985: 52; MORAES, 1998: 139).

61 através dos cursos na Escola de Polícia. Fora da capital, os primeiros destacamentos da GC foram os de Santos, Campinas, Ribeirão Preto e Sorocaba, criados em 1934 (MORAES, 1998: 133). Em 1955, seriam criadas as Divisões de Radio Patrulha e de Trânsito de Santos, que contava, além disso, com a Polícia Marítima e Aérea e um destacamento da Força Pública.131 A GC foi gradualmente expandindo sua área de atuação pelo interior, com a criação de subdivisões em Bauru, em 1947; Marília, em 1954; Presidente Prudente, em 1957; Jundiaí e Mogi das Cruzes, em 1962; Piracicaba, em 1964; e São Carlos, em 1965. A Guarda Civil também mantinha uma Assessoria junto ao gabinete do Secretário de Segurança. Criada em fins de 1964, pelo então secretário Cantídio Nogueira Sampaio – Coronel da FP – era ocupada por um inspetor-chefe e tinha como função cuidar dos assuntos relacionados à Guarda Civil. A assessoria, contudo, não nunca foi oficializada por ato oficial (SYLVESTRE, 1985: 94). Como se vê, apesar de um efetivo menor, a Guarda Civil possuia uma diversificação de funções maior que a Força Pública. Ao longo dos anos, pode-se perceber um processo de especialização da Guarda Civil, através da criação de diversas divisões organizadas de acordo com a natureza de suas ações e não pela região em que atuam. A especialização cada vez maior das polícias é um processo comum às três corporações, principalmente durante o governo Jânio Quadros (1955-1959). Segundo Rosemberg, "a polícia é, no fundo, um retrato localizado da história do próprio Estado" e, através da sua existência enquanto instituição, enquanto organização de trabalho e enquanto mediadora de conflitos, é possível inferir como esses processos se dão num âmbito mais amplo (ROSEMBERG, 2010: 38). O Brasil do fim dos anos 50 buscava modernizar-se, o que passava por uma maior burocratização do Estado, o que se reflete nas polícias. Assim, na Polícia Civil foram criadas diversas delegacias especializadas, voltadas a novas questões, como o combate ao consumo de entorpecentes, por exemplo. No âmbito das polícias ostensivas, pode-se observar uma diferença fundamental. Das 48 unidades da GC existentes em 1965, dez realizavam atividades de guarda de prédios públicos e privados ou prestação de serviços. Ainda que a maior parte do efetivo estivesse voltada ao policiamento "comum", o fato de aproximadamente um quinto das unidades estarem voltadas a serviçoes especializados, enquanto na Força Pública apenas quatro unidades desempenhavam esse tipo de função, indica que a especialização da GC voltava-se a uma 131Esse destacamento tem origem na 3ª Cia. do 1º Corpo da antiga Guarda Cívica do Interior, que existiu entre 1896 e 1924. Com a dissolução dessa corporação e sua incorporação pela Força Pública, o 1º Corpo passou a integrar o 6º Batalhão Policial (MORAES, 1998: 107). O policiamento em Santos não é do escopo deste trabalho porém, é possível especular que esse grande e variado contingente policial se deve, provavelmente, a algumas características específicas da cidade. Santos era então uma das maiores cidades do Estado e contava com o porto mais importante do país. Além disso, havia uma forte mobilização dos operários portuários, ligados ao Partido Comunista, lhe valendo o apelido de "Moscou brasileira" (SILVA, 2003: 403).

62 gama de tarefas de caráter menos repressivo. Algumas delas, como o serviço de intérpretes para estrangeiros, por exemplo, se assemelham muito mais a uma prestação de serviços do que à manutenção da ordem pública. A função de confronto com a população ainda era relegada prioritariamente à Força Pública. Ainda que fosse uma corporação civil, a GC possuía algumas características militarizadas. Tal qual a Força Pública, o currículo do curso de guardas civis possuía a disciplina de "ordem unida", que consiste no treinamento de marchas militares. O regimento disciplinar da GC estabelece uma hierarquia rígida semelhante à da Força Pública. 132 Em ambas existe a necessidade permanente de deferência e autorização dos superiores. Aos subordinados é vetado, por exemplo, entrar e sair de recintos, fumar e sentar-se na mesma mesa que os superiores sem pedir-lhes autorização, sempre, obrigatoriamente, batendo continência. Também há várias orientações sobre a boa apresentação do uniforme em público, sendo vedado entrar uniformizado em boates, cabarés, casas de jogo e demais lugares "incompatíveis com o decoro da sociedade e da classe". Tais restrições e rigidez hierárquica inexistem na Polícia Civil. Uma diferença que vale ressaltar, entretanto, é que, enquanto o regimento da Guarda Civil previa como penas disciplinares, em ordem gradativa, a advertência, repreensão, suspensão, multa e demissão, o regimento da Força Pública, aos moldes do Exército, incluía pena de detenção por até 30 dias, não havendo a possibilidade de multa. Além disso, as penas da Guarda Civil estendiam-se igualmente a todas as classes e apenas para policiais da ativa. Na Força Pública, as penas apresentavam pequenas variações conforme a patente e se extendiam aos policiais da reserva. Em termos salariais, grosso modo, os policiais mais bem pagos eram os da Polícia civil, seguidos pelos da Força Pública e, por fim, da Guarda Civil, diferença que refletia a hierarquia de poderes entre as corporações perante a SSP e o governo estadual (BATTIBUGLI, 2010: 187). A grande inflação do período levou a constantes reajustes na tentativa de deter as perdas salariais. No entanto, segundo uma análise de uma equipe técnica dos EUA, contratada pelo governo estadual em 1957, os salários dos policiais nos escalões inferiores eram baixissímos, sendo "quase impossível sustentar as suas famílias". Por conta disso, era bastante comum parte dos policiais exercerem outros trabalhos nos horários de folga (BATTIBUGLI, 2010:189-190). 1.2. Os projetos de reforma e conflitos internos A unificação da Guarda Civil e da Força Pública, originando a Polícia Militar, é um tema abordado, praticamente, apenas por um viés administrativo, onde não há nenhum conflito de 132O Regulamento Disciplinar da Força Pública é estabelecido pelo Decreto estadual nº 13657, de 09/11/43, enquanto o relativo à Guarda Civil é o Decreto estadual nº 44006, de 30/10/64.

63 interesses. Nas versões ligadas à PM, seja de caráter institucional ou obras escritas por policiais de maneira "independente", a unificação é comentada brevemente, como mais um momento dentro da evolução "natural" da instituição, característica, conforme dito, comum a este tipo de obra (BRETAS, 1997b: 10). Isso também reflete o grande problema, ao menos no nível oficial, que as instituições de segurança pública tem em discutir o seu papel durante a ditadura, optando mesmo pelo silenciamento sobre a existência do regime. Noss "resumos históricos" existentes, por exemplo, nos sites da Secretaria de Segurança Pública, da Polícia Militar e da Polícia Civil de São Paulo não há qualquer menção à existência de um "regime militar" quando narram o período entre 1964 e 1985. A unificação da GC e da FP, originando a PM, é apenas comentada brevemente nas páginas institucionais da SSP e da PM, sem nenhum tipo de justificativa ou contextualização maior.133 Diagnóstico semelhante pode ser aplicado para os livros de Waldyr de Moraes (1998) e Telhada (2001). Embora não sejam publicações oficiais, os autores mantém grandes vínculos com a Polícia Militar. A única menção de Moraes à ditadura se dá em caráter quase obrigatório, pois faz uma explicação sobre os "marcos históricos" da PM que, a partir de 1981, passaram a incluir a "Revolução de 1964" (MORAES, 1998: 315).134 O Coronel Telhada, apesar de suas claras simpatias pelo regime – manifesta em um capítulo denominado "Os anos 60: revolução também no sistema policial de São Paulo", além de suas inúmeras declarações à imprensa – não relaciona a unificação com o regime, reservando apenas uma frase para indicar o acontecimento (TELHADA, 2011: 424). Já entre a bibliografia não-alinhada à polícia, o tema da criação da Polícia Militar eventualmente perpassa alguns trabalhos sobre o período, principalmente aqueles que possuem foco na repressão. No entanto, aqueles que se propõe a discutir as motivações e a dinâmica da mudança institucional em São Paulo são poucos. Dentre eles, merecem destaque, por trazerem perspectivas diferentes e inovadoras, os trabalhos de Dalmo Dallari, Paulo Sérgio Pinheiro, Martha Huggins e Vicente Sylvestre. Os demais trabalhos que discutem a criação da Polícia Militar em São Paulo, tendem articular as teses de alguns destes autores. O jurista Dalmo Dallari, provavelmente o primeiro a discutir a unificação, em 1977, apresenta o fato como o fim de um processo de "federalização" das milícias estaduais, iniciado na Era Vargas. O objetivo do governo federal seria retirar a autonomia das polícias estaduais, através da subordinação ao Exército, "neutralizando a possibilidade do seu uso como instrumento político", 133 Ver Secretário de Segurança Pública: http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/historico/1970.aspx , Polícia Militar: http://www.policiamilitar.sp.gov.br/inicial.asp e Polícia Civil: http://www.policiacivil.sp.gov.br/portal/faces/pages_institucional/historico/historiaPoliciaCivil? _afrLoop=1708622725943687&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=null#%40%3F_afrWindowId%3Dnull %26_afrLoop%3D1708622725943687%26_afrWindowMode%3D0%26_adf.ctrl-state%3D1azu48ijpv_4 acessados em 25/05/2015. 134 Decreto estadual nº17069, de 21/05/81, que institui o novo brasão da PM.

64 bastante recorrente durante a Primeira República. Além disso, a subordinação ao Exército atenderia, em parte, a interesses da própria Força Pública, que desejava ficar independente de lideranças civis. Essa subordinação, efetuada através do Decreto-lei federal nº 667, de 2 de julho de 1969, é apenas complementada pelo Decreto-lei estadual nº 217, de 8 de Abril de 1970, que, como o autor faz questão de destacar, extingue a FP e a GC, criando a Polícia Militar. Dessa maneira, na sua visão, é a subordinação ao Exército, mais que a unificação com a Guarda Civil, que marcaria o fim do "pequeno exército paulista" (DALLARI, 1977: 72-82). Por fim, é importante levar em conta a época em que foi publicado este trabalho. Em meio à abertura lentíssima do General Geisel, e com o AI-5 ainda em vigor, havia o risco de sanção ao se tratar de um tema tão caro a ditaduras, como a polícia. Dalmo Dallari, então conhecido advogado de presos políticos, certamente estava ciente dos possíveis limites.135 Paulo Sérgio Pinheiro publicou uma série de artigos entre o fim dos anos 70 e início dos anos 80, já quando a repressão política estava enfraquecida (PINHEIRO, 1979; 1981; 1982). Considerando a versão mais bem desenvolvida, de 1982, o autor defende que a unificação se dá no quadro da crise política da sucessão presidencial de 1969. O Golpe da Junta Militar, que impediu a posse do Vice-Presidente civil Pedro Aleixo, após Costa e Silva sofrer um derrame cerebral, colocou a coerção direta e a repressão como principais instrumentos de controle político e social empregados pelo Estado. O Decreto-lei nº 667 – marco fundamental de mudança para Pinheiro – não atribuiu novo papel à polícia, nem inaugurou a violência policial, velha conhecida da República, mas subordinou-a às diretrizes da "Segurança Nacional". Diante da ineficiência das policiais civis em deter a subversão, principalmente a guerrilha urbana, o Exército interveio diretamente, assumindo o controle da polícia ostensiva. A partir daí, haveria uma confusão proposital, por parte da PM, entre as tarefas de combate ao "crime comum" e ao "crime político" (PINHEIRO, 1982). Martha Huggins (1998) investiga a relação entre a América Latina - com destaque para o Brasil - e os EUA na área de segurança interna, através do Office of Public Safety – Agency for International Development (OPS-AID), órgão criado em 1962, ligado à CIA.136 O OPS via 135 O próprio Dalmo Dallari seria vítima da repressão alguns anos depois. Em abril de 1980, enquanto auxiliavam os sindicalistas em greve do ABCD, Dallari e José Carlos Dias, também advogado, foram presos pelo DOPS, sem mandato judicial. Em julho do mesmo ano, seria mais uma vez alvo da repressão. Na noite de 2 de julho, enquanto retornava para sua casa, seu carro foi interceptado por quatro homens que o agrediram brutalmente. Dias depois, veio a saber que se tratavam de homens do Serviço Reservado da PM (CNV, 2014: 311-314) 136 Na sua totalidade, o livro aborda os variados órgãos envolvidos na "internacionalização da segurança" dos EUA desde o início do século XX. A United States Agency for International Development (US AID) foi criada pelo governo Kennedy, em 1961, como parte da Aliança para o Progresso, programa que tinha como objetivo promover assistência sócio-econômica aos países da América Latina para impedir o surgimento de "outras Cubas" (FICO, 2008: 25-28). O OPS foi criado em 1962, com um órgão altamente privilegiado dentro da US AID. Era também parte do Ponto IV, criado ainda no segundo governo Truman (1949-1953), com objetivo de promover consultoria e treinamento na área de segurança para os demais países do continente. Apesar de não haver nenhum vínculo legal,

65 duplicação e sobreposição de funções entre as várias corporações policiais como um obstáculo à eficiência da repressão política. Assim, principalmente após o golpe, o OPS defendia que uma maior centralização facilitaria a coordenação das atividades. O órgão trabalhou auxiliando, por exemplo, a criação do novo Departamento de Polícia Federal, em 1967, e da Operação Bandeirantes, em 1969. Segundo a autora, o OPS também trabalhou "discretamente nos bastidores procurando assessorar os membros da polícia" na redação do Decreto-Lei nº 317 de 1967 – denominado errôneamente pela autora como "Lei Orgânica da Polícia" 137 - que, na sua interpretação, submetia a indicação dos secretários de segurança aos militares e transferia diversas atividades da Polícia Civil para a "Polícia Militar" – como a autora se refere à Força Pública ao longo do livro. Este decreto, entanto, teria ficado aquém das expectativas, não conseguindo entrosar totalmente as polícias em um sistema de segurança interna. Diferentemente de Dallari e Pinheiro, Huggins vê esse decreto como mais importante, não dispensando muita atenção ao Decreto nº 667, de 1969, mencionado apenas brevemente por ter deixado as polícias "subordinadas diretamente a oficiais do Exército" (HUGGINS, 1998: 151). Apesar da abordagem inovadora, discutindo órgãos internacionais nunca antes estudados, o texto de Huggins possui alguns equívocos no que concerne à polícia. A Guarda Civil é mencionada uma única vez, como uma "força policial em geral ligada ao governo municipal" (HUGGINS, 1998, 154). A total ausência desta corporação implica em uma compreensão limitada dos decretos de número 317 e 667, bem como de outras leis, como se verá adiante. Como um dos pontos em comum, os três autores tem como foco as decisões do governo federal. As dinâmicas e conflitos específicos das polícias, ainda que não sejam ignorados, são relegados a segundo plano. É exatamente neste ponto que o livro de Vicente Sylvestre (1985) é importante. Inspetor da Guarda Civil e militante do PCB, Sylvestre desempenhou um papel importante nas articulações da reforma policial dos anos 60, compondo, inclusive, o grupo de trabalho que negociava os termos da unificação junto à Força Pública. 138 Além do caráter Huggins aponta vários indícios de que a CIA estava profundamente envolvida nas atividades do OPS, principalmente através das suas escolas de treinamento no Panamá e em Washington (HUGGINS, 1998: 125-129; BATTIBUGLI, 2010: 227-231) 137 Sendo a polícia um órgão estadual, a "lei orgânica da polícia" é de competência dos Estados, não do governo federal. A "Lei Orgânica da Polícia" correta da época foi a Lei estadual nº 10.123, de 27/05/68. 138Vicente Sylvestre, nascido em 1930, ingressou na Guarda Civil em 1º de julho de 1949. Animado pela campanha O Petróleo é Nosso, começou a participar das entidades de categoria da corporação. Em 1954, teve seus primeiros contatos com a célula do PCB que atuava dentro da GC e da FP, ao qual ingressaria pouco tempo depois. Apesar de ilegal, a atuação do partido era tolerada durante o período democrático entre 1946 e 1964. Sylvestre ascendeu na hierarquia da corporação, ocupando postos importantes, tanto na diretoria de várias entidades da categoria, como no comando de unidades da GC. Na época da unificação, já no posto de Inspetor Chefe de Agrupamento, Sylvestre participou das negociações sobre a unificação. Após o golpe, a atuação da célula comunista das polícias diminuiu sensivelmente, até encerrar suas atividades no início dos anos 70. Mesmo assim, isso não impediu que, em 1975, os órgãos da repressão política prendessem 73 pessoas acusadas de ligação ao PCB em São Paulo, a maioria delas da Polícia Militar, incluindo o então Ten-Cel. PM Sylvestre. Os PMs foram barbaramente torturados, o que resultou nas

66 historiográfico, seu livro é também um documento importante, de onde se pode extrair a visão dos "vencidos" do processo de unificação, vendo como a Guarda Civil utilizou os recursos que tinha a sua disposição para tentar preservar sua existência. Também mostra que a polícia não só não é uma instituição monolítica, mas que também deve ser compreendida dentro dos conflitos da época. O período anterior ao golpe é marcado por grande tensão social e as corporações policiais não ficam alheias a isso. Elas não cumprem o simples papel de braço armado do Estado, mas também são agentes com percepções e demandas próprias. Os policiais envolvem-se tanto em disputas de poder entre as corporações, quanto nas lutas entre as diferentes facções políticas. Com o fim da Ditadura do Estado Novo e a constituinte de 1946, o papel das polícias militares sofre questionamento de diversos setores, inclusive dentro de seu próprio oficialato. A postura repressiva durante o Estado Novo e a estrutura similar ao Exército são alvo de várias críticas. Dessa maneira, a Constituição Federal de 1946 é a primeira a definir a competência das polícias militares como responsáveis pela "segurança interna e manutenção da ordem".139 Além disso, a carta também reafirma seu caráter enquanto reserva do Exército e estabele o controle federal sobre diversos aspectos, como quadros, efetivo e jurisdição, sem, no entanto, criar nenhuma instância específica com essa responsabilidade (CARVALHO, 2011: 102; NEME, 1999: 51-52). Tal discussão estendeu-se à Constituinte estadual de São Paulo de 1947. Segundo Sylvestre, "a condição da Força Pública, de força aquartelada, precisava mudar". Inspetores da Guarda Civil e oficiais da Força Pública se reuniram durante a constituinte para elaborar um anteprojeto. Discutiram a possibilidade de uma unificação entre as duas forças, sem, contudo, chegar a um acordo (SYLVESTRE, 1985: 73). A oficialidade da Força Pública também discutia possibilidades de mudança. Ao estudar os artigos de oficiais em jornais e revistas da Força Pública de São Paulo, o Coronel PM Glauco de Carvalho observa o intenso debate em torno do que era então denominado a "dupla função", policial e militar, da corporação. Diante das contestações que surgiam após o fim da ditadura do Estado Novo, os oficiais discutiam qual seria a justificativa para a existência da Força Pública mortes do 2º Ten. José Ferreira de Almeida, registrado como "suicídio" dentro das dependências do DOI-CODI, e do Cel. Reformado José Maximiniano de Andrade Neto, em decorrência dos ferimentos, poucos dias após sua liberação. Em 1978, Sylvestre foi condenado a dois anos de prisão, com base na Lei de Segurança Nacional. No ano seguinte, o Superior Tribunal Militar reduziu sua pena à 8 meses e ele foi liberado. Sofreu processo disciplinar, sendo expulso da PM. Nesse período permaneceu na condição de "morto-vivo", impossibilitado de exercer qualquer atividade remunerada, enquanto sua mulher recebia pensão como se ele houvesse falecido. Seria reitegrado somente em 1984, após absolvição pela Justiça Comum, passando imediatamente à reserva. Em 1989, a recém eleita prefeita Luiza Erundina (então no Partido dos Trabalhadores) nomeou Sylvestre como Comandante da Guarda Civil Metropolitana (GCM), corporação municipal criada em 1986, inspirada na antiga GC, apesar de possuir muito menos poder perante a PM. Sylvestre foi o terceiro comandante da GCM, e o primeiro não oriundo do Exército, e permaneceu a sua frente até 1992. ver CVESP, 2015f; SYLVESTRE, 1985; BATTIBUGLI, 2010; Prontuário 97348 Renato de Oliveira Mota e outros. 2 volumes. 1975. Fundo DEOPS. Arquivo Público do Estado de São Paulo. 139 Art. 183, CF 46.

67 (CARVALHO, 2011: 126). Ainda que o fim do vínculo militar não seja defendido, a maioria dos oficiais ressalta que a Força Pública devia se preparar melhor para a sua função principal, que era o policiamento. Por outro lado, apoiavam-se na função de reserva do Exército, estabelecida na Constituição, para legitimar a manutenção da condição militar (CARVALHO, 2011: 110-122). A polícia também era assunto constante na imprensa paulista. Com o fim da censura, os jornais passaram a analisar os projetos de reforma do sistema policial, as variações dos índices de criminalidade, o sentimento de insegurança da população e também faziam críticas às arbitrariedades policiais (BATTIBUGLI, 2010: 156). A cientista política Thaís Battibugli abordou essa questão sem, no entanto, fazer uma análise sistemática das fontes de imprensa. Desta maneira, não é possível afirmar quantitativamente qual corporação era o principal alvo das críticas e nem por qual motivo. No entanto, seguindo a análise qualitativa da autora, é possível observar que a Força Pública era bastante criticada pela sua atuação na "manutenção da ordem" de grandes aglomerações. Em 1949, por exemplo, a imprensa apontou que a ação violenta da FP na dissolução de um comício no Anhangabaú, centro da capital, era resultado da sua cultura corporativa que privilegiava a resolução violenta, com respaldo dos superiores. A Polícia Civil, por sua vez, era acusada de incompetência e de criar dificuldades para o trabalho da imprensa (BATTIBUGLI, 2010: 158). Por outro lado, a Guarda Civil, segundo Battibugli, gozava de uma boa imagem perante a imprensa, que se referia a episódios negativos de seus membros como "exceções" (BATTIBUGLI, 2010: 56). Somam-se às críticas internas e externas às polícias, o crescente processo de urbanização, através, principalmente, do fluxo migratório de pessoas vindo do campo para as cidades. Entre 1940 e 1970, a área que hoje corresponde à Região Metropolitana de São Paulo, apresentou um crescimento populacional médio de 5,5% ao ano. Além disso, o alto preço dos aluguéis e a escassez de habitações mais próximas ao centro fez com que se ampliasse o processo de dispersão da população mais pobre, com um alargamento das regiões períféricas da cidade, se tornando cada vez mais distantes e precárias (BATTIBUGLI, 2010: 94; MANSO, 2012: 102-103; FONTES, 2004: 370). Esse crescimento urbano e populacional desordenado e marcado pela desigualdade social, comum a todas as grandes cidades brasileiras do período, é acompanhado de uma lenta e gradual mudança no padrão da criminalidade e na forma como esta é percebida. Se tornam cada vez mais comuns na imprensa relatos de crimes, principalmente aqueles contra o patrimônio envolvendo algum grau de violência, como assaltos. Há então uma forte sensação de insegurança entre a população, refletida, por exemplo, em uma pesquisa do IBOPE, de 1953, que apontou que apenas aproximadamente 37% dos paulistanos considerava o policiamento da cidade eficiente 140 (MANSO, 140 Considerando os dados totais apresentados, 47,3% dos entrevistados julgava o policiamento ineficiente, enquanto 37,1% julgava eficiente, declarando-se os demais 15,6% como sem opinião.

68 2012: 103; BATTIBUGLI, 2010: 94-95). Diante desses vários fatores, inúmeros projetos de reforma da estrutura policial foram discutidos, incluindo unificações entre as corporações, sendo que a maior parte sequer foi implantada. As três corporações agiam, através de vários canais de influência, para tentar fazer valer seus interesses em tais projetos (BATTIBUGLI, 2010: 194). O trabalho de Thaís Battibugli, o único a abordar o tópico das reformas, está longe de esgotar a questão. Dessa maneira, não é possível afirmar com certeza qual "tendência" se desenhava nas sucessivas reformas, ou mesmo se havia uma. A Força Pública de São Paulo, por exemplo, articulada com suas congêneres nos outros estados, encampou diversas propostas de federalização das polícias militares, eliminando assim a mediação das Secretarias de Segurança e ampliando suas competências. A proposta que mais avançou neste sentido foi o Projeto de Lei nº 1081-A/59 do deputado federal Ulysses Guimarães (PSD-SP). Ele previa a federalização com a subordinação direta a uma "Superintendência Geral das Polícias Militares", sediada em Brasília e comandada por um General do Exército. Previa também o fim de qualquer outra "corporação armada ou para-militar", que deviam ser incorporadas às polícias militares, sobrexistindo apenas as polícias judiciárias. As Guardas Civis reagiram através de suas entidades de classe e de seus contatos políticos, impedindo a aprovação do projeto, até o seu veto definitivo 1967 (BATTIBUGLI, 2010: 200-201; SYLVESTRE, 1985: 137-139). Em um artigo publicado na revista do Centro Social dos Inspetores, em 1964, a Guarda Civil se põe frontalmente contra a "bandeira das reformas da Polícia". Como argumento, o artigo recorre a paralelos entre a GC e a polícia londrina. O status civil e a carreira única são defendidos como o sistema que "mais se coaduna com o desenvolvimento democrático do nosso País", pois não haveria aí, a possibilidade de favorecimentos pessoais nas promoções, prevalecendo o mérito. Admitindo a possibilidade de pequenas mudanças na organização policial, o artigo propõe, sempre baseando-se no modelo britânico, a criação de tribunais de pequenas infrações, que ficariam a cargo dos delegados da Polícia Civil, o que seria mais condizente com o seu grau de bacharel em Direito. A Guarda Civil, ampliada, poderia então fornecer quadros para a "polícia à paisana". A Força Pública não é mencionada explicitamente no texto (SYLVESTRE, 1985: 179-183)141. Dentre as propostas de reforma, por fim, merecem destaque as produzidas por equipes de consultores estadunidenses e ingleses.142 Em 1957, à convite do governo do Estado, equipes dos dois países realizaram estudos sobre a estrutura da polícia paulista e propuseram reformas. O relatório dos consultores dos EUA traz pesadas críticas a toda a organização policial. Segundo ele, a 141 O artigo intitulado Subsídios à Reforma da Polícia é reproduzido na íntegra por Vicente Sylvestre. O original, segundo o autor, consta na revista "O Inspetor", nº 2, de 1964, e é assinado pela Diretoria do Centro Social dos Inspetores. 142 Para uma análise mais detalhada dos dois relatórios internacionais ver BATTIBUGLI, 2010: 206-226.

69 polícia possuía diversas carências de “recursos e equipamentos necessários, bem como o tipo de organização que lhe permita manter-se ao corrente das transformações sociais e econômicas que se processaram”.143 Dessa maneira, recomendavam um investimento urgente em laboratórios e meios de transporte, bem como um aumento de salário e um melhor processo de recrutamento. Os problemas mais graves seriam a interferência “externa e as influências não-oficiais sobre as operações e a administração da polícia”. Recomendavam, então, que a polícia reavaliasse suas funções em torno dos seus “objetivos básicos” e abdicasse de uma série de tarefas, como cobranças de multas, taxas e licenças, que deveriam ser transferidas para funcionários civis, liberando o efetivo policial para as suas “finalidades reais”.144 A composição da polícia, como um, todo seria excessivamente burocrática e marcada por sobreposição de funções. A existência dos subdelegados, que, sem experiência e qualificação, possuíam mais autoridade que membros experientes e treinados da Guarda Civil, constituía uma “violação de todos os príncipios da boa administração”.145 A existência de duas corporações paralelas, uma civil e outra militar, com atribuições semelhantes era vista como uma fonte de problemas. Reconhecendo argumentos “de ordem tradicional, histórica e legal” para a manutenção da divisão, os consultores recomendavam uma separação clara e objetiva das atribuições de cada uma delas. A Guarda Civil devia ser integrada à organização da Polícia Civil, sob supervisão do delegado geral, e assumir todo o policiamento da capital, enquanto a Força Pública deveria ficar restrita ao interior do Estado, guarda de prisões e edifícios públicos, unidades de reserva para serviços de emergência e outras funções especiais. Ainda assim, o comando da FP e o delegado geral deveriam trabalhar em estreita ligação.146 Os técnicos ingleses, membros da Polícia Metropolitana de Londres, tiveram conclusões semelhantes às dos seus colegas estadunidenses. A polícia paulista seria extremamente burocratizada e mal equipada. A existência de três corporações implicaria na triplicação dos esforços, ao invés de unificá-los.147 Os efetivos estariam mal distribuídos, com concentração excessiva nas sedes e falta de policiais nas regiões mais distantes. Além disso, na FP e na GC, os policiais graduados não estariam se ocupando do policiamento, mas apenas de tarefas administrativas e da supervisão dos subalternos. O caráter militar da FP é criticado por incapacitá-la a um policiamento adequado e a um entrosamento com as outras corporações. Por outro lado, a GC não teria efetivo suficiente para assumir a função. Porém, diferentemente dos estadunidenses, os 143 LINGO, Joseph; AVIGNONE, Arthur. Estudos sobre a Organizaçãon Policial do Estado de São Paulo. 1958. p. 1. 144 Idem. p.2, 127. 145 Idem. 146 Ibidem, p. 130 147 JTM (Chefe Superintendente) e RGF (Detetive Chefe Inspetor) – Polícia Metropolitana de Londres. Relatório dos Ingleses sobre a polícia de São Paulo. 1958. p. 3.

70 ingleses propunham a unificação das três polícias estaduais em uma única corporação, civil e de carreira única, a ser denominada “Polícia do Estado de São Paulo”. Os vencimentos também deveriam ser melhorados para atrair, no futuro, “homens de cultura mais elevada”.148 O governo Carvalho Pinto utilizou-se desses relatórios para elaborar um plano de reforma da polícia. Porém, sofreu resistência tanto das corporações, quanto de políticos e da imprensa. No fim, nenhuma reforma proposta foi realizada e os relatórios não tiveram nenhuma contribuição prática. Resumindo a situação, um editorial da uma revista da Força Pública de 1959 afirmava que "permanecemos no marco zero, e dissemos isso no ano anterior" (BATTIBUGLI, 2010: 205). No entanto, se a estrutura policial não é alterada, uma observação da evolução dos efetivos mostra certa prerrogativa da Guarda Civil em comparação com a Força Pública. Entre 1947 e 1964, enquanto a FP teve um aumento de 170% no seu efetivo, passando de 11.569 homens para 31.232, a GC experimentou um crescimento de 275%, indo de 3.995 para 15.000 homens (BATTIBUGLI, 2010: 109). Além disso, conforme já mencionado, a GC teve sua jurisdição ampliada para cidades importantes do interior, antes a cargo da Força Pública. Além das disputas em torno das reformas do sistema policial, as corporações também se envolviam no agitado ambiente político da época. O período inaugurado após o Estado Novo, em que pese ser um momento de democracia inédito até então, foi também marcado por uma instabilidade latente e um acirramento progressivo da polarização política, principalmente após a renúncia de Jânio Quadros. À direita, amadureceu uma mentalidade golpista, centrada principalmente em torno da União Democrática Nacional (UDN) e da Escola Superior de Guerra (ESG), que promoveram sucessivas tentativas de desestabilização e golpe, estando entre as mais notáveis a campanha que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, as tentativas de golpe contra Juscelino Kubitschek, em 1955 e 1959, e a tentativa de impedir a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Em contrapartida, a esquerda também se fortaleceu. Capitaneados pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) – ainda que na ilegalidade – e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), os sindicatos promoveram grandes greves, como as Greves dos 300 mil e 400 mil, em 1953 e 1957, respectivamente, ambas em São Paulo. No campo, os trabalhadores também começaram a se organizar. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, se formaram as Ligas Camponesas, ligadas ao PCB e concentradas no nordeste. Em São Paulo, se formaram os sindicatos de trabalhadores rurais, cuja direção era disputada entre comunistas e a igreja católica. Na luta contra o latifúndio e em defesa da reforma agrária, tais organizações entrariam em constantes conflitos com o Estado, materializado, principalmente, na Força Pública (WELCH, 2009). 148 Idem. p. 5

71 Mesmo os militares estavam sujeitam à polarização política. Embora a ESG fosse o centro irradiador de um pensamento reacionário e conservador, marcado pelo anticomunismo ferrenho, defesa do liberalismo econômico e alinhado aos EUA, existiam setores, dentro das Forças Armadas, associados à defesa de um modelo nacional-desenvolvimentista e ao legalismo democrático, e até mesmo, apesar de em menor número, vinculados ao Partido Comunista. Dessa maneira, além das tentativas golpistas, o período anterior ao golpe também foi palco de "contragolpes" em defesa da legalidade, como a intervenção dos generais, em 1955, para garantir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, bem como de revoltas de militares de patentes mais baixas reivindicando ampliação de direitos, como a revolta dos sargentos, em 1963, e a revolta dos marinheiros, em 1964 (CARLONI, 2007). Um dos vários resultados desse conjunto de tensões é justamente a greve da Força Pública de 1961. Durante os dias 13 e 14 de janeiro, mais de mil policiais e bombeiros de várias unidades cruzaram os braços demandando reposição salarial. Battibugli mostra como a grande inflação do período corroeu o poder de compra dos salários dos policiais. Segundo seus cálculos, entre 1957 e 1964, o salário de um guarda civil de classe distinta e de um 1º sargento da FP, então equivalentes, tiveram uma redução de 40% no seu poder de compra. No geral, havia uma tendência ao achatamento dos salários, com perdas maiores para os maiores vencimentos (BATTIBUGLI, 2010: 191). Apesar de suas motivações exclusivamente econômicas e corporativas, a greve da FP, segundo André Rosemberg, pode ser vinculada à queda do regime democrático três anos depois, "devido ao conjunto de simbolismos que ela congrega". O episódio, segundo o autor, mostra a complexidade das motivações espalhadas pelo tecido social, repudiando a visão bipolar das forças envolvidas no contexto políticos. Além disso, mostra como, em 1961, ainda havia um grande dissenso dentro das Forças Armadas, estendido às forças de manutenção de ordem. Por fim, a greve expressa que o projeto golpista que pretendia manter as camadas populares excluídas do poder político, ainda estava imaturo (ROSEMBERG, 2015a: 30-31). A quebra da hierarquia, valor essencial da ordem militar, era uma queixa cada vez maior dos altos escalões das Forças Armadas, a ponto da Revolta dos Marinheiros, em março de 1964, ser considerada o estopim do golpe por parte da historiografia (NAPOLITANO, 2014: 58). Somado a isso, havia o temor, por parte dos militares, de que a insubordinação estivesse associada aos comunistas. Desde, pelo menos, o início dos anos 50, as entidades de classe da FP e da GC eram alvo de investigação pelo DOPS. O foco prioritário era sobre aquelas representantes dos baixos escalões. Em 1950, o Clube Esportivo e Recreativo "22 de Outubro" da Guarda Civil foi alvo de um inquério do DOPS, que acusava-o de ser uma organização comunista. O clube acabou sendo

72 fechado no ano seguinte, e vários membros de sua direção sofreram punições disciplinares (SYLVESTRE, 1985: 127). Em 1957, o Centro de Cabos e Soldados da Força Pública sofreu acusações semelhantes (ROSEMBERG, 2015a: 34). Apesar de haver, de fato, nas associações de classe da FP e da GC, membros do PCB, a sua atuação não deve ser superestimada. As simpatias políticas dos policiais são marcadas por uma série de ambiguidades, orientando-se muito mais aos grupos conservadores que se alternavam no governo de São Paulo, do que ao PCB. Assim, as simpatias dos polícias alternavam entre os ademaristas - Adhemar de Barros e Lucas Nogueira Garcez (ambos do Partido Social Progressista – PSP) – e os janistas – Jânio Quadros (Partido Trabalhista Nacional – PTN) e Carvalho Pinto (Partido Democrata Cristão – PDC). O controle do aparato policial, como diz Rosemberg (2015a: 38), era essencial para o sucesso político. Assim, os governadores negociavam com as demandas policiais, ao mesmo tempo em que tentavam manter os grupos rivais afastados das diretorias das entidades de classe (BATTIBUGLI, 2010: 111-121). As duas únicas análises existentes sobre a greve de 1961, de Battibugli (2010: 138-155) e de Rosemberg (2015a), convergem em afirmar que não há, ao menos de maneira explícita e articulada, influência comunista de destaque na greve. Apesar de contar com o apoio dos comunistas, as demandas são claramente profissionais. Os policiais demandavam a equiparação de seus vencimentos com o dos servidores civis. Mesmo assim, alimentado pelas tribulações políticas da época, havia, por parte dos governantes, um temor de que o comunismo fornecesse a base ideológica para articular as demandas profissionais dos policiais com demandas políticas mais amplas, fazendo com que a polícia deixasse de defender o Estado e passasse a defender a revolução. (ROSEMBERG, 2015a: 42-43). Isso acabou mobilizando uma grande reação por parte do governo. Na manhã do dia 14, tropas do II Exército cercaram o QG do corpo de bombeiros, centro da greve, prendendo centenas de grevistas. Como saldo final, 513 policiais foram indiciados no inquérito disciplinar, 63 em inquéritos policiais e 57 sofreram processos criminais, sendo a maior parte dos que foram punidos suboficiais e soldados, apesar da adesão de um grande número de oficiais ao movimento (ROSEMBERG, 2015a: 41; BATTIBUGLI, 2010: 149-150). Não obstante esse episódio, o descontentamento dos policiais não evoluiu para uma oposição aberta ao governo estadual. Conforme se aprofundava a crise do governo João Goulart, as polícias se mantiveram fiéis ao governo estadual, desempenhando papel importante no Golpe de 1964.

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CAPÍTULO 2 - DO GOLPE À CRIAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR (1964-1970) (…) Enquanto a polícia e os militares atuam a favor do inimigo, a quem as pessoas odeiam, o guerrilheiro urbano defende uma causa justa, que é a causa do povo. Carlos Marighellla. Mini-manual do Guerrilheiro Urbano. 1969

De comum acordo com a Inspetoria Geral de Polícias Militares e com os Secretários de Segurança dos Estados, através de programas de aperfeiçoamento das diversas organizações policiais, federais e estaduais, procurou o Departamento de Polícia Federal dar assistência a todas as unidades da Federação, visando à interação das Polícias brasileiras no panorama da Segurança Nacional, dentro de doutrina unificada. Presidente General Arthur da Costa e Silva. Mensagem ao Congresso Nacional. 1969

Em janeiro de 1963, Adhemar de Barros assumiu pela terceira vez o governo do Estado, manifestando uma posição abertamente hostil ao presidente João Goulart. Até 1962, Adhemar de Barros, apesar de notadamente conservador, havia recebido apoio do PCB em algumas de suas campanhas em troca da defesa de algumas propostas trabalhistas. Após a renúncia de Jânio Quadros à presidência, no entanto, Barros se converteu em um opositor ferrenho do trabalhismo e do presidente João Goulart. Quando este recuperou os poderes de chefe de governo, após a vitória no plebiscito de janeiro de 1963, nomeou o então Chefe do Gabinete Militar da Presidência, General Amaury Kruel, para a pasta do Ministério da Guerra. Kruel, declaradamente anticomunista, era amigo de João Goulart, e sua nomeação, possivelmente, foi uma tentativa de tranquilizar a oposição conservadora. No entanto, na visão da esquerda trabalhista, liderada por Leonel Brizola, a nomeação fazia parte da "política de conciliação" de Goulart, a qual consideravam fadada ao fracasso. Assim, através de intensa mobilização, incluindo campanhas acusatórias nos meios de comunicação, o grupo ligado a Brizola conseguiu pressionar João Goulart para que afastasse Kruel durante uma reforma ministerial em setembro do mesmo ano. Kruel passou a comando do II Exército, lotado em São Paulo, sendo substituido pelo general Jair Dantos Ribeiro, considerado um legalista. Aos olhos dos adversários da direita, a constituição do "dispositivo militar" de João Goulart tinha como finalidade garantir suas aspirações revolucionárias (CARDOSO, 2003: 34 ; FERREIRA, 2007: 527). Em dezembro de 1963, o efetivo da Força Pública foi aumentado em quase 10 mil homens,

74 passando de 21.085 para 31.000.149 Segundo Dalmo Dallari, neste mesmo ano, a FP começou a aprimorar sua preparação militar, através de um treinamento especial sigiloso, que incluía combates na selva. A FP também intensificou a repressão contra movimentos grevistas e manifestações de trabalhadores, por considerá-los a base de apoio do Presidente. Diante disso, começaram a circular rumores sobre uma intervenção do Exército na Força Pública, o que motivou um estado de atenção permanente dentro da corporação (DALLARI, 1977: 76-77). Não há elementos aqui para se afirmar com segurança que essa preparação militar e o aumento de efetivo correspondem já a uma intenção golpista clara. É certo que já havia uma articulação golpista desde fins de 1963. Porém, em primeiro lugar, ainda não havia consenso entre os militares e, em segundo lugar, não se pode precisar até que ponto o governador de São Paulo estava envolvido.150 Em 1964, o envolvimento de Adhemar de Barros já é mais explícito. No início do ano, o governador participou de uma reunião com o Marechal Odylio Denys para analisar o plano de "resistência democrática". Em discussão estava qual seria o melhor lugar para o início do movimento golpista: São Paulo, Minas Gerais ou o Rio de Janeiro. Barros se recusou a assumir a liderança, sob o argumento de que os outros estados tinham abandonado São Paulo durante a revolta de 1932, mas deu garantias de apoio ao estado que liderasse o movimento. Dessa maneira, a deflagração do golpe ficou a cargo de Minas Gerais (CARDOSO, 2003: 37). Na madrugada de 1º de abril de 1964, as polícias de São Paulo se mantiveram fiéis ao governo estadual nas movimentações do golpe. O General Kruel, então comandante do II Exército, relutou em aderir ao movimento golpista. Uma possível resistência das tropas do Exército lotadas em São Paulo representava uma grande ameaça ao golpe. Diante disso, a Força Pública se preparou para um confronto, caso fosse necessário. No entanto, apesar de sua amizade com Goulart e reputado legalismo, o general mudou sua posição na última hora e terminou por aderir ao golpe (DALLARI, 1977: 76).151 Resolvida a breve cizânia militar em São Paulo, a Força Pública foi posta à disposição do II 149 Lei estadual nº 8030, de 06/12/63. 150 Segundo Marcos Napolitano, até 1964, as Força Armadas e a direita civil ainda estavam divididas quanto a opção golpista. Foi somente com o tardio alinhamento de João Goulart com os movimentos sociais, já em 1964, é que se fechou um consenso entre a direita (NAPOLITANO, 2014: 52-53). 151 Segundo Muniz Bandeira, o General telefonou para João Goulart oferencendo-se como mediador, sob condição de que o Presidente fechasse organizações populares, como a CGT e a UNE, e intervisse nos sindicatos. Diante da negativa, já que tal ação configuraria um "suicídio político" de Goulart, o General resolveu aderir ao golpe (BANDEIRA, 2010: 337-338). Contudo, segundo depoimento do coronel reformado Erimá Pinheiro Moreira à Comissão Municipal da Verdade de São Paulo e registrado no Relatório da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", haveria ainda uma outra motivação. Moreira afirma que, no dia 31 de março, o general Kruel participou de uma reunião com o então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), Raphael de Souza Nochese, que lhe ofereceu três malas de dinheiro, totalizando um milhão e duzentos mil dólares para que apoiasse o golpe. A origem do dinheiro seria, de acordo com Moreira, o governo dos EUA. As malas foram colocadas no carro do general e, algumas horas depois, ele anunciou sua adesão ao golpe. O dinheiro teria sido ultilizado pelo general na compra de duas fazendas na Bahia (CVESP, 2015b: 1-2)

75 Exército. Conforme já foi dito, o 1º BP "Tobias de Aguiar" e o Regimento de Cavalaria foram incorporados temporariamente ao Exército durante o golpe. A bibliografia não se extende muito sobre a ação das polícias paulistas durante o golpe. A resistência quase inexistente nas ruas, particularmente em São Paulo, não gerou episódios de grandes massacres e mártires no 1º de Abril. Segundo Elio Gaspari, ao todo foram sete mortos, todos civis, nenhum deles em São Paulo. 152 Dessa maneira, prossegue o autor, "na contabilidade das quarteladas latino-americanas, a deposição do presidente João Goulart foi praticamente incruenta" (GASPARI, 2002: 52). De pronto, os comandantes da Força Pública e da Guarda Civil fizeram pronunciamentos em apoio ao golpe. No dia 3 de Abril, foi publicado um "elogio coletivo" do Comandante da Guarda Civil, Reynaldo Saldanha da Gama, a todos os guardas pela atuação "em defesa dos princípios cristãos, da instituição da Família e, particularmente, da Liberdade de viver", alertando, no entanto, que venceram apenas "a primeira batalha" e que "horas mais trágicas estão a soar". O elogio é marcado por um forte anticomunismo afirmando que "aqueles que estão do lado esquerdo nós combateremos, sem contemplações" e concluindo com votos para que "Deus os abençoe e faça desaparecer, definitivamente, o vermelho dos céus do Brasil. Fique apenas o azul dos nossos uniformes".153 O comandante da Força Pública, General Franco Pontes, fez um pronunciamento durante a formatura realizada no Campo do Canindé, no dia oito de abril. O general reiterou a lealdade da FP ao governador e ao II Exército, lembrando que seus homens tomaram partido do golpe mesmo antes do pronunciamento do General Kruel. Curiosamente, em contraste com seu correlato da Guarda Civil, o discurso do comandante da Força Pública não apresenta, explicitamente, marcas do anticomunismo, fazendo referências mais genéricas ao governo de João Goulart. Este é descrito como uma "aventura sinistra a que a incompetência de uma minoria queria levar nossa Pátria". Graças à "precisão e rapidez com que o dispositivo policial foi desdobrado em todo o Estado (...) ficaram totalmente aniquilados o ânimo e a veleidade de ação de qualquer um dos órgãos ilegais que há tanto tempo vinham agitando e entravando a vida normal do Estado". Assim, apesar de ser necessário permanecer em alerta, "renascem as esperanças, quando o Brasil se encontra no verdadeiro caminho da Democracia Cristã".154 As manifestações de apoio não partiram apenas das cúpulas, mas também de algumas entidades de classe e grupos organizados do baixo escalão. O Centro Social dos Classes Distintas emitiu um "manifesto", já no dia 1º de abril, onde interpreta a derrubada do presidente não como um golpe ou uma revolução, mas como um ato de defesa da legalidade e da liberdade. Os guardas civis 152 Das sete vítimas, três foram mortas no Rio de Janeiro, duas em Recife e duas em Governador Valadres (MG). GASPARI, 2002: 61, nota 97. 153 Boletim Geral da Guarda Civil de São Paulo nº 60, 1º de abril de 1964, Anexo. Museu de Polícia. 154 Boletim Geral da Força Pública do Estado de São Paulo nº 68, 10 de abril de 1964, Anexo. Museu de Polícia.

76 viveriam "no seio da liberdade [onde] resolvemos nossos problemas de progresso em clima de democracia, com civismo e cristianismo". A própria Guarda Civil seria um exemplo dessa democracia, pois nela "o mais humilde iguala-se humanamente ao mais graduado". Contudo, prossegue o manifesto, "sem liberdade, sem disciplina, sem legalidade, seremos escravos". O documento incentiva também que todos os guardas colaborem no esclarecimento da população para que continuem cumprindo suas obrigações cotidianas, pois assim estariam contribuindo com a "manutenção do regime democrático e defesa de seus lares". Concluem afirmando que “a luta pela Lei e Pela Ordem está iniciada. Os Classes Distintas estão nas trincheiras da Legalidade”. 155 Um grupo de sargentos e subtenentes da Companhia de Guarda e da Guarda Militar, lotados no Palácio do Governo, também emitiram uma nota no 1º de abril. Nela criticam a direção de sua entidade de classe por ter participado, em 30 de março, em uma Convenção do Rio de Janeiro com "sindicatos e partidos facciosos", que não representariam os anseios da classe. Reiteram então sua lealdade ao governador Adhemar de Barros, como o "idílio expoente das forças democráticas deste País".156 A referida reunião se deu no Automóvel Clube do Brasil e contou com a presença do Presidente João Goulart. Os policiais reivindicavam os mesmos direitos dos trabalhadores civis. Apesar do tom moderado e conciliatório do presidente, apelando para sentimentos de ordem e princípios cristãos, essa reunião foi vista como o ultraje final à alta hierarquia militar, pois passava por cima da cadeia de comando (NAPOLITANO, 2014: 58). Emitidas ainda nos momentos iniciais da ditadura, as notas, apesar das diferenças de tom, possuem como ponto comum a reivindicação da "ordem democrática", do legalismo e dos valores cristãos, destoando do discurso do comando das Forças Armadas que declara uma "autêntica revolução", conforme o Ato Institucional (conhecido como AI-1). Posteriormente, conforme se consolida o regime, as polícias incorporariam o vocábulário "revolucionário". Contudo, a adesão, apesar de maciça, não foi absoluta. Há o registro de pelo menos um caso de resistência interna. O Boletim Geral da Força Pública de 23 de abril de 1964 traz a solução do Inquérito Policial Militar (IPM) aberto contra um grupo de soldados que panfletou contra o golpe. Na noite do dia 1º e na madrugada do dia 2 de abril, foram distribuídas, em algumas unidades da FP, cópias de um manifesto do Centro Social dos Cabos e Soldados (CSCS), assinado pelo seu presidente, o soldado Oirasil Werneck, do Batalhão de Guardas. Segundo o Boletim, o "referido manifesto incitava as praças da Corporação à desordem e à indisciplina, bem como continha dizeres atentatórios ao regime democrático”. Foi então aberto o IPM para investigar o caso, que apontou que, ainda na manhã do dia primeiro, os soldados Evaldo Cardoso Martins e Lyrico Martins 155 Boletim Geral da Guarda Civil de São Paulo nº 62, 3 de abril de 1964, Anexo. Museu de Polícia Militar. 156 O ESTADO DE SÃO PAULO. "Sargentos da Força Pública solidários com o Governador", 01/04/1964. p.7

77 Cardoso, ambos irmãos e pertencentes ao 2º BP, encontraram-se com Werneck no Parque da Aeronáutica. Ali, lhes foi entregue a cópia original do manifesto, com a qual foram em busca de uma tipografia para imprimí-lo. Werneck sugeriu que procurassem o Tesoureiro do CSCS, o soldado José Maria Franco de Araújo, do QG, para que providenciasse o pagamento. Assim, próximos à sede do CSCS, encontraram-se com o tesoureiro e com os soldados Miguel da Silva França e José Cordeiro de Lima, ambos do 9º BP, seguindo a uma gráfica, onde solicitaram cinco mil cópias do manifesto. O inquérito apontou ainda que o texto teria sofrido alterações por parte do soldado Edvaldo, se tornando "mais contundente e subversivo". À noite, em posse das cópias, os soldados se dirigiram a alguns batalhões pra distribuir o manifesto, principalmente entre os praças. Também distribuíram um "Boletim Informativo", igualmente de "caráter subversivo", voltado aos civis. O inquérito acusa os policiais, ainda, de terem ignorado a ordem de prontidão – ou seja, de se manter aquartelados ou nos postos de trabalho – permanecendo horas a fio na sede do CSCS, com o intuito de pregar a "discórdia, a subversão da ordem, a quebra da disciplina e o desprestígio da hierarquia", valendo-se, além de tudo, de verbas do Centro Social.157 Em 20 de abril, Oirasil Werneck, Edvaldo Cardoso Martins, Lyrico Martins Cardoso, Miguel da Silva França, José Cordeiro Lima e José Maria Franco de Araújo tiveram prisão determinada por 30 dias nos seus respectivos quartéis.158 Os seis soldados foram enquadrados no art. 7 do Ato Institucional nº1, que prevê demissão de funcionários públicos vitalícios ou estáveis, caso atentem contra o regime. Assim, o IPM sugeriu a expulsão dos acusados e o encaminhamento do caso para a Justiça Militar, bem como uma cópia ao comandante do quartel da aeronáutica citado na investigação.159 Posteriormente, vários desses policias seriam presos sob acusação de pertencerem ao PCB.160 O caso da diretoria do CSCS é a exceção que confirma a regra. Como já foi dito, a polícia, tal qual as Forças Armadas, estava permeada por pessoas ligadas às várias matizes da esquerda de então. As entidades de classe se tornaram o principal ponto de convergência desses grupos, através das quais lutavam tanto pela ampliação de seus direitos enquanto trabalhadores como também por pautas mais amplas. A rápida capitulação de João Goulart e das esquerdas em geral, bem como a perspectiva de uma punição severa devido à quebra de hierarquia e mesmo acusações de traição, 157 Boletim Geral da Força Pública do Estado de São Paulo, nº 76, 23 de abril de 1964, pp. 1060-1063. Museu de Polícia. 158 Boletim Geral da Força Pública do Estado de São Paulo, nº 74, 20 de abril de 1964, pp. 1012-1013. Museu de Polícia. Edvaldo Martins é denominado como "Evaldo" neste documento. Por desconhecer qual é a grafia correta, optou-se por manter a do outro documento (Boletim Geral nº 76), mais extenso e onde ele figura mais vezes. 159 Boletim Geral da Força Pública do Estado de São Paulo, nº 76, 23 de abril de 1964, pp. 1060-1063. Museu de Polícia. Museu de Polícia. 160Prontuário 97348 Renato de Oliveira Mota e outros. 2 volumes. 1975. Fundo DEOPS. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

78 certamente contaram como fatores importantes na desmobilização da esquerda policial. Sintomaticamente, a resistência da FP surgiu de um pequeno grupo ideologicamente organizado, vinculado ao PCB. Infelizmente, o texto do "manifesto" e do "boletim informativo" não estão disponíveis na documentação. Os graves termos utilizados pelas autoridades golpistas para se referir ao documento devem ser relativizados, visto que eram generalizados contra a oposição neste momento, independentemente dos métodos preconizados para a resistência. De qualquer forma, mesmo dispondo de acesso a armamentos, os soldados optaram por uma forma pacífica de tentar iniciar a resistência, através de uma panfletagem de textos. Além da correlação de forças extremamente desfavorável, pesa aí também a posição do PCB, contrário à resistência armada. Ao assinar o manifesto, que muito bem poderia ser anônimo, os soldados se expuseram aos riscos da repressão, confiando que o prestígio do Centro Social entre os praças faria com que o chamado à resistência fosse ouvido com mais boa vontade. Os militares, incluso as milícias estaduais, foram o grupo mais atingido na primeira fase da repressão. A "Operação Limpeza", levada a cabo logo após o golpe, visava a prisão e indiciamento dos opositores. A polícia e as Forças Armadas puseram em prática um processo de varredura, incluindo prisões em massa, com diversas denúncias de tortura. Não há número exato de quantos foram detidos, porém, alguns números da imprensa internacional apontam aproximadamente 10 mil detidos em uma única semana em meados de abril (HUGGINS, 1998: 142). Após o Ato Institucional, de 9 de abril, começaram a ser instituídos IPMs para processar alguns opositores do regime, principalmente militares. Conforme a Comissão Nacional da Verdade, ao longo da ditadura, foram perseguidos 6.591 militares, dos quais a maior parte se concentra no período Castelo Branco (CNV, 2014b: 11). Em 1965, foram realizadas eleições para governador em onze estados.161 Essas eleições marcariam o início de uma crise no regime. Apesar da vitória dos candidatos governistas na maioria dos estados, a oposição venceu em Minas Gerais, Guanabara, Santa Catarina e Mato Grosso. Nos dois primeiros estados, o resultado foi especialmente preocupante para o regime, pois os candidatos de Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, importantes conspiradores de primeira hora, foram derrotados por dois aliados de Juscelino Kubitschek. Mesmo com os direitos políticos suspensos por dez anos, o ex-presidente demonstrava grande força política. Os setores mais da "linha-dura" dos militares demandaram a Castelo Branco que intervisse nos dois estados, cancelando as eleições e indicando novos governadores. A solução encontrada 161 As eleições para governador não eram todas simultâneas. Em 1965, aconteceriam as eleições nos estados do Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Minas Gerais, Guanabara, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás. Nos demais estados, São Paulo, Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espirito Santo, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe, as eleições haviam sido em 1962. Amapá, Roraima, Rondônia eram, então, territórios federais, com governadores nomeados diretamente pelo Governo Federal.

79 pelo governo, que ainda tentava transmitir uma imagem liberal, foi negociar com os governadores para que a indicação dos Secretários de Segurança fosse feita pelo governo federal (ALVES, 2005: 108-109; FICO, 2004: 73). Como consequência, durante a ditadura, a maior parte dos Secretários de Segurança de São Paulo – e da maioria dos estados - acabará sendo originário do Exército. Até então, era mais comum que fossem juristas da área do Direito Penal. Isso, no entanto, não sanou a crise que se instaurava entre os setores da "linha-dura" militar, desejosos de frear a oposição político partidária e prosseguir com a "operação limpeza" indefinidamente, e os setores mais "moderados", dispostos a consolidar o regime nos marcos do Ato Institucional nº 1. O resultado dessa disputa foi a promulgação do Ato Institucional nº 2, 24 dias depois das eleições estaduais.162 Com validade até 15 de março de 1967, final do mandato de Castelo Branco, as medidas adotadas pelo AI-2 podem ser divididas, segundo Maria Helena Moreira Alves, entre aquelas que visavam o controle do o Congresso Nacional, o controle do Judiciário e o controle da representação política. Assim, foram conferidas ao Executivo diversas competências e poderes, antes pertencentes ao Congresso, estando entre as principais, a exclusividade em questões orçamentárias das Forças Armadas; exclusividade para decretar e prorrogar o "estado de sítio"; o poder de baixar atos complementares e decretos-lei; e também o poder de decretar o recesso do Congresso, assembleias legislativas e câmaras de vereadores, durante os quais poderia legislar sobre quaisquer matérias. Com relação ao Judiciário, as principais medidas seriam que o Presidente passaria a ter poder de indicar um número maior de ministros do Supremo Tribunal Federal e todos os juízes federais; civis acusados de crimes contra a Segurança Nacional seriam processados pela Justiça Militar; suspendia-se o foro especial para governadores e secretários de Estado, que passariam também à Justiça Militar; e suspendiam-se as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade dos juízes, o que abriu possibilidade para diversos expurgos. Por fim, com relação à representação política, estabeleceu-se a eleição indireta para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, por meio de um Colégio Eleitoral; conferia-se ao Executivo o poder de cassar mandatos eleitorais e suspender direitos políticos por dez anos; e, talvez sua determinação mais conhecida, extinguia todos os partidos políticos existentes, determinando que os novos partidos deveriam ser constituídos de acordo com uma legislação muito mais rígida. A consequência foi o surgimento de um sistema bipartidário, com a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) (ALVES, 2005: 111-114). Em 1966, estavam previstas duas importantes eleições. Em 3 de setembro, seria o pleito para 162 A discussão sobre as disputas entre os grupos civis e militares então no poder e o processo que levou ao AI-2 é extensa, envolvendo pontos polêmicos. Essa descrição tenta apresentar um consenso mínimo, que atende ao tema central da dissertação. Para acompanhar a discussão ver, por exemplo, FICO, 2004: 71-76; NAPOLITANO, 2014: 82-84; ALVES, 2005: 109-116.

80 governador nos onze estados que não o haviam realizado no ano anterior, incluindo São Paulo. Em 15 de novembro, seria a vez dos legislativos desses onze estados e do Congresso Nacional, na sua primeira eleição desde o golpe. Visando controlar também os processos locais, em 5 de fevereiro, mais um Ato Institucional, de número 3, estabeleceria eleições indiretas para governadores, aos moldes da eleição federal. Aos governadores caberia, também, a nomeação dos prefeitos das respectivas capitais. O expressivo aumento de poder dos militares, gerou atritos com algumas lideranças políticas civis que tinham apoiado o golpe. Carlos Lacerda, recém saído do governo da Guanabara, e Adhemar de Barros, então governador de São Paulo, romperam com o governo. Corriam rumores de que a Força Pública defenderia Barros em caso de uma tentativa de cassação pelo Governo Federal. Porém – em uma irônica semelhança ao "dispositivo militar" de João Goulart, dois anos antes - a tropa não esboçou reação quando, em 6 de junho, o governador foi cassado sob acusações de corrupção (DALLARI, 1977: 78). Em seu lugar assumiu seu vice, Laudo Natel, para seguir o restante do mandato até 31 de janeiro do ano seguinte. Lacerda teve uma sobrevida política maior e lançou a Frente Ampla, em conjunto com Kubitschek e Goulart, ambos no exílio. A Frente atuaria organizando comícios e manifestações, reunindo opositores e dissidentes dentro de um amplo espectro político, em defesa de redemocratização. Contudo, com o derradeiro fechamento do regime no fim de 1968, a Frente seria proscrita e Carlos Lacerda também teria seus direitos políticos cassados (ALVES, 2005: 154-157; NAPOLITANO, 2014: 83-85). Até as eleições, o governo baixaria mais de uma dezena de atos complementares, diminuindo ainda mais os poderes do Legislativo, e cassaria diversos candidatos e parlamentares do MDB, e até mesmo alguns dissidentes do ARENA. 163 Dessa maneira, em 3 de setembro, Roberto Costa de Abreu Sodré, candidato único pelo ARENA, foi "eleito" pelo Colégio Eleitoral estadual. Em Brasília, o Congresso se rebelou contra a cassação de seis deputados oposicionistas, ao que o Executivo respondeu com o seu fechamento por 32 dias, a partir de 20 de outubro (ALVES, 2005: 125-126; NAPOLITANO, 2014: 83-84). As eleições para o Congresso transcorreram em clima de tensão por todo o país, com ocupação de tropas militares em cidades de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, além de várias denúncias de corrupção e compra de votos. O resultado, como esperado pelo governo, foi a vitória generalizada do ARENA tanto no nível federal, como nos estados (ALVES, 2005: 127). Aproveitando-se dessa situação favorável, o Governo Federal elaborou um projeto de uma nova Constituição. Era importante para a legitimidade do regime que a carta fosse ratificada pelo Legislativo. Assim, em 7 de dezembro de 1966, o Ato Institucional nº 4 convocou o Congresso para 163 Na ALESP, foram cassados quatro parlamentares em 1966, curiosamente, todos do ARENA: Ariovaldo Roscitto, Onofre Sebastião Gosuen, Oswaldo Gimenez e Nilson Ferreira da Costa. Ver CVESP, 2015a: 21.

81 uma sessão extraordinária com o objetivo de discutir e votar o texto. Em janeiro de 1967, com um Congresso expurgado e dominado pelo ARENA, e sob condições altamente restritivas, que dificultavam alterações, foi promulgada uma nova Constituição Federal. A carta consolidava os dispositivos de controle mais importantes dos Atos Institucionais e dos atos complementares, como a restrição ao direito de greve, o bipartidarismo, o Conselho de Segurança Nacional, além de concentrar os poderes no Executivo, que ganhou a prerrogativa de indicar os governadores e prefeitos de cidades declaradas de interesse para a segurança nacional. Apesar disso, ela mantinha algumas garantias de direitos individuais e políticos, como o habeas corpus e imunidade parlamentar (ALVES, 2005: 127-136). É justamente a partir deste momento que vem a primeira ameaça, por parte da ditadura, à existência da Guarda Civil. Tendo seus poderes ampliados, os militares começam a acentuar gradativamente o seu controle sobre a segurança pública nos estados. Algumas medidas pontuais no âmbito da Secretaria de Segurança e da Força Pública, já davam indícios desse movimento. Em 1966, o Estado Maior da Força Pública paulista já havia sido ampliado, com a criação da 1ª, 2ª e 3ª Seções, dotando a corporação, portanto, de uma estrutura de comando mais complexa. 164 No início de 1967, foi empossado como Secretário de Segurança Pública, o Cel. EB Sebastião Ferreira Chaves, que, segundo implícito na narrativa de Vicente Sylvestre, não era muito simpático à Guarda Civil. Na sua gestão foi extinta a assessoria da Guarda Civil criada na gestão anterior. A assessoria era uma demanda antiga da GC e foi criada em 1964 pelo então secretário Cel. PM Cantídio Nogueira Sampaio, sem, no entanto, ser reconhecida por ato oficial. Quando o secretário Cel. Ferreira Chaves reformou o gabinete, não fez menção a assessoria, implicando na sua extinção (SYLVESTRE, 1985: 94). A nova Constituição Federal trazia a necessidade da adequação das demais leis, inclusive das Constituições estaduais. A primeira mudança importante relacionada à polícia foi o Decreto-lei nº 317, de 13 de março de 1967 – mesmo dia em que foi promulgada a Lei de Segurança Nacional165 - que ampliava o controle do Exército sobre as polícias militares estaduais. A sua principal determinação foi a instituição da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), subordinada ao Ministério da Guerra. Até então, embora já existisse a subordinação formal das polícias militares ao Exército, não havia nenhum órgão designado para exercer a função de coordenação. Chefiado por um General-de-Brigada do Exército, à IGPM competia: a) centralizar e coordenar todos os assuntos da alçada do Ministério da Guerra relativos às 164 Decreto estadual nº 45.930, de 17/01/66, que cria a 2ª e a 3ª Seções do EM da FP. Posteriormente, o Decreto estadual nº 47478, de 30/12/66 criou a 1º Seção conforme informação obtida através do SIC (Anexo III). 165 Decreto-lei nº 314, de 13/03/67

82 Polícias Militares; b) inspecionar as Polícias Militares, tendo em vista o fiel cumprimento das prescrições deste decreto-lei; c) proceder ao controle de organização, dos efetivos, do armamento e do material bélico das Polícias Militares; d) baixar normas e diretrizes e fiscalizar a instrução militar das Polícias Militares em todo o território nacional, com vistas às condições peculiares de cada Unidade da Federação e a utilização das mesmas em caso de convocação, inclusive mobilização em decorrência de sua condição de forças auxiliares, reservas do Exército; e) cooperar com os Governos dos Estados, dos Territórios e com o Prefeito do Distrito Federal no planejamento geral do dispositivo da Força Policial em cada Unidade da Federação, com vistas a sua destinação constitucional, e às atribuições de guarda territorial em caso de mobilização; f) propor, através do Departamento Geral do Pessoal, ao Estado-Maior do Exército os quadros de mobilização para as Polícias Militares de cada Unidade da Federação, sempre, com vistas ao emprego e suas atribuições específicas e guarda territorial; g) cooperar no estabelecimento da legislação básica relativa às Polícias Militares.166

Além disso, o decreto também estabeleceu que o cargo de Comandante-Geral de cada polícia militar seria exercido obrigatoriamente por um oficial da ativa do Exército, preferencialmente um Tenente-Coronel ou Coronel, podendo, apenas em caso excepcional, ser um Coronel da própria Força Pública. Também permitia que oficiais do Exército compusessem o Estado-Maior ou servissem de instrutores na FP. Até então não havia sido incomum que militares do Exército comandassem a Força Pública. No entanto, percebe-se uma tendência, desde 1946, por uma preferência por oficiais da própria corporação. Dos 22 comandantes da corporação entre 1946 e 1970, apenas nove eram originários do Exército, dos quais apenas dois exerceram o cargo antes de 1960. De 1964 até 1983, apenas o Coronel Theodoro Cabette será originário da corporação, comandando a PM entre 1972 e 1974. Na Guarda Civil, apesar de não haver nenhuma especificação legal, também observa-se uma tendência, desde a metade dos anos 50, de que os comandantes fossem oriundos da própria corporação ou da Polícia Civil. Contudo, entre 1967 até a sua extinção, em 1970, o cargo foi ocupado por dois majores do Exército. A patente, inferior a de coronel e tenente-coronel, demarcava uma posição de subordinação à Força Pública (MORAES, 2005). Em São Paulo, o Decreto nº 317, com seus diversos pontos ambíguos, não agradou nenhuma das três corporações policiais. Ele estabelecia que à Força Pública competia "executar o policiamento ostensivo, fardado, planejado pelas autoridades policiais competentes".167 Assim, a 166 Art. 22, Decreto-lei nº 317, 13/03/67. 167 Art. 2, Decreto-lei nº 317, 13/03/67.

83 Polícia Civil temia – como por fim viria a ocorrer – que os seus delegados não fossem as tais "autoridades policiais competentes", perdendo a prerrogativa de organizar o policiamento de rua. A Guarda Civil temia que o decreto pudesse ser interpretado como uma garantia da exclusividade da FP sobre o policiamento ostensivo, implicando na sua extinção. Por fim, apesar do decreto sugerir uma ampliação da sua atuação, setores da Força Pública temiam que ele levasse a uma interferência do Exército na corporação. Todas essas questões deviam ser resolvidas por legislação estadual, a começar pela Constituição do Estado, cujo projeto devia ser enviado à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), conforme determinação federal, até 15 de abril. A posição do governo estadual sobre o papel da Guarda Civil, ao que tudo indica, não era consensual. Segundo Sylvestre, o primeiro entendimento do Secretário de Segurança era de que o Decreto-lei nº 317 conferia exclusividade à Força Pública no policiamento ostensivo, o que significava uma clara ameaça à existência da Guarda Civil. Após "agitada movimentação no Gabinete do Secretário de Segurança Pública, onde surgiam as mais diversas interpretações", um estudo foi enviado ao governador. Sem entrar nos detalhes deste estudo, Sylvestre dá a entender, mais uma vez, que o Secretário visava acabar com a GC, pois, quando o projeto foi enviado à Alesp, o capítulo sobre a segurança Pública "fora sensivelmente alterado pelo governador". A versão alterada previa a manutenção da GC, o que leva a supor que a original do Secretário, não. Na Assembléia, o líder do governo, deputado Paulo Planet Buarque, atuava "numa flagrante contradição" (SYLVESTRE, 1985: 91-92). Nos bastidores, pedia a unificação da GC e da FP, apresentando inclusive uma emenda ao projeto da Constituição, enquanto, nos seus discursos na tribuna, defendia o projeto de Abreu Sodré. As entidades de classe da GC então se mobilizaram, financiando a veiculação no rádio, aos domingos, da seguinte notícia, extraída do jornal O Estado de S. Paulo, de 30 de abril: Guarda civil contra a emenda. A Guarda Civil de São Paulo é contrária aos termos da emenda ao projeto de reforma da Constituição do Estado que pretende a imediata unificação da Polícia. De acordo com a declaração conjunta dos presidentes das entidades representativas da corporação, desejam seja mantido integralmente o ponto de vista esposado pelo governador do Estado, constante do projeto original do Executivo (sic).

Também enviaram aos deputados cerca de 5.000 telegramas, escritos por familiares de guardas, pedindo apoio ao projeto do governador, "visto que o povo não pode abrir mão de sua Guarda Civil". Por fim, a nova Constituição Estadual foi aprovada em 13 de maio, afirmando como órgãos

84 policiais os Delegados de Polícia e demais carreiras policiais, a Força Pública e Guarda Civil. 168 A Carta previa ainda que devia ser promulgada uma "Lei Orgânica da Polícia" para regular os "deveres, vantagens e respectivos regimes de trabalho" das polícias.169 Assim, no dia primeiro de agosto, foi montada uma Comissão, junto ao gabinete do Secretário de Segurança, integrada por representantes das três corporações para a elaboração do anteprojeto da "Lei Orgânica da Polícia". Segundo Sylvestre, o clima da Comissão era tenso, devido aos enormes interesses envolvidos. Os representantes da Guarda Civil foram substituídos no meio dos trabalhos, por ordem do Comandante da GC, que os julgava muito radicais na defesa da corporação (SYLVESTRE, 1985: 95). Segundo Huggins, delegados de vários estados manifestaram desagrado perante o poder público. Em São Paulo, os delegados denunciavam que a Força Pública estaria exercendo tarefas fora da sua alçada, inclusive funções de polícia judiciária, levando presos diretamente para a cadeia e autuando-os. De acordo com os relatórios da Office of Public Safety (OPS), pesquisados por Huggins, os delegados veriam no Decreto nº 317 um "monstro... uma revogação [dos] direitos da Polícia Civil". Em 1968, a imprensa paulista iria se referir ao conflito como "uma das piores crises na história de nossa polícia" (HUGGINS, 1998: 154-155). O Comandante Geral da Força Pública, Ten-Cel do Exército José Antônio Barbosa de Moraes, chegou a encaminhar um ofício ao Secretário de Segurança Pública se posicionando contra o anteprojeto de lei orgânica da polícia.170 Um relatório do Serviço Secreto do Estado Maior da FP de Minas Gerais informa que oficiais das Forças Públicas de São Paulo e de Minas Gerais estariam fazendo reuniões secretas para se articular contra a nova Lei Orgânica da Polícia, pela extinção da IGPM e pela volta do comando às mãos de um integrante da corporação e não mais do Exército. O relatório, apesar de mostrar preocupação com a possibilidade de sublevação das polícias, ressalta que o movimento não tem um caráter “esquerdista”, mas que os policiais apenas temem que o Exército tire suas armas.171 Enquanto isso, Sylvestre relata uma "'guerra' de pareceres jurídicos" envolvendo juristas de renome interpretando o decreto, "dando razão, sempre, às partes que encomendaram seus serviços".172 Diante disso, o secretário de segurança consultou o Ministério do Exército sobre a 168 Art. 139, CESP/67. É a primeira Constituição Estadual a incluir as demais carreias da Polícia Civil em seu texto. 169 Art. 141, CESP/67. 170 DEOPS, 50-D-1018, Arquivo Público do Estado de São Paulo. O ofício original não tem data, mas foi arquivado pelo DEOPS em 8 de Abril de 1968 171 DEOPS. Relatório. 50-D-18-1020, Arquivo Público do Estado de São Paulo, 28/01/1968 172 Participaram Cândido Motta Filho, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e Catedrático de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP; J. Netto Armando, Procurador da Justiça aposentado; Carlos Medeiros da Silva, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ministro da Justiça de Castello Branco; Vicente Rao e Pontes Miranda (SYLVESTRE, 1985: 96)

85 questão da exclusividade ou não da FP no policiamento ostensivo. A resposta do Ministério foi que, salvo o Distrito Federal, nas demais unidades da federação, "não cabe à Polícia Militar exclusividade para realizar o policiamento ostensivo fardado" (SYLVESTRE, 1985: 93). Apesar disso, antes mesmo que a comissão terminasse seus trabalho, o governo estadual tomaria uma decisão favorável à FP. Em 24 de dezembro de 1967, todo o efetivo operacional do 11º BP e do 12º BP, responsáveis, respectivamente, pelo trânsito e pela Rádio Patrulha, foi transferido para o 1º BP "Tobias de Aguiar", que passou a ser responsável pelo policiamento de todas as circunscrições da Zona Centro, substituindo a Guarda Civil na 1ª (Sé), 3ª (Santa Ifigência), 4ª (Consolação), 5ª (Liberdade), 6ª (Cambuci) e 8ª (Brás) circunscrições, além de manter a 2ª (Bom Retiro) e 12ª (Pari), já anteriormente sob sua jurisdição. Exatamente um mês depois, um Decreto-lei estadual consolidou o fim do "paralelo 38", ou seja, da tradicional divisão de áreas entre a FP e a GC, transferindo todo o serviço de Rádio Patrulha da capital para a Força Pública e o de trânsito para a Guarda Civil. 173 Assim, o contingente restante do 11º BP passou ao serviço de Rádio Patrulha, enquanto as DPs da Zona Centro da GC foram transformadas em Divisões de Trânsito e as suas Divisões de Rádio Patrulha foram alocadas em outras funções, em geral de guarda de prédios públicos. A tensão entre as corporações se acirrou e a imprensa começou a noticiar que o II Exército estava de prontidão em todo o estado, caso fosse necessária uma intervenção. O anteprojeto transformou-se em um problema político para o governador. Entre fevereiro e abril de 1968, Abreu Sodré promoveu a troca dos Comandantes da FP e da GC e do Secretário de Segurança, mantendo apenas o Delegado Geral, numa tentativa de pacificar as polícias. O anteprojeto elaborado pela comissão, com 355 artigos, foi entregue ao governador em março, sofrendo ainda grande rejeição por parte da FP. O projeto enviado pelo governador para a Assembléia Legislativa, continha apenas 47 artigos, e acabou sendo aprovado com pequenas modificações. Assim, finalmente, em 27 de maio, foi sancionada a "Lei Orgânica da Polícia" (SYLVESTRE, 1985: 96-97).174 Em setembro, a Guarda Civil foi parcialmente reorganizada de acordo com a nova legislação, e várias Divisões Policiais e Agrupamentos tiveram suas denominações e funções alteradas.175 Das dezenove DPs, catorze mantiveram a mesma função, sendo denominadas não mais pelo número correspondente à circunscrição policial, mas pelo nome do bairro onde situava a sede, da seguinte maneira176: 2ª DP – DP Bom Retiro; 5ª DP – DP Liberdade; 7ª DP – DP Lapa; 8ª DP – 173 Decreto-lei estadual nº 49240, de 24/01/68. 174 Decreto estadual nº 10123, de 27/05/68. 175 Portaria 1048, de 11/09/68 176 As informações foram extraídas de Waldyr de Moraes (1998: 143-144; 2004: Tabelas 20-21). Apesar da ordem para que o policiamento da Zona Centro ficasse todo a cargo da FP, as DPs Bom Retiro, Liberdade, Pari e Brás permaneceram existindo. Não foram encontradas justificativas para a manutenção dessas Divisões, no entanto, da

86 DP Brás; 10ª DP – DP Penha; 11ª DP – DP S Amaro; 12ª DP – DP Pari; 16ª DP – DP Saúde; 17ª DP – DP Ipiranga; 23ª DP – DP S Lucas; 28ª DP – DP N Senhora do O; 31ª DP – DP V. Carrão; 34ª DP – DP V. Sonia; 40ª DP – DP V. S Maria. Além disso, a GC manteve algumas subdivisões distribuídas pela capital, em áreas de jurisdição majoritária da FP.177 A 3ª, 6ª e 14ª DPs, que já realizavam o trabalho de fiscalização do trânsito, foram transformadas na 4ª, 5ª e 6ª Divisões de Trânsito (DT), respectivamente, enquanto a 4ª DT, teve sua numeração alterada para 7ª DT. A 1ª DP (Sé) e a 26ª DP (Sacomã) foram transformadas na 4ª e 1ª Divisões de Proteção a Escolares e Pedestres (DPEP), enquanto a DPEP já existente se converteu na 3ª DPEP. As seis Divisões de Rádio Patrulha (DRPs), o serviço mais atingido pela nova legislação, foram alocadas em outras funções, em geral de guarda. 178 Em Santos, a GC também perdeu o serviço de radiopatrulha, sendo a Divisão de Rádio Patrulha de Santos convertida na Divisão de Policiamento de Divertimentos e Repartições de Santos. Além disso, algumas unidades tiveram suas denominações alteradas, mas mantiveram a mesma função. A Divisão de Reserva teve sua denominação alterada para Divisão de Policiamento Especializado (DP Especializado). A Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária (DSFF) passou a ser denominada Divisão de Policiamento e Segurança da Secretaria da Fazenda (DPSSF). Foi criado também o Serviço de Policiamento em Interdições (SPI), responsável pelo isolamento de prédios interditados.179 As demais unidades não sofreram alteração. Os agrupamentos também foram reestruturados, com a transferência de algumas Divisões e mudança da numeração, ficando da seguinte maneira: Quadro 7 – Agrupamentos da Guarda Civil em 1968 mesma maneira que a FP, a maioria das sedes administrativss da GC encontravam-se no centro. Sabe-se que o Bom Retiro abrigava a sede da Divisão de Reserva (hoje sede do 2ª BPChq) e a Liberdade abrigou a Sede do Comando da corporação até o inicio dos anos 50. É de se supor, portanto, que as regiões da Zona Centro onde a GC manteve DPs, possuíssem algum edíficio da corporação. 177 Ver Anexo IV. Essas áreas com subdivisões da GC, conforme as respectivivas circunscrições policiais, eram: Vila Maria (19ª Circunscrição), Ermelino Matarazzo (24ª Circunscrição), Itaquera (32ª Circunscrição), Vila Matilde (21ª Circunscrição), Vila Gustavo (39ª Circunscrição), Tatuapé (30ª Circunscrição), Vila Rica (41ª Circunscrição), São Miguel Paulista (22ª Circunscrição), Belenzinho (25ª Circunscrição), Perdizes (23ª Circunscrição), Pinheiros (14ª Circunscrição), Casa Verde (13ª Circunscrição), Santana (9ª Circunscrição), Santa Ifigênia (3ª Circunscrição), Consolação (4ª Circunscrição), Tucuruvi ( 20ª Circunscrição), Vila amália (38ª Circunscrição), Indianápolis (27ª Circunscrição), Vila Margalot (33ª Circunscrição), Paraíso (36ª Circunscrição), Vergueiro (37ª Circunscrição), Interlagos (43ª Circunscrição), Vila Prudente (29ª Circunscrição), Cambuci (6ª Circunscrição), Sé (1ª Circunscrição), Alto da Moóca (18ª Circunscrição), Congonhas (27ª Circunscrição), Vila Guarani (35ª Circunscrição) e Sacomã (26ª Circunscrição). 178 Ver Anexo IV. A 1ª DRP se converteu na Divisão de Policiamento e Segurança da Assembléia Legislativa (DPSAL); a 2ª DRP, na Divisão de Policiamento e Segurança dos Palácios da Justiça (DSPPJ); a 3ª DRP foi convertida na 2ª DPEP; a 4ª DRP, na 1ª Divisão de Manutenção e Transporte Motorizado (1ª DMTM); a 5ª DRP, na 2ª Divisão de Guarnição; e a 6ª DRP, na 2ª DMTM. 179 Breve Histórico. 13º Batalhão de Polícia Militar/Metropolitano. S/d Pasta CPC, CPA/M1, 13º BPM/M. Museu de Polícia.

87 Agrupamento Unidades de Divisões 1º Ag

SPI, DP Especializado, DP Penha, DP Brás, DP Pari e DP V. Carrão

2º Ag

DP Lapa, DP Nossa Senhora do Ó, DP Vila Sônia e DP Vila Santa Maria

3º Ag

DP Liberdade, DP Santo Amaro, DP Saúde, DP Ipiranga, DP S. Lucas e DP Bom Retiro

4º Ag

1ª DT, 2ª DT e 3ª DT

5º Ag

5ª DT, 4ª DT e 5ª DT

6º Ag

7ª DT e DSTM

7º Ag

1ª DPEP, 2ª DPEP, 3ª DPEP e 4ª DPEP

8º Ag

DPSAL, 2ª DPR, DSPPJ, DPSSF, 1ª DG e 2ª DG

9º Ag

1ª DMTM, 2ª DMTM, Banda de Música, Divisão Escolar e DTM

10º Ag

1ª DDP, 2ª DDP, 1ª DPR, 2ª DPR e DPI

11º Ag

Divisão de Policiamento de Santos, Divisão de Trânsito de Santos e DPDRS

12º Ag

DP Campinas, DP Ribeirão Preto e DP Sorocaba

13º Ag

SD Bauru, SD Guarulhos, SD Jundiaí, SD Marília, SD Mogi das Cruzes, SD Piracicaba, SD Presidente Prudente e SD São Carlos

Por fim, os agrupamentos foram distribuídos entre as Superintendências. Na 1ª Superintendência, o 1º, 2º e 3º Ag. D; na 2ª Superintendência, o 4º, 5º e 7º Ag. D; na 3ª Superintendência, o 8º, 9º e 10º Ag. D; e na 4ª Superintendência, o 11º, 12º e 13º Ag. D. Os demais serviços permaneceram vinculados ao Comando Geral. A Lei Orgânica da Polícia consolidou os termos dispostos no Decreto nº 317, estabelecendo divisões mais claras entre as competências de cada corporação, concentrando a repressão armada na Força Pública. A Polícia Civil foi, talvez, a mais atingida, tendo sua atuação no policiamento ostensivo consideravelmente diminuída. Os delegados perderam o poder de planejar o policiamento ostensivo e a PC não poderia mais efetuar rondas. Esse último ponto, porém, nunca foi totalmente cumprido (HUGGINS, 1998: 154). De fato, em 6 de dezembro, um decreto estadual reorganizou o Departamento de Investigações (DI), transformando-o no Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC). O decreto garantiu uma alta mobilidade e autonomia ao Departamento, com

88 turmas de execução de serviço organizadas "não em razão da categoria dos delitos, e sim tendo-se em vista o caráter e nocividade destes e as dificuldades das investigações". Além disso, a sua Divisão de Investigações Gerais (DIG) – responsável pelos crimes relacionados a lenocínio, entorpecentes, jogos, estelionato, capturas, entre outros – estava autorizada a realizar "diligências inopinadas e de sua própria iniciativa, em qualquer localidade do Estado". 180 Outra mudança importante na Polícia Civil foi a transformação da Delegacia Auxiliar da 2ª Divisão no recém criado Departamento Estadual de Trânsito (DET), sendo os antigos serviços dessa Divisão alocados em outros órgãos da Polícia Civil.181 O serviço de trânsito era interessante, pois propiciava presença por todo o território do Estado e grande poder financeiro, através do recolhimento de multas. A Guarda Civil perdeu o direito às rádio patrulhas e ao policiamento do centro da capital, sendo afastada das funções mais repressivas e ficando ainda mais voltada ao policiamento preventivo, através de serviços de guarda e fiscalização. A Força Pública foi a grande beneficiada, com a ampliação de sua área de atuação e aumento de autonomia em relação à PC, mesmo que, paralelamente, tenha sido fortalecida a sua subordinação ao Exército. Apesar de enfraquecida na Capital, a Guarda Civil manteve a responsabilidade sobre as maiores cidades do interior e recebeu todo o policiamento de trânsito, o que numa cidade como São Paulo não é algo desprezível. Apesar de não ter conseguido assumir o policiamento rodoviário, uma de suas demandas durante a comissão, a GC recebeu, através da Lei Orgânica, a incorporação da Polícia Feminina e da Polícia Marítima e Aérea, o que seria regulamentado no ano seguinte. 182 Assim, considerando toda a tensão em torno da lei, com riscos à existência da própria GC, Vicente Sylvestre considerou que a corporação "saiu crescida" da polêmica (SYLVESTRE, 1985: 96-97). As disputas em torno da Constituição Estadual e da Lei Orgânica mostram o poder de organização da GC, através, principalmente, de suas entidades de classe. O envolvimento político dessas entidades na defesa dos interesses corporativos, vem desde seu surgimento, nos anos 50. Na defesa da manutenção da própria existência da corporação, essas entidades souberam passar a barreira da discussão puramente interna com a Secretaria de Segurança e envolver parlamentares e setores da sociedade. No passado, tais entidades já haviam conseguido mesmo eleger representantes para a Alesp e para a Câmara de Vereadores de São Paulo. 183 Essa inserção nos meios políticos foi 180 Decreto estadual nº 490646, de 06/12/67. 181 Decreto estadual nº 49000, de 27/11/1967. O DET havia sido criado no início do ano, pelo Decreto estadual nº 47740, de 8/02/1967, e corresponde ao atual DETRAN. 182 A Polícia Marítima e Aérea e a Polícia Feminina seriam incorporadas à GC em 10 de dezembro de 1969, pelo Decreto-lei estadual nº 168, respectivamente como o Superintendência de Policiamento Marítimo e Aéreo e Superintendência de Policiamento Feminino. A incorporação implicou em um aumento do efetivo em 762 guardas pela Polícia Marítima e 626, pela Polícia Feminina. 183 Pelo que se tem disponível na documentação consultada, sabe-se que João Batista Neves, Carlos Gomes Machado e Luiz Gonzaga Pereira foram eleitos durante os anos 50, sendo o primeiro como deputado estadual e os dois últimos como vereadores na cidade de São Paulo. Todos eram da GC e vinculados ao PCB. Mesmo o PCB estando proscrito,

89 fundamental em 1967 e a impossibilidade de sua continuidade, como se verá a seguir, mostrou-se fatal para a GC. A trégua entre as polícias promovida pela aprovação da lei orgânica, no entanto, duraria pouco. Com a ascensão das grandes mobilizações de rua e greves, ainda em 1968 - nas quais as polícias são a primeira linha de frente da ditadura - o surgimento da guerrilha urbana e as crise de sucessão entre os generais presidentes, se fortalece, dentro das Forças Armadas, a ideia de que é necessário assumir o controle da repressão se torna mais patente e direta. A lei orgânica acabou tendo o efeito oposto do pretendido. Ao delimitar ainda mais as atribuições de cada corporação, a lei acabou por acirrar a competição, principalmente entre a Polícia Civil e a Força Pública. Um grupo da Delegacia de Roubos passaria a operar ilegalmente, na forma do Esquadrão da Morte, que executava supostos criminosos na periferia da Capital, em uma tentativa de demonstrar a eficiência da Polícia Civil. No Rio de Janeiro, a morte do estudante Edson Luís, durante uma passeata em 28 de março, levou a uma onda de grandes manifestações por todo o país, tendo seu ápice na "Passeata dos Cem Mil", em 25 de Junho, na mesma cidade. Uma enorme onda de repressão acompanhou essas manifestações, principalmente no Rio de Janeiro, que teve um saldo de três mortos e milhares de feridos,184 o que gerou muitas críticas à Polícia Militar do Rio de Janeiro 185 por parte da imprensa (ALVES, 2005: 144, HUGGINS, 1998: 165-171, CNV, 2014b: 265-266). Ao mesmo tempo se iniciaram os primeiros atos da guerrilha urbana, que ganhariam mais força no ano seguinte. Em depoimento ao jornalista Antonio Carlos Fon, o Secretário de Segurança na época, Hely Lopes Meirelles, afirmou (de maneira equivocada) que "o terrorismo político" começou em São Paulo no dia da sua posse, em 10 de abril de 1968, "com a primeira bomba sendo lançada contra o quartel-general da extinta Força Pública". Segundo o secretário, sua posse foi às 14 horas e a bomba explodiu às 23 horas (FON, 1979: 23). Lopes Meirelles reconhece ainda que as critícas à violência da repressão às manifestações do Rio de Janeiro impactaram em São Paulo. Costa e Silva e o governador Abreu Sodré teriam dado instruções para que não se praticasse qualquer violência durante as manifestações (FON, 1979: 24). Apesar do caráter altamente duvidoso dessa afirmação, visto a violência policial que se desenrolou também em São Paulo, ela indica que era perceptível na Secretaria de Segurança que mesmo após a reforma da Lei Orgânica, as polícias, era prática comum, os comunistas concorrerem a cargos do legislativo abrigados em outras siglas, inclusive pelo MDB. Durante a eleição de 1966, não se sabe se alguém vinculado ao PCB e/ou à GC foi eleito para a Alesp. Ver Auto de Qualificação e de Interrogatório de Carlos Gomes Machado. 07/07/1975. Prontuário 97348 Renato de Oliveira Motta e outros, vol. 2. Fundo DEOPS. APESP. 184 Os mortos foram os estudantes Fernando da Silva Lembo, Maria Ângela Ribeiro e Manoel Rodrigues Ferreira, no dia 21 de junho. 185 No Rio de Janeiro, a polícia ostensiva possuía o nome "Polícia Militar" desde 1947.

90 e a legislação repressiva como um todo, ainda não eram suficientes para conter a subversão. 2.1. A Batalha da Maria Antônia Em outubro, ocorreria mais um episódio que ilustra as divergências entre as corporações. Estudantes do Mackenzie, ligados ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC), entraram em confronto com os estudantes de esquerda da Faculdade de Filosofia da USP, no centro de São Paulo. Em depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", Vicente Sylvestre narrou a sua participação, como inspetor, durante o conflito (CVESP, 2015f: 38). A "Batalha da Maria Antônia" ocorreu no dia 3 de outubro, quando Vicente Sylvestre ocupava o cargo de Inspetor Chefe de Agrupamento do 2º Ag.D., que incluía a Subdivisão Consolação, área onde se situavam as duas universidades (MORAES, 1998: 141, 143).186 O conflito se iniciou quando estudantes do Mackenzie tentaram impedir estudantes da USP, situada do outro lado da rua, de cobrarem pedágio para arrecadar dinheiro para a UNE. A situação se desenvolveu até se converter em um confronto de coquetéis molotov de ambos os lados, somados a tiros vindos do Mackenzie. Vicente Sylvestre conta que quando chegou ao local, seus homens interditaram a rua, mas não conseguiram retirar os estudantes do Mackenzie que atacavam a Faculdade de Filosofia com coquetéis molotov. Segundo ele, os professores da USP estavam acuados dentro do prédio, em grande desvantagem. Então, Sylvestre recebeu um emissário da corporação com ordens para evacuar a Faculdade de Filosofia. O inspetor afirmou que não poderia fazer isso, pois os professores estavam "defendendo o patrimônio histórico da Filosofia", não havendo nenhum sentido na invasão, ao que o emissário replicou dizendo "é, mas é ordem do Governador". Sylvestre insistiu na recusa, dizendo que somente faria a desocupação mediante uma ordem escrita do governador. Até aí, iria "procurar manter este estado de coisa como está" (CVESP, 2015f: 38-39). No entanto, ao invés de uma ordem do Governador, o que se seguiu foi a substituição de Sylvestre no comando da operação, sendo chamada a Cavalaria da FP, que efetuou uma violenta desocupação do prédio da Faculdade de Filosofia. Cinco dias após o ocorrido, uma assembléia dos professores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP emitiu uma nota que corrobora parte a versão de Sylvestre, ao mesmo tempo em que acusou a Guarda Civil de proteger os atiradores do Mackenzie. 187 A nota narra o 186 Conforme Waldyr de Moraes (2004: tabela 236), Vicente Sylvestre assumiu o comando do 4º Agrupamento em 25 de abril de 1967, ficando até 23 de outubro de 1968. Ou seja, foi durante a sua estadia neste posto que o 4º Ag. D. passou pela reestruturação e se tornou o 2ª Ag.D, composto pelos DP Lapa, DP Nossa Senhora do Ó, DP Vila Sônia e DP Vila Santa Maria, além das Subdivisões Perdizes, Pinheiros, Casa Verde, Santana, Santa Ifigência, Consolação, Tucuruvi, Vila Amália, Indianápolis e Vila Magalot. 187 O ESTADO DE SÃO PAULO. "Filosofia dá sua versão" 08/10/68. p. 15. Toda a descrição e citações dos dois

91 ocorrido, afirmando que rajadas de grosso calibre partiam do Mackenzie, o que ocasionou a morte do estudante José Carlos Guimarães, além de diversos feridos. "Tudo isso, repetimos, sob a vista da Guarda Civil que ocupara inclusive um dos andares da construção em frente à Faculdade de Filosofia, protegendo os atiradores” (o grifo é do original). Uma comissão de professores, então, procurou o Secretário de Segurança para se manifestar contrariamente à invasão do prédio da USP, porém defendendo uma "atuação enérgica" da polícia para isolar a área e encerrar o conflito. Também foram dialogar com professores do Mackenzie para pedir que estes interviessem, junto aos seus estudantes, pelo fim do confronto. Dentro do Mackenzie verificaram a presença de "um choque da Força Pública", cujos oficiais afirmaram que os próprios estudantes da USP estariam incendiando o prédio. Por sua vez, os professores do Mackenzie disseram que nada poderiam fazer "enquanto os alunos da USP continuavam atacando o Mackenzie". Fracassada a tentativa junto ao Mackenzie, os professores da USP foram falar com o "chefe do contingente da Guarda Civil" (provavelmente Vicente Sylvestre) para que atuasse para impedir o incêndio do prédio, o qual respondeu que aguardava ordens superiores. Frustradas todas as tentativas de diálogo, os professores se reuniram na Faculdade de Ciências Econômicas, localizada na esquina seguinte da rua Maria Antônia, para planejar como levar a situação, ao menos, às autoridades universitárias. Os ataques ao prédio da Faculdade de Filosofia continuaram até que, às 20:30, "as tropas de choque da Força Pública" invadiram o edifício, seguindo depois para a Faculdade de Ciências Econômicas, "onde se reuniam os professores e para onde estudantes e populares correram, apavorados ante a violência que a Força Pública, de armas a mão, precedida de cães e acompanhada pelos extremistas de direita que se encontravam no Mackenzie, exercia nas ruas". Após estudantes e professores serem presos e agredidos, seguiu-se um "festim cívico" do Mackenzie, sob complacência da polícia. A nota se encerra afirmando que "tudo isso, como é de praxe, [foi] para 'combater a subversão' e garantir 'a democracia'. Este tipo de falsa democracia não conta decididamente, com o nosso apoio".188 Tal episódio permite dois apontamentos sobre a polícia. Em primeiro lugar, mostra como a Guarda Civil estava mais livre de determinações arbitrárias por parte do governo do que a Força Pública. A atitude de Vicente Sylvestre de negar o cumprimento de uma ordem polêmica advinda de um superior, sem o devido registro por escrito, indicando quem seria o responsável, seria considerada desobediência em uma corporação militarizada, sendo passível de punição. O status de civil, aliado a uma cultura institucional menos marcada pelo belicismo, permitia que os guardas civis utilizassem as garantias legais do serviço público para fugir dos arbítrios da hierarquia e parágrafos a seguir são deste mesmo artigo. 188As aspas simples são do texto original.

92 impedir o que julgassem ser excessos ou abusos de seus superiores. Em segundo lugar, o episódio também destaca a margem de atuação que o agente policial possuia dentro da estrutura da corporação. Sylvestre, era membro de uma célula do PCB que atuava na GC e na FP. Desde o golpe, os comunistas diminuiram sensivelmente sua atuação dentro das polícias, até o decidirem pela desarticulação total do grupo no início dos anos 70. Em 1968, as atividades do grupo restringiam-se apenas a reuniões sigilosas para a leitura de jornais do partido, evitando qualquer ação que pudesse chamar atenção da repressão.189 Mesmo assim, quando confrontado com uma situação em que devia comandar uma ação contra outros opositores da ditadura, Sylvestre optou por utilizar as brechas próprias de seu trabalho para tentar minimizar os efeitos da repressão. Amparado pela segurança institucional de seu cargo de comando e pelo regimento civil da GC, Sylvestre optou por uma estratégia de omissão legalista. Tal autonomia possui, claro, seus limites. No caso em questão, tais limites estão expostos, por um lado, pela crítica dos professores da USP à atuação da GC, entendida como uma proteção aos estudantes do Mackenzie, e, por outro lado, pela substituição desse contingente pela cavalaria da FP, encerrando a possibilidade de intervenção de Sylvestre. Evidenciam-se aí, os limites da autonomia do agente policial. Segundo Monjardet (2002: 95), ela segue uma "inversão hierárquica", onde manobras e procedimentos são prescritos de cima para baixo, mas devem ser transcritos e executados pelos agentes de forma a se manterem dentro de limites compatíveis com os desígnios da cúpula. Sylvestre extrapolou tais limites, resultando na sua remoção da operação.

2.2. A criação da Polícia Militar: da Operação Bandeirante ao fim da Guarda Civil A ascensão da oposição ao longo de 1968 culminou no recrudescimento da repressão através do Ato Institucional nº 5.190 Publicado em 13 de dezembro, o AI-5 aumentava ainda mais os poderes 189Prontuário 97348 Renato de Oliveira Mota e outros. 2 volumes. 1975. Fundo DEOPS. Arquivo Público do Estado de São Paulo. 190 Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968. Há uma grande discussão na bibliografia sobre os fatores que levaram ao AI5 e ao consequente fechamento ainda maior do regime. Tal tema está além do âmbito deste trabalho, porém, resumidamente, existe um consenso de que, ao contrário do que a versão oficial do regime afirma, o AI-5 não foi meramente uma resposta ao "radicalismo" da oposição e ao surgimento da guerrilha urbana, mas já era parte do projeto que setores ligados à "linha dura" desejavam implantar desde o início. O próprio AI-5 já tinha seu texto pronto desde julho de 1968. A ascensão da oposição, assim, foi utilizada mais como um pretexto por esses setores para convencer os demais militares. O próprio estopim do AI-5 foi um discurso do Deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, incitando a população a boicotar a parada militar do 7 de setembro e as mulheres a não namorarem militares. Os militares exigiram a cassação do deputado, que se valia da imunidade parlamentar prevista na Constituição de 1967. No dia 12 de dezembro, o Congresso votou a questão e, surpreendendo o Executivo, manteve a imunidade parlamentar do deputado. Mesmo alguns membros da bancada do ARENA votaram a favor da manutenção, temendo que eles próprios pudessem ser alvo de cassação no futuro. No dia seguinte, foi publicado o AI-5. Para uma discussão mais elaborada ver FICO, 2004: 75-76; FICO, 2001: 33-66; ALVES, 2005: 157-160;

93 do Executivo, conferindo-lhe, entre outras coisas, o poder de fechar o Congresso e as demais casas do legislativo, cassar mandatos, suspender direitos políticos por dez anos, suspender o habeas corpus em casos de crime contra a Segurança Nacional e estabeleceu que crimes políticos seriam da alçada da Justiça Militar (ALVES, 2005: 161). O Congresso Nacional foi fechado por tempo indeterminado, sendo reaberto somente em 30 de outubro de 1969. Em sete de fevereiro do ano seguinte, com base no AI-5, Costa e Silva decretou recesso das assembléias estaduais de São Paulo, Guanabara, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe sob alegação de que estas "tem contrariado, até de modo ostensivo, aqueles princípios e a própria Constituição, usando abusivamente de direitos que não possuem".191 A Assembléia de São Paulo só seria reaberta em maio de 1970, por Ato do próximo general presidente, Garrastazu Médici.192 O ano de 1969 veria o avanço da estrutura repressiva, com a publicação de uma nova Lei de Segurança Nacional, o endurecimento da Constituição Federal e a criação da Operação Bandeirante, entre outras coisas. Também seria o ano da escalada da guerrilha urbana, envolvendo assaltos a instalações militares, bancos, sequestros e atentados contra agentes do Estado. São Paulo, devido a sua importância, era palco privilegiado das ações dos guerrilheiros. O ano se iniciaria turbulento, com o assalto comandado pelo Capitão Carlos Lamarca ao quartel do 4º Regimento do Exército, em Quitaúna, Osasco, levando cerca de 560 fuzis, além de outros armamentos e munições. Além disso, conforme uma listagem do DOPS – que não se sabe se está correta – neste ano, ocorreram 120 assaltos a banco em todo o país, sendo São Paulo o primeiro da lista com 55 assaltos.193 As ações dos guerrilheiros também vitimavam policiais e outros agentes do Estado. Não há dados confiáveis de pessoas mortas pela guerrilha. Contudo, se considerarmos o que é fornecido por organizações de apoiadores da ditadura, no ano de 1969 foram 51 vitimas do "terrorismo" em todo o país, das quais, 17 eram agentes do Estado (i.e. policiais civis, militares e federais), sendo 12 deles em São Paulo.194 Essa situação seria usada como legitimação para as NAPOLITANO: 2014, 93-95. 191 Ato Complementar nº 47, de 7/2/1969. 192 Ato Complementar nº 85, de 20/05/1970. Ver também CVESP, 2015a: 23-24. 193 Retrospecto Geral 67-74. OS 0009 – Assaltos a Bancos e a Carros Fortes. Fundo DEOPS. APESP. 194 Esses dados são fornecidos pelo Grupo Terrorismo Nunca Mais (TERNUMA), formado em 1998, por militares da ativa e da reserva, seus familiares e demais simpatizantes da ditadura. A lista tem um total de 126 "vítimas do terrorismo" e foi divulgada pela primeira vez em 2010 e novamente em 2014 como uma resposta ao Relatório da Comissão Nacional da Verdade. A lista, no entanto possui erros grosseiros, como, por exemplo, incluir o nome do PM reformado José Aleixo Nunes, que segue vivo até os dias de hoje. Além disso, alguns nomes incluídos não foram mortos pela guerrilha, de acordo com as próprias fontes policiais e militares. O exemplo mais célebre é o da investigadora do DOPS Estela Borges Morato e do protético Friedrich Adolf Rohmann, ambos mortos por tiros da própria polícia durante a emboscada que vitimou o guerrilheiro Carlos Marighella, em 1969. ver http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lista-de-vitimas-da-esquerda-tem-ex-pm-ainda-vivo-imp-,1605866 . A lista está disponível em https://docs.google.com/document/d/1KUUsN8SRwAcpCl1x8S_EtgT5BgvrJxlkRUawmqpltlU/edit . Acessados em 12/06/2015.

94 sucessivas medidas de endurecimento do regime ao longo do ano, fortalecendo a ideia de centralização da repressão em torno do Exército.195 No início do ano, se iniciariam os primeiros movimentos para a criação de um órgão de repressão que articulasse todos os setores das Forças Armadas e das polícias. Em fevereiro, foi realizado o I Seminário de Segurança Interna, em Brasília, reunindo todos os Secretários de Segurança, os comandantes das polícias militares e os superintendentes regionais da Polícia Federal, sob orientação do então ministro da Justiça, Luís Gama e Silva, e do chefe da IGPM, Gen. Carlos de Meira Mattos (JOFFILY, 2013: 41; CNV, 2014a: 127). Em entrevista ao jornalista Fon, o Secretário de Segurança de São Paulo à época do seminário, Hely Lopes Meirelles, afirmou que foi passada uma ordem vinda do governo federal para a montagem de um organismo de repressão à subversão que reunisse elementos das Forças Armadas, polícias estaduais e Polícia Federal. Fon menciona a divulgação, nesse seminário, de dois planos de trabalho que embasavam a "estratégia governamental para a aplicação de sua doutrina de segurança interna": o "Plano Político de Segurança Interna" (PP/SI), sob responsabilidade do Ministério da Justiça e o "Plano Militar de Segurança Interna" (PM/SI), a cargo do Estado Maior das Forças Armadas. Esses planos deviam ser aplicados nos Estados, sendo o PP/SI por intermédio dos secretários de segurança, e o PM/SI pelo comandante militar da área. O autor observa que "este entrosamento tornava-se mais fácil pelo fato dos comandantes das polícias militares, devido às características das corporações que dirigiam, participarem tanto da elaboração do PP/SI quanto do Plano de Militar de Segurança Interna em seus Estados" (FON, 1979: 19). O livro de Carlos Fon, publicado em 1979, é a primeira obra a descrever a estrutura dos órgãos de repressão política. Baseado, em grande parte, em entrevistas – e na própria experiência do autor, que foi preso pela Oban, em 1969 - o livro possui alguns pontos que não podem ser comprovados, embora a maioria de suas afirmações encontre respaldo em pesquisas posteriores. Esses dois planos de segurança citados, no entanto, não são encontrados em nenhuma obra posterior, tampouco o autor apresenta muitos detalhes do seu conteúdo. Em março, a 2ª Divisão de Infantaria, responsável pela região da Grande São Paulo, colocou sua 2ª Seção e a 2ª Cia. de Polícia do Exército para trabalhar em conjunto com a Secretaria de Segurança, o DOPS, o Centro de Informações do Exército (CIE) e o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) na coleta de informações e realização de diligências relacionadas à guerrilha urbana (JOFFILY, 2013: 40-41). Paralelamente, foi feita uma primeira alteração da Lei de Segurança Nacional de 1967, aumentando as penas já previstas e arrolando novos crimes como crimes políticos.196 195 A ação de Lamarca no quartel de Quitaúna é particularmente importante, sendo vista como uma desonra para o Exército, recebendo destaque na documentação de inteligência militar da época (JOFFILY, 2013: 39) 196 Decreto-lei nº 510, de 20/03/1969.

95 A ausência de representação direta da Guarda Civil nas duas iniciativas, do Seminário de Segurança e da operação da 2ª Divisão de Infantaria, é sintomática da sua falta de espaço no projeto repressivo que vinha sendo desenhado. Assim, o crescimento da tendência à centralização sob o Exército representava, mais uma vez, uma ameaça para a GC. Com a Alesp em recesso por tempo indeterminado, a GC perdeu um importante apoio na defesa de seus interesses. Logo no início de 1969, a GC seria novamente alvo de ataques dos policiais militares. No Congresso das Polícias Militares, realizado em Brasília no mês de fevereiro, o Cel. Iritaul Maciel de Vargas, comandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul (a polícia militar gaúcha) criticou a existência ilegal de corporações armadas e fardadas, verdadeiras policias militares simuladas com denominação de Guardas Civis ou de Trânsito e que, usurpando as direitos e deveres específicos das Polícia Militares, de executarem suas missões constitucionais nos estados, nos territórios e no distrito federal, ainda remanescem no desabrigo da salutar orientação, do controle e fiscalização das Forças Armadas, através da organização competente, isto é, a IGPM (SYLVESTRE, 1985: 100)

Paralelamente, em maio, houve a substituição do comando do II Exército. O general Manuel Rodrigues de Carvalho Lisboa, contrário ao envolvimento do Exército em operações policiais, foi substituído pelo general José Canavarro Pereira, que prontamente começou organizar a articulação entre polícias e Forças Armadas. A lógica de enfrentamento propriamente militar, fundamentada no confronto entre exércitos fortemente hierárquicos, baseados em territórios contínuos e fronts de batalha não se encaixa no combate à guerrilha urbana. A experiência policial de combate ao crime era vista, então, como fundamental. É importante notar que parte da resistência de alguns setores militares em se envolver nas operações policiais era devida não à natureza das atividades, mas à "natureza" dos próprios policiais, vistos como extremamente corruptos. Havia um temor de que, com o envolvimento entre policiais e militares, os últimos acabassem "contaminados" (JOFFILY, 2013: 41).197 Em 1º de julho de 1969, foi celebrada em São Paulo a cerimônia de inauguração da Operação Bandeirante (Oban).198 Com direito à coquetel e salgadinhos, o evento contou com a presença do Governador Abreu Sodré, do Secretário de Segurança, Hely Lopes Meirelles e dos 197 Isso, de fato, viria a acontecer. Analisando listas de material apreendido pela Oban, Joffily mostra que parte do dinheiro acabava retido no órgão (JOFFILY, 2013: 41, nota 12) 198 Aqui cabem duas observações: a primeira é que, conforme Mariana Joffily, o nome da operação é empregado tanto no singular, como no plural, mantendo a mesma sigla para os dois casos. Assim, no texto optou-se pela utilização da versão no singular, que é a mesma utilizada por Joffily e que é a presente no documento que deu origem ao órgão. A segunda é que alguns militares ligados à Oban e ao DOI-CODI situam a data oficial de fundação do órgão alguns dias antes dessa cerimônia (JOFFILY, 2013, 42, 31, nota 29).

96 comandantes do VI Distrito Naval, da 4ª Zona Aérea e do II Exército, além de vários empresários (FICO, 2001: 115; SOUZA, 2000: 162; JOFFILY, 2013: 42; FON, 1979: 15). A Oban reunia elementos das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), do Serviça Nacional de Informações (SNI), da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública

- Polícia Civil

(principalmente do DOPS e do DEIC), da Força Pública e da Guarda Civil - sob comando do II Exército. O órgão possuía grande autonomia, trabalhando em turnos durante as 24 horas do dia, realizando investigações, diligências e interrogatórios. Possuía vasto equipamento, incluindo granadas, metralhadoras e máscaras de gás, além de helicópteros e aeronaves, fornecidos pela 4ª Zona Aérea, e de possuir ligação com a Polícia Rodoviária Federal, por meio da FP (CNV, 2014a: 128). Seus integrantes eram escolhidos por sua afinidade ideológica ou por um critério de "dureza" - i.e., o alto grau de violência que empregavam no seu trabalho - daí a presença de um considerável contingente do DEIC. Foram os policiais, principalmente os delegados e investigadores da Polícia Civil, que apresentaram aos militares uma vasta gama de técnicas de tortura aprendidas a partir da sua experiência investigativa (JOFFYLI, 2013: 48; CNV, 2014a: 163).199 Apesar de contar com apoio oficial, a Oban nunca foi oficializada por nenhuma lei, não possuindo, portanto, orçamento próprio. Seu financiamento provinha de grandes empresários, banqueiros e industriais, principalmente ligados à Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e multinacionais (JOFFILY, 2013: 42-43; FICO, 2001: 115-116). Não há informações muito precisas sobre a composição exata da Oban, principalmente no que tange à presença da Guarda Civil. Sua presença no órgão é referida pelo Brasil: Nunca Mais, por Mariana Joffily e pela CNV, apenas enquanto componente da Secretaria de Segurança (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1986: 1973; JOFFILY, 2013: 42; CNV, 2014a: 128). Nas descrições de funcionamento da Oban e depoimentos de presos não foi encontrada nenhuma referência à alguém que pertencesse à GC. Também é notável a ausência de representantes da GC nos setores de comando da Oban. O Centro de Coordenação, o mais alto setor da Oban, era composto pelos comandantes do II Exército, da 2ª Região Militar (2ª RM), da 2ª Divisão de Infantaria (2ª DI), do 6º Distrito Naval (6º DN), da 4ª Zona Aérea (4ª Zaé), bem como pelo diretor do DOPS, pelo Secretário de Segurança, pelo Superintendente da Polícia Federal de São Paulo (DPF/SP) e pelo chefe da Agência de São Paulo do SNI (SNI/ASP) (JOFFILY, 2013: 46). A 199 Em depoimento à CNV, o Coronel reformado EB Pedro Ivo Moézio de Lima afirmou que: "Uma pergunta que vocês estao cansados de fazer: 'Tinha tortura [no DOI-CODI do II Exercito]?'. Eu digo que, institucionalmente, não. Mas, eu imagino que possa ter havido. Eu seria inocente e ia bancar o idiota na frente de vocês se dissesse que não. E quem nos ensinou a trabalhar foi a Policia Militar e a Policia Civil. A Policia Civil era [o pessoal] do DOPS, comandados pelo Sérgio Fleury, o maior delegado que São Paulo já teve. E, lá, era na base do 'pau'" (CNV, 2014a: 112).

97 Coordenação de Execução, subordinada ao Centro de Coordenação, era o "centro nevrálgico das operações", responsável pela maior parte das tarefas da Oban. Em suas reuniões semanais, comandadas pelo Major Waldyr Coelho, da 2ª DI do II Exército, estavam presentes os diretores das seções de informação das corporações que compunham a Oban, representados pelos chefes da 2ª Seção do 6º DN, da 4ª Zaé e da FP, além de representantes do SNI, do DPF e do DOPS (CNV, 2014a: 130). Dessa maneira, ao que tudo indica, se a Guarda Civil, de fato, compunha a Oban, sua atuação era bastante secundária. Um dia após a inauguração da Oban foi promulgada uma nova lei federal reorganizando as polícias militares. O Decreto federal nº 667/69, de 2 de julho, que substituiu o anterior Decreto nº 317, estabelecia que competia às polícias militares executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Fôrças Armadas e os casos estabelecidos em legislação específica, o policiamento ostensivo, fardado planejado pelas autoridades policiais competentes, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos (grifo meu)

Quase imediatamente, no dia 3 de julho, o chefe da IGPM, Gen. Bgd. Augusto de Oliveira Pereira, enviou um ofício a todas as polícias militares solicitando informações sobre as "Organizações Paramilitares, tipo Guarda Civil", o que foi visto pela corporação como um indício de que se empenharia na sua dissolução. Segundo Vicente Sylvestre, o comandante da GC, Major EB Lessa de Azevedo, estava apreensivo com o destino da corporação (SYLVESTRE, 1985: 101). O decreto então, ainda era entendido como ambíguo. Se por um lado garantia a "exclusividade" das polícias militares no policiamento ostensivo, a possibilidade de legislação específica oferecia uma esperança de sobrevivência à GC, tal qual dois anos antes. Para resolver essa questão, as entidades de categoria da GC se mobilizaram mais uma vez e, no dia 18 de agosto, Vicente Sylvestre é enviado pelo comandante da corporação à Brasília para tomar esclarecimentos junto ao Inspetor Geral das Polícias Militares. O Gen. Bgd. Augusto de Oliveira Pereira, responsável pela IGPM, lhe garante que o decreto referia-se apenas às polícias militares e que, portanto, as Guardas Civis não precisariam se preocupar (SYLVESTRE, 1985: 102). Não se pode afirmar com segurança de que se tratava de um blefe do General Pereira, mas, aparentemente, ainda não estava consolidada a decisão de unificar as polícias ostensivas na forma exclusivamente militar. No entanto, um imprevisto mudaria essa situação. No dia 31 de agosto, o General Costa e Silva sofreu um derrame, sendo afastado da Presidência. Instaura-se aí uma crise de sucessão (PINHEIRO, 1982: 64; ALVES, 2005: 175). Segundo a Constituição de 1967, em caso de

98 morte ou incapacidade do Presidente, quem deveria assumir o cargo era o Vice-Presidente Pedro Aleixo. A questão é que Aleixo, civil e advogado, havia se oposto abertamente ao AI-5, indicando que seria um obstáculo ao movimento de endurecimento da repressão. Assim, o Alto Comando das Forças Armadas decidiu que "a solução constitucional não era viável", impondo que a Presidência seria exercida provisoriamente por uma Junta Militar composta, pelos Ministros do Exército, Gen. Aurélio de Lira Tavares, da Aeronáutica, Marechal-do-ar Márcio Melo, e da Marinha, Almirante Augusto Rademaker Grunewald. A Junta ficaria cerca de dois meses no poder, até o dia 30 de outubro, quando seria empossado o General Emílio Garrastazu Médici (ALVES, 2005: 175).200 Segundo Alves, essa crise sucessória exprime a fragilidade da institucionalização do regime, pois já desrespeitava a própria Constituição, com menos de dois anos de existência. Inseria-se nos ciclos constantes de distensão e repressão que o regime viveria ao longo de suas diversas fases (ALVES, 2005: 176).201 É essa mesma crise que é referida por Paulo Sérgio Pinheiro como a responsável pela mudança dos instrumentos de coerção do Estado (PINHEIRO, 1982: 64). O argumento de Pinheiro possui, no entanto, um equívoco cronológico. Como foi visto, o Decreto-lei nº 667, foi assinado em 2 de julho, pelo próprio Costa e Silva. Ainda que isso não inviabilize o argumento de que a centralização sob o Exército foi motivada pela guerrilha urbana, não se pode afirmar que é a partir da crise de sucessão que "o principal instrumento para o controle do Estado passa a ser a coerção direta", já que essa crise só viria quase dois meses depois do decreto. O que ocorre é que a Junta Militar resignifica o conteúdo do decreto, principalmente após um importante evento negligenciado por Pinheiro. Em 4 de setembro, o embaixador dos EUA, Charles Elbrick, é sequestrado por militantes da Aliança de Libertação Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), no Rio de Janeiro. O sequestro, que terminaria no dia 6 de setembro, com a libertação do embaixador em troca da libertação de 15 presos políticos e a leitura de um manifesto dos guerrilheiros em rede nacional, "causou profunda impressão nos membros da Junta Militar, confirmando suas teorias sobre Segurança Interna" (ALVES, 2005: 189). No âmbito da legislação, os principais impactos disso viriam na forma de uma nova Lei de

200 O golpe da Junta Militar foi oficializado pelo Ato Institucional nº 12, de 1º de setembro de 1969. Segundo Maria Helena Moreira Alves, essa crise sucessória "deu origem a um processo informal de transferência do poder, que em versão modificada perdurou durante vários anos". A escolha do "candidato" militar à Presidência era realizada por meio de um "colégio eleitoral" informal, composto por 104 generais, que coletava as sugestões junto aos oficiais das Forças Armadas. Esses nomes eram apresentados a um colégio eleitoral composto por dez generais, que indicava três nomes desta lista. A decisão final cabia a um colégio eleitoral composto por sete generais (ALVES, 2005: 175). 201 Segundo a autora, o regime passaria por três fases de institucionalização do Estado de Segurança Nacional: "A primeira fase, abrangendo os governos Castelo Branco e Costa e Silva, lançava as bases do Estado de Segurança Nacional, corporificado na Constituição autoritária de 1967. A segunda, de 1969 a 1973, desenvolveu o modelo econômico e o Aparato Repressivo, ampliando o quadro legal da repressão e, na prática, a engrenagem de coerção. Durante os governos Geisel e João Figueiredo os planejadores do Estado concentraram-se em estrutura mais permanentes e flexíveis para a institucionalização do Estado a longo prazo". (ALVES, 2005: 223)

99 Segurança Nacional (LSN) e uma reforma da Constituição. 202 A nova LSN era muito mais rígida, ao mesmo tempo em que mantinha termos propositalmente amplos, permitindo processar criminalmente qualquer dissidência, incluindo greves e manifestações contrárias na imprensa, além de, evidentemente, ações armadas. As penas foram consideravelmente aumentadas, sendo incluídas a possibilidade de pena de morte e prisão perpétua (ALVES, 2005: 189-192; JOFFILY, 2013: 2829). A Emenda Constitucional nº 1, que ficou conhecida como Constituição de 1969, eliminou os elementos liberais da Constituição de 1967, incorporando vários mecanismo do AI-5 ao texto, ampliando ainda mais os poderes do Executivo (ALVES, 2005: 192). Seguindo essa esteira, ainda são promulgados um novo Código Penal Militar (CPM), um novo Código de Processo Penal Militar (CPPM) e um novo Código Penal (CP). 203 O CPPM, em particular, terá um impacto importante na atuação das polícias militares nos anos posteriores, pois , ao estabelecer que, em caso de resistência, "poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus"204, o Código serviu de base para a figura da "resistência seguida de morte" - ou "auto de resistência" como é conhecida no Rio de Janeiro – justificando execuções, muitas das quais forjadas, durante abordagens policiais. Em São Paulo, a Secretaria de Segurança sofre também uma reestruturação que afeta principalmente a Polícia Civil. Através do Decreto estadual nº 52.123, de 24 de julho, alteraram-se as denominações e vinculações de várias unidades da Polícia Civil. Na estrutura principal, as Divisões Policiais passaram a ser denominadas Departamentos, as Zonas Policiais passaram a ser Delegacias Seccionais e as Delegacias de Circunscrição passaram a ser Distritos Policiais ou Delegacias de Município, conforme o caso. Também foram criadas dez Regiões Policiais: Grande São Paulo, São Paulo Exterior (sede em Santos), Vale do Paraíba (sede em São José dos Campos), Sorocaba, Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Araçatuba e Presidente Prudente. Com exceção das Regiões da Grande São Paulo e São Paulo Exterior, que estavam subordinadas diretamente a departamentos, as demais ficariam a cargo de Delegacias Regionais, instância intermediária entre uma Delegacia Seccional e um Departamento. Dessa maneira, a configuração da Polícia Civil passou a ser a seguinte: a antiga 1ª Divisão foi convertida no Departamento Regional de Polícia do Grande São Paulo (DEGRAN); a 2ª Divisão foi convertida definitivamente no Departamento Estadual de Trânsito; a 3ª Divisão foi convertida no Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo Interior (DERIN); a 4ª e 5ª Divisões se mantiveram, respectivamente, como os poderosissímos Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) e Departamento de Ordem Social e Política (DOPS), sem alterações; a 6ª Divisão 202 Respectivamente, Decreto-lei nº 898, de 29/09/1969, e Emenda Constitucional nº 1, de 17/10/69. 203 Respectivamente Decreto-lei nº 1001, Decreto-lei nº 1002 e Decreto-lei nº 1004, todos de 21/10/1969. 204 CPPM/69, Art. 234.

100 foi convertida na Divisão de Comunicações da Polícia Civil (DICOM); a 7ª Divisão foi convertida no Departamento Regional de Polícia de São Paulo Exterior (DEREX), responsável pela região do litoral; a 8ª Divisão foi extinta, com seus agentes e funções sendo alocadas em outras unidades. Além disso, a DEGRAN recebeu o Serviço de Proteção e Previdência e a Delegacia Especializada de Menores (antigo Serviço Especial de Menores). Ficaram sob subordinação direta à SSP a Academia de Polícia (antiga Escola de Polícia), a Casa de Detenção, Instituto de Polícia Técnica e a Divisão de Identificação Civil e Criminal (DIC – antigo Serviço de Identificação).205 A modificação na Constituição Federal, mais uma vez, obrigou mudanças nas suas correlatas estaduais. Sem apoio dos parlamentares, visto que a Alesp estava fechada, ou da imprensa, agora sob censura ferrenha, a unificação com a Força Pública, em uma corporação militar vai se consolidando como algo inevitável para a GC. Diante desse ambiente "adverso", os representantes e entidades da corporação desistiram de lutar pela sobrevivência da corporação, como vinha sendo feito até o momento, e passaram a tentar garantir os interesses de seus membros nas negociações para a nova corporação. O novo Secretário de Segurança, o General Olavo Vianna Moog, criou um grupo de trabalho, composto pelo Cel FP Jalmar, pelo Inspetor Vicente Sylvestre e um delegado da Polícia Civil (não identificado), e presidido pelo Cel. EB Hélio Freire, para estabelecer a adaptação da Lei Orgânica da Polícia. Segundo Vicente Sylvestre, o Cel. Jalmar o procurou para propor um estudo conjunto visando a unificação (SYLVESTRE, 1985: 102). No dia 27 de outubro, em uma reunião no gabinete do Comandante da GC, foi montada uma comissão para discutir a unificação com a FP. No dia seguinte, esta comissão, composta pelos inspetores Omar Galvão, José Duarte Rosa, Edival José de Souza, Francisco Torres de Araújo e Vicente Sylvestre se reuniu na sede do Clube dos Oficiais da Força Pública, com os coronéis Jalmar, Shefer, Sidney e o Major Taiar para o estabelecimento dos princípios de uma polícia única (SYLVESTRE, 1985: 103). A reforma constitucional foi publicada em 30 de outubro. 206 O novo texto, escrito sem a participação da Assembléia Legislativa, referia-se à polícia de maneira genérica, não especificando quais corporações existiriam no Estado. Apesar de tampouco haver menção à Força Pública, o fato de que "a palavra GUARDA CIVIL desaparecera da Constituição", conforme expressou Vicente Sylvestre, significou a derradeira pá de cal nas suas esperanças de seguir existindo enquanto corporação. Não podendo contar com mais nenhum apoio, os chefes e as entidades de classe da GC decidiram prosseguir no diálogo com a FP. Esta mostrava-se aberta e disposta a negociações, diferentemente da Polícia Civil, a qual já a um tempo demonstrava, segundo Sylvestre, 205 Decreto estadual nº 52213, de 24/07/1969. 206 Emenda Constitucional nº 2, de 30/10/1969.

101 animosidades para com a GC (SYLVESTRE, 1985: 103). Supunha-se, então, uma reforma da Lei Orgânica da Polícia. Assim, os representantes da FP e da GC decidiram elaborar dois documentos conjuntos. O primeiro seria a conclusão do documento com princípios para uma fusão e o segundo, contendo os seus prós e os contras. Em quatro de novembro, o grupo de inspetores e oficiais chegou a um consenso sobre o primeiro documento, contendo oito itens, que seria entregue às autoridades, inclusive ao Exército: 1) fusão das duas corporações uniformizadas em uma terceira de caracteristica militar com denominação, uniforme e insígnias distintas das atuais; 2) denominação única dos postos hierárquicos que pode ser a atual da Força Pública; 3) em todos os postos, após feita a fusão, os elementos das atuais organizações passarão à nova em igualdade absoluta de direitos e deveres; 4) haverá proporcionalidade de representação em todos os postos, de ambas as Corporações que se fundem, na nova organização; 5) respeito ao direito de acesso a todos que estejam habilitados por cursos próprios; 6) respeito ao direito de matricula no curso de formação de oficiais aos elementos que preencham os requisitos de aptidão física e intelectual necessários até o limite dos 30 anos de idade; 7) os elementos da base hierárquica da nova corporação denominar-se-ão "policiais"; 8) representação proporcional de elementos de ambas as corporações no Estado Maior da nova organização" (SYLVESTRE, 1985:104).

O segundo documento seria composto a partir de trabalhos separados da GC e da FP. Os chefes da GC foram solicitados a entregar documentos sobre a questão ao comandante da corporação, no dia sete de novembro, a partir do ele qual elaboraria um texto representativo da corporação para compor o trabalho final (SYLVESTRE, 1985: 104). No entanto, esses esforços seriam, mais uma vez atropelados pelo governo federal. Às vésperas do fim do ano, o general Médici, na Presidência desde 30 de outubro, assinou um decretolei alterando o decreto nº 667 e selando de vez o destino da Guarda Civil. A sua ambiguidade foi eliminada, com a exclusão da ressalva sobre a possibilidade de uma legislação específica para qualquer outra polícia ostensiva que não as militares. Também era estabelecido um prazo de 180 dias, a partir da publicação do decreto, para que os quadros das guardas civis fossem integrados às polícias militares.207 A ordem inesperada de Brasília ressoou como uma ofensa dentro da Guarda Civil, alimentando a ideia de que a corporação seria extinta e seus membros incorporados pela Força Pública. Em uma tentativa de apaziguar os ânimos, já no primeiro dia do ano, o Governador Abreu Sodré enviou uma nota sobre o decreto, publicada também no jornal O Estado de S. Paulo, 207 Decreto-lei nº 1072, de 30/12/1969.

102 intitulada "É unificação", afirmando que "não se deve interpretá-lo como extinção da Guarda Civil, mas sim como uma unificação da Guarda e da Força Pública, numa nova corporação policial fardada".208 O comando da Força Pública aparentemente também estava empenhado em minimizar as animosidades com a GC. No dia seguinte, em dois de janeiro de 1970, a oficialidade do Estado Maior da FP procurou o Comando da GC para uma "visita de cordialidade" (SYLVESTRE, 1985: 105). A Secretaria de Segurança, então, nomeou uma comissão para se ocupar dessa questão, coordenada pelo comandante da Força Pública, Cel. EB. Confúcio Danton de Paula, e composta pelo comandante da Guarda Civil, Major EB João Luiz Lessa, pelos Inspetores Omar Galvão e Vicente Sylvestre, pelo Coronel Raul Humaitá, o Ten-Cel Silvio de Oliveira, além do delegado Ivair de Freitas Garcia, sendo assessorados pelos delegados Lindolpho Alves, Vicente Grecco e Marco Antônio Valeta. A comissão teria um prazo de 45 dias para entregar um anteprojeto para a unificação. Entre as diretrizes a serem seguidas, além do que já era estipulado pelo decreto federal, constava que os fardamentos e insígnias da nova polícia seriam distintos dos então existentes e que os guardas civis poderiam optar por ingressar na Polícia Militar ou na Polícia Civil (SYLVESTRE, 1985: 105-106).209 Esses dois pontos, bastante caros aos guardas civis, dizem muito sobre as expectativas negativas dos guardas civis diante da unificação. O primeiro, destaca a importância do uniforme, compartilhada também pela maior parte das polícias fardadas do mundo (senão todas), inclusive a Força Pública. Reflexo de uma característica militar, mesmo na Guarda Civil, o uniforme não tem apenas uma função de identificação pública, mas também carrega um sinal heráldico e diferenciador. O uniforme inspira uma gama de sentimentos em quem o vê, indo do temor à admiração. É também um símbolo da masculinidade e virilidade intimamente associada à imagem da polícia. Uma farda bem apresentada simboliza não só a autoridade, mas a própria corporação policial (ROSEMBERG, 2010: 83-84). O azul do uniforme da GC frequentemente servia de metonímia para a própria corporação (BATTIBUGLI, 2010: 49). Os uniformes azuis "garbosos", "sempre reluzindo" e com "seus botões dourados" são símbolo do orgulho corporativo dos guardas civis e marcam um diferencial identitário importante frente à Força Pública, com a sua farda marrom de inspiração militar (SYLVESTRE, 1985: 51). A opção por um novo uniforme diferente dos anteriores – ou seja, "neutro" - seria uma forma da GC afirmar, ao menos no campo simbólico, que não seriam assimilados à FP. O segundo ponto, que é a possibilidade da "opção" – como era chamada - pela Polícia Civil, demonstra uma certa "aversão" que vários guardas manifestariam pela 208 Boletim Geral da Guarda Civil de São Paulo nº 1. 2 de janeiro de 1970. Anexo. Museu de Polícia. 209 Resolução nº SSP-2, Boletim Geral da Guarda Civil de São Paulo nº 6. 9 de janeiro de 1970. p. 39. Museu de Polícia.

103 FP e pelo militarismo. A Guarda Civil era vista como mais livre e democrática para se trabalhar que a Força Pública. A rígida hierarquia sujeita o militar de baixa patente, muitas vezes, a situações percebidas como injustas, que dependem unicamente da idiossincrasia do superior, algo muito mais raro em uma corporação civil. Além disso, é possível que, por um lado, a cada vez maior associação da FP com a repressão e o arbítrio, e por outro lado, a considerável possibilidade de ser alvo de alguma ação da guerrilha – em outras palavras, a ligação cada vez mais forte que a FP tinha com a ditadura – atraíssem muitos guardas para a Polícia Civil. A exceção do DEIC e o DOPS, a maior parte dos policiais civis não se envolviam diretamente com a repressão e tortura à presos políticos e tampouco eram alvos muito comuns da guerrilha. 210 Esses dois pontos eram de extrema importância para os guardas civis, tanto que o seu não cumprimento geraria protestos posteriormente. As diversas reviravoltas e decisões impostas pelas cúpulas governamentais alimentavam um clima de ansiedade, permeado por boatos, principalmente na Guarda Civil. Um comunicado do comando da corporação recomendava que os guardas não se comprometessem com "pessoas estranhas, assinando quaisquer documentos sobre opções", pois a questão estava sob estudo da comissão e o comando comunicaria quando houvesse um acordo. Aconselhava ainda que "cada um se mantenha sereno e tranquilo, sem se deixar levar por boatos ou promessas já que nada existe de concreto até o momento".211 A situação se agravou após uma reunião do Secretário de Segurança com o Ministro do Exército, cujo conteúdo não foi divulgado. Começou, então, a correr um boato de que a alteração na lei "visava a segurança nacional" e que se muitos guardas optassem pela Polícia Civil, todos seriam automaticamente alocados na Polícia Militar. O Secretário de Segurança não mostrava mais entusiasmo pela fusão após sua volta da reunião. Pouco tempo depois, no início de março, o general Viana Moog renunciaria à pasta, que seria assumida, no dia 19 pelo Cel. EB. Danilo Darcy de Sá da Cunha Mello (SYLVESTRE, 1985: 106) É nesse clima de incertezas, principalmente para a Guarda Civil, que foi assinado o Decretolei estadual nº 217, em 8 de abril de 1970, que "extinguia" a Força Pública e a Guarda Civil e instituía a Polícia Militar do Estado de São Paulo. A nova corporação mantinha a estrutura da FP, então o decreto estabelecia uma tabela de equivalências entre os postos da GC e as patentes da FP para que fosse efetuada a transferência. Como a GC possuía um posto hierárquico a menos que a FP, uma lei havia sido promulgada em fevereiro, criando o posto Inspetor Chefe Superintendente 210 Seguindo a duvidosa lista do Ternuma, apenas três guardas civis e dois investigadores da Polícia Civil haviam sido mortos pela guerrilha até 1970, em todo o país, sendo um destes a investigadora do DOPS, morta por tiro de seus próprios colegas na operação que executou Marighiella. Em contra partida, o número de mortos entre policiais militares somava quinze até então. Lista disponível em https://docs.google.com/document/d/1KUUsN8SRwAcpCl1x8S_EtgT5BgvrJxlkRUawmqpltlU/edit . Acessado em 20/06/2015. 211 Boletim Geral da Guarda Civil nº 11. p.2 16 de janeiro de 1970. Museu de Polícia.

104 Geral, como mais alto da corporação.212 Assim, o ingresso dos guardas civis na PM se daria seguindo a seguinte correlação de patentes: Quadro 8 - Relação de equivalência entre postos da Guarda Civil e da Força Pública Guarda Civil

Força Pública

Inspetor Chefe Superintendente Geral

Coronel

Inspetor Chefe Superintendente

Tenente-Coronel

Inspetor Chefe de Agrupamento

Major

Inspetor Chefe de Divisão

Capitão

Inspetor

1º Tenente

Subinspetor

2º Tenente

Guarda Civil de Classe Distinta

1º Sargento

Guarda Civil de Classe Especial

2º Sargento

Guarda Civil de 1ª Classe

3º Sargento

Guarda Civil de 2ª Classe

Cabo

Guarda Civil de 3ª Classe

Soldado

Como "opção" à Polícia Militar, o decreto estabelecia que os guardas civis tinham um prazo de dez dias, a contar da publicação do decreto, para integrar um vago "Quadro em extinção da Guarda Civil", no qual os policiais manteriam a mesma situação funcional na GC, no entanto sem direito a promoção, até que fossem alocado em qualquer função de algum órgão da administração estadual, segundo a conveniência do governo. Assim, a promessa da possibilidade de transferência para a Polícia Civil não foi cumprida. Os termos "por demais subjetivos" da opção, como diz Sylvestre, não ofereciam as garantias mínimas ao servidor, tornando-a arriscada, em termos profissionais. Segundo o então guarda civil Osni Geraldo Santa Rosa, "naquele momento lá, para mim, por exemplo, e para muitos, acredito, que era se jogar numa escuridão, mas era muito pior ficar num quadro em extinção, mas muitos preferiram ficar, não quiseram ser militares" (CVESP, 2015f: 21). Mesmo assim, de um efetivo total de 16.062, um grupo de 1147 guardas optou pelo quadro em extinção, o que representa um percentual, não desprezível, de quase 8% da corporação (SYLVESTRE, 1985: 107).213 212 Decreto-lei estadual nº 194, de 06 de fevereiro de 1970. 213 A distribuição, segundo região, dos que fizeram a opção foi a seguinte: Capital (939); Santos (62); Sorocaba (11); Campinas (51); Ribeirão Preto (zero); Piracicaba (10); Marília (11); Bauru (27); São Carlos (10); Presidente Prudente (2); Jundiaí (13); Mogi das Cruzes (5); Viracopos (6) (SYLVESTRE, 1985, 107). Cabe uma observação sobre os efetivos da GC. Se somarmos o efetivo anterior, de 15 mil, aos efetivos da Polícia Marítima e Aérea e da Polícia Feminina, recém incorporadas, chegamos a um total de 16.388. O decreto-lei nº 217, no entanto, disponibiliza um máximo de 16.062 postos na PM para egressos da GC. Não se sabe a razão dessa discrepância de 326 cargos, porém, no seu depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", o Coronel

105 A partir do dia 8 de abril já vigorava a fusão formal das duas corporações. Porém haveria ainda um período de adaptação dos egressos da GC, que fariam cursos especiais até meados de julho. Assim, nesse período, a Polícia Militar ainda manteve praticamente intactas as estruturas da GC e da FP funcionando em paralelo, inclusive com boletins gerais separados. Viriam na sequência, uma série de medidas regulatórias da unificação que afirmariam a supremacia do modelo da FP sobre as demandas da GC. Na prática, tais medidas não significariam uma "unificação" das duas corporações, mas um desmonte da GC e sua assimilação pela FP. Em 16 de abril, um decreto do governador estabeleceu que deveria ser aplicado à Polícia Militar toda a legislação referente à extinta Força Pública.214 Em 11 de maio, uma ordem do comando determinava a adoção, por toda a Polícia Militar, dos uniformes marrons da Força Pública. Segundo Vicente Sylvestre, os ex-guardas civis se sentiram traídos com a medida, a tal ponto que iniciaram pequenos atos de protesto e insubordinação contra o Comando e a SSP. No dia 18, organizaram uma entrega conjunta de solicitações pela opção pela Polícia Civil na sede da GC, que foi duramente repreendida pelo comando. No dia seguinte, cerca de 1500 guardas civis se reuniram à frente da Secretaria de Segurança, então na rua Brigadeiro Tobias, onde cantaram a "canção da Guarda Civil" e exigiram diálogo com o Secretário. Em reunião com todos os guardas no auditório da Secretaria, ele garantiu que ninguém seria obrigado a usar o uniforme da FP se não quisesse. Quando a "unificação" se consolidou, no entanto, foi mantido o uniforme marrom da FP como padrão da PM (SYLVESTRE, 1985: 107-108). Em maio, mais um decreto normatizador viria a prejudicar diretamente os egressos da GC. Como há um número fixo de postos do oficialato, um decreto estabeleceu uma "quota compulsória" de passagem à inatividade. Atingindo determinada idade, conforme o posto, uma parte do corpo de oficiais seria compulsóriamente reformada, permitindo assim a renovação e regularidade de acesso aos postos de comando.215 O problema para os ex-guardas civis era que, como provinham de uma carreira única, quando atingiam o quadro de inspetores, já contavam com uma média de dez anos de serviço, enquanto na FP se ingressava diretamente na patente de 2º tenente, com uma idade aproximada de 25 anos.216 Isso implicava que os oficiais oriundos da GC eram, em geral, mais velhos que os da FP, estando mais sujeitos à reforma compulsória (SYLVESTRE, 1985: 108). Osni Geraldo Santa Rosa, afirmou que muitos guardas civis "conseguiram ser colocados como inspetores rodoviários, civil, para fiscalizar ônibus, por aí pelas estradas, mas já não com a função policial" (CVESP, 2015f: 21). É possível que algumas dessas alocações tenham ocorrido antes da lei, o que não é especificado pelo seu depoimento. Além disso, não se pode desconsiderar a possibilidade de que muitos simplesmente se aposentaram, estimulados pela incerteza da unificação. 214 Decreto-lei estadual nº 222, de 16/04/1970. 215 Decreto-lei estadual nº 260, de 25/05/1970. 216 A pesquisa não possui dados sistemáticos de idade dos policiais militares. Porém pode-se usar como exemplo o tenente Alberto Mendes Júnior, que seria morto pela guerrilha em 1970, que atingiu a patente de 2º tenente com 23 anos.

106 Em junho, um decreto autorizaria o Comando Geral da PM a remanejar os efetivos e agrupar, criar, transformar e extinguir nas Unidades, de modo a consolidar a unificação. 217 A estrutura organizativa da GC era consideravelmente distinta da FP, portanto, a unificação demandava ajustes, que, na prática, seriam todos feitos em prejuízo das unidades da GC, que teria vários de seus agrupamentos desmembrados e realocados em batalhões distintos. Em termos organizativos, pode-se concordar com a afirmação de Cristina Neme de que, "a prática, 'Polícia Militar do Estado de São Paulo' foi a nova denominação dada à Força Pública (NEME, 1999: 22). A Polícia Militar tinha, em 1970, um efetivo de 53.804 policiais, sendo 51.845 praças e 1.959 oficiais. Os Batalhões Policiais, do 1º ao 19º e o Regimento de Cavalaria, mantiveram a mesma denominação e numeração, bem como as demais unidades da FP. A 3ª Cia. Ind. que foi fundida ao 1º Grupamento de Policiamento Independente, de Marília. A DPM passou a denominarse 3ª Cia. Ind, recebendo os efetivos do Serviço de Informação da GC, que se fundiu ao seu serviço reservado.218 Em 14 de julho, os agrupamentos da GC deixaram formalmente de existir, sendo agrupados nas unidades já existentes ou transformados nos BPs de numeração entre 20ª e 34ª, da seguinte maneira (MORAES, 1998: 150-151): Quadro 9 – Organização das unidades da Guarda Civil nas unidades da Polícia Militar em 1970 Batalhões Policiais da PM Antigos Unidades da GC da capital e de Santos 20º BP

DP Penha, DP Pari, DP V. Carrão (do 1º Ag. D.); DP N. Senhora do Ó, DP V. S. Maria (do 2º Ag.D.), DP Bom Retiro, DP Liberdade (do 3º Ag. D.)

21º BP

DP Vila Sônia, DP Lapa (do 2º Ag. D.); DP S. Amaro, DP Saúde, DP Ipiranga, DP S. Lucas (do 3º Ag. D.)

22º BP

1º, 2º, 3º e 4º DPEP (do 7º Ag. D.)

23º BP

4ª, 5ª e 6ª Divisões de Trânsito (do 5º Ag. D.)

24º BP

1ª, 2ª e 3ª Dts (do 4º Ag. D.)

25º BP

7ª DT e DSMT (do 6º Ag. D.)

217 Decreto-lei estadual nº 52484, de 7/07/1970. 218 Resumo Histórico do Batalhão. 3º Batalhão de Polícia de Choque. p.2-3. 1980. Pasta CPChq/3º BPChq. Museu de Polícia.

107 26º BP

DPSAL, DSPPJ, DPSSF e 1ª e 2ª DG (do 8ª Ag. D.)

27º BP

1º DMTM (do 9º Ag. D.)

28º BP

2º DMTM e DTM (do 9º Ag. D.)

29º BP

Divisão Escolar (do 9º Ag. D.) e DP Especializada (do 1º Ag. D.)

30º BP

1º e 2ª DDP e DPI (do 10º Ag. D.)

31º BP

1ª e 2ª DPR e SPI (do 10º Ag. D.)

32º BP

DP Santos, DPDR Santos e DT Santos (do 11º Ag. D.)

33º BP

Superintendência

de

Policiamento

Feminino 34º BP

Superintendência de Policia Marítima e Aérea

Além disso, as Divisões e Subdivisões do interior foram assimiladas pelos BPs e Cias. Ind. responsáveis pelas suas áreas, da seguinte maneira: DP Campinas, SD São Carlos e SD Piracicaba no 8º BP; DP Ribeirão Preto no 3º BP; DP Sorocaba no 7º BP; SD Bauru no 4º BP; SD Presidente Prudente no 18º BP; SD Guarulhos na 2ª Cia. Ind.; SD Jundiaí na 5ª Cia. Ind.; SD Marília no 2º GPI; SD Mogi das Cruzes na 1ª Cia Ind. Parte do efetivo do 10º BP (com sede em Santo André) foi transformado no 35º BP. Em 1º de março de 1971, houve uma padronização maior dos nomes das unidades, que receberiam o nome de Batalhão de Polícia Militar (BPM) e Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM). A 3ª CIPM (DPM) foi transformada no 35º BPM, assumindo função de tropa de choque. O 1º e 2º GPIs se converteram, respectivamente, no 36º e 37º BPMs, o Grupamento de Policiamento de Estradas de Ferro foi convertido no 27º BPM, o Corpo de Policiamento Rodoviário se transformou no 38º BPM e o Corpo de Policiamento Florestal, no 39º BPM. O Batalhão de Guardas e a Companhia de Guardas foram transformados, respectivamente na 8ª CIPM e na 9ª CIPM. O 20º e o 23º Batalhões foram extintos. O primeiro teve suas companhias desmembradas entre o 2º, 9º, 11º e 31º Batalhões, e o segundo foi incorporado ao 26º BPM. O 27º BPM foi convertido no Batalhão de Transporte. O 25º BPM foi incorporado ao 28º BPM, permanecendo na função de polícia de trânsito. A 4ª CIPM (Osasco) foi extinta e seu efetivo incorporado ao 14º BPM (responsável pela guarda de menores), enquanto a 3ª Companhia do 8º BPM (Campinas) passou a

108 ser a 4ª CIPM, com sede em Piracicaba. O antigo 35º BPM, com sede em São Bernardo do Campo, passou a ser denominado 24º BPM. Foram criados dois novos batalhões: um novo 25º BPM, a partir de companhias do antigo 28º BPM e do 11º BPM, atuando na região central da Capital, e um novo 23º BPM, a partir de companhias do 26º BPM, atuando na Zona norte. O antigo 24º BPM mudou sua denominação para 20º BPM e o 25º BPM, para 28º BPM. Ambos, somados ao 26º BPM, eram responsáveis pelo policiamento de trânsito. O 1º, 29º e 35º Batalhões se mantiveram como tropas de choque, responsáveis ainda por outras funções especiais. Note-se que a maioria dos desmembramentos e reorganizações se deram todos nos batalhões oriundos da GC. A antiga FP teve sua estrutura praticamente intocada.219 Na Capital, houve uma redistribuição dos doze Batalhões responsáveis pelo policiamento comum, entre as cinco áreas da cidade, da seguinte forma: Zona Norte: 9º e 23º Batalhões;220 Zona Sul: 12º, 19º e 21º Batalhões;221 Zona Centro: 11º, 25º e 31º Batalhões;222 Zona Oeste: 16º e 22º Batalhões;223 Zona Leste: 2º e 30º Batalhões.224 Pequenas reestruturações eram comuns na Força Pública e seguiram sendo na Polícia Militar, nos anos posteriores. Porém, pode-se considerar que o ajuste da unificação se encerra em 1971, pois é quando terminam as modificações da "Tropa Histórica", como são chamadas as unidades existentes durante a unificação (MORAES, 1998: 172). A partir daí já estava estruturada a Polícia Militar.

219 Para a distribuição das unidades na PM ver Anexo VI. 220 O 9º BPM nas áreas dos 13º, 20º, 28º, 38º e 40º Distritos Policiais, além das delegacias dos municípios de Caieras, Francisco Morato e Franco da Rocha. O 23º BPM nas áreas do 9º, 19º e 39º DPs. 221 O 12º BPM nas áreas dos 15º, 16º, 36º e 37º DPs. O 19º BPM nas áreas dos 11º, 27º, 36º e 43º DPs. O 21º BPM nas áreas 17º, 26º, 29º e 42º DPs. 222 O 11º BPM nas áreas dos 5º, 6º e 8º DPs. O 25º BPM nas áreas dos 1º e 4º DPs. O 31º BPM nas áreas dos 2º, 3º 12º DPs. 223 O 16º BPM nas áreas dos 14º e 34º DPs. O 22º BPM nas áreas dos 7º, 23º e 33º DPs. 224 O 2º BPM nas áreas dos 10º, 21º, 22º, 24º, 31º, 32º, 34º e 41º DPs. O 30º BPM nas áreas dos 18º, 25º e 30º DPs.

109

CAPÍTULO 3 - A GUERRA REVOLUCIONÁRIA

"Agora, o que temos de enfrentar é a guerra revolucionária, em que o inimigo pode, a qualquer instante, surpreender, em que o inimigo escolhe o tempo e o terreno para nos agredir" Roberto de Abreu Sodré, Governador do Estado de São Paulo, durante a assinatura do decreto-lei nº 217, que instituiu a Polícia Militar do Estado de São Paulo, em 08/04/1970.225

A unificação das polícias não foi uma exclusividade de São Paulo. A partir do decreto-lei federal de dezembro de 1969, as corporações civis foram extintas em todos os estados da União. 226 O processo foi sumário, pautando-se pelo prazo de 180 dias estipulado pelo decreto. Ao fim desse período, ao menos em tese, todo o policiamento ostensivo estava subordinado ao Exército. Não parece excepcional que, em uma ditadura militar, as Forças Armadas busquem garantir um controle mais direto das polícias. Dalmo Dallari, um dos primeiros a comentar a reestruturação das polícias, identifica o seu objetivo na neutralização do uso das "milícias estaduais" como instrumentos políticos (DALLARI, 1977: 81). Essa explicação, no entanto, é insuficiente. Os governadores, aos quais as polícias estavam subordinadas, eram eleitos indiretamente por assembléias legislativas controladas pelo regime desde 1966, sendo, portanto, bastante confiáveis. Paulo Sérgio Pinheiro foi o primeiro a articular de maneira elaborada a relação entre a criação da Polícia Militar e a repressão à luta armada. 227 A partir da crise de sucessão de 1969, 225O ESTADO DE SÃO PAULO. "Nasce a nossa Polícia Militar". 9/4/1970. p. 19 226Infelizmente, não há um volume significativo de pesquisas sobre os outros estados. Uma exceção (provavelmente a única até o momento) é o trabalho de Rafael Araújo (2013) sobre a Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Diferentemente de São Paulo, a Guarda Civil, a Guarda de Trânsito e a Polícia Rodoviária gaúchas foram extintas logo após o decreto-lei 317, de 1967. Ou seja, quando foi promulgado o decreto de 1969, a Brigada Militar já possuía o monopólio do policiamento ostensivo (ARAÚJO, 2013: 53). O caso do Rio Grande do Sul indica que podem ter havido diferenças substanciais nos processos de unificação, não se podendo tomar São Paulo como paradigma. No entanto, as especificidades regionais ainda carecem de pesquisas. É difícil até mesmo encontrar referências às guardas civis nas páginas oficiais das demais polícias militares. As exceções são as páginas das PMs de São Paulo, Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, que fazem breves menções à unificação. De maneira geral, sabe-se que a maioria dos estados possuíam uma Guarda Civil. Sylvestre comenta que estavam presentes, no I Congresso das Guardas Civis, representantes das corporações do Rio Grande do Sul, Guanabara, Sergipe, Paraná, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Pará, Bahia, Alagoas e Piauí, além de São Paulo (SYLVESTRE, 1985: 137). De qualquer forma, ressalvando-se as diferenças de processo, ao fim de 1970, já não existiam mais Guardas Civis estaduais. 227A relação entre a repressão política e a reestruturação das polícias não era uma ideia inédita na esquerda. Um documento do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Guerra Popular: o caminho da luta armada no Brasil, de 1969, já denuncia que "as Polícias Militares, sob o comando de oficiais do Exército, especializam-se no combate às demonstrações de massas nas cidades e na repressão aos movimentos camponeses" (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, 1974: 115-160). É muito provável que outros grupos tenham chegado a conclusões semelhantes. No entanto, essa ideia se aproxima mais a uma atualização da compreensão do papel de repressão de classe, que as

110 descrita anteriormente, as polícias foram centralizadas sob comando do Exército, com o objetivo de combater de maneira mais eficiente a luta armada. Não foi a ditadura que tornou a polícia violenta, ressalta Pinheiro, mas sim, trouxe novos elementos para o seu cotidiano, ressignificando e redirecionando a sua violência tradicional. A partir de 1969, "a visão de senhores protetores e arbitrários, 'por razões de segurança', foi superposta pelos mitos da ideologia de segurança nacional, transpostos para a luta contra a criminalidade comum" (os grifos são meus) (PINHEIRO, 1982: 61). A Polícia Militar não seria uma simples arma de repressão política, mas o produto da articulação entre a tradição enraizada do trabalho (violento) policial e a influência ideológica da ditadura, alimentado pela conivência institucional diante da violência. Da mesma forma que, em nome do combate à subversão, era necessário superar diversos "empecilhos legais", também o será no combate ao crime comum. Daí a PM se atribui o direito e o dever de praticar o "vigilantismo". Primeiramente este era praticado pela Polícia Civil, de maneira abertamente ilegal e como uma espécie de trabalho extra, na forma do Esquadrão da Morte (BICUDO, 1976). A Polícia Militar vai gradativamente incorporando esta prática, porém, como expediente normal, se utilizando de brechas legais, sendo a mais notável delas, o foro militar. Considerando a pouca atenção que a Polícia Militar teve enquanto objeto de estudo sobre o período ditatorial, a perspectiva de Paulo Sérgio Pinheiro se consolidou com a principal explicação, sendo reproduzida por vários autores (BENEVIDES, 1983; BARCELLOS, 1992; NEME, 1999; BICUDO, 2000; CALDEIRA, 2000: 148, ZAVERUCHA, 2010). Há, contudo, um pressuposto no seu trabalho que merece uma melhor discussão. A penetração da chamada "ideologia de segurança nacional" na Polícia Militar, após 1969, reorganizando a prática da violência policial, é tida como ponto pacífico. No entanto, as formas dessa penetração e mesmo o próprio conceito do que seria tal "ideologia" carecem de um maior um debate empírico. 3.1. A Doutrina de Segurança Nacional e a guerra revolucionária: conceito e origens Dentre os vários autores que buscaram interpretar o golpe e o regime, alguns voltaram sua observação para os militares, compreendendo-os como agentes importantes do processo (FICO, 2004: 30-32). O estudo do pensamento militar, então, ganhou proeminência, principalmente no que diz respeito à chamada Doutrina de Segurança Nacional (DSN). Joseph Comblin (1978) e Eliézer Rizzo de Oliveira (1976) são dois dos principais autores que se dedicaram ao estudo da DSN, ainda nos anos 70, influenciando bastante os estudos polícias historicamente executam, do que a uma análise específica do momento.

111 subsequentes. Ambos os autores identificam como ponto de difusão da DSN, a Escola Superior de Guerra (ESG). Criada em 1949, a ESG tinha como objetivo ministrar cursos para oficiais das Forças Armadas e civis ligados a altos postos de comando administração pública ou da iniciativa privada.228 Ela foi diretamente inspirada na National War College e sua implantação contou, inclusive, com auxílio de uma Missão dos EUA (OLIVEIRA, 1976: 21). Na narrativa desses autores, o papel dos EUA não se restringe a uma simples influência, mas é o definidor das ações dos militares. Segundo Oliveira, "não se pode atribuir inteiramente ao setor militar localizado na ESG a criação do tipo de pensamento político ideológico difundido por ela (...) (mas) se podem perceber vínculos nítidos com o pensamento militar que se desenvolveu nos Estados Unidos" (OLIVEIRA, 1976: 24). Comblin vai mais longe, reduzindo, a contribuição dos militares latino-americanos a meras adequações locais. Seria, segundo ele, "incontestável que essa doutrina vem diretamente dos Estados Unidos" (COMBLIN, 1978: 14). Nas ditaduras então vigentes no Brasil, Peru, Chile, Argentina, Uruguai, Equador e Bolívia, prossegue o autor, "não houvera necessidade de que os Estados Unidos fizessem um esforço para impô-la. Pelo contrário, ela foi adotada com entusiasmo e sem nenhum sentimento de subordinação" (COMBLIN, 1978: 157). Em resumo, para Comblin podemos afirmar, portanto, que a Doutrina de Segurança Nacional, vinda do exterior, em vez de passar por um processo de rejeição devido às particularidades dos países envolvidos, resulta, na realidade, em uma desnacionalização da vida social e politica de cada um deles. (COMBLIN, 1978: 16)

A DSN é entendida como a ideologia das ditaduras latino-americanas. Convertidos agora em Estados de Segurança Nacional, os países da América Latina operam uma série de reestruturações em todos os seus níveis para se adequar a essa concepção. Grosso modo, a DSN concebia o mundo irrevogavelmente dividido entre dois blocos em conflito: o Ocidente capitalista e o Oriente comunista. A geopolítica coloca o Brasil "naturalmente" no bloco capitalista e, portanto, alinhado aos EUA. Dessa maneira, o país se converte em alvo permanente dos ataques do Movimento Comunista Internacional (MCI, sigla bastante frequente em documentos militares e das polícias políticas). Como uma guerra convencional entre os dois blocos se converteria rapidamente em um conflito nuclear, as ameaças à "segurança interna" viriam na forma de "ação indireta" do comunismo. Dessa maneira, cria-se a figura do "inimigo interno", um cidadão comum conquistado pelas armas ideológicas do comunismo, que passa a trabalhar para implantá-lo no Brasil. Para 228A ESG foi criada pela Lei Federal nº 785, de 20/08/1949.

112 combater a subversão, a DSN estipula que devem ser tomadas conjuntamente medidas em torno do binômio segurança e desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que o aparato repressivo deve ser aperfeiçoado, capacitando-se para encontrar e neutralizar qualquer inimigo interno, reconhece-se a necessidade de uma "modernização" da economia, da ocupação territorial das áreas pouco povoadas do país e o estabelecimento de um sistema político livre da subversão (ALVES, 2005: 43-45, SKIDMORE, 1988: 170; COMBLIN, 1978; OLIVEIRA, 1976). Recentemente, essa concepção sobre a DSN e o pensamento militar começou a ser alvo de críticas e questionamentos. Analisando esses autores clássicos, João Roberto Martins Filho aponta dois problemas principais (MARTINS FILHO, 2008: 39). O primeiro é que se parte de uma definição genérica do ideário de segurança nacional, tanto na sua construção pelos EUA, quanto na sua recepção pelos militares da América Latina. O léxico um tanto quanto genérico e repetitivo das diferentes escolas militares (com termos como “subversão”, “guerra revolucionária”, “inimigo interno”, etc) levou muitos pesquisadores a crer, errôneamente, que se tratavam de uma única coisa, quando, na verdade são originárias de outras potências militares que não os EUA. Além disso, o termo "Doutrina de Segurança Nacional" acaba servindo involuntariamente de sinônimo para todo o pensamento militar durante a Guerra Fria. Termos, conceitos e estratégias de origens distintas são identificados como um único pensamento coeso de matriz estadunidense.229 O segundo problema seria que, ao colocar a mentalidade militar local como uma mera transposição do ideário dos EUA, a abordagem de Comblin, por exemplo, perde de vista as especificidades dos processos nacionais. Se desconsidera toda a agência política dos golpistas, e as adaptações feitas, bem como as diferenças internas entre os grupos militares. A raiz desse problema se relaciona à confusão entre ideologia e doutrina. Normalmente tratadas como sinônimos, quando se diz respeito ao pensamento militar sobre segurança nacional, os dois conceitos são, na verdade, radicalmente diferentes. Como bem observa Martins Filho, ideologia é um conceito sociológico que, grosso modo, significa um conjunto organizado de ideias acerca da sociedade, ou seja, uma visão de mundo (MARTINS FILHO, 2008: 40). Por sua vez, doutrina tem um significado bem específico no jargão militar, constituindo um "conjunto de princípios, conceitos, normas e procedimentos, fundamentadas principalmente na experiência, destinado a estabelecer linhas de pensamentos e a orientar ações, expostos de forma integrada e harmônica". 230 Ou seja, uma doutrina 229 Um exemplo, dentre vários, é Maria Helena Moreira Alves. Salvo os muitos méritos de seu livro, a sua descrição da DSN, embora reconheça influências francesas e inglesas, além de influências locais, considera todas as "teorias" de combate a subversão como variações da ideologia de segurança nacional, que assumiria formas específicas em cada localidade. Ver ALVES, 2005: 39. 230MINISTÉRIO DA DEFESA, MD35-G-01 Glossário das Forças Armadas, 4ª Edição, 2007, Disponível em http://www.defesa.gov.br/arquivos/File/legislacao/emcfa/publicacoes/md35_g_01_glossario_fa_4aed2007.pdf acessado em 10/10/2015.

113 militar não é uma simples "mentalidade", mas sim um conjunto de diretrizes que as Forças Armadas devem estabelecer para a orientação de suas ações. Além disso, há uma supervalorização do alcance total da DSN dentro das Forças Armadas. A ESG, ponto de difusão da doutrina, era destinada à uma pequena elite do oficialato e a alguns civis. Como grande parte dos egressos da ESG iriam ocupar cargos nas escolas de oficiais, se supôs, por muito tempo, que realizavam o trabalho de difusão da DSN. Contudo tal suposição é incorreta. Os currículos das demais escolas de oficiais não incluíam a totalidade da DSN, mas apenas determinados aspectos. Os pontos correspondentes ao desenvolvimento econômico e à geopolítica são claramente secundados, em favor daqueles relativos à "segurança" e aos aspectos repressivos. O que era ensinado, de fato, era a doutrina da "Guerra Revolucionária" francesa (MARTINS FILHO, 2004; CHIRIO, 2012: 19-20). A doutrina da Guerra Revolucionária origina-se da crise do domínio colonial francês nos anos 50. Diante da derrota na então Indochina, em 1954, e do avanço da luta pela independência na Argélia, os militares franceses buscaram reelaborar sua doutrina militar. A sua preocupação principal não era o ataque de uma potência estrangeira, através de uma guerra convencional, mas a insurreição interna. Sob essa perspectiva, a guerra revolucionária é um processo longo e complexo, sendo "diferente da guerra convencional porque coloca o recurso às armas no final e não no começo do conflito" (MARTINS FILHO, 2009:183). Os teóricos militares franceses dividiram a sua evolução em cinco etapas. Na primeira, a ação se dá por meio da propaganda, incitando a divisão social. Os objetivos revolucionários não são explicitados, podendo estar disfarçados sob várias máscaras, como o nacionalismo, a religião ou questões raciais, entre outros. A segunda fase é das manifestações, tumultos, sabotagens e atos de desordem em geral, quando se efetiva uma rede de organizações subversivas. Na terceira, formamse pequenos grupos armados, que iniciam ações de guerrilha urbana, visando desestabilizar e desmoralizar o regime. Na quarta etapa, estabelecem-se "zonas liberadas", territórios dominados por milícias subversivas, onde o Exército regular não consegue chegar. Por fim, ocorre a unificação desses diversos grupos, formando um exército regular revolucionário. Estabelece-se um governo provisório em uma grande região liberada, que procura reconhecimento externo. Somente nesta última etapa é que o conflito se torna uma guerra convencional, onde dois exércitos regulares se enfrentam pela conquista de territórios. A partir daí, os revolucionários estão preparados para a ofensiva final e tomada do poder (MARTINS FILHO, 2009:183-184). A evolução da guerra revolucionária é dinâmica, com as várias etapas podendo se desenrolar simultaneamente. Uma implicação lógica da doutrina é que há uma continuidade ascendente entre quaisquer tipos de ações críticas ao regime e a inssurreição armada. A ação contrarrevolucionária,

114 para ser vitoriosa, deve impedir o desenvolvimento das etapas iniciais da subversão, reprimindo com rigor as menores ações de oposição. As atribuições das Forças Armadas são expandidas e modificadas, envolvendo-se em operações de informação e contra-informação e na construção de órgãos de defesa interna. Se dá, então, grande valor à “guerra psicológica”, ou seja a disputa das mentes da população. A subversão visa a conquista tanto “física” quanto “espiritual” da população nos termos utilizados pelos militares – daí que não basta somente uma estrutura repressiva eficiente, mas também uma força doutrinária a favor do governo. Esta deve ser direcionada tanto à população, através de propaganda e ações “cívico-militares” - ações sociais do governo – quanto ao público interno das Forças Armadas. Nesse processo, diversas garantias democráticas são entendidas como entraves à excepcionalidade da ameaça. A Argélia foi o palco de testes da doutrina. A partir de 1955, após sucessivos avanços da Frente de Libertação Nacional (FLN), os franceses iniciaram uma progressiva reestruturação do sistema repressivo. As unidades militares tradicionais, com extensas cadeias de comando e grandes efetivos, foram julgadas inadequadas para combater as táticas de guerrilha da FLN. Era necessário, segundo os oficiais franceses, uma estrutura mais dinâmica e capaz de produzir e processar informações rapidamente. Assim, o território argelino foi dividido em regiões militares, cada uma colocada sob o comando de um centro de coordenação unificado. Subordinados a estes estavam os Destacamentos Operacionais de Proteção (Détachement Opérationnel de Protéction - DOP), grupos de assalto menores, com grande autonomia e flexibilidade, que uniam militares, policiais e gendarmes231, misturando operações de natureza bélica com outras tipicamente policiais. Os interrogatórios, prática policial transformada em expediente de guerra, passam a se utilizar de tortura sistemática, como forma de combate ao inimigo. Os DOP foram fundamentais para a vitória francesa na Batalha de Argel, em 1957, quando pareceu que a FLN havia sido definitivamente derrotada (MARTINS FILHO, 2009: 194-196; JOFFILY, 2013: 74-75, GASPARI, 2002). Na América do Sul, a doutrina chegou via Argentina, em 1957, quando quatro militares franceses foram convidados como professores da Escuela Superior de Guerra argentina, permanecendo até 1962. No Brasil, ela seria introduzida, primeiramente, através da publicação de artigos de oficiais franceses nas revistas militares, até que, em 1959, se realizou uma conferência na ESG, sendo a "guerra revolucionária" convertida em um curso da Escola do Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, em 1962 (MARTINS FILHO, 2004; MARTINS FILHO, 2008: 67). Gradualmente foram sendo criados cursos nas demais escolas, garantindo a difusão da GR entre 231São os membros da Gendarmeria, o equivalente à polícia militar. Foi um modelo de policiamento muito comum na Europa durante o século XIX (com exceção da Inglaterra). Seu papel foi gradualmente diminuindo, sendo substituídas por corporações civis, subsistindo apenas como polícias rurais. Nas colônias, no entanto, permaneceram como as principais forças de policiamento até os processos de independência (BAYLEY, 2006: 53).

115 jovens oficiais (CHIRIO, 2012: 25). Além disso, vários instrutores franceses circularam pelas escolas militares, como por exemplo, a sinistra figura do general Paul Aussaresses. Veterano da Guerra da Argélia e defensor da tortura sistemática nela utilizada, Aussaresses ministrou aulas de técnica de interrogatório no Centro da Instrução de Guerra brasileiro (CNV, 2014a: 329). Por outro lado, neste período, a preocupação dos EUA era outra. Até a Revolução Cubana, a sua Doutrina de Segurança Nacional orientava-se exclusivamente para o conflito com a URSS e a possibilidade de guerra nuclear, não havendo preocupação significativa com a possibilidade de insurreição.232 Somente em 1962 é que será criado, pelo governo Kennedy, um "Grupo Especial" responsável por elaborar uma política de contra-insurgência, identificando os países de risco e implantando programas de treinamento (HUGGINS, 1998: 120).233 A essa altura, a doutrina francesa já estava bastante difundida, pelo menos, no Brasil e na Argentina (MARTINS FILHO, 2008: 40). A "superioridade" dos franceses sobre os estadunidenses nos assuntos de contrainsurgência é reconhecida em um documento do General Oswaldo Cordeiro de Farias, então chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA). Publicado em 27 de julho de 1961, o FA-E-61 recomendava a conceituação doutrinária única de diversos termos como "guerra revolucionária", "guerra psicológica" e "subversão", entre outros, ressaltando a "vasta literatura militar francesa" sobre o assunto, enquanto "a literatura militar norte americana proporciona parcos ensinamentos" sobre a guerra não convencional (apud MARTINS FILHO, 2008: 44-45). A vitória do golpe sem enfrentar grande resistência – uma "revolução incruenta", segundo Carlos Lacerda (CHIRIO, 2012: 48) - fez com que o debate sobre a guerra revolucionária perdesse a premência. No entanto, a doutrina permanece como uma referência no interior das Forças Armadas, principalmente na esfera ligada à repressão política. O AI-1, que estabeleceu os Inquéritos Policiais Militares (IPMs), determinou que a sua instauração poderia se dar, individual ou coletivamente, para apurar práticas de "crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária".234 Os IPMs ficaram sob responsabilidade de um grupo de coronéis, comumente identificados com a "linha dura" do regime. São, neste momento, um grupo pouco uniforme, marcado pela defesa de um expurgo radical dos opositores - maior do que o pretendida por Castelo Branco – e por uma sólida formação na doutrina da "guerra revolucionária" (FICO, 2004: 72; CHIRIO, 2012: 51-55). O IPM 709, instaurado para investigar "o comunismo no Brasil" é fortemente marcado pela doutrina francesa. Redigido em 1966 e publicado como livro em 232Ver, por exemplo, A Report to the National Security Council by the Eecutive Secretary on United States Objectives and Programs for National Security (NSC-68). 14/04/1950. Disponível em http://fas.org/irp/offdocs/nsc-hst/nsc68.htm . Acessado 25/02/2016. 233National Security Action Memorandum nº 124 (NSAM-124). 18/02/1962. Disponível em http://fas.org/irp/offdocs/nsam-jfk/nsam124.htm . Acessado em 25/02/2016. 234Ato Institucional, art. 8, de 9/04/1964. O grifo é meu.

116 1967, ele ficou sob responsabilidade do Coronel Ferdinando de Carvalho. Veterano da FEB, altamente condecorado, com passagens por cursos de Comando e Estado-Maior nos EUA e pela ESG, Carvalho foi um dos maiores tradutores de artigos franceses sobre a GR (CHIRIO, 2012: 62). Considerando que "o comunismo, como instrumento que é da subversão, já é subvertido em seu próprio entendimento" (IPM, vol 1, 1967: 13), o extenso IPM

faz uma análise teórica do

comunismo, e da atuação dos grupos organizados no Brasil e no mundo. Para além da caracterização confusa, que não faz distinção entre as diferentes correntes teóricas dentro do marxismo - mesclando indiscriminadamente estratégias de Lênin, Mao Tsé-Tung e Che Guevara - a ideia de guerra revolucionária perpassa todo o documento. São descritas as 5 etapas e apresentados episódios ilustrativos de que ela estaria em curso no Brasil, até ser impedida pelo golpe (IPM, vol. 4, 1967: 37-40). Nas primeiras fases da guerra revolucionária, até mesmo festas populares e piqueniques são vistos como potencial "movimentação de massas" para a subversão, podendo ser alvo de dissuação pela policia (IPM, vol.3, 1967: 271). Segundo Martins Filho, a doutrna da "guerra revolucionária" é reavivada pela eclosão da luta armada (MARTINS FILHO, 2009: 187). O AI-5 retoma as referências à doutrina, ausentes nos três atos institucionais anteriores, justificando o fechamento do regime na necessidade de se preservar "a ordem, a segurança, a tranquilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária".235 Alguns autores defendem que há uma profunda relação entre a estrutura repressiva criada a partir de 1969 – i.e. a Oban e o DOI-CODI – e a doutrina da guerra revolucionária. Martins Filho, por exemplo, procura mostrar como os princípios de controle de informações e unificação de comando da forças de segurança embasaram a criação dos novos órgãos repressivos. A própria estrutura organizacional do DOI-CODI, com divisão em zonas militares e operativos ágeis e autônomos, refletiria o DOP da Argélia (MARTINS FILHO, 2009: 192-194). O autor também defende que a experiência francesa na Argélia inspirou até mesmo o uso sistemático da tortura. Ainda que esta não fosse uma novidade no Brasil, visto que já era expediente comum da polícia, a partir do DOI-CODI ocorre uma mudança qualitativa no seu uso. Ela passa a ser empregada como "método operacional sistemático na 'guerra contra o terrorismo'", sendo assimilada pelos militares (MARTINS FILHO, 2009: 195). Tal influência, contudo, não é consensual entre os autores. Huggins, por exemplo, ressalta o papel da influência dos EUA na formação da Oban e do DOI-CODI. Segundo ela, esses órgãos se estruturaram de maneira semelhante ao Programa Phoenix. Ativo no Vietnã do Sul entre 1965 e 235Ato Institucional nº 5, preâmbulo, de 13/12/1964. O grifo é meu.

117 1972, este Programa era coordenado pela CIA, com objetivo de unificar o sistema de inteligência sul-vietnamitas, se utilizando largamente de expedientes de tortura, desaparecimentos e assassinatos.236 Huggins aponta ainda que, logo após deixar o cargo de chefe da segurança pública da OPS para o Brasil, Theodore Brown, assumiu justamente o comando do Programa Phoenix (HUGGINS,1998: 177). Ainda que não se extenda na discussão, essa visão é endossada também por Carlos Fico (2001: 115). Para Elio Gaspari, a estrutura da repressão do Vietnã "não convinha" ao Brasil. Mesmo se utilizando de torturas e assassinatos, os EUA ainda se encontravam sob um regime constitucional, o que implicava numa contenção da violência de Estado, sob risco de punição dos agentes militares. A inspiração organizativa teria sido, portanto, o modelo francês, que "encontrava-se nas estantes das bibliotecas militares" (GASPARI, 2002: 32). A Oban seria uma anomalia na estrutura militar convencional, guardando grande semelhança com o modelo francês. No entanto, Gaspari aponta que essa influência se dá apenas no âmbito organizacional. No âmbito teórico, a retórica militar sobre segurança nacional e inssureição não passava de um conjunto de "grandiloqüências burocráticas do policialismo", destinadas a conferir legitimidade para as práticas de violência. A estrutura repressiva seria desprovida de um sentido político profundo, o que fez com que o seu trabalho fosse contaminado pelos métodos violentos da polícia (GASPARI, 2002: 40). Há ainda uma outra posição que defende que o sistema repressivo pós-1969 foi uma criação inteiramente nacional, motivado por razões práticas, sem nenhum embasamento teórico superior. Tal opinião é bastante comum principalmente entre militares que compuseram esses órgãos. O Coronel Carlos Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI de São Paulo entre 1970 e 1974, e reconhecido torturador, afirma que "o que o Exército fez para combater a subversão e o terrorismo foi adotar uma linha de ação genuinamente brasileira e que serviu de ensinamento para vários outros países" (USTRA, 1987). É um tanto infrutífero tentar "medir" as influências sobre o sistema repressivo. Faz mais sentido abordá-las como a combinação de muitas referências, principalmente - mas não só francesa e estadunidense, adaptadas à realidade nacional (JOFFILY, 2013: 77). Os Estados Unidos tem, claro, uma influência determinante em todas as ditaduras da América Latina. Além de suporte diplomático e material, no que concerne ao pensamento militar, os EUA forneceram diversos cursos para militares latino-americanos, em especial na School of Americas (SOA), localizada no Panamá entre 1954 e 1984, e posteriormente transferida aos Estados Unidos, onde funciona até hoje. Cerca de 300 brasileiros, das Forças Armadas e das polícias, passaram pela escola entre 1956 e 1996. A 236 A guerra do Vietnã ocorreu entre 1955 e 1975, quando o país estava dividido entre o norte socialista e o sul capitalista.

118 SOA se tornou famosa após sucessivas denúncias de que seus currículos incluíam graves violações aos Direitos Humanos e de que vários de seus ex-alunos se envolveram ativamente nas ditaduras latino-americanas (CNV, 2014a: 330-331; GILL, 2004). Além dos EUA e da França, os militares britânicos também exerceram uma considerável influência no sistema repressivo brasileiro. Entre 1968 e 1970, pelo menos, os militares brasileiros mantiveram uma intensa relação com seus colegas britânicos, sendo que, em fins de 1970, um grupo de oficiais do I Exército (Rio de Janeiro) foi enviado à Inglaterra para aprender o "sistema inglês de interrogatório" (FON, 1979: 72). Desenvolvido para a repressão contra os movimentos pela independência da Irlanda do Norte, o sistema se baseava numa "tortura limpa", realizando, principalmente, o desgaste psicológico do prisioneiro através de técnicas de privação de sono, desorientação e execuções simuladas, entre outras coisas (FON, 1979: 72-75; GASPARI, 2002: 189-190; CNV, 2014a: 334-336). Além desses três países, tidos como as principais influências, há relatos sobre instrutores oriundos de diversos países – qu, em geral, viviam também sob regimes ditatoriais ou de segregação - como África do Sul, Portugal e Coréia do Sul (FON, 1979: 61). E, por fim, havia uma intensa troca entre os regimes militares da América Latina, culminando com o estabelecimento da Operação Condor, em 1975 (DINGES, 2004; QUADRAT, 2006). É importante ressaltar que as conexões internacionais constituem influências e não modelos prontos para simples transposição. As doutrinas e técnicas repressivas militares utilizadas aqui são uma elaboração de oficiais brasileiros articulando elementos de militares estrangeiros, adaptando-os ao contexto nacional. Muitas dessas técnicas estrangeiras foram desenvolvidas para repressão a movimentos anti-coloniais, como é evidente no caso da "guerra revolucionária". Analisando a militarização das técnicas de segurança nos EUA e na Europa no início do século XXI, Stephen Graham descreve o movimento do "bumerangue de Foucault". Em um de seus cursos no Collége de France, Foucault fez uma reflexão sobre como técnicas de produção e controle pensadas para as colônias, acabam sendo adaptadas e incorporadas para uso interno das próprias metrópoles. Graham traz esse pensamento para o período contemporêneo, mostrando como técnicas militares criadas para situações de guerra são transpostas para a segurança pública, tratada agora como uma "guerra de baixa intensidade". Tecnologias de vigilânica, drones e armas "não-letais" passam a ser instrumentos das polícias na Europa e nos EUA (GRAHAM, 2011; GRAHAM, 2012). Pode-se dizer que a introdução da "guerra revolucionária" na América Latina passou por uma dinâmica semelhante. A doutrina foi desenvolvida visando controlar os povos das colônias francesas, onde a população "inimiga" é facilmente identificada como sendo "o outro". Transposta para um contexto de um regime ditatorial nacional, e não uma colônia, a doutrina sofre, necessariamente, adaptações.

119 Ela não é utilizada como um bloco monolítico, mas muito mais como um conjunto de dispositivos repressivos, os quais as Força Armadas manejam conforme acham conveniente (ARAÚJO, 2001: 386). Um documento do EMFA, já em 1969, tentou articular os conceitos clássicos da doutrina com as modificações pelas quais o movimento comunista passou ao longo dos anos 60. Ele reconheceu, um tanto tardiamente, que Moscou e Pequim representavam, então, pólos antagônicos e estratégias diferentes.237 Reconheceu também que havia uma discussão entre os grupos revolucionários a cerca do cenário mais favorável pra a eclosão da guerrilha, se o campo ou a cidade. E por fim, o ponto mais importante aqui, propunha uma reelaboração do esquema de etapas, reduzindo-as de cinco para duas. A etapa de "preparo" envolveria a formação de bases e ações de propaganda, greves e tumultos. A etapa seguinte, de execução, seria marcada pelas ações armadas, iniciando-se com os primeiros atos de terrorismo e guerrilha, até a formação de um exército revolucionário (MARTINS FILHO, 2009: 189-190). Aparentemente, não se estabeleceu um consenso doutrinário e as duas versões da "guerra revolucionária" são repetidas a exaustão na documentação policial militar. 3.2. O papel da Polícia Militar na guerra revolucionária Um manual da Polícia Militar do Estado do Paraná (PMEP), intitulado Guerra Revolucionária e publicado em 1965, define que a PM, "pelo caráter de sua finalidade, poderá oferecer um tipo profissional altamente hábil para o cumprimento das tarefas de combate à subversão", se forem cumpridos três requisitos: 1 – deve estar familiarizado com técnicas de identificação e de controle de distúrbios; 2 - pela sua convivência constante com a população, o policial militar é o mais capacitado para dar as primeiras indicações dos tipos humanos e seu comportamento social; 3 – dispondo de uma "estrutura semelhante a de forças regulares", a PM está apta a fornecer contingentes humanos e armamentos quando necessário.238 Enunciando esses pontos já em 1965 - portanto antes mesmo da criação da IGPM - o manual indica que o pensamento militar fundado na "guerra revolucionária" já possuía um plano (ou ao menos um esboço) do que fazer com as polícias ostensivas. O manual, assinado pela própria PM 237Além de terem passado por processos revolucionários muito distintos, URSS e China viviam uma crise de relações políticas e diplomáticas desde o fim dos anos 50, culminando no rompimento em 1962. 238PMEP. Guerra Revolucionária. 1965. p. 56

120 paranaense, é um texto padrão sobre a "guerra revolucionária", não muito diferente dos textos das Forças Armadas. A sua quase totalidade discorre sobre os conceitos e autores da doutrina, com ênfase em táticas de combate à guerrilha, sem fazer nem mesmo menção à polícia. É somente ao seu final, em dois capítulos breves, que a Polícia Militar será introduzida no assunto. Observando os pontos acima, é notável que se espera da PM uma atuação nas fases iniciais da guerra revolucionária, sendo capaz de identificar potenciais subversivos e impedir as primeiras manifestações de contestação à ordem. É importante também observar que não se faz distinção entre as unidades especializadas e as demais. Espera-se que todos os policiais tenham um determinado nível de conhecimento de técnicas de informação e repressão à distúrbios civis. Além disso, reitera-se seu papel de reserva do Exército, podendo ser mobilizada para a guerra contra a subversão. O capítulo seguinte do manual é ainda mais explícito, pois aborda especificamente o papel da PM contra a guerrilha. Novamente é ressaltado o fato de o policial estar inserido no cotidiano das comunidades, tendo, portanto um grande conhecimento das pessoas e dos lugares. Somadas à disciplina e coragem, que seriam próprias do trabalho, essas características fariam do policial militar um "típico soldado anti-guerrilha". Através de uma atualização na instrução de todos os escalões, prossegue o manual, "podemos até fazer de cada destacamento policial não só um núcleo de controle e guarda da segurança local, como também um centro eficiente de coleta de informações".239 Sobre esse manual é ainda importante destacar que, em 1965, estamos ainda há dois anos da eclosão das primeiras ações armadas, o que reforça a tese de que o endurecimento do regime anos depois não foi uma resposta pragmática à radicalização da esquerda, mas sim a vitória, dentro das disputas do regime, de uma proposta repressiva que existia desde os primeiros momentos (FICO, 2001: 62). As mudanças que serão efetuadas na polícia de São Paulo, alguns anos depois, vão ao encontro das prescrições deste manual. Em termos estruturais, além da centralização sob o controle do Exército e eliminação da Guarda Civil, a reorganização da PM de São Paulo centra-se no desenvolvimento de duas funções principais: uma maior prevalência das tropas de choque e expansão das unidades de inteligência, estreitando laços com os órgãos federais. Da mesma forma que as Forças Armadas, as ligações da polícia paulista com a "guerra revolucionária" antecedem ao golpe. Pierre Lallart, adido militar francês no Brasil entre 1962 e 1966, e veterano da guerra da Argélia, mantinha contato com militares e civis que se envolveriam no golpe. Em janeiro de 1964, o General EB Franco Pontes, então comandante da Força Pública, 239PMEP. Guerra Revolucionária. 1965. p. 57

121 solicitou ao oficial francês a criação de estágios especiais na França a fim de capacitar oficiais da FP como instrutores das modernas técnicas de combate à subversão. O general também expressou seu desejo de constituir um Estado-Maior operacional de prevenção de problemas políticos e sociais e de criar um serviço de defesa contra a subversão (ARAÚJO, 2011: 289).240 Com a ditadura, gradualmente foi se estabelecendo uma doutrinação sistemática da polícia paulista na "guerra revolucionária", através dos cursos de formação. Em maio de 1968 foi proferida pelo Diretor da Academia Nacional de Polícia, Eugênio Lapagesse, a aula inaugural do “Curso Extraordinário de Investigação Especializada – III (Sabotagem e Terrorismo)", intitulada “A Interação das Polícias do Brasil no Panorama da Segurança Nacional”. O curso era destinado a oficiais da Força Pública e integrantes de outros órgãos de segurança. Na aula do dr. Lapagesse – como é chamado ao longo do documento - é denunciada a “contaminação conceitual” da vida nacional pelo “vírus de ideias alienígenas” que origina a figura do terrorista, “solerte, pérfido e torpe”, que investe não contra as instituições em si, mas contra a população civil, visando dividir a nação. A forma de combater isso, segundo Lapagesse, é a fixação de um “instrumental” adequado à conjuntura, capaz de preservar a “unidade espiritual da Nação”. Parte desse “instrumental” diz respeito à segurança interna (que é componente da segurança nacional), e, mais precisamente, às polícias. É necessária uma atuação mais integrada e centralizada entre as diferentes corporações, pois são todos “sacerdotes de u'a mesma fé” (sic). Nesse sentido, prossegue a aula, vem a "Constituição de 1967, a criação do Departamento de Polícia Federal (Lei 4.843, de 16 de novembro de 1964) e nova Lei Orgânica da Polícia, com a criação da IGPM e subordinação da Força Pública como reserva do Exército".241 A aula do dr. Lapagesse é não só uma espécie de introdução à Guerra Revolucionária, mas também um esforço de legitimar a centralização das polícias pelo Exército, em um momento em que a efetivação disso ainda estava sob disputa. Em 31 de outubro do mesmo ano, o Estado-Maior do Exército publicou a Nota de Instrução n°1/68 – Combate à Guerrilha Urbana.242 Esse é o primeiro documento disponível no acervo da PM paulista a fazer uma descrição detalhada da guerra revolucionária. Ele não é exclusivamente voltado às polícias, porém elas figuram como agentes importante no seu conteúdo, principalmente as polícias militares.243 Considerando que existem quatro tipos de guerrilha, definidas pela região – nas 240As fonte consultadas pelo autor, Rodrigo Nabuco de Araújo, foram os relatórios do adido militar. Segundo Araújo, essa documentação tem bastante restrições de segurança, sendo pobre de informações. Assim, não é possível saber se o estágio foi concretizado (ARAÙJO, 2011: 287). 241LAPAGESSE, Eugênio. Curso Extraordinário de Investigação Especializada - III: A Interação das Polícias do Brasil no Panorama da Segurança Nacional. São Paulo, Tipografia do Serviço de Intendência da Força Pública do Estado de São Paulo; 1968. Museu de Polícia. 242MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. Esta "nota de instrução" é lançada como complemento ao Manual C 19-15 – Controle de Distúrbios Civis e Calamidades Públicas, também elaborado pelo EME. 243Na verdade, como as instruções baseiam-se em uma organização de formato militar (com batalhões, pelotões, etc)

122 montanhas, na selva, no campo e urbana - a finalidade do documento é dar informações gerais sobre esta última e estabelecer normas para o seu combate.244 A descrição da guerrilha urbana segue um esquema de duas grandes fases, bastante semelhante àquele apresentado no documento da EMFA de 1969, citado acima. As cinco fases tradicionais são agrupadas em duas fases mais amplas. A "fase preliminar" é caracterizada por passeatas ilegais, comícios relâmpago, depredações de prédios e veículos e busca de confronto com a polícia. Na "fase plena", se iniciam os ataques a postos policiais e militares, assaltos à banco, evoluindo até a constituição de um domínio territorial.245 Após a caracterização da guerrilha, segue-se o plano de ação para combatê-la. Todo o tom do texto segue uma linha bélica, referindo-se a "combates", "adversários" e "inimigos". Sendo a cidade o local por excelência de atuação da polícia, a esta deve ser reservada a maior parte das ações, principalmente, na fase preliminar da guerrilha. O combate à guerrilha deve dar prioridade às ações preventivas de Segurança Interna246 - ou seja, às operações policiais - pois estas podem evitar o desenvolvimento das fases mais avançadas. Uma intervenção direta das Forças Armadas só deve ocorrer quando as forças policiais se mostrarem insuficientes. Até este ponto, o seu papel deve se dar "através de Operações Psicológicas e da cooperação com as autoridades civis em seus

dificilmente ela poderia ser utilizada sem adaptações por outra corporação, como a GC ou a PC. Observando também a sua "carga", ou seja, a distribuição de exemplares entre os diferentes órgãos das Forças Armadas, percebese que a IGPM foi a que mais recebeu exemplares, num total de 25. É uma quantidade superior mesmo a do próprio EME e das escolas de formação de oficiais, que receberam dez exemplares cada um. A informação consta no próprio documento, numa página não numerada. 244MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 1. 245MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. pp.2-4. 246O termo "segurança interna" está ligado à ideia de "segurança nacional", correspondendo vagamente às ações executadas pelo Estado contra "antagonismos e pressões" no âmbito interno do País. Ao longo do Século XX, esse termo disputa espaço com a expressão "segurança pública". Diferentemente da primeira, esta não é associada a "segurança nacional", mas à manutenção da ordem pública, "sem prejuízo aos direitos dos cidadãos". Ver MINISTÉRIO DA DEFESA. MD35-G-01 – Glossário das Forças Armadas. 2007, p. 236. Ambas as expressões são termos sem uma definição conceitual clara. Segundo Arthur Costa e Renato Lima, tais termos não correspondem tanto a conceitos, mas sim a um campo organizacional, onde um grupo de organizações constitui uma área reconhecida da vida social, política ou econômica. Assim, para compreende a sua dinâmica é necessário entender como as práticas se institucionalizam e os conflitos são estruturados ao longo do tempo. "Segurança interna" é a expressão que figura na maior parte das Constituições Federais, nas matérias atinentes ao controle da ordem, bem como nas leis federais, como os decretos-lei de reorganização das polícias de 1967 e 1969. A Constituição de 1937 curiosamente um texto autoritário que deu início à ditadura do Estado Novo - foi a primeira a trazer a expressão "segurança pública", sem, contudo, fazer uma conceituação, nem definir quais as instituições que deveriam assumíla. Dessa maneira, sem força, foi novamente substituída por "segurança interna" nas cartas de 1946 e 1967, sendo resgatada somente na Constituição de 1988. Por outro lado, a expressão tem uma presença muito mais antiga na legislação estadual paulista. A própria secretaria estadual responsável nasceu sob a designação de Secretaria da Justiça e Segurança Pública, já em 1906. A Constituição Estadual de 1935 é a primeira a trazer a expressão (portanto antes da carta federal) sendo mantida em todas as posteriores, inclusive na de 1967. Essa diferença mostra, talvez, um certo descompasso doutrinário entre as esferas federal e estadual. Mesmo sendo legalmente instrumentalizadas pela doutrina de segurança nacional, as polícias, no âmbito local, não podem abdicar de uma percpção voltada para o trabalho mais propriamente policial. Ver COSTA; LIMA, 2014.

123 respectivos setores, visando a manter o apoio da população e suas convicção democráticas".247 Se dá ênfase a um forte trabalho de informação e contra-informação, visando, por um lado, identificar e prender os "inimigos" e, por outro, impedir ao máximo a adesão da população aos ideais subversivos, através de ações de propaganda. De maneira semelhante ao modelo francês na Argélia, a coordenação e o planejamento devem ser centralizados, enquanto a sua execução deve ser descentralizada.248 Assim, "é conveniente a quadriculagem do perímetro urbano", distribuindo entre as áreas patrulhas fardadas e indivíduos de trajes civis, para o trabalho de inteligência.249 Apesar de afirmar que o uso da força e dos meios deve ter um caráter progressivo, "obedecendo à sua capacidade de opor-se ao tipo de ação inimiga presumível ou já desencadeada", em nenhum momento isso implica qualquer tolerância com movimentos que possam se encaixar na fase preliminar da guerrilha.250 Na ação contra grupos de manifestantes só existem duas possibilidade: a sua dispersão ou o cerco e prisão dos líderes. Uma alternativa que possibilite um desfecho pacífico sequer é cogitada. Inclusive, é recomendado que, caso se disponha de informações sobre local e data de "desencadeamento de tumultos", as forças da repressão devem ocupar a área evitando a eclosão do movimento. 251 Caso a situação se intensifique, recomenda-se o uso progressivo de diversas táticas, como demonstrações de força, jatos de água, armas químicas e armas de fogo, controle das vias de comunicação, toques de recolher, entre outras coisas. Apesar de se reivindicar eventualmente a defesa das "convicções democráticas" da população, tal argumento constitui apenas retórica. O que orienta a progressividade da força não é uma suposta garantia de direitos, mas a eficácia da ação contra a Guerra Revolucionária. No caso do uso de armas de fogo, recomenda-se "rigorosa disciplina", tendo em vista que "o efeito deste não deve ser julgado pelo número de baixas, mas pelos resultados no controle da multidao". Recomenda-se atingir primeiramente apenas os líderes, evitando o uso de armas de repetição, como metralhadoras, por exemplo. Porém, em último caso, deve-se "empregar toda a potência de fogo quando a tropa for atacada e tudo mais tiver falhado, pois o Exército não pode ser desmoralizado".252 O documento reitera a importância das tropas de choque e do trabalho de inteligência na execução dessa função. Por um lado, cada Batalhão e Regimento deve possuir uma "Subunidade de 247MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 4. 248MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p.5 249MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p.6 250MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p.4 251MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 6-7 252MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 9

124 Repressão", e cada Companhia Independente um "Pelotão de Repressão", aptos para atuar contra distúrbios.253 Por outro lado, também deve-se constituir um sistema integrado de informações, centralizado no mais alto escalão e integrado o máximo possível ao sistema do Exército, sendo capaz até mesmo de se infiltrar nos grupos adversários.254 Datado de 1968, o documento evidencia que, se há uma orientação teórica bem definida, a técnica ainda está sendo lapidada. A instrução tem caráter provisório, sendo solicitado que os órgãos militares, incluindo a IGPM e a ECEME enviem críticas e sugestões, principalmente após enfrentamento das tropas com a guerrilha, para futura atualização.255 3.3. A doutrinação na guerra revolucionária: a rede de ensino nacional e internacional Em 1969, a Diretriz Geral de Instrução da Força Pública do Estado de São Paulo, elaborada pela sua Diretoria Geral de Ensino (DGE), propôs uma reelaboração dos currículos e da estrutura da formação dos policiais, visando adequá-los às diretrizes da IGPM. 256 A implicação disso é a consolidação, no nível doutrinário, da "guerra revolucionária" como um elemento básico da formação policial. O "tríplice aspecto de sua missão" - manutenção da ordem pública, garantia de segurança interna e participação na defesa territorial257 – não deixa dúvidas sobre qual o principal papel que se espera da polícia: a defesa do Estado. Não obstante um dos primeiros enunciados da Diretriz ser, justamente, sobre “a prioridade que a Instrução Policial deverá ter sobre a Instrução Militar” 258, a maior parte do seu conteúdo versa sobre ações preventivas e ofensivas no quadro da "guerra revolucionária". A Força Pública deve estar treinada para a tomadas de pontos estratégicos, operações anti-guerrilha urbana e rural, emboscadas, "dissolução pacífica ou violenta de juntamentos, reuniões, comícios, passeatas, distúrbios e outras aglomerações populares", entre outras coisas.259 Além disso, o agente de segurança é referido praticamente sempre como “o militar” e não como “o policial”. Em consonância com a "guerra revolucionária", as ações psicológicas internas e externas 253MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 8 254MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 10 255MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Combate à guerrilha urbana (portaria 84/EME – 68). nota de instrução nº 1/68. 1968. Museu de Polícia. p. 12 256FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p.7. O documento não possui uma data exata de publicação, mas, ao mencionar as leis que devem orientar a FP, é citado o Decreto-lei nº 317, de 13 de Março de 1967. Como ele foi substituído, em 2 de julho de 1969, pelo Decreto-lei nº 667, pode-se supor que o documento foi publicado no primeiro semestre deste ano. 257FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 7 258FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 7 259FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 7

125 também figuram no documento. Internamente, tais ações devem atingir até mesmo os escalões mais inferiores, não somente através de dispositivos disciplinares, mas também construindo um "espírito de corpo", gerando solidariedade entre os indivíduos e suas unidades, bem como com o "interesse comum" da corporação, do Estado e da Nação. São recomendados “palestras, conferências, solenidades cívico-militares (pois) são meios para dispertar (sic) a fé e o entusiasmo pelo nosso país e fazer lembrar e revigorar o sentimento de amor à pátria”. 260 Para o público externo, a Força Pública deve servir como um exemplo de virtude e unidade, das quais "cada militar se faz arauto, com vistas ao aperfeiçoamento das comunidades civís regionais".261 Com base nesses princípios, a Diretriz estipula a criação de um Curso Superior de Polícia, voltado para a preparação dos oficiais superiores para cargos de chefia do Estado-Maior da Força Pública e demais cargos do alto escalão. Primeiramente, ainda em 1969, um curso nesses moldes deveria entrar em funcionamento em Brasília, sob controle e supervisão da IGPM, contando com um representante da FP. No ano seguinte, o mesmo curso deveria ser instalado definitivamente no Estado, sob controle da corporação, observando as diretrizes da IGPM.

262

Além disso, o documento

estipula cursos de formação e aperfeiçoamento para todas as patentes, além de cursos de especialização (como em comunicação e auxiliar de enfermagem, por exemplo). Aos seus instrutores, tanto de oficiais como de praças, é requerido o "máximo desenvolvimento" nos temas da guerra revolucionária.263 A tropa deve ser capacitada para o enfrentamento bélico. Um terço dos policiais deve ser treinado no uso de submetralhadoras, devendo haver treinamento tático para tomadas e defesas de áreas urbanas e rurais. 264 A instrução sobre o campo de informações deve atingir todos os escalões, integrando-se ao Sistema de Informações do Exército. Policiais de todas as patentes, a partir dos sargentos, devem ser capacitados a executar tarefas relativas às 2ª seções dos Estados-Maiores geral e de cada unidade. 265 Paralelamente, há também uma preocupação em desenvolver um trabalho de relações públicas e de ação cívica militar – i.e, a participação da polícia em ações de cunho social – visando criar uma boa imagem da corporação, reduzindo antagonismos com a população.266 Não foram encontradas maiores informações sobre o Curso Superior de Polícia provisório de 1969. Contudo, em São Paulo, a reorganização prevista se inicia neste mesmo ano. Em Outubro de 260FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 7, 22. 261FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 9 262O documento é voltado para a polícia de São Paulo, logo não há referências às suas correspondentes de outros Estados, mas pode-se supor que passaram pelo mesmo processo. 263FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. pp. 1920. 264FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. pp. 2122. 265FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 23 266FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia. p. 24

126 1969, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento (CFA) passou a se chamar Academia de Polícia Militar (APM), sendo reformulado com a inclusão dos cursos previstos na Diretriz Geral de Instrução, como, por exemplo, o Curso Superior de Polícia.267 No ano seguinte, após a unificação da FP e da GC, a instituição foi dividida, ficando a APM responsável pela formação dos oficiais e a Escola de Formaçao e Aperfeiçoamento (EFA) responsável pelos praças.268 Em Maio do mesmo ano, a Academia de Polícia (ACADEPOL), agora responsável apenas pela formação da Polícia Civil, foi transferida para a Cidade Universitária, na zona oeste da capital paulista. Esses cursos são necessários para o ingresso na corporação e ascensão hierárquica. Portanto, a grande maioria dos policiais passa por alguns deles (provavelmente vários) ao longo da carreira. Seus currículos são relativamente variados, mesclando conteúdos comuns, mais gerais, àqueles específicos conforme a patente e a especialização. Os conteúdos comuns a todos envolvem tópicos como "defesa pessoal", "primeiros socorros" e "uso de armamentos". Ao lado destes, praticamente todos os

cursos ministrados ao longo dos anos 70 possuem um módulo sobre a “guerra

revolucionária”.269 Esse tópico está presente mesmo em cursos que, à primeira vista, não possuem vínculo com combate à ações subversivas. É o caso, por exemplo, do Curso de Policiamento de Recursos Naturais para Sargentos, ministrado aos integrantes do 38º BPM, responsável pelas funções de polícia florestal. Dessa maneira, a maior parte dos módulos diz respeito a procedimentos de policiamento nesse tipo de ambiente e assuntos específicos, como legislação sobre caça e pesca, por exemplo. No entanto, dentro de um total de 140 horas-aula, existe um módulo de 7 horas denominado “informações”.270 Ele é dividido em sete assuntos:

267Decreto-lei estadual nº 160, de 28/10/1969. 268Pouco depois da unificação da FP e da GC, foi aprovado o novo regulamento dos cursos da PM, através do Decreto estadual nº 52.454, de 19/05/1970. Três meses depois, a Lei de 28 de Agosto de 1970 (a lei não possui número) separou os praças e oficiais entre as duas unidades educacionais. O Decreto estadual nº 52.575, de 11 de Dezembro de 1970, estabeleceu, então, um regulamento específico da APM, enquanto o Decreto estadual nº 52.585, de 28 de Dezembro de 1970, estabeleceu o regulamento da EFA. 269São pouquíssimos os cursos que não possuem ao menos um tópico relacionado ao tema. Tais ausências se concentram nos cursos do Corpo de Bombeiros e em cursos essencialmente técnicos, como manutenção e condução de veículos. Ver, por exemplo, Diretrizes Gerais do Curso de Motociclista para Praças, Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 193, 15/10/1973. Anexo. Museu de Polícia. Curso de Especialização para Oficiais – Plano de Curso de Motociclista para Oficiais, Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 234. 18/12/1973. Anexo. Museu de Polícia. Diretrizes Gerais do Curso de Motociclista para Oficiais. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 146. 08/08/1973. Anexo. Museu de Polícia. Plano dos Estágios de Tiro Policial para Oficiais. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 1. 02/01/1974. Anexo. Museu de Polícia. Curso de Especialização para Oficiais – Plano do Curso de Bombeiros para Oficiais. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 14. 21/01/1974. Anexo. Museu de Polícia. Curso de Especialização de Praças – Plano de dos Cursos de Trânsito. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 19. 29/01/1974. Anexo. Museu de Polícia. Curso de Especialização de Oficiais – Plano do Curso de Emprego e Manutenção de Material Automóvel. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 25. 06/02/1974. Anexo. Museu de Polícia. 270Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 133. 20/07/1973. Anexo. Museu de Polícia.

127 a) informações – generalidades, abordando histórico, conceitos e princípios básicos; b) produção de informações, abordando a coleta e circulação de informações; c) contra-informação, abordando conceitos e "medidas passivas e ativas"; d) inimigo interno, abordando caractarização, formas de atuação e "banditismo e subversão"; e) Guerra Revolucionária, abordando a evolução das etapas da subversão; f) “Modus Operandi” subversivo, abordando atuação no meio rural, agitação e propaganda e formas de ação da guerrilha; g) informações no policiamento de recursos naturais, abordando o papel do 38º BPM dentro do sistema de informações da PM. A bibliografia é eminentemente militar, apresentando livros de história e sociologia da guerra, manuais, apostilas e notas de instrução do Exército, do CIE, da IGPM, da APM e da EFA. Através dela é possível perceber como a versão brasileira da "guerra revolucionária" não é uma simples transposição de um modelo, mas articula as principais influências de uma forma própria. Entre as obras consta, por exemplo, o livro Guerrilhas e Revoluções, de Gabriel Bonnett, coronel do exército francês e um dos principais teóricos da “guerra revolucionária” (MARTINS FILHO, 2008: 43; MARTINS FILHO, 2009: 194). Por outro lado, consta na bibliografia também o livro A Estratégia de McNamara, sobre a política do Secretário de Estado dos governos Kennedy e Johnson, Robert McNamara, idealizador da estratégia de contra-insurreição dos EUA, aplicada na Guerra do Vietnã.271 Além dos textos doutrinários, os policiais também estudam obras de líderes guerrilheiros, como o Manual do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighella.272 Posteriormente, em cursos de outras unidades, a bibliografia será ampliada, sendo incluídos A Guerra de Guerrilhas, de Ernesto Che Guevara e o IPM 709, sobre o comunismo no Brasil. 273 Assim, a "guerra revolucionária" compunha praticamente todos os cursos de formação policial militar, atingindo todas as patentes e quase todas as funções274 além de também ser objeto de cursos específicos.275 271No currículo, a grafia do título está incorreta e incompleta, na forma de A Estratégia Mac Namara, sem o nome do autor. Supõe-se que se trate do livro referido acima de autoria de William Kaufman, publicado no Brasil em 1964. 272Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 133. 20/07/1973. Anexo. Museu de Polícia. pp. 25-26. 273Ver, por exemplo, Curso de Especialização de Praças – Plano dos Cursos de Rádio Patrulha. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 20. 30/01/1974. Anexo, p. 20; e, Curso de Especialização de Oficiais – Plano dos Cursos de Rádio Patrulha para Oficiais. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 180. 23/09/1973, pp. 20-21. 274É interessante ressaltar que nem mesmo o quadro de Polícia Feminina, concentrado no 33º Batalhão, e com atribuições majoritariamente de assistência social e não de confronto, era dispensado da doutrinação contínua. O curso em questão possuía um total de 864 horas, sendo 83 horas dedicadas a assuntos de contra-insurreição. Curso de Formação do 3º Sargento do Quadro Especial de Polícia Feminina. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 135. 24/07/1970. Anexo. Museu de Polícia. 275 Como por exemplo, os três cursos de "Guerrilha e Contra Guerrilha Rural e Urbana" realizados pelo 1º BP "Tobias de Aguiar" em 1971. Ver "Extrato do Histórico do Primeiro Batalhão Policial Militar Tobias de Aguiar", do Cel PM Salvador d'Aquino. 1º BPChq. Pasta CPChq. 1/10/1971. Museu de Polícia. pp. 2-3.

128 Quando a unificação foi efetivada, em 8 de Abril de 1970, os antigos inspetores da GC, agora convertidos em oficiais, tiveram que participar de um estágio de adaptação, ministrado pela EFA.276 Este ocorreu entre 13 de Abril e 24 de Junho, prevendo abranger todos os 792 inspetores e subinspetores – inclusas 68 da Polícia Feminina - divididos em três períodos de cinco semanas cada um, evitando, assim, comprometer o serviço de todos ao mesmo tempo. Os antigos inspetores eram policiais experientes em tarefas de policiamento e de comando e ocupariam, como oficiais, importantes postos na hierarquia da corporação. Já eram policiais, restava ensinar-lhes a como ser militares. Assim, a maior parte do curso de adaptação consiste justamente na sua "militarização", através de disciplinas abordando questões jurídicas, organizacionais e operacionais próprias de uma organização militar, como, por exemplo, Direito Penal Militar, noções de funcionamento do EstadoMaior, emprego da infantaria e utilização de armamentos. Contudo, essa "militarização" não tinha apenas um aspecto funcional de inclusão na nova cultura organizacional, mas também objetivava uma iniciação à doutrina repressiva do regime. No currículo, de um total de 125 horas aula, 25 horas eram dedicadas a temas relacionados à “guerra revolucionária”. 277 Além disso, o curso incluía também visitas à APM, ao 1 º BP "Tobias de Aguiar", ao Regimento de Cavalaria, aos tribunais militares (TJM e STM), ao Serviço de Comunicações e ao Comando Geral, principalmente à 2ª e 3ª Seções (Inteligência e Instrução, respectivamente). Com exceção da antiga Divisão de Policiamento Especializado, que manteria sua função de tropa de choque no 29º BP, nenhuma Divisão da Guarda Civil foi alocada para esse tipo de função, permanencendo nos batalhões responsáveis pelo policiamento comum e de trânsito. Contudo, são justamente o 1º BP "Tobias de Aguiar" e o Regimento de Cavalaria - as unidades de policiamento mais militarizadas e responsáveis pela repressão a distúrbios urbanos e à guerrilha - que serão mostradas aos ex-inspetores como exemplos de funcionamento da Polícia Militar. Da mesma maneira, entre os órgãos ligados ao Comando Geral, há uma atenção especial ao contato com aqueles responsáveis pela inteligência e comunicação. Assim, o estágio de adaptação dos inspetores reforça a tese de que se esperava da recém-criada Polícia Militar a atuação na repressão aos distúrbios civis e guerrilha urbana e colaboração na rede de informações e inteligência do regime, dentro dos parâmetros da "guerra revolucionária". Além do frequentarem o sistema educacional regular da corporação, diversos membros da 276Diretrizes do Estágio de Adaptação dos Inspetores da Guarda Civil de São Paulo ao Quadro de Oficiais Combatentes da Polícia Militar do Estado. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 76. 24/02/1970. Anexo. Museu de Polícia. 277Foram considerados como relacionadas, as disciplinas "Fundamentos da Doutrina de Segurança Nacional e Defesa Territorial Terrestre", Movimentos Revolucionários e Segurança Interna – Guerrilha e Contra-Guerrilha" e "Informações e Contra-Informação". Ver Curso de Formação do 3º Sargento do Quadro Especial de Polícia Feminina. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 135. 24/07/1970. Anexo. Museu de Polícia.

129 Polícia Militar realizam, frequentemente, cursos e treinamentos diretamente com as Forças Armadas. A temática dos cursos mantém o padrão mostrado até agora, envolvendo questões relativas a controle de distúrbios civis, guerrilha na selva e informação e contra-informação, além de temáticas explicitamente bélicas. Haviam cursos para praticamente todas as patentes acima de soldado e muitos dos policiais que os frequentaram, acabaram transitando entre postos de comando de unidades importantes, principalmente as de choque, ensino e do Estado Maior. Em 20 de Outubro de 1969, por exemplo, foi constituído na Força Pública, o Batalhão “Brucutu”, que participaria, até o dia 31, das manobras do II Exército no município de Embu. Dos seis oficiais convocados, três eram do 1º BP “Tobias de Aguiar”, incluindo o seu então comandante, Ten-Cel PM Theodoro Cabette, enquanto os demais eram do 9º BP, do QG e do Corpo de Bombeiros (TELHADA, 2011: 420).278 Durante a ditadura, Cabette seria o único oficial oriundo da própria corporação, e não do Exército, a exercer o cargo de Comandante Geral, ficando à frente da corporação entre 1972 e 1974.279 A maioria dos cursos com as Forças Armadas parece ser voltado a um aspecto mais prático que teórico, abordando formas de confronto e manuseio de armas específicas. Por exemplo, entre 26 de Fevereiro e 2 de abril de 1973, os majores Renato Nogueira Magalhães, do RC, e Othon Fernandes de Oliveira e Silva, da APM, realizaram o Curso de Guerra na Selva do Centro de Operações na Selva e Ações do Comando, em Manaus. 280 Ainda em 1973, três sargentos do 1º BP "Tobias de Aguiar" realizaram um Curso de Guerra Química - que trata, entre outras coisas, do uso de bombas de gás – na Escola de Instruções Especializadas do Exército. 281 Em 1974, mais sargentos do 1º BPM realizariam esse mesmo curso. 282 Outros cursos com as Forças Armadas envolveram

278Boletim Geral da Força Pública , nº 200, 21 de dezembro de 1969, Museu de Polícia. p. 3046; Histórico do Primeiro Batalhão Policial "Tobias de Aguiar". 1º BPChq. Pasta CPChq. S/d. Museu de Polícia. p. 11. Os últimos registros desse documento datam de Julho de 1971, o que indica a provável data da sua redação. 279Conforme a Lei nº 317, de 1967, todos os Comandantes Gerais das polícias militares deveriam ser, preferencialmente, oriundos do Exército. Além do caso do Cel. Cabette, em São Paulo, outra exceção conhecida é a da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Segundo Araújo, devido ao papel político desempenhado pelo seu excomandante, o Cel. Walter Peracchi de Barcellos, a polícia gaúcha logrou manter o comando nas mãos de alguém da própria corporação. Peracchi, oficial de carreira da Brigada Militar, comandou a corporação entre 1947 e 1950, para, logo após, ingressar na carreira política, como deputado estadual e federal pelo PSD. Após o golpe, ocupou a pasta do Ministrério do Trabalho entre 1965 e 1966 até ser nomeado Governador do Rio Grande do Sul, após a cassação do seu antecessor. Foi durante seu governo que ocorreu a unificação das polícias gaúchas (ARAÚJO, 2013: 60-61). Infelizmente, faltam estudos sobre a presença de comandantes das próprias polícias militares nos demais Estados. Da mesma maneira, e estando além das limitações deste trabalho, seria necessário um aprofundamento do estudo das relações políticas e sociais do Cel. Cabette para entender o porque dessa excepcionalidade. Considerando que seu período à frente da corporação (20/04/72-24/04/74) se deu ainda no período mais duro da repressão, a sua posição não é trivial. 280Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 90. 16/05/1973. Museu de Polícia. pp. 1-2. 281Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 11. 16/01/1973. Museu de Polícia. p. 5. 282Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 14. 21/01/1974. Museu de Polícia. p. 3.

130 temas como, Técnica e Tática283, Inspetor de Alunos284, Meios Auxiliares de Instrução285, Aperfeiçoamento de Adestramento de Cães de Guerra286, entre outros. Ainda, entre os cursos realizados com as Forças Armadas, eram especialmente frequentes aqueles relacionados à informação e comunicação.287 O manual da PM denominado Instruções para a Estatistica Militar na Corporação, criado conforme orientações do Exército e publicado já em 1970, traz diversas orientações com o objetivo de “integrar a PM ao Sistema Estatistico do Exército” porque “isso facilitará a sua mobilização pelo Exército para missões de segurança interna e defesa territorial”.288 Todas as unidades da PM deveriam designar um oficial de estatística, lotado na 4ª Seção do seu respectivivo EM (P/4 - logística), responsável pela coleta, organização e repasse das informações solicitadas pela IGPM.289 Há também um constante intercâmbio, nacional e internacional, entre diversas forças de segurança. No plano nacional, a PM paulista parece se consolidar como uma referência para as demais, fornecendo constantes estágios para suas correlatas de outros estados. Em geral, tais estágios não tem como objeto explícito a "guerra revolucionária". A ausência de um programa de estágio na documentação não permite saber se a doutrina francesa era um tópico comum, à maneira dos cursos regulares da PM. No entanto, vários desses estágios foram realizados com batalhões de choque, as unidades mais relacionadas à contra-insurreição. 290 No plano internacional, os estágios e cursos funcionam em mão dupla, onde os oficiais e praças da PM figuram tanto como alunos, como enquanto instrutores de cursos e estágios com polícias de diversos países. O principal país a estabelecer intercâmbios certamente foram os EUA. A partir de 1949, o Programa Ponto IV organizou ajuda ecônomica e técnica para países da América Latina, Ásia e Oriente Médio, visando impedí-los de entrar na órbita de influência soviética. Parte desse programa voltava-se para a segurança pública, fornecendo acessoria técnica, financiamento e estágios em escolas dos EUA para policiais de diversos países, inclusive do Brasil. A responsabilidade sobre a "cooperação" dos EUA com a polícia brasileira passou pelas mãos de várias agências ao longo da década de 50 até estabelecer-se, em 1962, definitivamente a cargo da recém-criada Agency for 283Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 140. 31/07/1973. Museu de Polícia. pp. 3-4. 284Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 122. 04/07/1973. Museu de Polícia. p.3. 285Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 193. 15/10/1973. Museu de Polícia. pp.3-4. 286Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 197. 17/10/1979. Museu de Polícia. p. 1. 287Ver, por exemplo, Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 100. 03/05/1973. Museu de Polícia. p. 5; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 94. 20/05/1977. Museu de Polícia. p. 2. 288Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 170. 17/03/1970. Museu de Polícia . Anexo. p.3. 289Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 170. 17/03/1970. Museu de Polícia . Anexo. p.6. 290Por exemplo, Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 111. 17/06/1970. Museu de Polícia . p.12; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 166. 05/09/1973. Museu de Polícia. Anexo. p.13; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 81. 03/05/1978. Museu de Polícia. p.1; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 197. 17/10/1979. Museu de Polícia . Anexo. p.1. Este último chama atenção, pois um dos estagiários é um Tenente do 2º Batalhão de Polícia do Exército, que foi realizar um estágio de Adestramento de Cães de Guerra no 3º Batalhão de Polícia de Choque (antigo 35º BPM).

131 International Development (Agência para o Desenvolvimento Internacional - USAID). Dentro da USAID foi criado o Office of Public Safety (Escritório de Segurança Pública - OPS), responsável direto pela administração do programa. Através da sua coordenação, policiais de todas as corporações e militares brasileiros foram enviados para treinamentos e estágios na Academia do FBI, a International Police Academy (Academia Internacional de Polícia – IPA), em Washington, bem como na Inter-American Police Academy (Academia Interamericana de Polícia - IAPA) e na já citada School of Americas, ambas no Panamá. Apesar da possibilidade de estágios no exterior, a maior parte dos agentes brasileiros recebeu treinamento no Brasil. Entre 1961 e 1972, 108.000 policiais foram treinados por técnicos dos EUA no Brasil, enquanto apenas 648 foram a essas escolas no exterior.291 Tais cursos envolviam diversos tópicos relacionados ao controle de distúrbios civis, contrainsurgência e inteligência, entre outros. A partir do fim dos anos 60, o programa Ponto IV/OPS foi alvo de muitas críticas dentro dos EUA, pelos relatos de torturas praticadas por seus exalunos. Em 1974, a OPS foi totalmente desmontada, sendo substituída, nos anos subsequentes, por programas de intercâmbio mais discretos (BATTIBUGLI, 2010: 227-255; HUGGINS, 1998: 86-91, 222- 227). Além dos EUA, policias militares paulistas realizaram cursos com diferentes corporações de outros países alinhados com o "bloco ocidental", como França, Itália e Japão. Pela documentação disponível, não é possível identificar, de maneira clara, o quanto esses intercâmbios se relacionam com o aprendizado de técnicas de contra-insurreição. Uma nota de instrução da IGPM, de 1970, determina que a seleção dos policiais que vão ao exterior deve observar critérios estritamente profissionais e de domínio do idioma local, desconsiderando motivos de ordem política. 292 De fato, a maioria dos intercâmbios não explicíta o objetivo, limitando-se apenas a indicar a corporação parceira e quais os policiais selecionados.293 Entre os poucos intercâmbios que tem seu objetivo explicitado, muitos correspondem a temas mais ligados ao cotidiano do trabalho policial do que à repressão política, como, por exemplo, um curso de "administração de policiamento de trânsito" com a polícia do Japão, em 1974.294 A presença da "guerra revolucionária" é mais perceptível nos intercâmbios com outras forças 291Os dados são apresentados por Battibugli (2010: 238-243, 297-299). Segundo a própria autora há uma uma possível lacuna na contabilização dos agentes enviados para intercâmbio no exterior. Mesmo assim, a evidente disparidade entre treinados no exterior e em territorio nacional se mantém. Os números dizem respeito a todos os agentes treinados sem discriminação por corporação, impossibilitando saber quantos foram da FP e da PM paulistas. 292Nota de Instrução nº 1/70. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 77. 27/04/1970. Museu de Polícia . p. 2. 293 Por exemplo, os estágios com a gendarmeria francesa. Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 68. 13/04/1972. Museu de Polícia. p.4; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 154. 16/08/1979. Museu de Polícia. p.13 294Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 148. 08/08/1974. Museu de Polícia. p. 1; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 154. 16/08/1979. Museu de Polícia. p.13

132 de segurança da América Latina. Durante a década de 1970, o continente foi tomado por ditaduras militares. A colaboração entre os regimes é extensa e bem documentada, principalmente no aspecto repressivo, se intensificando após 1975, com a criação da Operação Condor. Antes disso, porém, a PM paulista já exercia um papel de doutrinação importante. A revista do Clube de Oficiais da PM, como uma forma de auto-elogio à corporação, chegou a referir-se à ela como "uma escola para a América Latina".295 Dois casos se destacam na documentação, por indicarem uma colaboração mais sistemática: o Panamá e o Chile. Em março de 1971, a revista do Clube de Oficiais da PM traz uma breve matéria sobre uma delegação da Guarda Nacional do Panamá que veio ao Brasil realizar estágios e cursos de aperfeiçoamento. Composta por cinco oficiais e 15 sargentos, seria dividida em dois grupos. Os oficiais fariam um curso com a PM de Goiás, enquanto os sargentos fariam o "curso de formação de sargentos" na EFA em São Paulo. 296 Os registros apontam que o curso foi repetido pelo menos mais uma vez, no ano seguinte, entre 21 de Agosto e 15 de Dezembro. 297 O conteúdo do curso inclui os dois eixos sobre os quais o papel das polícias na "guerra revolucionária" se articula, ou seja, disciplinas sobre "informação e contra informação" e "operações de contra-guerrilha e defesa territorial". A Guarda Nacional era uma força policial militarizada que desempenhava um papel político fundamental no Panamá, sendo responsável pela derrubada de vários presidentes. O golpe de Estado então mais recente, em 1968, havia sido comandado justamente pelo Tenente-Coronel Omar Torrijos, então Secretário Executivo da Guarda Nacional. Mesmo nunca tendo assumido o cargo de presidente, Torrijos rapidamente ascendeu ao posto de General e comandante da Guarda Nacional, sendo o governante de facto do Panamá. Formado pela Escola das Américas, Torrijos estabeleceu um regime autoritário, com rígido controle sobre a oposição, porém voltando-se gradualmente para medidas populares e nacionalistas, como a reforma agrária, ampliação de serviços públicos para os mais pobres e a tentativa de nacionalização do Canal do Panamá, o que lhe valeu uma antipatia crescente dos Estados Unidos. Em 1981, Torrijos morreu em um suspeito acidente de avião, sendo sucedido por outros comandantes da Guarda Nacional, mais alinhados com o governo dos EUA. Ainda que não fosse identificado com a esquerda tradicional da América Latina, o governo de Torrijos estava ainda mais distante das posições das demais ditaduras militares. Longe de esgotar o debate sobre a questão, a opção pelo treinamento sobre "guerra revolucionária" com a PM paulista indica, entre outras coisas, a flexibilidade e o caráter pragmático que a doutrina poderia assumir. 295Militia, nº 11, março de 1971, p. 31. Museu de Polícia. 296Militia, nº 11, março de 1971, p. 31. Museu de Polícia. 297Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 174. 15/09/1972. Museu de Polícia. pp. 2-3; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 1. 02/01/1973. Museu de Polícia. p. 1.

133 O intercâmbio com o Chile, por outro lado, expõe a profunda relação, prática e ideológica, entre os sistemas repressivos. O Brasil teve papel fundamental no golpe de Estado chileno, com sua Embaixada desempenhando um papel ativo na conspiração que derrubou o presidente socialista Salvador Allende, em 11 de Setembro de 1973. O Brasil seria, ainda, o primeiro país a reconhecer o governo da junta militar, apenas dois dias após o golpe. A colaboração era tão estreita que o embaixador brasileiro à época, Antônio da Câmara Couto, era conhecido por alguns como "o quinto membro da junta". O golpe e o regime brasileiros foram vistos como modelos que os militares chilenos tentariam seguir. A própria Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), a polícia política chilena, foi inspirada no SNI brasileiro. Ocorreu, ainda, um extenso intercâmbio entre as Forças Armadas dos dois países. Militares brasileiros foram ao Estádio Nacional, que convertera-se, logo após o golpe, em um gigantesco campo de concentração, para ensinar técnicas de interrogatório e tortura. Em contrapartida, diversos militares chilenos vieram ao Brasil realizar treinamentos em escolas e centros das Forças Armadas. O próprio Manuel Contreras, chefe da DINA e homem forte da repressão, provavelmente, recebeu treinamento no Brasil. (PEREIRA, 2010: 149; DINGES, 2005: 109; CNV, 2014a: 237-241). O intercâmbio policial faz parte dessa colaboração. A polícia chilena é organizada de maneira semelhante à do Brasil, com a Polícia de Investigaciones de Chile (PDI), como uma corporação civil e responsável pela função de polícia judiciária, e os Carabineros de Chile, militarizados e responsáveis pelo policiamento ostensivo. Diferentemente do Brasil, contudo, ambas são corporações ligadas ao governo central, lhes conferindo grande poder político, a tal ponto que o comandante dos carabineros era integrante da junta militar, ao lado dos três comandantes das Forças Armadas. Também de maneira semelhante ao que aconteceu na ditadura brasileira, os carabineros, em 1974, foram subordinados diretamente ao Exército (HATHAZY, 2009). 298 Logo após esta reestruturação, uma delegação de oficiais carabineros foi enviada ao Brasil para uma breve visita às polícias militares. Entre 21 e 23 de Novembro de 1974, a delegação veio a São Paulo e, sob coordenação do Estado-Maior da PM, visitou a APM, o 1º BP "Tobias de Aguiar" e o Canil do 35º BP.299 Segundo Sylvestre, a visita foi organizada pelo Programa Ponto IV/OPS (CVESP, 2015e: 32-33). Não há, na documentação, informações sobre quais outras polícias militares foram visitadas. Contudo, mantendo a tendência das visitas, foram os batalhões de choque, e não os batalhões comuns, aqueles visitados. No ano seguinte, seria a vez de oficiais da PM paulista viajarem ao Chile, com o objetivo de ministrarem um estágio de instrução aos carabineros. Entre 13 298Até então, os carabineros eram subordinados ao Ministério do Interior (mais ou menos equivalente ao Ministério da Justiça do Brasil). Em 1974, através do Decreto-Lei nº 444, de 4 de Maio, sua administração foi transferida para a recém criada Secretaria de Carabineros, subordinada ao Ministério da Defesa, onde permaneceriam até 2011, retornando à alçada do Ministério da Interior (HATHAZY, 2009). 299Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 227. 02/12/1974. Museu de Polícia. p.16-19.

134 de Outubro e 1º de Novembro de 1975, participaram deste estágio o Major PM Renato Perez, da APM; o Cap PM Torquato Tasso Neto, do 1º BP Tran; e os Capitães PMs Iser Brisola e José Marques Moreira do 1º BPM Tobias de Aguiar. 300 Como de praxe, o conteúdo do estágio não está disponível. Contudo, ele valeu um elogio do General Hélio João Gomes Fernandes, comandante da IGPM, a todos os envolvidos. Elogios vindos da IGPM não são comuns e implicam em um benefício considerável na evolução profissional dos policiais militares. Os termos do elogio são genéricos, referindo-se ao "aprimoramento profissional e salutar relacionamento coirmã nação amiga" (sic).301 Contudo, dado o contexto, não parece exagerado supor que o estágio mantém alguma relação com a difusão de técnicas de contra-insurreição. Não por acaso, a maior parte dos envolvidos, assumiu, posteriormente, altos postos nos batalhões de choque. Renato Perez foi comandante do 3º Batalhão de Polícia de Choque (antigo 35º BPM), entre 20 de Abril de 1979 e 12 de Junho de 1980; Iser Brisola foi comandante do 2º BPChoq entre 5 de Janeiro de 1981 e 7 de Junho de 1982; Torquato Neto foi comandante do 1º BPTran em 1976 e logo depois comandante do Regimento de Polícia Montada "9 de Julho", entre 30 de Agosto de 1976 e 8 de Março de 1979 (MORAES, 2005). 3.4. Da guerrilha à "guerra diária nas ruas de São Paulo": a função das tropas de choque As tropas de choque, tanto na Força Pública, quanto na Guarda Civil, sempre foram unidades destacadas e importantes para as respectivas corporações.302 Sua função é tão excepcional quanto fundamental ao Estado. A ocorrência de um distúrbio civil - ou a sua possibilidade – não é algo que se espera como cotidiano, a não ser em momentos de grande instabilidade social e/ou política. Assim, diferente das demais unidades, grande parte do horário de trabalho das tropas de choque se passava dentro dos quartéis, se preservando fisicamente para a atuação diante de uma situação atípica. Inclusive, é bom relembrar, a crítica ao aquartelamento excessivo da Força Pública era recorrente no período anterior à ditadura (SYLVESTRE, 1985: 73). Por outro lado, são as tropas de choque que mais se aproximam do que Monjardet caracteriza como a "polícia da soberania". Como um tipo ideal, esta seria a polícia que se legitima na razão de Estado, impedindo que a desordem corroa a autoridade. Ela seria predominante em sociedades onde o poder depende mais da 300Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 193. 09/10/1975. Museu de Polícia. p. 4; Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 218. 13/11/1975. Museu de Polícia. p.2. 301Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 225. 24/11/1975. Museu de Polícia. p. 7. O Cap Iser Brisola não consta nesta lista de elogios ou na lista de retorno, do Boletim Geral nº 218/75. Os motivos podem ser tanto um erro de impressão - o que não é incomum na documentação – ou alguma razão que o impediu de cumprir a viagem. 302Ver Capítulo 1.

135 dominação do que do consentimento. Os outros dois tipos ideais seriam a "polícia criminal", que exerce a repressão de classe, predominando em sociedades muito desiguais, e a "polícia urbana", que mantém a paz pública, operando de maneira ostensiva, sendo predominante em sociedades onde há um maior grau de consentimento e igualdade. Tal tipologia é ideal. Na prática, os três tipos se mesclam e estão sujeitos a condicionamentos do desenvolvimento histórico (MONJARDET, 2002: 281-285). Assim, os diversos períodos de instabilidade política que marcaram a República, consolidaram a importância das tropas de choque. Não por acaso, foi durante a Era Vargas que se instituiram a Polícia Especial, que depois integraria o 1º BP "Tobias de Aguiar", e a Divisão de Reserva da Guarda Civil.303 Na ditadura militar, sob influência da "guerra revolucionária", o papel das tropas de choque será ampliado. Além da demanda teórica da "guerra revolucionária", ocorrerá, no primeiro semestre de 1970, um evento que ajudará a legitimar a importância de unidades policiais especialmente preparadas para o combate à guerrilha. No dia 19 de Abril, o Centro de Informações do Exército foi informado sobre a existência, próximo a região de Registro, no Vale do Ribeira, de dois campos de treinamento de guerrilha da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo comandado por Carlos Lamarca. Contra o grupo de 17 guerrilheiros organizou-se, então, a maior operação da história do II Exército, a "Operação Registro", que contou com um efetivo total de 2954 homens, entre membros do Exército, Marinha, Aéronáutica, DOPS e Polícia Militar. Em 28 de abril, menos de 20 dias após a unificação, um efetivo de cerca de 80 policiais do 1º BP "Tobias de Aguiar" foi deslocado para a região, para, em conjunto com o efetivo da 7ª Companhia Independente, formarem o Grupamento Policial Militar da Operação Registro (GPMOR). Durante pouco mais de um mês, com a orientação explícita de "destruir o inimigo", a região foi vasculhada incessantemente pelas forças da ditadura, que realizaram bloqueios de estradas, ocupações de vilarejos, prisões arbitrárias e até mesmo bombardeios de napalm. Apesar da grande força aplicada, tudo resultou em um enorme fracasso. No início de maio, o saldo era de apenas quatro guerrilheiros capturados, enquanto oito já haviam conseguido sair da região, e cinco, incluindo Lamarca, continuavam escondendo-se. O efetivo já começava a adotar um esquema de rodízio para diminuir os gastos da operação, quando, no dia oito de maio, os guerrilheiros tiveram seu embate direto com as forças repressivas. Mesmo em número maior, um pelotão de mais de 20 policiais militares foi derrotado e seu comandante, o Tenente Alberto Mendes Jr. foi levado como refém. Dois dias depois, o tenente seria executado a coronhadas pelos guerrilheiros, que, em seguida conseguiriam fugir sem maiores empecilhos

303Ver Capítulo 1.

136 (TELHADA, 2011: 424-470).304 O corpo do tenente só foi encontrado quase quatro meses depois, no dia 8 de setembro. O incidente foi bastante explorado pelos governantes e pela polícia, criando uma grande comoção popular. As estimativas da PM apontam que entre 50 e 100 mil pessoas acompanharam seu cortejo (TELHADA, 2011: 461).305 O governador Abreu Sodré cogitou até mesmo decretar ponto facultativo nesse dia.306 Ressaltaram-se as condições da morte e a pouca idade do tenente, de apenas 23 anos, criando uma aura de heroísmo. A 7º CIPM, que participou da operação, recebeu seu nome como forma de homenagem. Internamente, o fracasso da operação confirmou, aos olhos dos militares, a necessidade de se investir na profissionalização e na instrução de técnicas de contraguerrilha. O relatório do II Exército vê a operação de maneira ambígua. Se, por um lado, reafirma diversas vezes a ação de contra-guerrilha, por outro lado, entende também que foi "um tipo de operação policial para captura de fugitivos", o qual a tropa não estava preparada. A PM, como a corporação que foi derrotada no combate direto e também a que devia possuir o melhor know-how na captura de fugitivos, foi considerada particularmente culpada, por sua falta de "vivacidade" e experiência. Apesar disso, o relatório elogia a coordenação estabelecida entre todas as corporações envolvidas.307 De fato, o que o relatório aponta, nas suas entrelinhas, é a validade da doutrina da "guerra revolucionária" e a necessidade de seu aprimoramento. Na PM, para além do efeito emocional que teve na tropa, o evento teve um impacto especial. Em primeiro lugar, certamente colaborou para a expansão dos cursos de contra-guerrilha descritos anteriormente. Além disso, reforçou a necessidade de se constituirem unidades de choque especializadas. No início dos anos 70, existiam três batalhões de choque. O 1º BP "Tobias de Aguiar", como foi visto, era o mais importante, considerado a elite da Polícia Militar. O 29º BP, era oriundo da antiga Divisão de Policiamento Especializado da GC, e manteve sua antiga função, de policiamento de eventos esportivos e também atuando na repressão a distúrbios civis. O 35º BP foi constituído em 1971, com o desmembramento da DPM do 1º BP. Manteve a função de corregedoria, canil, guarda do QG e um pelotão de choque.308 O 1º BP "Tobias de Aguiar", devido à sua destacada violência durante a ditadura – e até os dias de hoje - tem sua trajetória, muitas vezes, considerada como o paradigma das transformações 304"Relatório suscinto da Operação Registro". Gen Ex José Canavarro Pereira. 1970. disponível em http://apublica.org/2014/08/napalm-no-vale-do-ribeira/. Acessado em 10/04/2016. Militia, nº 7, Outubro de 1970. Museu de Polícia. pp. 17-20; "Batalhão Tobias de Aguiar: Um século de história". Ten Dornelas; Ten Luis Carlos. 1º BPChq. Pasta CPChq. 23/05/1991. Museu de Polícia. pp. 10-12. 305Militia, nº 7, Outubro de 1970. Museu de Polícia. pp. 17-20 306"A PM chora seu morto". O Estado de São Paulo. 11/09/1970. p. 13. 307"Relatório suscinto da Operação Registro". Gen Ex José Canavarro Pereira. 1970. disponível em http://apublica.org/2014/08/napalm-no-vale-do-ribeira/. Acessado em 10/04/2016. 308"Resumo Histórico" . 3º BPChq. Pasta CPChq. 24/04/1980. Museu de Polícia.

137 pela qual passou a Polícia Militar nessa época (PINHEIRO, 1982; BARCELLOS, 1992). O mais correto, contudo, seria considerá-lo como o caso mais extremo (o que não implica em ser uma exceção). O processo de se converter em uma força de combate à guerrilha urbana, posteriormente aplicando as mesmas técnicas contra o "crime comum", tal qual descrito por Pinheiro (1982), não foi tão radical nas demais unidades. Apesar da ênfase na doutrina da "guerra revolucionária", estas mantiveram suas funções normais de policiamento. O 1º BP, por outro lado, assumiu como tarefa prioritária o combate à guerrilha, transformando a sua técnica de policiamento numa ronda especial, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA). A primeira vez que o nome ROTA foi utilizado pelo batalhão foi após a incorporação de parte dos efetivos do 11º e 12 BPs, em 24 de Dezembro de 1967. 309 O batalhão ficou responsável por todo o policiamento da zona centro, sendo que a parte do seu efetivo que realizava patrulhas utilizava um capacete com a insígnia "ROTA" (TELHADA, 2011: 484). 310 No entanto, apesar do nome, essa ronda ainda não possuía as características distintivas que a ROTA assumiria posteriormente, voltada ao combate à guerrilha. Em 1969, se iniciam mudanças cruciais. O batalhão, que até então possuía apenas uma campanhia de choque, é reestruturado, convertendo-se em uma completa Unidade de Choque. Passa, então, a possuir uma Companhia de Comando e Serviço, duas grandes Companhias de Policiamento Auxiliar (choque), e incorpora a importante DPM, que possuía o Canil e exercia o papel de corregedoria da corporação (TELHADA, 2011: 419).311 No fim deste ano, um destacamento do 1º BP realizou manobras com o II Exército, no Batalhão "Brucutu", conforme mencionado anteriormente. O aparato de que dispunha, então, o 1º BP era vasto, se assemelhando a um pequeno arsenal de guerra. Uma matéria da Revista SSP, reproduzida por Telhada, informa que, em março de 1969, O 1º BP dispõe de viaturas blindadas para o transporte de tropa, "Tatus", viaturas de 1964 (equipados com esguichos e colorantes) e "Brucutus", viaturas de 1962 (autodefesa elétrica), além de caminhões especiais com rádio transmissor-receptor, ligado às estações fixas da CPA e à rede da Força Pública. O armamento dos pelotões de choque é constituído de armas automáticas, metralhadoras, revólveres, lançadores de granadas, lança-gás, granadas lacrimogêneas, bombas de efeito moral e até cassetete "tamanho família" (sic). Os soldados são equipados com máscaras contra gases, escudos protetores. Capacetes 309Ver Capítulo 2. 310Histórico do Primeiro Batalhão Policial "Tobias de Aguiar". 1º BPChq. Pasta CPChq. S/d (provavelmente 1971). Museu de Polícia. p. 9.; "Extrato do Histórico do Primeiro Batalhão Policial Militar Tobias de Aguiar", do Cel PM Salvador d'Aquino. 1º BPChq. Pasta CPChq. 1/10/1971. Museu de Polícia. p.2 311Histórico do Primeiro Batalhão Policial "Tobias de Aguiar". 1º BPChq. Pasta CPChq. S/d (provavelmente 1971). Museu de Polícia. p. 9; Resumo Histórico do Batalhão – 3º Batalhão de Polícia de Choque – DPM. 3º BPChq. Pasta CPChq. 24/04/1980. Museus de Polícia. p.2

138 especiais e óculos inquebráveis. Os comandantes dos pelotões usam nas ações, transmissores "Walkie-Talkie" e megafones. Trabalha a Tropa de Choque em estreito contato com o serviço de Informação da Corporação, DOPS, Departamento de Polícia Federal e Serviço Secreto das Forças Armadas das quais recebe e troca informes para as missões repressivas (TELHADA, 2011: 422).

No entanto, mesmo esse pesado arsenal mostrava-se insuficiente contra a agilidade da guerrilha urbana, que conseguia efetuar suas ações e escapar antes que esse efetivo fosse mobilizado. A ação da Oban, focada em encontrar esconderijos e opositores, não era capaz de impedir alguns tipos de ações. Assim, visando combater principalmente os assaltos a banco, foi elaborado um plano de execução de policiamento a ser executado pelo 1º BP "Tobias de Aguiar", reaproveitando o nome de "Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar". Uma primeira versão, elaborada pela Seção de Planejamento (P/3) do EM do 1º BP, foi publicada em 27 de Janeiro de 1970. O plano justificava-se na necessidade de fazer frente aos "vários grupos que aperfeiçoam seus métodos criminosos diuturnamente e praticam assaltos, saques e atentados cada vez mais audaciosos". Diante disso, a polícia deve recorrer à "trindade homem – viatura – comunicação", substituindo o patrulhamento a pé, executado por homens isolados ou em dupla, por "patrulhas motorizadas, bem armadas e dotadas de rádio comunicação", atuando 24 horas por dia. A sua missão consiste em, primeiramente, patrulhar as zonas de maior concentração bancária e comercial durante o dia e as primeiras horas da noite. Depois, durante a noite e a madrugada, deve "realizar batidas em bares da periferia e locais suspeitos". Além disso, deve auxiliar na captura de "bandidos ou terroristas", perseguição de veículos e outras ocorrências. As equipes da ROTA podem, também, executar, diariamente, se assim desejarem, a "Operação Arrastão", que nada mais é do que uma gigantesca onda de enquadros em uma determinada região. Os locais de ação devem ser definidos mediante levantamentos das 2ª Seções das Unidades e do QG, inicialmente restritos à zona centro, podendo, posteriormente, estender-se por toda a Grande São Paulo. O policiamento seria executado por dois pelotões das 2ª e 3ª CPAs, supervisionados por um oficial e compostos, cada um, por um motorista, quatro cabos ou soldados e um sargento como comandante da equipe. As ações seriam coordenadas através de uma central de comunicacao na sede do batalhão. O armamento inclui, além dos revólveres comuns, duas metralhadoras, uma arma de precisão (fuzil ou carabina) e munição química, entre outros equipamentos. Inicialmente, as equipes utilizariam nove viaturas tipo perua, equipadas com rádio comunicação. A ROTA tinha prioridade no policiamento, devendo, então, contar com o apoio das rádio patrulhas no encaminhamento de detidos aos distritos policiais, evitando, assim, o seu próprio desfalque no policiamento.312 312As citações deste parágrafo são do documento reproduzido em TELHADA, 2011: 486-489

139 Essa configuração como "ronda bancária" entrou em operação no dia 12 de Março, ainda sob a designação de Força Pública, e é considerada por diversos textos oficiais da PM como o "embrião" da ROTA.313 Nos meses seguintes, a frota foi gradativamente ampliada e diversificada, recebendo jipes e Veraneios C-14.314 Em 15 de Outubro de 1970, já como Polícia Militar, a Nota de Instrução nº 10-010 reformulou os termos de organização, retirando a prioridade de patrulhamento em zonas bancárias, sendo esta considerada a data oficial de criação da ROTA. As novas viaturas implicaram na redução do modelo da equipe para quatros homens, podendo haver um quinto na função de estagiário (TELHADA, 2011: 588). A ROTA é marcadamente distinta das demais unidades, tanto na construção de sua imagem e identidade, como na forma de operação. Seus membros se veem como uma força à parte na Polícia Militar. A afirmação de que a ROTA é "um estado de espírito", cunhada pelo Tenente Mascarenhas que já ostentou o título de "maior matador da PM" – é repetida à exaustão por diversos de seus membros.315 A própria sigla passa a ser sinônimo do nome do 1º Batalhão. Há uma valorização grande dos símbolos distintivos da unidade, com uma grande reverência à braçadeira e à boina pretas, por exemplo. Se a identificação do 1º Batalhão com o ethos militar já era maior do que a média da tropa, isso vai se intensificar após a criação da ROTA. Referências à "guerra nas ruas de São Paulo" são comuns (TELHADA, 2011: 495). Em 1982, quando o governador eleito Franco Montoro propôs a extinção da ROTA, o seu comandante, Ten-Cel. Niomar Cirne Bezerra, saiu em defesa da unidade, afirmando que “ (…) a quem pode interessar o desfazimento da ROTA; qualquer estudo, dos mais superficiais, de qualquer dos ditames basilares da filosofia marxista-leninista já dá conta do interesse, para a desmoralização social de uma nação, a fim de que nela se implante um novo regime, da destruição de seus valores, o que, é evidente, fica totalmente simplificado com o prévio desaparecimento de quem seja o sustentáculo desses valores. A Polícia, a melhor Polícia, a elite da Polícia, é lógico. Ou haveria outro motivo para se desativar a ROTA?”316

A percepção do comandante é que a ROTA é fundamental não só para o combate à “marginalidade”, mas também à manutenção da ordem política. Fazendo eco à lógica da "guerra 313"Batalhão Tobias de Aguiar: Um século de história". Ten Dornelas; Ten Luis Carlos. 1º BPChq. Pasta CPChq. 23/05/1991. Museu de Polícia. p. 12 314ver também "Extrato do Histórico do Primeiro Batalhão Policial Militar Tobias de Aguiar", do Cel PM Salvador d'Aquino. 1º BPChq. Pasta CPChq. 1/10/1971. Museu de Polícia. pp. 2-3. 315Pelo Ten Mascarenhas em FOLHA DE SÃO PAULO 2/12/82 DEOPS. OP 1055 Polícia Militar vol. 2. Arquivo Público do Estado de São Paulo; em um documento oficial do batalhão, "Batalhão Tobias de Aguiar: Um século de história". Ten Dornelas; Ten Luis Carlos. 1º BPChq. Pasta CPChq. 23/05/1991. Museu de Polícia. p. 13; pelo Cel Telhada (2011: 495). 316FOLHA DE SÃO PAULO 2/12/82 DEOPS. OP 1055 Polícia Militar vol. 2. Fundo DEOPS. APESP

140 revolucionária", a ROTA seria, ela própria, um sustentáculo dos valores da sociedade, os quais o inimigo comunista tenta destruir. A diferenciação da unidade não se dá apenas no âmbito simbólico e discursivo, mas, mais importante, no âmbito da sua prática. Ao contrário das unidades comuns, a sua área de atuação não está circunscrita a um distrito policial, mas abrange toda a Grande São Paulo. A mobilidade e a comunicação centralizada, princípios caros à doutrina da "guerra revolucionária", eram igualmente vistos como fundamentais para a ROTA. Ela deveria agir como uma tropa de assalto, capaz de fazer intervenções rápidas e com grande poder de fogo, como, por exemplo, coibir ações de grupos guerrilheiros. Sua função primordial é o conflito, devendo ser auxiliada pelas demais unidades nas tarefas que desviem da ação repressiva, como a condução de detidos. Esse modelo, planejado para combater grupos guerrilheiros, será aplicado majoritariamente sobre as classes populares. Conforme observado, as batidas na periferia e a "Operação Arrastão" constam desde os documentos da sua fundação. Como observa Paulo Sérgio Pinheiro (1982: 73), esse tipo de operação, que mesmo durante a ditadura não possuíam nenhum respaldo legal, não tem como objetivo principal executar um grande número de detensões. Elas almejam, em primeiro lugar, demonstrar para as classes dominantes que a polícia está a seu lado. Em segundo lugar, procuram usar o terror psicológico contra as classes baixas para que não caiam no crime. Por fim, também se assemelham às operações de ocupação territorial para a busca de comunistas "infiltrados" entre as massas, comuns em regimes repressivos e, inclusive, bastante utilizadas na guerra da Argélia. Na bibliografia, a ROTA se constituiu como um importante paradigma dos métodos da violência da Polícia Militar.317 É inegável, claro, que ocorre um ascenso da letalidade policial entre os anos 60 e 80. No entanto, a ausência de dados sistematizados confiáveis ou de séries documentais, com registros das ocorrências cotidianas, dificulta, em muito, quaisquer comparações, sejam quantitativas ou qualitativas. Bruno Paes Manso realizou um levantamento dos registros oficiais de pessoas mortas por policiais nesse período. Colhidos a partir de trabalhos de outros pesquisadores sobre registros de óbitos da saúde pública, jornais e decisões da Justiça, os números são discrepantes e incompletos, ainda que confluam para uma tendência de crescimento. Em 1960, as vítimas oficiais da polícia, em São Paulo, variam entre uma e três pessoas, conforme a fonte. Cinco anos depois, a variação fica entre dois e sete mortos. Em 1975, o número de mortos atinge 22 pessoas. A partir dos anos 1980, já com dados sistematizados, os números atingem a casa das centenas. Em 1981, sob o governo Paulo Maluf, são 286 assassinados pela Polícia Militar, e, em 1985, já no governo Franco Montoro, 583 mortos. Apesar da redemocratização, o número de 317Ver Introdução.

141 vítimas da polícia segue uma escalada rumo ao milhar, atingindo 1.470 mortos em 1992, o ano com maior número de vítimas já registrado (MANSO, 2013: 129-130). É dispensável dizer que esse crescimento de quase mil vezes, entre as décadas de 1960 e 1990, supera em muito o crescimento populacional do município.318 As causas desse crescimento desproporcional da violência homicida são objeto de debate. A tese de Pinheiro, de que ocorre uma institucionalização da prática de "vigilantismo", encontra eco em uma declaração do ex-Secretário de Segurança, Coronel Erasmo Dias, recentemente liberada. A declaração é fruto de uma entrevista ocorrida em 2004, porém só veio a público em 2015, cinco anos após sua morte. Dias relata que ia pessoalmente aos locais de ocorrência e ensinava aos policiais militares como "forjar" cenas de "resistência seguida de morte". O ex-secretário relata que chegou até mesmo a esvaziar o tambor da arma de um PM para tornar verossímel um tiroteio. Incentivava também que os policiais plantassem armas e drogas nas vítimas como forma de legitimar o caso.319 Além de ser uma espécie de patrono dos homicídios forjados, Erasmo Dias teve um papel importante na reestruturação da PM e no fortalecimento das tropas de choque. Desde 1973, a PM ensaiava uma centralização administrativa dos batalhões. Neste ano foi criado, a título experimental, o Comando de Policiamento Ostensivo da Capital (COPOC).320 Sua função era como a de um intermediário entre o Comando Geral e os batalhões da capital. Cabia a ele o papel de coordenação e fiscalização operacional e administrativa dos seus batalhões subordinados. Em casos de necessidade, poderia assumir o controle direto dessas unidades, mobilizando um pequeno exército de poucos batalhões. Não há muitos registros detalhados de seu funcionamento, até 1974, quando Erasmo Dias assume a Secretaria de Segurança. Coronel do Exército e um dos Fundadores do ARENA, Dias é o secretário que mais tempo ficou à frente da pasta durante a ditadura, de 2 de abril de 1974 até 15 de março de 1979. Em sua gestão efetuou grandes mudanças na organização da segurança. Entre elas, consolidou a estrutura dos grandes Comandos de Policiamento. Entre maio de 1974 até fevereiro de 1976, todo o território do estado de São Paulo seria dividido em áreas coordenadas pelos grandes comandos. Os dois principais eram o Comando de Policiamento da Capital (CPC, antigo COPOC) e o Comando de Policiamento do Interior (CPI). Cada um deles era subdividido em Comandos de Policiamento de Área - CPA Metropolitano e do Interior, 318Segundo dados da Prefeitura, em 1960, o município de São Paulo possuía 3.781.446 habitantes, atingindo 8.493.226, em 1980 e 9.646.185, em 1991. Ou seja, mesmo apresentando um crescimento populacional ainda acentuado, nesse espaço de 10 anos, ele ainda é três vezes menor do que o crescimento dos homicídios pela PM. ver http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/tabelas/pop_evo.php acessado em 20/02/2016. 319"ROTA 66: a confissão". O Estado de S. Paulo. Disponível em http://infograficos.estadao.com.br/public/especiais/rota-66-confissao/ . Acessado em 10/04/2016. Na matéria consta também o áudio do depoimento de Erasmo Dias. 320Boletim geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 17. 24/01/73. Museu de Polícia. p. 1.

142 respectivamente - havendo também na capital, um Comando de Policiamento de Trânsito (CPT) e um Comando de Policiamento de Choque (CPChq), subordinados ao CPC. Houve uma reorganização dos nomes das unidades. O 1º, 29º e 35º batalhões foram renomeados como 1º, 2º e 3º Batalhões de Polícia de Choque (BPChq). Os batalhões comuns da capital foram renomeados como Batalhões de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) e no interior como Batalhões de Polícia Militar do Interior (BPM/I). As companhias independentes foram extintas e reorganizadas na forma de batalhões, e os batalhões especializados receberam nomes específicos, como, por exemplo, o antigo 33º BPM que se converteu no 1º Batalhão de Policiamento Feminino (BPFem).321 O CPC controlava sete Comandos de Policiamento de Área Metropolitanos (CPA/M), o CPT e o CPChq, além do Regimento de Polícia Montada, o 1º BPFem e o 1º Batalhão de Polícia de Guarda (BPGd), não subordinados à nenhum comando intermediário. 322 Assim, com todo o território esquadrinhado, era possível mobilizar rapidamente um grande efetivo em qualquer região do estado, ou da capital. Conforme os registros, a ação coordenada do CPChq seriam fundamental durante as greves do ABC, no fim dos anos 70.323 Sob a gestão de Erasmo Dias também foi publicado o primeiro Manual de Controle de Distúrbios Civis (M-8-PM).324 Publicado em agosto de 1978, ilustra muito bem como a doutrina da guerra revolucionária devia ser aplicada às particularidades da instituição policial. No geral, ele se preocupa em caracterizar detalhadamente a tropa de choque, sua estrutura organizativa, equipamentos e táticas que devem ser aplicadas diante das situações de distúrbios, guerrilha e de normalidade. Sua missão geral é "executar ações de controle de distúrbios civis e de contraguerrilha urbana em todo o territorio do Estado”, agindo de “maneira preventiva”, como força de dissuação, e de “de maneira repressiva, em casos de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas".325 Ou seja, é a força policial mais inserida na doutrina da guerra revolucionária. O manual se inicia com uma tipologia de conceitos diversos, muitas vezes confusos e sobrepostos, relacionados ao trabalho do batalhão, como “guerrilha urbana”, “subversão”, “calamidade pública”, além de diversos tipos de agrupamentos de pessoas. Tais agrupamentos podem ser de vários tipos, como uma “aglomeração”, “multidão” ou “turba”, variando conforme 321Ver Apêndice V. 322"Histórico". Comando de Policiamento da Capital. Pasta CPC. 20/09/1976. Museu de Polícia. 323"Histórico". Comando de Policiamento de Choque. Pasta CPChq. 08/04/1980. Museu de Polícia. 324Boletim geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 150. 09/08/1978. Museu de Polícia. Anexo. A informação de que é o primeiro manual foi obtida através de questionamento direto via o Serviço de Informação ao Cidadão e da Lei de Acesso à Informação. 325Boletim geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 150. 09/08/1978. Museu de Polícia. Anexo. p. 11

143 critérios de "interesses" e “excitação”. A articulação desses fatores pode levar a diversas ações, desde uma “manifestação” até um “distúrbio interno ou civil”, que, por sua vez, variam na intensidade da quebra da ordem. A “subversão”, por sua vez, é definida como o “conjunto de ações, de âmbito local, de cunho tático e de caráter predominantemente psicológico que buscam de maneira lenta, progressiva, insidiosa e, pelo menos inicialmente, clandestina e sem violência, a conquista fisíca e espiritual da população” (o grifo é meu).326 Além de ilustrar a evolução em fases da guerra revolucionária, a ênfase no papel das ações psicológicas é constante ao longo do documento, sendo, inclusive, uma tática a ser utilizada também pelas unidades de choque. Apesar da ROTA executar policiamento ostensivo desde o início da década, o manual recomenda que, em épocas normais, as unidades de choque não sejam empregadas no cotidiano do policiamento ostensivo, pois "sua mentalidade é diferente". 327 Mantém-se o padrão de uso gradual da força, baseado na efetividade da ação e não na suposição de que a "turba" possua algum direito à integridade física. Recomenda-se, por exemplo, que, caso necessário. "os disparos serão efetuados abaixo da cintura, de modo a parar, mas não matar os participantes do distúrbio, pois um manifestante ferido é um estorvo aos outros."328 3.5. A repressão e a espionagem: a ação da 2ª Seção do Estado-Maior da Polícia Militar A PM mateve relação estreita com os órgãos de repressão política. Alguns dados apontam que a maior parte do efetivo do DOI-CODI/II Exército, era composto de policiais civis e militares. Em depoimento à CNV, o Coronel reformado EB Pedro Ivo Moézia de Lima, que foi chefe da Seção Administrativa do DOI-CODI, afirmou que Nós éramos um contingente quase que insignificante lá, nós erámos menos de 5%, o pessoal das Forças Armadas. Os 95% eram da Polícia Civil, da Polícia Militar, a Marinha mandava um cara, a Aeronáutica mandava outro. Mas o grosso eram essas pessoas que integravam. Normalmente tinha um delegado e um oficial da PM que integrava a equipe de interrogatório. Nós apenas éramos analistas e dizíamos que tipo de informação nós queríamos (CNV, 2014a: 139)

Em se tratando de depoimentos de pessoas implicadas nos órgãos de repressão política, é necessário ter cautela. Para os militares, é cômodo identificar a si mesmos como minoria em órgãos 326Boletim geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 150. 09/08/1978. Museu de Polícia. Anexo. p. 6 327 Boletim geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 150. 09/08/1978. Museu de Polícia. Anexo. p. 33 328 Boletim geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 150. 09/08/1978. Museu de Polícia. Anexo. p. 41.

144 associados a tortura e desaparecimentos. Ainda assim, segundo dados levantados pela CNV, o efetivo inicial do DOI-CODI era de 116 homens, sendo 18 do Exército, cinco da Aeronáutica, um da Polícia Federal, 20 da Polícia Civil e 72 da Polícia Militar (CNV, 2014a: 146). Ou seja, nesse momento inicial, aproximadamente 62% do contingente do DOI-CODI eram de policiais militares, o que confirma a importância fundamental que a corporação tinha no desenho do aparato repressivo da ditadura. Além disso, pelo menos dois comandantes da corporação foram estreitamente ligados aos órgãos de repressão e espionagem e são acusados, pela CNV, de graves violações de Direitos Humanos. O primeiro deles é João Baptista de Oliveira Figueiredo. Comandante da então Força Pública entre 7 de junho de 1966 e 1º de fevereiro de 1967, foi chefe do gabinete militar do governo Médici, entre 1969 e 1974, e diretor do SNI, entre março de 1974 e junho de 1978. Por fim, foi o último general presidente da ditadura, entre 15 de março de 1979 e 15 de março de 1985 (CNV, 2014b: 848). O outro é Confúcio Danton de Paula Avelino, comandante entre 28 de agosto de 1969 e 5 de abril de 1971, sendo, portanto, o comandante durante a unificação, a Operação Registro e a criação da ROTA. Nesse mesmo período, entre 1970 e 1971, chefiou o CODI do II Exército em São Paulo. Após isso, Avelino foi chefe do CODI do IV Exército, em Recife, entre 1971 e 1972, e, por fim chefe do CIE, entre 1974 e 1976, saindo após o escândalo da morte de Vladimir Herzog (CNV, 2014b: 852). A relação da PM com o serviço de informações não se restrige a esses comandantes. Como visto, a capilaridade da corporação era considerada muito útil à coleta de informações. Assim, já em 1970, o Regulamento para as

Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200)

estabeleceu que "as Policias Militares integrarão o serviço de informações e contra-informação do Exército, conforme dispuserem os Comandantes de Exército ou Comandos Militares de Área, nas respectivas áreas de jurisdição".329 Dessa maneira, as seções de informação de cada batalhão mantém relação com o S/2 do Exército. Segundo o Cel. PM Fábio Gonçalves, em depoimento à Comissão da Verdade da Alesp, as P/2 de cada batalhão respondiam diretamente ao superior do comandante do batalhão, funcionando como uma "organização paralela dentro do quartel" (CVESP, 2015f: 124). A PM, através da P/2, exerceu intenso trabalho de vigilância, tanto sobre seus próprios membros, como sobre setores da sociedade considerados supeitos de atividades subversivas. Há pouquissíma informação disponível sobre seu efetivo, mas sabe-se que, em 1979, o EM geral possuía dois coronéis, seis tenentes-coronéis, 12 majores, 16 capitães, 11 tenentes e 126 praças, num total de 173 homens (MORAES, 1998: 349). Se considerarmos que todas as unidades 329Art. 25 do R-200, aprovado pelo Decreto federal nº 66.862, de 8/07/1970.

145 possuíam uma P/2, mesmo que em menor número, certamente o efetivo ocupado nessa função não é desprezível. Segundo o delegado Roberto Maurício Genofre, que compôs a equipe de segurança pública de Franco Montoro, a PM paulista possuía, no começo dos anos 80, um dos melhores serviços reservados do Brasil (MINGARDI, 1991: 102). Não stá disponível nenhuma documentação produzida diretamente por esses unidades. Contudo, como

membro da "comunidade de informações", a P/2 compartilhava informes e

relatórios com os demais órgãos de espionagem. Diversos registros foram enviados para o DEOPS, com indicação de que também fossem cópias para o II Exército (II/Ex), o IV Comando Aéreo Regional (IV/COMAR), o Departamento de Polícia Federal (DPF), o SNI, a Coordenação de Informações e Operações (CIOp)330 e a Casa Militar. Dessa maneira, rapidamente a informação chegava a praticamente todas os órgãos repressivos e de vigilância, em âmbito estadual e federal. Dessa maneira, consta, no Fundo DEOPS, uma extensa documentação relativa ao acompanhamento das mobilizações contrárias ao regime que surgiram a partir do fim dos anos 70, como atos do movimento negro331, movimento feminista,332 e, principalmente, as greves do ABC. Entre 1978 e 1982, a P/2 acompanhou assembléias, manifestações, greves e seguiu lideranças sindicais e políticas. Há extensas descrições dos eventos, com resumos das falas, identificação dos líderes e grupos organizadores. Nota-se uma preocupação destacada com a identificação de políticos e figuras públicas envolvidas em agitações. Há registros, por exemplo, de Fernando Henrique Cardoso conclamando uma greve dos trabalhadores para derrubar a ditadura 333, Eduardo Suplicy participando da greve dos metalúrgicos334 e Teotônio Vilela presente no CONCLAT.335 Os partidos políticos também são bastante visados, principalmente o Partido dos Trabalhadores (PT), que tem frequentemente seus atos acompanhados, mesmo antes da oficialização da legenda.336 De maneira semelhante, o PMDB foi acompanhado na sua mobilização

330A CIOp era um órgão subordinado à Secretaria de Segurança Pública, composto por membros da Polícia Civil e Polícia Militar, com a finalidade de coordenadar o trabalho conjunto das duas corporações e abastecer o titular da pasta de informações. Ver Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 110. 14/07/1974. "Resolução nº SSP-11, de 7/6/74". Museu de Polícia. Anexo. 331 Sumario de informações nº 072/4, msg nº 2EM/PM-445/1. Assunto: ato público do movimento negro unificado. 20/11/80. 50-D-18-2850. Fundo DEOPS. APESP. Sumario de informações nº 008-4. Assunto: passeata do grupo de vigilância popular.13/02/81 50-D-18-2833. Fundo DEOPS. APESP. Sumario de informações nº 072/4. msg nº 2EM/PM-445/1. 20/11/80. 50-D-18-2811. Fundo DEOPS. APESP. 332 Continuação do sumario de informações nº 013-4, msg nº 2EM/PM-141-1/80. Assunto: greve dos metalurgicos .50D-18-2770. Fundo DEOPS. APESP. 333 Msg 2EM/PM s/nº Assunto: FHC conclamando greve de trabalhadores contra a ditadura. 07/11/78. 50-D-18-2663. Fundo DEOPS. APESP. 334Sumário de informações nº 2EM/PM-016/4-81. assunto: assembleia dos metalurgicos no estadio da vila euclides (SBC) e Igreja N.S. Do Bonfim (Sto Andre). 28/03/82. 50-D-18-2892. Fundo DEOPS. APESP 335Sem Título. 21/08/81. 50-D-18-2865. Fundo DEOPS. APESP. 336 Msg nº 2EM/PM-176/79 – S. Perm.Assunto: ato publico no clube atletico ipiranga. 12/08/79. 50-D-18-2676. Fundo DEOPS. APESP.

146 pela constituinte, ainda em 1980.337 No caso da 1º Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), realizada em 1981, com o objetivo discutir a formação de uma central sindical, a descrição é detalhadíssima. O espião policial acompanha, até mesmo, caminho que Lula fez a pé do hotel onde estava hospedado até uma churrascaria onde almoçou.338 Como tais informes não constam no acervo da própria PM, não se sabe o grau de aproveitamento interno dessas informações. Ao que parece, a P/2 agia com caráter exclusivamente de inteligência, não intervindo nos eventos, nem executando nenhuma tarefa de coordenação de ação das demais unidades. Mesmo assim, sua importância pode ser indicada pela sobrevivência do órgão, denunciada reiteradas vezes pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo (CVESP, 2015f). Em 1983, já no governo Montoro, um novo Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200), foi aprovado, repetindo no que diz respeito à P/2, exatamente o mesmo texto do regulamento aprovado no governo Médici.339

337 Continuação do sumário de informações 071-4. Msg nº 1844. 15/11/80. 50-D-18-2808. Fundo DEOPS. APESP. 338Sem título. 21/08/81. 50-D-18-2869. Fundo DEOPS. APESP. 339Decreto federal nº 88.777, de 30/09/1983. O artigo que se refere aos serviços de inteligência é o de número 41. A questão do regulamento de 1983, ainda em vigor, foi levantada pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, porém sem identificar a semelhança com o texto de 1970.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em 15 de março de 1983, Franco Montoro, então do PMDB, tomou posse como o primeiro governador de São Paulo eleito de forma direta desde 1963. Além dele, nove outros candidatos oposicionistas foram eleitos em todo o país, incluindo Leonel Brizola (PDT), no Rio de Janeiro, e Tancredo Neves (PMDB), em Minas Gerais, conferindo à oposição os governos dos três estados mais populosos do país. Um tema fundamental da plataforma eleitoral de Montoro era a defesa dos Direitos Humanos e a reforma da segurança pública. Seu projeto passava por vários pontos, incluindo a extinção da ROTA e do DEOPS, fim das detenções ilegais (as "prisões para averiguação"), investimento nas Corregedorias, melhor capacitação da Polícia Civil, entre outras coisas. O projeto da "Nova Polícia", contudo, sofreu grande resistência, principalmente por parte da Polícia Militar. Os problemas começaram antes mesmo da posse do governador. A unificação das duas polícias estaduais em uma única corporação civil chegou a ser cogitada durante a elaboração do projeto, esbarrando, porém, na proteção da legislação federal e na resistência do Exército. Ainda no início de 1983, um decreto federal garantiu que o governo federal pudesse assumir o controle direto das PMs em caso de "grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção", colocando uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos governadores oposicionistas. 340 O fechamento do DEOPS também foi frustrado, pela antecipação do governador José Maria Marin, que, 11 dias antes da posse de Montoro, fechou o órgão e transferiu seus arquivos para a Polícia Federal, longe, portanto, das mãos da oposição à ditadura. Após a posse de Montoro, suas tentativas de reforma foram sistematicamente boicotadas pela PM, largos setores da Polícia Civil e pelo governo federal. Em meio a um período de crescente violência urbana e crise econômica, o projeto da "Nova Polícia" naufragou (MINGARDI, 1991: 63-128). A Constituição Federal de 1988, que logrou desmontar vários mecanismos autoritários das constituições anteriores, manteve intacta, após forte pressão do lobby militar, a estrutura das polícias militares (ZAVERUCHA, 2010). Algumas reformas importantes seriam realizadas a partir dos anos 90, sem, no entanto, modificar a estrutura militarizada e o vínculo com o Exército. Questionar se a Polícia Militar é criação ou não da ditadura militar pode apontar para uma pista falsa. Tratando-se de um objeto polêmico, a resposta binária, muitas vezes, assume ares de 340Decreto-Lei nº 2.010, de 12/11/1983. Esse decreto alterou o Decreto-lei nº 667, de 1969 (ver Capítulo 2). Ele segue em vigor, praticamente sem alterações.

148 veredicto. Como o fruto de um regime arbitrário, a instituição já estaria condenada à ilegitimidade e à violência por um vício de origem. Por outro lado, na versão oficial, a instituição quase bicentenária, se legitimaria pela tradição. A pista é falsa, pois perde de vista a dinâmica das relações sociais e os múltiplos fatores que determinam a ação da polícia. O impacto da ditadura militar na estrutura da segurança pública é algo inegável. De um regime que tinha como um de seus pilares de sustentação a "segurança", não se deveria esperar menos. A questão, no entanto, não deve ser tanto sobre o "criador", mas sobre a "criatura". Porque, em um certo sentido, a unificação de 1970, lembra a máxima de Lampedusa de que "tudo precisa mudar para que fique como está". Mais do que criar uma nova instituição, a ditadura optou por reafirmar o antigo modelo, o da polícia militarizada. Tal modelo, porém, não era mais funcional às disputas entre as elites locais, como na Primeira República, mas à uma lógica completamente distinta, de combate à "guerra revolucionária". Subjacente à isso, há, ainda, o imenso conflito do cotidiano, que se acirrava desde o fim da ditadura do Estado Novo. Uma estrutura de segurança grande e complexa, fraturada entre corporações diferentes que disputavam recursos e poder entre si e questionada pela sua ineficiência e autoritarismo. Diante de sucessivas e fracassadas tentativas de reforma, se desenhava uma tendência de diminuição do papel da polícia militarizada. Na jovem democracia nascida em 1946, o "pequeno exército paulista" era, cada vez mais, visto como um elemento estranho. A vinda de um novo regime autoritário reverteu essa questão. As tensões crescentes, principalmente entre 1968 e 1969, definiram a vitória de um modelo policial voltado à contra-insurreição. A polícia deveria ser, antes de tudo, um braço da guerra contra a subversão e o inimigo interno. Contudo, não são com estes, guerrilheiros e subversivos, que os policiais irão se confrontar habitualmente. No cotidiano de seu trabalho, a maioria absoluta da sua interação se dá com criminosos comuns, bêbados, prostitutas, trabalhadores, e toda a miríade de grupos que compõem a população urbana, principalmente nos seus estratos mais baixos. Da contradição de uma polícia com a cabeça no Vietnã e na Argélia e os pés em Capão Redondo e Itaquera vai se iniciar uma escalada da violência homicida que vai permanecer mesmo após o fim da ditadura. Há aqui, muitas limitações e dúvidas. Deve-se questionar, por exemplo, as distâncias entre a intenção e a realidade na doutrinação da "guerra revolucionária". O quanto, principalmente nos escalões mais baixos, os policiais aderiam a ensinamentos que deviam soar bastante deslocados da sua prática cotidiana. Também, deve-se questionar a precariedade material comum aos órgãos do Estado brasileiro. É difícil crer que todos os problemas de recursos e organização, apontados frequentemente ao longo das décadas anteriores, desapareceram com uma canetada em 8 de abril de 1970. Quando Montoro assumiu, por exemplo, metade das viaturas da PM estavam inutilizáveis

149 (MINGARDI, 1991: 97). Além disso, o caráter regional deste trabalho, restrito ao estado de São Paulo, pode induzir ao erro de se tomar a parte pelo todo. O caminho seguido pela polícia paulista não necessariamente se repete nos outros estados. É necessária a ampliação de estudos sobre a polícia no período ditatorial para outras localidades, levando em conta as peculiaridades regionais. Por fim, a própria dinâmica do cotidiano policial e a relação com seus diversos "públicos", terminou secundada pela análise das mudanças internas e instituicionais. Os limites do espaço do trabalho implicam em uma seleção de temáticas em detrimento de outras. Inúmeros caminhos ainda podem ser trilhados na construção de uma história da polícia no período autoritário. Eventos importantíssimos foram deixados de fora ou apenas brevemente comentados. De qualquer forma, a documentação utilizada ainda é bastante inexplorada e permite diversas outras abordagens. Em uma sociedade profundamente marcada pela violência de Estado, é fundamental que se aprofundem estudos sobre os órgãos repressivos. Isso é ainda mais importante quando representantes dessas instituições conquistam cargos de poder no Estado e constituem bancadas legislativas para perpetrar políticas e declarações abertamente contrárias aos Direitos Humanos.

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159 Apêndices Apêndice I - Boletins Gerais Os Boletins Gerais são publicações dos Comandos Gerais da Polícia Militar. São publicados em dias úteis, havendo, eventualmente, edições especiais em datas comemorativas. Seu conteúdo abrange as questões relativas à dimensão formal do trabalho policial. Assim nomeações, promoções, exonerações, férias, punições administrativas, elogios, ordens e todas as demais ações administrativas só se concretizam formalmente quando publicadas no boletim geral. Além disso, o documento também traz exertos de caráter informativo sobre legislação referente à PM, resoluções da Secretaria de Segurança Pública, entre outras coisas. As edições seguem uma numeração sequencial, reiniciada todo ano, com exceção dos boletins comemorativos, que não são numerados. Até 1970, a Guarda Civil e a Força Pública possuíam boletins separados, com formato bastante semelhante. Após a unificação, em 8 de Abril de 1970, o primeiro boletim da Polícia Militar continua seguindo a numeração dos boletins da Força Pública, partindo do número 69, de 14 de abril desse ano. Os boletins da Guarda Civil permanecem sendo publicados por um perído de adaptação de 100 dias até 13 de Julho, quando finalmente são extintos. Os boletins são divididos em seis partes, totalizando, normalmente, 30 páginas, mais anexos, quando há. A partir de 1978, os boletins passaram a incluir ainda uma capa. Algumas dessas partes tiveram os títulos alterados ao longo dos anos 70, mas o conteúdo se manteve basicamente o mesmo, de acordo com os seguintes tópicos: - Organização e Instrução/Organização e Ensino/Legislação e Organização: exertos de legislação referentes à PM, Resoluções e Ordens das instâncias superiores, concursos e exames; - Assuntos Correntes e dos Serviços/Alterações de Pessoal: promoções, demissões, férias, licenças, aposentadorias, autorizações de viagens, transferências de unidade; - Disciplina e Justiça/Assuntos Disciplinares/Justiça e Disciplina: punições administrativas, sindicâncias, despachos de IPMs, soluções do Conselho Disciplinar e elogios; - Justiça Militar: resultados de IPMs (como os processos da Justiça Militar são sigilosos, não consta o nome dos envolvidos);

160 - Funcionários Civis: alterações de carreira dos profissionais civis da corporação; - Associações e Instituições: notas, convites, convocações e posse das direções das entidades de categoria. Os boletins são o registro oficial da vida profissional de todos os policiais militares e de todas as mudanças organizacionais da corporação. Uma sistematização completa da documentação permitiria, por exemplo, percorrer, individualmente, a trajetória profissional de todos os policiais do período. Infelizmente, tal esforço estava além da possibilidade desta pesquisa. Mesmo assim, foi possível acompanhar aspectos ligados ao nível organizacional, além de alguns eventos específicos. A parte sobre alteração de pessoal, por exemplo, permitiu observar os diversos estágios e cursos, indicando nomes dos envolvidos e período. A parte disciplinar apresenta elogios e punições, trazendo, na maioria das vezes, descrições detalhadas de acontecimentos envolvendo policiais. Os anexos são diversos, trazendo manuais, notas de instrução, tabelas, comunicados de outros órgãos, etc. Os boletins estão arquivados no Museu de Polícia, encadernados em livros conforme mês e ano. A falta de recursos e infraestrutura para um armazenamento adequado representa um risco à preservação destes documentos. Além dos boletins gerais, os batalhões também editam boletins internos. Porém, como estes ficam sob a guarda de cada unidade, não foi possível acessá-los. Apesar de constituírem uma fonte recorrente na bibliografia oficial da PM, os boletins são praticamente inexplorados por pesquisadores acadêmicos.

161 Primeira página do primeiro Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo nº 69, de 14 de abril de 1970.

162 Capa do Boletim Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº 9, de 12 de janeiro de 1978

163 Apêndice II – Estrutura da Polícia Civil A Estrutura da Polícia Civil em 1963

1ª Divisão Policial

2ª Divisão Policial

Delegado-Geral Conselho da Polícia Civil 4ª Divisão 5ª Divisão Policial Policial

3ª Divisão Policial

Araraquara, Campinas, Araçatuba, Casa Branca, Assis, Bauru, Capital e Barretos, Botucatu, cidades ao Guaratinguetá Itapetininga, redor (ao todo , Piracicaba, Jaú, Marília, 21 São José do Presidente municípios) Rio Preto, Prudente e Ribeirão Preto Sorocaba e Taubaté.

Departamento Departamento de Ordem de Política e Investigações Social (DI) – Sede (DOPS) – em São Paulo Sede em São Paulo

6ª Divisão Policial

7ª Divisão Policial

8ª Divisão Policial

Departamento de Policiamento – Sede em São Paulo

Divisão de Polícia Marítima e Aérea – Sede em Santos

Setor de Polícia Científica – Sede em São Paulo

Estrutura da 1ª Divisão Policial em 1963 1ª Divisão Policial Zonas Policiais da Capital

Delegacias de Circunscrição

Zona Centro Zona Norte

1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 8ª e 12ª 9ª,13ª, 19ª, 20ª e 28ª

Zona Sul

11ª, 15ª, 16ª, 17ª, 26ª, 27ª e 29ª

Zona Leste Zona Oeste

10ª, 18ª, 21ª, 22ª, 25ª, 30ª, 31ª e 32ª 7ª, 14ª e 23ª

Santo André (duas delegacias, uma de 1ª e outra de 3ª classe), Osasco, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Barueri, Caieiras, Cajamar, Cotia, Diadema, Embu, Franco da rocha, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Mairiporã, Mauá, Pirapora do Bom Jesus, Ribeirão Pires, Santana de Parnaíba, Taboão da Serra

164 Estrutura da carreira dos delegados Níveis da carreira de delegado

Cargos que podem ser assumidos

Classe Especial

Delegado-Geral, Delegado Auxiliar, Chefia das Zonas Policiais, principais delegacias especializadas (delegacias de classe especial)

1ª Classe

Delegacias de 1ª Classe

2ª Classe

Delegacias de 2ª Classe

3ª Classe

Delegacias de 3ª Classe

4ª Classe

Delegacias de 4ª Classe

5ª Classe

Delegacias de 5ª Classe

165 Apêndice III - Efetivos e localização dos Batalhões Policiais da Força Pública em 1966 Sede Capital

ano de criação

Capital – Choque Capital – Centro Ribeirão Preto Bauru Taubaté Santos

779 999 1063 780 918 1221

27 23 20 17 26 27

806 1022 1083 797 944 1248



Sorocaba

1093

26

1119



Campinas Capital – Santana, Freguesia do ó, água Fria, Tucuruvi

1891 1891 1931 1901 1912 1896 1912 (antigo 2 corpo de guarda civica) 1901 (antigo 3 batalhao e infantaria da FP)

1361

32

1393

1956 1956 (antigo 10 batalhao de caçadores da FP)

1268

27

1295

941

19

960

1009

24

1033

995 1127

20 20

1015 1147

702

22

724

1046

28

1074

636

18

654

1088

24

1112

909 1206

18 24

927 1230

1024 386 220 513 317

32 7 5 7 6

1056 393 225 520 323

213 293 187 477

5 5 5 19

218 298 192 496

554

13

567

708

14

722

369

12

381

1474

52

1526

849

30

879

477

19

495



10º

Efetivo 1966 (praças)

Efetivo 1966 Eftivo 1966 (oficiais) (total) 695 128 823

Batalhão Quartel General 1º BP Tobias de Aguiar 2º 3º 4º 5º 6º

1908

Santo André Capital – 1948 (antigo Ibirapuera11º Batalhão Policial) trânsito Capital – Radio Patrulha 12º 1956 (antigo 2 BP) 13º Araraquara 1958 Capital – Bom Retiro, Pari – guarda de menores 14º 1962 infratores Capital – Polícia de Guarda de presidios e escolta de 15º 1962 presos Capital - Cidade 16º Universitária 1963 São José do Rio Preto 17º 1964 Presidente Prudente 18º 1965 19º Capital 1966 Regimento de Polícia Capital – Montada 9 de Julho cavalaria 1891 1ª Cia. Ind. Mogi das Cruzes 1950 2ª Cia. Ind. Guarulhos 1955 3ª Cia. Ind. Araçatuba 1966 4ª Cia. Ind. Osasco 1966 Bragança Paulista/ Jundiaí 5ª Cia. Ind. 1965 6ª Cia. Ind. Botucatu 1965 7ª Cia. Ind. Registro 1966 Batalhão de Guardas SSP 1912 1º Grupamento de Policiamento Independente Marília 1966 2º Grupamento de Policiamento Araçatuba 1965 Independente Palácio do Cia. De Guardas governo 1963 Corpo de São Bernardo do Policiamento Campo 1948 Rodoviário Corpo de Policiamento Florestal Capital 1948 Grupamento de Policiamento de Capital 1964 Estradas de Ferro

166

Apêndice IV - Efetivo da Guarda Civil em 1964 quadros

posto Inspetores Chefes Superintendentes Inspetores Chefe de Agrupamento Inspetores Chefe de Divisão Inspetores Subinspetores Classes Distinta Classe Especial 1ª Classe 2ª Classe Serviço de Policiamento 3ª Classe TOTAL Inspetor Chefe Regente Inspetor Contramestre Subinspetores solistas Classe Distinta Músico Classe Especial Músico 1ª Classe Músicos Banca de Música 2ª Classe Músicos TOTAL Divisão de Inspetor Chefe Enfermeiro Saúde Inspetores Enfermeiros Subinspetores Enfermeiros Classe Distinta, Auxiliares de Enfermagem Classe Especial Auxiliares Hospitalares 1.ª Classe, Auxiliares Hospitalares 2.ª Classe, Auxiliares Hospitalares 3.ª Classe, Auxiliares Hospitalares TOTAL TOTAL FINAL

efetivo 6 15 56 161 340 1294 1438 2444 4072 4884 14710 1 1 6 50 50 90 10 208 1 2 3 10 12 16 18 20 82 15000

167

Apêndice V– Evolução organizativa das unidades da Força Pública, Guarda Civil e Polícia Militar Batalhão Quartel General

Sede Capital

1º BP Tobias de Aguiar 2º

Capital – Choque Capital – Centro

3º 4º 5º 6º

Ribeirão Preto Bauru Taubaté Santos



Sorocaba



Campinas Capital – Santana, Freguesia do ó, água Fria, Tucuruvi



10º

composição para unificação

ano de criação 1908

1891 1891 17/07/70 subdivisão 1931 de Ribeirão Preto 1901 1912 1896 17/07/1970: 1912 (antigo 2 corpo subdivisão de de guarda civica) sorocaba 1901 (antigo 3 17/07/70: batalhao e infantaria Subdivisão de da FP) Campinas

18º 19º

Regimento de Polícia Montada 9 de Julho 1ª Cia. Ind. 2ª Cia. Ind.

Capital – cavalaria Mogi das Cruzes Guarulhos

12º 13º

14º

15º 16º 17º

3ª Cia. Ind.

4ª Cia. Ind. 5ª Cia. Ind. 6ª Cia. Ind. 7ª Cia. Ind.

Araçatuba

Osasco Bragança Paulista/ Jundiaí Botucatu Registro

Batalhão de Guardas SSP

1891 1950 1955

1966

1966

1971 1975 QG QG 1º BPM Tobias de 1º BPChq Tobias de Aguiar Aguiar 2º BPM 2º BPMM 3º 4º 5º 6º

1956 1956 (antigo 10 batalhao de caçadores da FP)

Santo André Capital – Ibirapuera1948 (antigo trânsito Batalhão Policial) Capital – Radio 1956 (antigo 2 BP) Patrulha Araraquara 1958 Capital – Bom Retiro, Pari – guarda de menores infratores 1962 Capital – Polícia de Guarda de presidios e escolta de presos 1962 Capital - Cidade Universitária 1963 São José do Rio 1964 Preto Presidente 1965 Prudente Capital 1966

11º

1970 QG

BPM BPM BPM BPM

BPMI BPMI BPMI BPMI

7º BPM

7º BPMI

8º BPM

8º BPMI

9º BPM

9º BPMM

10º BPM

10º BPMM

11º BPM

11º BPMM

12º BPM 13º BPM

14º BPM

12º BPMM 13º BPMI extinto em 1975.efetivos incluidos no 1º Batalhão de Polícia de Guarda.

15º BPM

1º Batalhão de Polícia de Guarda

16º BPM

16º BPMM

17º BPM

17º BPMI

18º BPM 19º BPM Regimento de Polícia Montada 9 de Julho

18º BPMI 1º BPMM

Regimento de Polícia Montada 9 de Julho 17º BPMM 15º BPMM

Unificado com 1º Grupamento de Policiamento Independente Extinto em 1971. incluida no 14 BPMM

1965 1965 1966 1912

3º 4º 5º 6º

8ª CIPM

11º BPMI 12º BPMI 14º BPMI 2ª Cia de Polícia de Guarda

168 1º Grupamento de Policiamento Independente 2º Grupamento de Policiamento Independente Cia. De Guardas

Marília

Araçatuba Palácio do governo

1966

1963

Capital Capital Capital

4º Ag. D.

23º BP

21º BPM 22º BPM Extinto em 1971

Capital

5º Ag. D.

24º BP

20º BPM

Capital

25º BP

28º BPM

Capital

6º Ag. D. 8º Ag. D.; 23º BP (1971)

26º BP

26º BPM

Capital

1ª DMTM

27º BP

Capital

28º BP

29º BP

29º BPM

2º BPChq

30º BP

30º BPM

8º BPMM

Capital

DTM; 2ª DMTM Divisão de Policiamento Especializado 1ª 2 ª DDP do 10º Ag. D.; DPI 1ª e 2ª DPR do 10º Ag. D.; SPI

Batalhão de Transporte Extinto em 1971

31º BP

31º BPM

Santos

11º Ag. D.

32º BP

32º BPM

1955 Polícia Feminina Polícia Marítima e Aérea 1950 DPM Corpo de Policiamento 1948 Rodoviário

33º BP

33º BPM

13º BPMM extinto em 1975. efetivos incluidos no 6º BPMI 1º Batalhão de Policiamento Feminino

34º BP 3ª Cia Ind.

34º BPM 35º BPM

39º BP

Corpo de Policiamento 1948 Florestal

Corpo de Policiamento Florestal

39º BPM Corpo de Policiamento de Recursos 1º Batalhão de Naturais/38º Polícia Florestal e de BPM (1973) Mananciais

1970

35º BP

Capital

Capital Santos Capital São Bernardo do Campo

Capital São Bernardo do Campo

8ª Cia. do 8ª BPM (1974) Osasco

Grupamento de Policiamento de Estradas de Ferro

9º BPMI 1ª Cia de Polícia de 9ª Cia Ind PM Guarda Extinto em 1971

1º Ag. D.; parte do 2º Ag. D. 20º BP 3º Ag.D; parte do 2º Ag. D. 21º BP 7º Ag. D. 22º BP

Capital

Corpo de Policiamento Florestal

2º BPMI

2º Grupamento de Policiamento Independente 37º BPM

1965

Capital

DPM Corpo de Policiamento Rodoviário

36º BPM (unificado com 3ª Cia Ind)

Capital -centro

1971

Capital Fernandópolis Americana Franca

Grupamento de Policiamento de 1964 Estradas de Ferro 1975 1975 1975

24º BPM 4ª Cia Ind (1974) 34º BPM (1974) 23 º BPM (criado em 71) 25º BPM (criado em 71)

27º BPM

3º BPMM 4º BPMM

1º Batalhão de Polícia de Trânsito 3º Batalhão de Polícia de Trânsito (1973) 2º BPT (1973) extinto em 1975. Centro de Suprimento e Manutenção de Material de Motomecanização

14º BPMM 3º BPChq 1º Batalhão de Polícia Militar Rodoviária

10º BPMI

5º BPMM

7º BPMM

1º BPMI 16º BPMI 19º BPMI 15º BPMI

169 ANEXOS Anexo I - Nota do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de São Paulo. 09/04/2014 A PM e o Zepelim? Mais uma vez, somos questionados por um órgão de imprensa sobre o nosso modelo de polícia, o militar. O ponto de início da matéria a ser construída obedece a alguns entendimentos já pacíficos por parte da reportagem e subsidiados pela opinião de "especialistas". Vejamos: A Polícia Militar trata parte da população brasileira como potencial inimigo; O sistema de segurança pública é o mesmo da ditadura, guiado pela Lei de Segurança Nacional; A ditadura ainda está na cabeça dos governantes e principalmente das polícias; A PM que está aí atira para matar. Ela está servindo a outros interesses. Como diria o colunista Reinaldo Azevedo, este é mesmo "o ano de satanização dos militares". É triste ver como a desinformação parece habitar algumas mentes neste nosso Brasil de tantos Brasis. Pior: é mais triste ver como alguns sentimentos se tentam materializar, migrando da quimera à teoria; daí à crença; por fim, daí à "verdade". Ninguém deveria se ocupar do julgamento do pretérito, especialmente com os olhos do presente, mas não é o que ocorre neste país... Conseguimos anistiar pessoas, mas não conseguimos libertar o passado, que parece um espírito confuso, agarrando-se a um corpo jacente. Falar em inimigos, em Lei de Segurança Nacional, que a PM atira para matar, se não fosse terrível, seria cômico, porque denota, sim, a construção de um pensamento que se pretende coletivo, a partir de pessoas que se sentem intelectuais. Seria mais simples pensar o mundo a partir de fatos, mas alguns propagadores de opinião preferem as ideologias, o partidarismo e, até, o oportunismo. Na maioria das vezes, as polícias militares se desviam do posicionamento político (na essência da palavra); nossos contumazes detratores, não. E essa desigualdade se reflete no açoite cotidiano à categoria que se imbui de receber sobre si todos os pecados do mundo. Talvez seja oportuno então alertarmos a sociedade quanto ao Brasil que alguns sonham construir, numa versão romântica, e bastante suspeita. Antes disso, porém, talvez devêssemos informar que, desde 1997, a Polícia Militar de São Paulo se estrutura a partir de conceitos de polícia comunitária.

170 Pode-se mencionar também que o Método Giraldi de Tiro Defensivo para a Preservação da Vida, criado por um oficial da PM paulista e nela desenvolvido, é recomendado pela Cruz Vermelha Internacional como efetivamente aplicável ao treinamento das polícias. Nosso Programa Estadual de Resistência às Drogas (Proerd), em vinte anos de atividade, já formou mais de sete milhões de crianças, ensinando-lhes caminhos seguros para fugir ao contato com esse mal que assombra nossa sociedade. Isso significa dizer que já educamos um número de jovens que representa 16% dos 43 milhões de paulistas, segundo estimativa do IBGE para o ano de 2013. E não seria demais também lembrar que, no ano passado, atendemos 2.450.098 ocorrências, prendemos 183.952 pessoas, apreendemos mais de 80 toneladas de drogas, 13.828 armas de fogo em poder de criminosos, prestamos 2.506.664 atendimentos sociais e resgatamos 619.231 pessoas. Seria tudo isso fruto de nossa vocação para enxergar a população como inimiga? Seria a ditadura que ainda está em nossa cabeça? A influência da Lei de Segurança Nacional? Ou ainda nossa compulsão de atirar para matar?! Em que mundo esses "especialistas" fundamentam suas teorias? Muito provavelmente a resposta esteja em outro século e em outro continente, nascida da cabeça de alguém que pregou a difusão de um modelo hegemônico, que se deve construir espalhando intelectuais em partidos, universidades, meios de comunicação. Em seguida, minando estruturas básicas e sólidas de formação moral, como família, escola e religião. Por fim, ruindo estruturas estatais, as instituições democráticas. Assim é o discurso desses chamados "intelectuais orgânicos", como costumam se denominar, em consonância com as ideias revolucionárias do italiano Antonio Gramsci, que ecoaram pelo mundo a partir da década de 1930. Tão assombrosa quanto esse discurso anacrônico, ou mais, é a teorização formulada por quem, em vez de servir a uma instituição, prefere servir-se dela, desqualificando-a, conspurcando-a. Nesse caso, o problema talvez não esteja na ideologia, mas na conveniência da oportunidade de mercado. No presente momento em que diversos grupos supostamente democráticos fazem coro para desmilitarizar a nossa polícia, vemos pessoas que aqui passaram a maior parte de sua vida se colocando como arautos das mudanças que urgem. Esse tipo de voz ecoa muito mais pelo inusitado do que pela qualidade de seus argumentos pseudocientíficos. É a chamada crítica à moda Brás Cubas. Saca-se alguém de um determinado meio e essa pessoa recebe chancela de legitimidade por falar de algo que, em tese, conhece por vivência. É inadmissível que um profissional, que deveria ter compromisso com a verdade, pois assim assumiu em juramento, falar em premiações, medalhas a policiais que matam, como se isso fosse uma prática corrente, cultural. Somos a instituição que mais depura seu público interno, sujeita a

171 regulamentos, códigos rígidos de conduta e com uma Corregedoria implacável contra agressores de policiais e contra policiais bandidos. Exoneramos centenas. Só em 2013, foram 349. Como dizer que toleramos o erro? Onde está a responsabilidade no que é dito. Enfim, parece ser oportuno criticar um modelo de polícia que suporta o tempo e as circunstâncias adversas. Temos história, uma cultura, valores morais, coisa rara nos dias de hoje. Critica-se, mas, no momento da agrura, sabemos qual é a última instância salvadora, quem pode nos socorrer: "o policial ditador, que nos vê como inimigos, que age conforme a L.S.N., que atira para matar...". É como soava no refrão de Chico Buarque: "... Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir...". Vem o sufoco, a salvação; passa o sufoco, torna-se ao linchamento. Será que a sociedade prescinde um dia de nós? Uma manhã? Uma hora? Ainda somos uma democracia, é bom que nos lembremos sempre disso. Se um dia tivermos de mudar nosso modelo, que seja pelo desejo do povo, não de "especialistas". Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de São Paulo

172 Anexo II - Decreto estadual nº 47.478, de 30 de Dezembro de 1966

173

174 Anexo III - Solicitação de informações sobre o Estado Maior da PM através da Lei de Acesso à Informação Em 9 de outubro de 1831 a Regência do Império do Brasil, em nome do Imperador Dom Pedro II, decretou e sancionou lei autorizando o Governo a criar o Corpo de Guardas Municipais Voluntários a Pé e a Cavalo, para manter a tranqüilidade pública e auxiliar a Justiça. 2. Em 22 de outubro do mesmo ano foi editado o Decreto regulamentando o Corpo de Guardas Municipais Permanentes da Corte, determinando que seu Estado-Maior deveria constar de um Comandante Geral com graduação de Tenente Coronel, um Ajudante, um Cirurgião-Mór, um Cirurgião-Ajudante, um Secretário-Sargento e um Quartel-Mestre-Sargento. 3. Era Presidente da Província de São Paulo o Coronel Raphael Tobias de Aguiar que, recebendo aqueles dois diplomas legais da Corte, reuniu o Conselho da Presidência, em 15 de dezembro de 1831,criando, através de lei, a Guarda Municipal Permanente. 4. Na sua evolução histórica a Corporação pouca ou nenhuma alteração substancial sofreu na estrutura de seu Estado-Maior. 5. Observa-se no artigo 4º do Decreto nº 348, de 6 de abril de 1896, que o Estado-Maior da Força Pública compunha-se, além do respectivo comandante, de um capitão-assistente e encarregado do material, de um tenente-secretário, de um alferes-ajudante de ordens, podendo o Comandante-Geral nomear, extraordinariamente, mais oficiais do quadro quando as exigências do serviço reclamassem. 6. Em 20 de março de 1897, com a denominação de Brigada Policial do Estado, a Corporação passou a dispor de um Estado Maior composto de um Comandante, um Major encarregado do detalhe, um Capitão-Secretário, um Capitão encarregado do material e um Alferes ajudante de ordens. Era o que determinava o artigo 6º do Decreto nº 437, editado naquela data. 7. É possível afirmar-se que a organização efetiva do EM, na Corporação deu-se com a vinda da Primeira Missão Francesa, ocorrida entre 1904 e 1914 e fortalecida com a Segunda Missão (1920 1924).

175 8. A Lei nº 2206-A, de 19 de novembro de 1924, previa a seguinte organização para o EstadoMaior: - Comando Geral: Cmt G, EM, Quadro anexo e Serviço de Topografia Militar. - EM: 1 Ten Cel Assistente, 1 Major Secretário, 1 Major Tesoureiro, 1 Capitão Aux Tes, 1 Capitão Aux Ass, 1 Capitão Ajudante de Ordens, 1 Tenente Ajudante de Ordens, 1 Tenente Aux Tes e 1 Tenente Intendente. 9. Até 1932 a Força Pública do Estado de São Paulo possuia um Estado Maior Geral (EMG) organizado. Após a Revolução de 1932 o Comando foi centralizado. Anteriormente a 1966 existia no EM da Força Pública uma II EM (2a. Seção do Estado Maior), que abrigava todas as atividades necessárias aos serviços de Estado Maior da Corporação. Naquela época a 2a. Seção possuia a seguinte organização: - F1 - Pessoal; - F2 - Informações - F3 - Operações - F4 – Logística 10. Em 17 de janeiro de 1966, através do Decreto nº 45.930, que fixou novos efetivos, foram criadas a 2a. e 3a. Seções do EM. Em 30 de dezembro de 1966, o Decreto nº 47.478, criou a 1ª Seção, em razão da Lei nº 9547 de 23 de dezembro de 1966.

176 Anexo IV – Evolução Organizacional das Divisões de Policiamento da Guarda Civil Fonte: MORAES, 2004: tabelas 20 e 21 Divisão

nome em 1968

1947

1955

1957

1ª DP

4ª DPEP

1º Ag

1ª Ag

2ª DP

DP Bom Retiro

1º Ag

1ª Ag

3ª DP

4ª DT

2º Ag

1ª Ag

1º Ag

1º Ag

1º Ag

1º Ag

5ª DP

DP Liberdade

1º Ag

2º Ag

1º Ag

2º Ag

2º Ag

6ª DP

5ª DT

1º Ag

2º Ag

2º Ag

4º Ag

7ª DP

DP Lapa

2º Ag

2º Ag

2º Ag

2º Ag

10ª DP

DP Penha

2º Ag

7ª Ag

11ª DP

DP S. Amaro

12ª DP

DP Pari

14ª DP

6ª DT

16ª DP

DP Saúde

17ª DP

DP Ipiranga

23ª DP

DP S Lucas

26ª DP

1ª DPEP (Divisao de proteção a escolares e pedestres)

28ª DP

1º Ag

8º Ag

1958 1º Ag

2º Ag

2º Ag

1959 1º Ag

1961

1970

1971

22º BP 22º BPM

3º Ag

20º BP 31º BPM

1º Ag

5º Ag

23º BP 26º BPM

3º Ag

1º Ag

3º Ag

20º BP 11º BPM

4º Ag

3º Ag

1º Ag

5º Ag

23º BP 26º BPM

2º Ag

1º Ag

4º Ag

2º Ag

21º BP 22º BPM

1º Ag

20º BP 2º BPM

3º Ag

21º BP 19º BPM

1º Ag

20º BP 31º BPM

2º Ag

1º Ag

1968 7º Ag

2º Ag

1º Ag

1962

3º Ag

3º Ag

3º Ag

2º Ag

4º Ag

5º Ag

23º BP 26º BPM

8º Ag

3º Ag

3º Ag

3º Ag

3º Ag

3º Ag

21º BP 12º BPM

8º Ag

4º Ag

4º Ag

3º Ag

3º Ag

3º Ag

21º BP 21º BPM

1º Ag

4º Ag

3º Ag

21º BP 21º BPM

2º Ag

3º Ag

7º Ag

22º BP 2º BPM

DP N Senhora do O

2º Ag

20º BP 9º BPM

31ª DP

DP V. Carrão

1º Ag

20º BP 2º BPM

34ª DP

DP V. Sônia

2º Ag

21º BP 16º BPM

40ª DP

DP V. S. Maria

2º Ag

20º BP 9º BPM

2º Ag

3º Ag

3º Ag

177

DR

DP Especializada (choque)

DPSAL (Divisão de Policiamento e Segurança da 1ª DRP (Rádio Assembléia patrulha) Legislativa)

10º Ag 10º Ag 10º Ag. 2º Ag

1º Ag

29º BP 29º BPM

6ª Ag

3ª Ag

3ª Ag

6º Ag

6º Ag

6º Ag

5º Ag

8º Ag

26º BP 26º BPM

DSPPJ (Divisão de Policiamento e Segurança dos 2ª DRP (Rádio Palácios da patrulha) Justiça) 6ª Ag

3ª Ag

3ª Ag

6º Ag

6º Ag

6º Ag

5º Ag

8º Ag

26º BP 26º BPM

6º Ag

6º Ag

6º Ag

5º Ag

7º Ag

22º BP 12º BPM

3º DRP (Rádio Patrulha) 2ª DPEP 1ª DMTM (Divisão de Manutenção e 4ª DRP (Rádio Transporte patrulha) Motorizado)

6º Ag

9º Ag

BT (Batalhão de Transporte 27º BP )

5ª DRP (Rádio 2ª DG (Divisão de patrulha) Guarnição)

6º Ag

8º Ag

26º BP 26º BPM

6ª DRP (Rádio patrulha) 2ª DMTM

6º Ag

9º Ag

Extinto em 28º BP 71

1ª DT (Divisão de Trânsito) 1ª DT

4º Ag

4º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

4º Ag

24º BP 20º BPM

2ª DT

2ª DT

4º Ag

4º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

4º Ag

24º BP 20º BPM

3ª DT

3ª DT

4º Ag

4º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

4º Ag

24º BP 20º BPM

4ª DT

7ª DT

7º Ag

7º Ag

7º Ag

8º Ag

6º Ag

25º BP 28º BPM

178

1ª DDP (Divisão de Divertimentos Públicos) 1ª DDP

3º Ag

7ª Ag

2ª DDP (Divertimentos Públicos) 2ª DDP 1ª DPR (Policiamento em Repartições) 1ª DPR

3º Ag

7ª Ag

2ª DPR (Policiamento em Repartições) 2ª DPR

5º Ag

5º Ag

5º Ag

10º Ag 10º Ag 30º BP 30º BPM

5º Ag

5º Ag

5º Ag

10º Ag 10º Ag 30º BP 30º BPM

5º Ag

5º Ag

5º Ag

10º Ag 10º Ag 31º BP 31º BPM

5º Ag

5º Ag

5º Ag

10º Ag 10º Ag 31º BP 31º BPM

DSFF (Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária)

DPSSF (Divisão de Policiamento e Segurança da Secretaria da Fazenda)

10º Ag 11º Ag 11º Ag 9º Ag

8º Ag

26º BP 26º BPM

DSTM

Divisão de Serviço Motorizado de Trânsito

7º Ag

8º Ag

6º Ag

25º BP 28º BPM

DTM

DTM (Divisão de Transporte Motorizado)

11º Ag 11º Ag 11º Ag 9º Ag

9º Ag

28º BP 28º BPM

DPEP

3ª DPEP

7º Ag

7º Ag

22º BP 9º BPM

11º Ag 12º Ag 12º Ag 2º Ag

9º Ag

CMPM (Corpo Musical da CMPM PM)

11º Ag 12º Ag 12º Ag 9º Ag

9º Ag

29º BP 29º BPM

BM

BM (Banda de Musica)

DE (Divisão Escolar)

DE

4º Ag

3º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

7º Ag

8º Ag

179

DG

1ª DG

DPI (Divisão de Pessoal Intérprete) DPI DPS (Divisão de Policiamento de Santos) DPS

DRPS (Divisão de Radio Patrulha de Santos)

8º Ag

26º BP 26º BPM

5º Ag

5º Ag

5º Ag

10º Ag 10º Ag 30º BP 30º BPM

5º Ag

5º Ag

5º Ag

8º Ag

8º Ag

8º Ag

11º Ag 11º Ag 32º BP 32º BPM

DPDRS (Divisão de Policiamento de Divertimentos e Repartições de Santos) 5º Ag

5º Ag

5º Ag

8º Ag

8º Ag

8º Ag

11º Ag 11º Ag 32º BP 32º BPM

5º Ag

5º Ag

8º Ag

8º Ag

8º Ag

11º Ag 11º Ag 32º BP 32º BPM

DTS (Divisão de Trânsito de Santos) DTS

SPI DPCam (Campinas)

10º Ag 10º Ag 10º Ag. 2º Ag

5º Ag

Serviço de Policiamento em Interdições DPCampinas

1º Ag 6º Ag

6º Ag

9º Ag

9º Ag

9º Ag

31º BP 31º BPM

12º Ag 12º Ag 8º BP 8º BPM

DPRPr

DPRibeirão Preto

12º Ag 12º Ag 3º BP 3º BPM

DPSor

DPSorocaba

12º Ag 12º Ag 7º BP 7º BPM

SDBa

SDBauru (Subdivisão)

SDGu

SDGuarulhos

SDJu

SDJundiaí

SDMa SDMC

SDMarilia SDMogi das Cruzes

SDPi

SDPiracicaba

SDPP

SDPPrudente

SDSC

SDSCarlos

6º Ag

6º Ag

9º Ag

9º Ag

9º Ag

12º Ag 13º Ag 4º BP 4º BPM 13º Ag 2ª CI 12º Ag 13º Ag 5ª CI

6º Ag

6º Ag

9º Ag

9º Ag

9º Ag

2ª CI 8º BPM

12º Ag 13º Ag 37º BP 4º BPM 12º Ag 13º Ag 1ª CI

1ª CI

13º Ag 8º BP 8º BPM 6º Ag

6º Ag

9º Ag

9º Ag

9º Ag

12º Ag 13º Ag 18º BP 17º BPM 13º Ag 8º BP 13º BPM

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