A POLÍTICA CULTURAL DOS PONTOS DE CULTURA: AS AMBIGUIDADES DA CIDADANIA CULTURAL

June 23, 2017 | Autor: Bárbara Duarte | Categoria: Sociología de la Cultura, Sociologia Política, Políticas Culturais
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XXVIII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAS 6 A 11 DE SETEMBRO DE 2011, UFPE, Recife – PE

Grupo de Trabalho:

PRODUÇÃO, CONSUMOS CULTURAIS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A POLÍTICA CULTURAL DOS PONTOS DE CULTURA: AS AMBIGUIDADES DA CIDADANIA CULTURAL

Autora: Bárbara M. Duarte T. Lira da Silva, UFPE

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RESUMO:

Este trabalho objetiva compreender a relação entre a política cultural dos Pontos de cultura e a sua suposta contribuição para a cidadania cultural no Brasil. Os Pontos de cultura fizeram parte de uma política cultural do Ministério da cultura iniciada na gestão do Governo Lula (2002-2008), que teve como principal objetivo o investimento financeiro para a ampliação das expressões culturais produzidas pelas classes subalternas. A proposta foi a realização de uma cidadania através da cultura. Baseada numa visão neo-Gramsciana, pretendo analisar até que ponto essa proposta ao invés de contribuir para a autonomia dos movimentos culturais, pode envolver um tipo de incorporação dependente. No capitalismo tardio, a cultura se torna central para o mercado, desse modo, é preciso analisar se o discurso sobre cidadania cultural pode se configurar como uma tática para a reprodução do sistema. Palavras-chaves: Pontos de cultura – cidadania cultural – Política cultural;

ABSTRACT:

The objective of this work is to understand the relationship between the cultural policy of “Culture Points” and its alleged contribution to cultural citizenship in Brazil . Culture Points is part of the cultural policy of the Brazilian Ministry of Culture started under the first Lula administration (2002-2008) whose principal objective was to promote cultural expressions among the subaltern classes through financial investment. Based upon a neo-Gramscian viewpoint my aim is to evaluate to what extent this policy, instead of contributing to the autonomy of cultural movements, may involve a form of dependent incorporation. In late capitalism culture has become such an integral element of the market that it is necessary to assess to what extent discourse about cultural citizenship has become a tactic for the reproduction of the system. Key – words: Culture Points – cultural citizenship – cultural policy

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1. Introdução:

A política dos Pontos de Cultura é a ação prioritária do Programa “Cultura Viva”, e funciona como uma política de “inclusão cultural”, que se baseia no investimento financeiro do Estado em espaços culturais gerenciados por organizações representantes das classes populares. Atualmente existem cerca de 2.500 espaços culturais nesse formato, distribuídos em 1.122 cidades brasileiras. A escolha por investir em áreas culturais até então pormenorizadas pelo poder público e pelo mercado,

indica aparentemente um avanço e

contribuição da política cultural para o desenvolvimento da cidadania pela cultura. No caso específico dos Pontos de cultura, temos a construção de uma política estatal com objetivo de contribuir para a economia da cultura das classes subalternas. Nos anos 80 e início dos anos 90 no Brasil houve um movimento amplo em termos políticos, sociais e culturais para a construção de um projeto democratizante e participativo e um novo conceito de “cidadania”. Esse projeto teve como grande marco a Constituição cidadã de 1988, e contribuiu para o alargamento da democracia através da crescente participação da sociedade civil na esfera pública e nos processos de decisão. Esse processo de redemocratização contribuiu para o debate sobre o conceito de cidadania no país. (Marshall, 1967; Carvalho, 2001;). Nesse sentido, a partir da década de 1990

houve um crescimento

exponencial no Brasil das associações da sociedade civil. Nesse cenário de abertura democrática, as ONGs despontam, num primeiro momento como grupos de apoio aos movimentos sociais, e posteriormente como “entidades independentes” na articulação de políticas de financiamento e cooperação internacional. Em seguida, o Estado brasileiro implementa uma série de iniciativas visando descentralizar as políticas públicas, revalorizando as ONGs no papel de “executoras” dessas políticas (Medeiros, 2002) Desse modo, percebemos que ocorre uma diminuição do papel do Estado concomitante a uma estratégia de transferência de parte de suas demandas para a iniciativa privada, e para as ONGs, já que estas possuem as exigências necessárias para o trato estatal, eficiência e burocratização aliadas a participação social.

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Haja vista, a problemática em torno da aproximação entre Estado e sociedade civil, com destaque para o papel das ONGs, o nosso objetivo é analisar como se estabelecem as articulações entre governo e sociedade civil na construção das políticas culturais, a fim de saber se essa política pode ser configurada como democratizante, ou se a expansão da prática política e participativa dos grupos pode ter uma relação com o neo-corporativismo estatal, como um fenômeno de incorporação das oposições ao controle do Estado. Assim, compreendendo que vivemos num contexto mais complexo e diversificado, no qual as organizações de interesses se reforçam. Desse modo, pretendemos trazer os apontamentos gramscianos sobre “sociedade civil” para dialogar com as demais visões predominantes sobre o conceito, que buscam se afirmar no cenário atual (Nogueira, 2003). As considerações do autor sobre “hegemonia” e a cultura no capitalismo, também serão de grande importância para entender os processos de disputas políticas e culturais entre os grupos na sociedade. A nossa proposta é de que as discussões desse projeto congreguem as discussões da Sociologia política e da Sociologia da cultura, que na maoiria das vezes vem sendo discutidas de forma separada, aqui elas se intercalam, na análise da relação entre cidadania cultural e capitalismo, e da organização da sociedade civil no diálogo com o Estado. Dessa forma, concordamos com a noção de cultura contemporânea de Jameson (1997), que demonstra como na presente etapa do capitalismo existe um processo de incorporação da cultura, o que será de suma importância na discussão de políticas culturais. Dessa maneira, o objetivo desse projeto será questionar o conceito de “cidadania cultural” proposto pelo Minc, em razão das novas configurações societárias de avanço do capitalismo conferirem novos significados para as concepções de cultura e de sociedade civil, que podem funcionar inclusive como trincheiras ideológicas na defesa do capitalismo.

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2. A emergência da discussão sobre Políticas culturais

Poucos trabalhos na área de Sociologia vêm se debruçando sobre a temática das políticas culturais, apesar disso, encontramos referências sociológicas fundamentais que interessam a esse debate, como a associação entre cultura e poder, estabelecida a partir da reprodução dos conflitos e lutas sociais e disputas de hegemonia entre sociedade civil e Estado (COSTA,1997). Nos últimos anos a cultura tem sido uma ferramenta importante para o investimento público e privado. A grande distribuição de bens simbólicos no comércio mundial, como filmes, música, programas de televisão, entre outros, tem sido responsável por uma parcela considerável do crescimento econômico. De acordo com Yúdice, podemos dizer que “a cultura se tornou um pretexto para a melhoria sociopolítica e o crescimento econômico” (Yúdice, 2006, p. 26). Nesse sentido, uma preocupação constante que atravessa as agendas políticas dos países, é a cultura como estratégia de desenvolvimento nacional e internacional, que inclusive pode contribuir para a resolução de problemas sociais, como por exemplo,

a erradicação da pobreza. Além disso, a

celebração da diversidade cultural se alinha perfeitamente ao discuro democrático contemporâneo de plena realização dos direitos humanos, (UNESCO, 2005). Essa tendência tem contribuído para o aumento de ações e políticas públicas voltadas para o campo cultural. A relação entre Estado e políticas culturais no Brasil foi fortemente marcada pelo assistencialismo e o clientelismo pluralista, no atendimento a determinada clientela artística, ou no apoio de atividades com dificuldades de sobrevivência no mercado da “indústria cultural” (Machado, 1983). De acordo com Rubim (2007) a trajetória das políticas culturais no Brasil é marcada por: “ausência”,

“autoritarismo”

e

“instabilidade”,

até

mesmo

os

governos

democráticos, tendo históricos de atuações de centralização nessa área. O autor acredita que a gestão do Governo Lula- Gil representa um contraponto a essas “tristes tradições”, ocorrendo um novo papel ativo do Estado na conexão com a sociedade civil, a partir de uma ampliação do conceito de cultura, com vias a democratização cultural. Na gestão do Governo Lula-Gil existe outra concepção de política cultural, pautada na diversidade cultural e na valorização das classes

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populares. Historicamente, é importante considerar os avanços dessa política, em relação à tradição da política cultural brasileira. Mas, além disso, é preciso analisar até que ponto a concepção de “cidadania cultural” presente no discurso dos “Pontos de cultura” tem sido realizada na prática. Apesar de existirem uma série de grupos excluídos socialmente, inclusive em relação a sua prática cultural, o surgimento da política dos Pontos de cultura não ocorreu em virtude de pressão de grupos organizados da sociedade civil, mas como uma idealização da gestão do governo federal, que teve no seu grupo atores sociais que formaram alianças a partir do jogo democrático, representando interesses voltados para a inclusão das classes populares. Entretanto, a questão que se coloca é: Como se dá a atuação das redes de movimentos articulados nos campos culturais e políticos a partir dos Pontos de cultura? Uma posição é que pode ocorrer um tipo de penetração da sociedade civil e transformação da sociedade política, outro ponto de vista é que a participação dos grupos na relação com o Estado pode representar arranjos neocorporativos e pactos em que o Estado tem a opção de escolher se leva em conta as reivindicações ou não, sendo imprescindível examinar em profundidade as negociações dos grupos de interesses nas arenas decisórias. Dessa maneira, nossa proposta é pesquisar os Pontos de cultura da cidade do Recife e perceber como ocorrem às negociações entre os grupos, se estão baseadas na agenda estabelecida pelo Estado e na conformação dos movimentos a essa agenda, ou se são colocados em pauta pontos da agenda dos movimentos, de modo a incorporar na política às questões fundamentais de interesse dos grupos representados.

3. Apontamentos sobre o conceito de sociedade civil: De Gramsci aos dias de hoje

Uma das teorias que iluminam o nosso percurso é o desenvolvimento da teoria marxista a partir de Gramsci. O autor é responsável por um refinamento do pensamento marxista, revelando como uma sociedade em desenvolvimento pode ser caracterizada por uma mistura de ideologia e grupos sociais diferentes. Nesse sentido, partimos da compreensão de que a estrutura da sociedade é fortemente determinada por idéias e valores, levando em conta

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que a luta de classes também pode acontecer na arena cultural (Coutinho, 2007). O conceito que aprimora essa relação no campo cultural é o

seu

conceito de “hegemonia”. Para o autor, esse conceito foi adotado com uma idéia interior de consenso, se referindo à relação entre burguesia e o proletariado na Europa Ocidental. Assim, existe uma ambigüidade no uso do termo “hegemonia” no próprio pensamento Gramsciano (Anderson, 2002). Podemos considerar o Brasil como uma sociedade no sentido gramsciano de uma formação social de tipo “ocidental” 1. Para Gramsci, por guardar essa formação heterogênea, as sociedades de formação ocidentais, devem estabelecer estratégias para emancipação social das classes subalternas no âmbito superestrutural da sociedade civil, visando à conquista de espaços e posições para o acesso ao poder do Estado, e sua posterior conservação (Coutinho, 2003). A teoria ampliada do Estado gramsciana, permite o entendimento de que o Estado existe enquanto força resultante dos interesses antagônicos das classes na sociedade. Na concepção do autor, que dá primazia a sociedade civil sob a sociedade política, o Estado não é apenas sociedade política, mas também sociedade civil é por isso que algumas vezes fala de “consenso” e outras de “coerção” (Anderson, 2002). Nas democracias modernas, existe uma relação mais equilibrada entre sociedade civil e sociedade política, a “guerra de posição” sendo a estratégia de luta pela conquista da “hegemonia”, da direção política ou do consenso. A relação prevista pelo pensamento Gramsciano está baseada numa dialética entre Estado e sociedade civil, o que é imprescindível para compreendermos que é no âmbito democrático que se coloca a teoria do Estado ampliado. Desse modo, entendemos que é a partir do avanço da democracia e de uma participação cada vez maior das classes populares nas instâncias estatais, que podem ocorrer rupturas na agenda do Estado, e uma incorporação das reivindicações das classes e grupos populares. No entanto, a crença na dissolução das classes é substituída aos poucos pelo progressivo envolvimento de atores sociais na tentativa de realizar rupturas parciais. 1

Essa categorização é feita por Coutinho (1999) e Nogueira (2003); Apesar disso, Fernandes (1975) explica como houve uma formação social capitalista não-clássica no Brasil, que interpreta que a sociedade brasileira ainda guarda características de certa orientalidade, no modelo Gramsciano.

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Essa abertura é proporcionada porque no modo de produção capitalista a esfera política tem um destaque separado, depois reaparecendo como uma encarnação do universal. Esse ocultamento da esfera econômica, e da reprodução das relações materiais que se dão no capitalismo tem como objetivo mascarar através da igualdade política a continuidade do processo de desigualdade econômica (Chauí, 2005). É nesse sentido que precisamos nos questionar sobre a efetividade da experiência democrática através da construção de políticas culturais, já que, sob a lógica de expansão do capitalismo, ocorre uma tentativa de instrumentalização dos processos democráticos. Uma das preocupações constantes no pensamento gramsciano foram as complexas relações entre Estado e sociedade civil. Segundo Norberto Bobbio (1994), diferentemente do pensamento de Marx, para Gramsci a sociedade civil pertence a um momento da superestrutura. É importante destacar que o ambiente italiano de sua época, onde existia um movimento articulado da sociedade civil, através de vários segmentos como: sindicatos, escolas, igreja, imprensa, entre outros e a diversificação da sociedade italiana em geral, principalmente em graus de desenvolvimento econômico, possibilitou uma visão mais nuançada no que se refere às possibilidades de empreitadas revolucionárias (GRAMSCI, 1987). Para o autor

ao mesmo tempo que esse conceito guarda certa

complexidade necessária para entender a realidade contemporânea, também funciona como um projeto político abrangente de transformação da realidade. A sociedade civil gramsciana seria um campo que condensa os esforços societais para organizar os interesses de classe, que são a todo momento divididos pela dinâmica do capitalismo. Seria um espaço dedicado a articulação e unificação dos interesses, através de um processo de polítização das consciências, em que os vários grupos se agregariam pela disputa do poder e da dominação. Uma arena de luta e de contestação na qual as vontades coletivas são expressas. Entretanto, a grande novidade gramsciana foi compreender que não existe uma oposição dicotômica entre Estado e Sociedade civil, já que a última é uma figura do Estado e se articula dialeticamente com ele.

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A sua contribuição sobre a lógica de organização da sociedade civil e do Estado, entendeu que sociedade civil e sociedade política são ao mesmo tempo relacionadas e separadas. A ênfase do autor recai mais sobre a sociedade civil (consenso) do que sobre a sociedade política (coerção), entendendo que o Estado não é apenas sociedade política, mas também sociedade civil (Anderson, 2002). Entretanto,

o

termo

sociedade

civil

atualmente

guarda

várias

ambiguidades, por diferentes leituras na Sociologia política, desde posturas da nova esquerda, até os centros liberais. Assim, de acordo com Wood (2003, p. 208): “O conceito de sociedade civil, está sendo mobilizado para servir a tantos e tão variados fins que é impossível isolar uma única escola de pensamento ligada a ele; mas surgiram alguns temas comuns. “Sociedade civil” é geralmente usado para identificar uma arena de liberdade (pelo menos potencial) fora do Estado, um espaço de autonomia, de associação voluntária e de pluralidade e mesmo de conflito, garantido pelo tipo de “democracia formal” que se desenvolveu no Ocidente”. Muitos estudos acadêmicos no Brasil têm se debruçado sobre o estudo de uma sociedade civil autônoma com práticas sociais próprias, nos espaços democráticos e participativos. Assim, para Leonardo Avritizer (1994), vêm existindo a consolidação de uma nova esfera pública que é diferente do Estado, e que é um local onde as relações são reguladas pelos próprios indivíduos, que podem controlar o exercício do poder. Essa concepção liberal de sociedade civil ganhou plausibilidade com a expansão do dito “terceiro setor” pós -1989 (Keane, 1998). Entretanto, Alvarez, Dagnino e Escobar (1998) alertam que é preciso evitar a idealização da sociedade civil, pois ela pode ser um campo em que se estabelecem relações políticas e sociais desiguais, já que a mesma tende a ser fragmentada e heterogênea. Essa distinção conceitual, entre os termos sociedade civil e Estado, segundo a visão marxista, nasceu em função do contexto da Europa Ocidental em que as associações da sociedade civil tiveram uma “autonomia relativa” do Estado capitalista, embora não totalmente desvinculada (Wood, 2003).

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No caso do Estado brasileiro, presenciamos medidas de redistribuição das atividades estatais através da participação das organizações da sociedade civil, para a construção das políticas públicas em várias áreas e também na cultura. Isso acontece com o processo de abertura democrática e com as novas configurações de diálogos entre sociedade civil e Estado. “Nesse movimento, a sociedade civil incorporou-se ao léxico contemporâneo antes de tudo como sinônimo de algo hostil ao Estado e à política, particularmente em sua dimensão institucionalizada. Mas também houve uma incorporação de sinal oposto. É que a linguagem do planejamento e da gestão passou a valorizar fortemente a idéia de participação, levando a uma verdadeira redefinição conceitual. Com isso, o conceito de sociedade civil sofreu uma transfiguração: deslocou-se de seu campo principal (o da organização de novas hegemonias) e se converteu num espaço de cooperação, gerenciamento da crise e implementação de políticas”. (NOGUEIRA, 2003, p. 218) Assim, considerando as transformações contemporâneas em relação ao conceito de sociedade civil, acreditamos que as reflexões de Gramsci sejam de extrema importância para problematizar a idéia de autonomia da sociedade civil no Brasil, compreendendo que a história do país é marcada por processos de centralização política e administrativa e tutela do Estado. Assim, é preciso compreender

que

a

autonomização

organizacional

não

significa

necessariamente que a sociedade civil não possa ser também regulada pelo Estado. Dessa maneira, será importante para esse projeto compreender até que ponto os Pontos de cultura podem funcionar como uma política democrática e cidadã, ou, se ao contrário, as ONGs e demais órgãos populares que representam os Pontos de Cultura podem reproduzir um tipo de incorporação dependente na relação com o Estado.

4. Neo-corporativismo e políticas culturais: O caso dos Pontos de cultura

O conceito do neo-corporativismo tem se tornado relevante atualmente como uma proposta que pretende interpretar as complexas articulações entre a

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intervenção estatal e a organização social na contemporaneidade. Um avanço que esse conceito estabelece em relação ao corporativismo, é que esse último sempre esteve mais ligado as questões econômicas, e infra-estruturais, numa atualização do debate contemporâneo, o neocorporativismo acrescenta aos processos econômicos, também as questões ligadas à cultura. Esse conceito é empregado para estudar a emergência de novos padrões de articulação entre as instâncias organizativas da sociedade e o Estado, e como ocorre um processo de integração dessas instâncias a um processo de unificação de diversas trajetórias tendenciais. O processo de desenvolvimento da democracia contribuiu para a participação de diversos setores da sociedade civil na construção de políticas e nas reivindicações de demandas com o Estado, no entanto, a idéia do neocorporativismo é justamente realizar um controle sobre essa interação entre esses grupos através de “ajustes mútuos” e processos de “barganhas” que ampliam a ação governativa, a participação e a capacidade de controle dos diferentes agentes privados,

produzindo acordos legítimos na relação

estabelecida entre os grupos (Costa, 1989). Dessa maneira, são estabelecidos um conjunto de pactos sociais, que eximem o Estado de certas obrigações, conferindo responsabilidades aos atores sociais ou organizações, que dialogam nesse processo e concordam em assumir as responsabilidades políticas. De acordo com Vanda Maria Ribeiro Costa (1989, p. 39) “Maior que o interesse em formular políticas é o interesse em implementá-las como garantia de eficácia. Interesse maior ainda é diminuir os riscos de perda de legitimidade. Delegando autoridade a grupos de interesse relativamente fortes e autônomos, integrando-os ao sistema de poder, o Estado ganha em eficiência e reforça sua legitimidade. A partilha de autoridade, como já dizia Shumpeter, espalha a legitimidade por sobre a ação de governo dos agentes privados, reforçamdo a legitimidade por sobre a ação de governo dos agentes públicos. A operação é dividir para multiplicar”. Entendemos que

as articulações entre sociedade civil e Estado são

permeadas por interesses políticos, econômicos e de classe, e que o papel das relações neocorporativas é intermediar tais interesses. Nesse sentido, acreditamos que o conceito de neocorporativismo se relaciona profundamente

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com a concepção gramsciana de sociedade civil,

que compreende esse

espaço como intrinsecamente relacionado com o Estado, e também como um eixo constitutivo da hegemonia. Para tanto, o objetivo é relacionar esses conceitos com o desenvolvimento da Política cultural dos Pontos de cultura na cidade do Recife, percebendo como se dá o processo de construção das políticas entre Estado e socidade civil.

5. A política cultural dos Pontos de cultura

A política cultural dos Pontos de Cultura do Minc foi criada em 2005 e teve como objetivo a inclusão social e cultural “dos mais pobres e fragilizados a esfera pública”. Duas características guiaram a atuação dos Pontos, a primeira é uma ação corretiva através de políticas compensatórias que beneficiassem a diversidade de propostas culturais existentes nos setores marginalizados da sociedade, o programa do governo se refere aos Pontos de Cultura como “amplificadores das expressões culturais de suas comunidades” 2. A segunda característica é uma atualização global do debate políticocultural que valoriza a cultura como um campo potencial em desenvolvimento, orientando a valorização de setores estratégicos que estão fora do mercado do consumo, como por exemplo, os produtores e realizadores culturais das classes populares. Os Pontos de Cultura se iniciam com um incentivo financeiro realizado através de edital público, para organizações existentes há no mínimo dois anos. Podem concorrer ao processo ONGs, Associações, Cooperativas, OSCIP´s e demais instituições sem fim lucrativos, desde que estejam inscritas no cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ) por peo menos 2 (dois) anos. Após a aprovação dos projetos as entidades recebem R$185 (cento e oitenta e cinco) mil reais divididos em dois anos, 50 (cinqüenta) bolsas de 150 (cento e cinqüenta) reais para jovens das respectivas comunidades desenvolverem os projetos dos Pontos. É obrigatório aos Pontos de Cultura a aquisição de equipamentos multimídia em software livre para o desenvolvimento das suas atividades. 2

Citação retirada da Cartilha do Programa Cultura viva que pode ser encontrado no sítio: www.cultura.gov.br

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É verdade que a abertura de edital público garantiu uma maior participação de uma pluralidade de grupos da sociedade civil. No entanto, frente à profissionalização do „terceiro setor‟ é necessário se questionar sobre quem

são,

na

prática,

os

atores

dessa

construção,

percebendo

a

heterogeneidade das relações internas nos próprios grupos, e suas ações de afirmação e disputa de poder, ou mesmo adequação a interesses da política estabelecida. Considerando que a política cultural se propõe a atingir segmentos da sociedade com pouco ou nenhum investimento público, é perceptível uma preocupação com a pluralidade e a participação de segmentos sociais e culturais pormenorizados pelas políticas de cultura. Nesse sentido, ocorre um avanço para uma política democrática, no entanto, é necessário avaliar como ocorrem as participações e quais os impactos dessas para a construção e reformulação da política como um todo. Desse modo, nosso objetivo é entender como acontece a disputa de poder entre sociedade civil e Estado na construção das políticas de cultura, já que como afirma Dagnino (2004, p. 101) é realizada uma “confluência perversa” entre um projeto democratizante e participativo e a lógica neoliberal. Para a autora, a concepção neoliberal opera uma transformação no entendimento das noções de: democracia, sociedade civil, participação e cidadania. Essas noções têm recebido uma reconfiguração de sentidos que obscurecem as conquistas e disputas realizadas pelos movimentos sociais para a construção da chamada “nova cidadania”, presentes na década de oitenta e início dos anos 90. Entre elas, a reconfiguração que mais se destaca se refere a sociedade civil. Todavia, o que podemos notar é que esses deslocamentos de sentidos revelam uma disputa política e de classe, que contribuem para uma inflexão dos movimentos sociais. Os grupos passam a atuar agora por dentro das esferas estatais através da disputa de “hegemonia”, dialogando e exprimindo suas contradições sociopolíticas. No caso da construção de políticas culturais através dos Pontos de Cultura, existe um diálogo entre sociedade civil (órgãos populares) e Estado na tentativa de construção de um projeto democratizante, pautado na participação e na “cidadania cultural”.

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O conceito de cidadania cultural ainda é de recente discussão e carrega uma série de ambiguidades. Um dos usos mais conhecidos desse conceito é feito por Marilena Chauí (2006, p. 67), que se refere a política de cidadania cultural como uma recusa a outras três concepções de política cultura, a saber, “a da cultura oficial produzida pelo Estado, a populista e neoliberal. A experiência da autora a frente da Secretaria municipal de cultura de São Paulo, deu suporte para o exercício do entendimento dos indivíduos como cidadãos portadores de direitos, em contraponto a visão do mercado de cidadãos como consumidores culturais. De acordo com Yúdice (2006), a cidadania cultural deve levar em conta os diferentes campos de força, já que os direitos culturais ao mesmo tempo que se referem as coletividades, também devem representar os membros individuais dessas coletividades. Dessa maneira, o principal postulado da cidadania cultural seria promover a participação de certos grupos culturais excluídos nas esferas públicas da política. Entretanto, o conceito se coloca entre várias ambiguidades, quando a proposta de “cidadania cultural” está ligada a promover o acesso a cultura e a participação de diversos grupos, sem analisar de que forma essa participação se liga com as formulações da política como um todo. É preciso refletir sobre como a cultura vem sendo chamada para resolver problemas que antes faziam parte do domínio da economia e da política. Para Yúdice (2006, p.42): “Nos nossos tempos, representações e reivindicações de diferença cultural são convenientes na condição de que elas multipliquem as mercadorias e confiram direitos à comunidade”. Assim, a partir da análise dos fundamentos teóricos que norteiam as políticas culturais de Pontos de Cultura, observamos que existiu um grande avanço para a construção de uma política democrática através de instâncias de valorização

da

participação

popular,

como

conselhos,

conferências,

orçamentos democráticos, entre outros. Houve também uma preocupação em relação à cidadania para além do acesso aos bens culturais. Entretanto, a redefinição dos conceitos de cidadania, democracia e sociedade civil sob a expansão do capitalismo, colabora para que ocorram outros tipos de articulações entre Estado e as organizações representantes dos Pontos de

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cultura, que podem contribuir para a “conveniência da cultura” e a sua transformação em recurso, como nos aponta Yúdice (2006). Dessa forma, uma análise mais aprofundada a cerca de como se estabelecem as relações entre organizações representantes dos Pontos de cultura da cidade do Recife e o Estado, apontará quais os resultados dessas associações para o desenvolvimento dos movimentos e da produção cultural dos diversos grupos.

5. Metodologia

Para maiores desenvolvimento desse trabalho, que está em fase de andamento,

acreditamos

ser

importante

descrever

de

que

maneira

pretendemos fazer uso dos procedimentos metodológicos nessa pesquisa. A política cultural dos Pontos de cultura procurou investir, principalmente, em iniciativas culturais já existentes de grupos da sociedade civil organizada. Dessa maneira, acreditamos que as contribuições de Scherer-Warren (1996) sobre “redes de movimentos sociais” e de Melucci (1994) sobre movimento social como “ação coletiva” em que nos fenômenos mais recentes, incluem as organizações „formais‟ e „informais‟, são essenciais suportes metodológicos para esse projeto. Sendo assim, os principais interlocutores da pesquisa proposta serão os representantes de ONGs, Associações, e demais órgãos da sociedade civil organizada que tiveram projetos aprovados como Pontos de cultura na cidade do Recife. A cidade do Recife foi escolhida como campo de pesquisa por concentrar a maior quantidade de Pontos de cultura entre as capitais do Nordeste, um total de 44 (quarenta e quatro) Pontos. Pretendemos fazer uso da metodologia de análise das redes sociais (social network analisys), pois acreditamos que a noção de rede mesmo com suas ambiguidades, pode nos ajudar a analisar a complexidade atual, das variadas articulações da sociedade civil na disputa de poder e participação pela ampliação da cidadania. A descentralização estratégica através das “redes” pode facilitar alguns aspectos institucionais de participação da sociedade civil (Granovetter, 1981). A própria idéia de fundação dos “Pontos” de cultura sugere uma articulação entre várias organizações constituídas numa rede, que seriam fortalecidas pela

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politica cultural. Resta saber se realmente existem as redes, e se os pontos de cultura fazem uma ligação com elas, fortelecendo assim a sociedade civil. Segundo Marques (2003) existem poucos estudos sociológicos sobre redes sociais e políticas públicas no Brasil. Nesse sentido, o estudo proposto pretende contribuir para suprir lacunas teóricas e metodológicas sobre o assunto. De acordo com WELLMAN (1983, p.156): “Network analysis se origina a partir de uma idéia simples, mas poderosa: que a tarefa principal dos sociólogos é estudar estrutura social. Embora a ênfase na estrutura social pareça óbvia, é importante mostrar o que realmente significa. Ela desconsidera a análise sobre porque as pessoas agem e enfatiza os condicionantes estruturais de suas ações (...) Os analistas das redes concentram-se na estrutura, estudando como os padrões dos laços estabelecidos em uma rede provêem oportunidades e limitações porque influem no acesso das pessoas e instituições a recursos como informações, riqueza e poder. As análises de redes, portanto, tratam sistemas sociais enquanto redes de relações de dependência resultantes de acessos diferenciais a recursos escassos". Desse modo, existiria uma relação forte entre o padrão da rede social existente e os resultado de ações positivas entre as organizações e os seus representantes. Assim, é necessário problematizar como a estruturação dos Pontos de cultura em redes, se relaciona com o fortalecimento da cidadania e da participação. Pretendemos então fazer uma comparação entre a natureza das instituições que são Pontos de cultura (ONGs, Associações, etc) e o nível de participação das comunidades ou público-alvo atendidos, para compreender qual o tipo de envolvimento e participação, para assim encontrar ou não os elementos democráticos da política cultural.

6. Considerações finais

Este trabalho é parte de uma pesquisa que ainda está sendo desenvolvida, por isso,

ao invés de tecer considerações fechadas, esse

espaço têm um caráter mais de discutir a pertinência da discussão e do tema. Foi buscado nesse trabalho trazer a relevância da discussão sobre Políticas

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culturais na atualidade, a partir da centralidade que a cultura vêm ocupado na era contemporânea. Em virtude disso, foi crescente a ampliação de políticas estatais voltadas para o desenvolvimento da cultura. No Brasil, temos uma mudança no papel dessas políticas, que agora atingem setores antes marginalizados pelas politicas de cultura. A política dos Pontos de cultura se destaca como maior incentivo financeiro e cultural dado as classes populares na história das políticas culturais brasileiras. No entanto, relacionando essa discussão com a Sociologia política, percebemos que as formas de disputa entre os grupos na sociedade também vem se transformando. O diálogo entre o Estado e os grupos da sociedade civil, ocorre muito mais a partir de acordos consensuais, do que propriamente por oposições frontais. Isso fez com que aumentasse a participação de vários segmentos da sociedade principalmente nas instâncias ligadas as políticas públicas. O principal problema desse projeto foi compreender, até que ponto, nessa nova dinâmica, a sociedade civil consegue expor suas demandas na relação com o Estado, ou se prevalece o neocorporativismo estatal na neutralização das ações dos grupos de oposição. Isso poderá ser observado através da articulação dos Pontos de cultura com o Estado na construção das Políticas culturais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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