A POLÍTICA DE DEFESA DO GOVERNO LULA. Publicado em: \"O Brasil e os Novos Conflitos Internacionais\". Clóvis Brigagão e Domício Proença Jr. (orgs.), Editora Gramma, 2006.

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A POLÍTICA DE DEFESA DO GOVERNO LULA Felipe Kern Moreira1 SUBSÍDIOS PARA O ENCONTRO ANÁLISE DE CONJUNTURA INTERNACIONAL COOPERAÇÃO CEAS/UCAM, GEE-COOPE/UFRJ, PUC-MG, PUC-SP E UNB BRASÍLIA, UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB, 09 DE DEZEMBRO DE 2003.

1. Considerações Preliminares A análise de conjuntura acerca de políticas públicas é um assunto que requer a consideração de diversos fatores tanto da esfera pública como da privada, de vetores de influência nacional e internacional, bem como da atualidade do processo decisório e da construção institucional herdada do período anterior. Considera-se também que é um ato do poder executivo que requer uma agenda pragmática onde constem objetivos definidos para a ulterior consecução por parte de outros atores da esfera governamental. Em uma abordagem mais ampla, diversos setores da sociedade corroboram para a definição de uma agenda nacional que constantemente deve estar atenta e flexível para absorver as contingências da esfera internacional. Logo, há que se diferenciar política de defesa do governo e política de defesa no governo Luis Inácio Lula da Silva; constituindo ambas em sua complementariedade intrínseca o objeto da presente análise. Oportuno para o entendimento da presente análise é apresentar um conceito instrumental para política de defesa, o que pode ser entendido como o conjunto de ações governamentais visando garantir a segurança de um Estado, dizendo respeito tanto a fatores internos quanto externos. Neste sentido, além do caráter estático da delimitação documental, institucional e orçamentária, é um conceito que abarca fatores dinâmicos. Especifica-se que a política de defesa diz respeito a fatores internos e externos pela própria impossibilidade hodierna de dissociar-se as duas esferas, entendimento este básico para o entendimento do Estado e da realidade internacional; não confundindo-se contudo com política de segurança pública nos termos do art. 144 da Constituição Federal. Dessarte, distingue-se a defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais que são atribuições das forças armadas da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, esta exercida pelas estruturas policiais. Neste sentido, exercer uma análise de conjuntura da Política de Defesa de quaisquer países é um exercício que deve levar em consideração uma diversidade de fatores por vezes interdependentes, como a herança institucional, tendências partidárias, construção histórica, panorama internacional, processo decisório, inteligência, discussão parlamentar, orçamento, indústria nacional bélica, legislação atinente, etc. Portanto, a metodologia a ser utilizada difere da normalmente aplicada por acadêmicos numa acepção clássica: ao mesmo tempo em que dispensa maiores considerações teóricas, atenta para a mácula de se proceder futurismos ou mesmo opiniões infundadas.

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MESTRANDO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS – UNB; ASSESSOR SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO; FORMADO PELA NATIONAL DEFENSE UNIVERSITY NO CURSO DEFENSE PLANNING AND RESOURCE MANAGEMENT – 2003 E COORDENADOR DO GRUPO DE ESTUDOS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – GESI/UNB. JURÍDICO DA

Ainda, para uma análise da Política Externa do Governo Lula, afiguram como fatores importantes no presente momento o fato de ser um exercício de governabilidade que se desenvolveu durante um ano somente, onde a influência ou a continuidade de políticas de um governo anterior incide de maneira mais efetiva e, o orçamento previsto foi fruto de decisões de uma base governista diversa da atual. Assinale-se que a presente análise, se de um lado procura considerar fatores decisivos do objeto de estudo, em certo sentido aponta para tendências, furtando-se contudo da pretensão de uma previsão inequívoca do exercício político governamental futuro. 2. Herança Institucional A herança institucional afigura como uma análise propedêutica e necessária para o entendimento da atual conjuntura de política de defesa nacional, em certo sentido até mais que na política interna de outros países, visto que a criação de um Ministério da Defesa e a feitura de um documento acerca da Política de Defesa Nacional são realizações que determinam o trabalho do atual governo. Neste sentido, a criação de um Ministério da Defesa foi um compromisso de campanha do então exministro das Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso (1994) mas que veio a materializar-se somente no segundo mandato. Nesta época, apenas 23 países – menos de 15 % dos membros da ONU – não contavam com uma estrutura única, integrada de seus recursos militares. As consequências políticas da criação de um Ministério da Defesa são decisivas para o processo decisório e se de um lado não podemos ainda admitir que exista uma esfera decisória de percepção de ameaça, formulação estratégica e delimitação de uma política pragmática de defesa, por outro, admite-se que institucionalmente, a criação de uma instância decisória e executiva unificada reúne melhores condições para atingir – se estes objetivos dentro de uma institucionalidade democrática. Do mesmo modo, a feitura de uma Política de Defesa Nacional apresenta, em certo sentido, uma ruptura com o pensamento predominante até então, de influência majoritariamente castrense e particularmente esguiano, onde o foco geopolítico e doutrinário ofuscava fatores relevantes da política internacional bem como da atualidade do pensamento estratégico e tático. A heterogeneidade de idéias na formulação de uma Política Nacional de Defesa – considerando a imprescindibilidade da excelência e tecnicidade de seus formuladores - é fator fundamental para uma política pública razoável, democraticamente motivada, proporcional à realidade nacional e internacional e, principalmente, eficiente. O exercício governamental ao longo dos dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, no que diz respeito à política de defesa, apresenta uma série de fatores históricos e institucionais que necessitam ser mencionados para o entendimento correto deste estudo. O processo de instalação de um Ministério da Defesa, em 1o de janeiro de 1999 e correlatamente a nomeação de um então Ministro Extraordinário da Defesa refletem o grau de envolvimento da sociedade brasileira e o controle difuso por ela exercido neste assunto. Neste sentido, as reformas institucionais no âmbito do governo brasileiro em termos de assuntos militares e de defesa apresentam um descompasso não recente em relação ao desenvolvimento internacional dos temas. A título de exemplo, após a Primeira Guerra Mundial a comunidade decisória de defesa brasileira, majoritariamente militar, constatatou um atraso da institucionalidade brasileira em comparação com outras potências militares. A percepção de um descompasso é recorrente no final da Segunda Guerra Mundial, considerando a criação pela Constituição de 1946 do Estado – Maior das Forças Armadas (EMFA). Interessante apontar que esta estrutura perdurou por mais de meio século, sem que houvesse uma moção suficiente para revisões do modelo constitucional estabelecido. Além de o EMFA afigurar como uma estrutura que não exercia suas atribuições deontológicas, restringindo-se a uma assessoria das três forças singulares, é interessante

que no período compreendido entre a abertura democrática e a criação do Ministério da Defesa não há registro significativo de críticas ao padrão institucional ineficiente criado em 1946, mesmo pela imprensa adversária dos militares. Isto reflete a falta de preparo e intimidade da elite brasileira com os temas estratégicos e de defesa e que motivou a declaração do Ministro Quintão que faltava à sociedade brasileira uma cultura de defesa. Contudo, é necessário referir que uma ala centro esquerda do Congresso em 1960 bem como, sete anos depois, o general Castelo Branco, primeiro presidente do Regime Militar, acenaram para mudanças institucionais, moções estas que acabaram arrefecidas e inócuas. A reforma do sociólogo Fernando Henrique Cardoso encontrou algumas dificuldades como o coorporativismo militar, a autonomia das três forças, o embate orçamentário da repartição de recursos e o enfraquecimento da indústria bélica brasileira, esta última principalmente após os problemas financeiros e a desmitificação de um alegado êxito do setor, evidenciados durante a década de oitenta que colocou esta comunidade fora dos quadros civis do Ministério da Defesa. Por outro lado, o trabalho intitulado “Política de Defesa Nacional” entregue à FHC em novembro de 1996 que se trata de uma política declaratória não minudente, apesar da tentativa de rompimento de padrões conceituais, foi criticado pela academia no que tange à falta de coerência e superficialidade. 3. A proposta do Partido dos Trabalhadores: Após a análise da herança institucional, resta necessário o entendimento da proposta do Partido dos Trabalhadores e o ambiente político das eleições do segundo semestre de 2002. Neste sentido, há um entendimento macro dos partidos de esquerda no mundo em relação ao panorama internacional que é fundamental para a análise dos vetores da proposta partidária do Partido dos Trabalhadores. Primeiramente, ressalte-se a tendência de, a partir de uma mundo globalizado e interdependente, as vertentes políticas de esquerda tenderem a acentuar a soberania nacional em seus planos de governo em detrimento de uma abertura à influência externa, sem pretender com a assertiva generalizar os diferentes matizes das propostas do partido comunista, socialista, os sóciodemocrata, etc. À guiza de exemplo, a discussão de âmbito nacional estabelecida pelo Secretariado do Partido Comunista Português em em agosto do presente ano acerca de Defesa Nacional e Forças Armadas resta digna de menção (in verbis): “O condenável apoio do Governo à guerra de ocupação do Iraque; a obsessão no envio de membros da GNR, com espetáculos televisivos para fazer passar a idéia de que tudo está bem, quando não está, desde logo o uso de membros de uma força de segurança numa missão tipicamente militar e depois pelas peripécias pouco dignificantes do aluguel dos blindados de infantaria de Berlusconi; as opções do governo em matéria de reequipamento, tudo isto insere-se numa lógica de condenável submissão ao poderoso complexo militar-industrial norte-americano, em confronto aberto com os interesses nacionais (grifo nosso)”.(http://www.pcp.pt/actol/temas/defesa). Há que se acentuar tão somente uma maior preocupação dos partidos de esquerda com os temas de defesa. Percebe-se, desta forma, uma tendência à contraposição política que pode ser claramente deflagrada na proposta do governo Lula à sociedade brasileira: “Da mesma forma, o estabelecimento de segurança e paz para a cidadania, da plena defesa da integridade territorial e de uma orientação externa que permita a presença soberana do País no mundo (grifo nosso) são condições necessárias para a construção de um Brasil decente”.(http://www.lula.org.br/obrasil/programa_int.asp?cod=36). Não pode ser dissociado deste raciocínio o comprometimento de políticos como Aldo Rebello (PC do B) e José Genoíno (PT) tanto no interesse quanto no incentivo à discussão de temas relacionados à defesa nacional. Muito embora, o que chama à atenção é o fenômeno não adstrito ao Brasil de a discussão acerca de política de defesa e soberania territorial ser mais presente na agenda de comunidades decisórias de partidos de base mais esquerdista, importa é em quanto esta tendência incidirá no presente governo.

Em termos de referência às forças armadas a proposta governamental do Partido dos Trabalhadores é mais preciosista e reflete também um momento específico da disputa presidencial que merece ser referido: “Nos últimos 20 anos, as Forças Armadas (FFAA) têm procurado estabelecer uma nova identidade. O declínio das doutrinas de segurança nacional anteriores não foi capaz de nos legar uma concepção moderna sobre o papel que as FFAA devem desempenhar em um Brasil democrático e em um mundo em que se multiplicam as ameaças à paz e à soberania das nações. As Forças Armadas brasileiras resistem às pressões nacionais e internacionais para que venham a desempenhar papel de polícia. As FFAA encontram-se, porém, com poucos recursos, não sendo capazes de oferecer a seus contingentes a formação e os meios compatíveis com as exigências da defesa nacional. É imperativo que o novo governo proponha ao Congresso Nacional um debate sobre o papel das FFAA no próximo período. A partir daí será possível definir, com clareza, uma orientação para o reequipamento material das Forças Armadas, coerente com o redesenho da política de defesa nacional. O governo Lula reforçará, modernizará e prestigiará as FFAA do País. A introdução permanente de novas tecnologias para a plena defesa do território nacional, do mar territorial e do espaço aéreo constitui um vetor fundamental para a soberania nacional. Desde já fica claro, porém, que as FFAA cumprirão sua missão constitucional, especialmente aquelas relacionadas com a defesa das fronteiras e a proteção de regiões ameaçadas em sua integridade, como é o caso da Amazônia. Elas deverão estar aptas também para desempenhar missões de paz no mundo”(idem).

O ambiente político que precedeu as eleições também é um elemento de análise relevante e particularmente expressivo no que diz respeito às relações civis –militares, dadas as conseqüências do Decreto nr. 4.302 de 15 de julho de 2002, no qual restou “autorizado o Comandante do Exército a reduzir o tempo do Serviço Militar Inicial dos conscritos incorporados no ano de 2002 para período inferior a dez meses”, e que provocou uma reação decisiva de contraposição dos militares ao governo. Este panorama político, a saber, cortes orçamentários e programa de governo do PT com uma promessa de atenção privilegiada aos militares apresenta um desdobramento de confiança do setor no governo que posteriormente ganhou as eleições e a efetivação de um compromisso. A conseqüência do compromisso assumido pelo Partido dos Trabalhadores que possuía um histórico de rusgas com os militares – ranço este oriundo dos conflitos ideológicos da guerra fria materializados no embate nacional entre a ditadura e a subversão comunista – criou um choque de credibilidade que favoreceu a relação entre o partido posteriormente eleito e os militares. O raciocínio assume outros matizes se considerarmos que: (i) no ano de 2004 completar-se-á 40 anos da “revolução” ou “golpe” militar; (ii) de o presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, ter participado da Guerrilha do Araguaia, página da história brasileira a ser revisada; (iii) de países como Chile, a julgar pelas manifestações diversas em 2003, possuir uma divisão política entre o apoio e o repúdio ao período Pinochet. O caso do Chile, que possui analogia com outros países latinos, nas suas devidas proporções, aponta para importância da credibilidade de Luis Inácio Lula da Silva junto às Forças Armadas.

Ainda, no que diz respeito às relações civis militares e papel das forças armadas, que têm sido temas constantes no seio das Forças Armadas e explorados pela imprensa nos últimos anos desde a proposta de Dick Cheney ao governo Collor; apesar de ser um assunto socialmente relevante, uma certa imprecisão e superficialidade sobre o tema incita à recorrência do mesmo e ofusca debates sociais mais importantes e menos resolvidos. Neste sentido, reiteradas vezes vem à tona, principalmente no que atine ao combate ao narcotráfico no Rio de Janeiro, o debate sobre as Forças Armadas exercerem ou não o papel de polícia, desviando-se, portanto de sua finalidade primieva prevista constitucionalmente. Neste sentido, ainda o governo de FHC aprovou o Parecer da Advocacia Geral da União (Parecer AGU/TH/2/2001, de 29/07/01) (in verbis): “A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de

acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal” (cf. Lei Complementar nr. 97, de 1999, art. 15, par. 2o). Apesar da dificuldades de estipular-se o marco milimétrico do esgotamento dos instrumentos destinados à ordem pública, a questão resta mais esclarecida que a percepção da mídia o faz parecer. 4. A Política de Defesa no Governo Lula Preliminarmente, repisa-se a limitação em falar-se de Política de Defesa de um governo no seu primeiro ano de atuação, fazendo com que as ulteriores considerações devam ser apreciadas nos contornos desta contingência. Ainda, falar em processo decisório, delimitação de prioridades e implementação de projetos é uma discussão marcadamente teórica – e vulgarmente opinativa e inócua – considerando a dependência destes assuntos do fator orçamento. Dessarte, o orçamento para defesa no ano de 2004 afigura como uma peça chave do presente trabalho de análise de conjuntura, o que também não dispensará a abordagem de outros temas afeitos à matéria. O tema tratado nas linhas subseqüentes procura antes de tudo suscitar a discussão a partir de dados que exercem influência sobre o assunto tratado, gravitando em torno de temas interrelacionaidos como considerações históricas do ano de 2003; jurídico - intitucionais; orçamentárias; de prioridades estratégicas; do aporte privado (indústria bélica nacional); das limitações dos projetos nacionais e das discussões parlamentares; certamente, não esgotando toda a miríade de desdobramentos dos fatores atinentes à política de defesa do atual governo federal. 4.1. Primeiro Ano do Governo LULA: 4.1.1. O Ministro José Viegas Filho: O entendimento do processo decisório possui como um de seus elementos a característica dos atores envolvidos. Neste sentido, a escolha de um Ministro da Defesa para o Brasil, considerando as atribuições complexas deste munus, acabam por exigir conhecimentos de política internacional, administração pública, institucionalidade militar e, ainda, um mínimo de conhecimento de aspectos técnicos de defesa como estratégia e armamentos. O Ministro José Viegas Filho possui em seu background além da experiência como embaixador em Moscou, Lima e Copenhage, participação em grupo de trabalho de Cooperação Industrial-Militar entre o Brasil e EUA em 1983, a chefia de representação do Itamaraty nas reuniões de Planejamento Político com as FFAA e EMFA em 199194, participou como Chefe da Missão da Adesão do Brasil ao Missile Technology Control Regime e Chefe de delegações brasileiras em encontros sobre medidas de confiança na América do Sul - 1995, sobre Armas Convencionais – 1995-96 e proscrição de Minas Terrestres. O quanto a experiência pessoal do Ministro Viegas possui relação com a tentativa de colaboração do programa do Governo Lula com nações de poder bélico considerável como Rússia, China e Índia é matéria relevante para a estruturação do presente discurso. Em entrevista recente, o Ministro Viegas deixou claro que a prioridade atribuída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a crescente integração do espaço Sul-americano ao mesmo tempo em que manifestava sua opinião pessoal em relação a esta meta, onde o tema que mais o chamava a atenção eram os conflito relacionados com a Colômbia. Apesar de, refere o ministro, a imprensa

freqüentemente especular sobre supostas atividades das FARC em território brasileiro – assinale-se aqui o caráter por vezes dual da política do PT em relação às FARC tendo em consideração a recepção de guerrilheiros pelo governo estadual do PT gaúcho em 2001 que comprometeu a gestão e constituiu fator para a não reeleição -, o governo brasileiro está pronto para repelir com todo o vigor qualquer transgressão de fronteiras (www.eceme.eb.mil.br/padeceme/entrevistas). Além destas considerações, a dotação orçamentária, a necessidade de aumentar efetivos e equipamentos militares na região amazônica e a realização de exercícios combinados em áreas fronteiriças à Colômbia e Peru como a Operação Timbó afiguram como temas de maior importância no pensamento do ministro. 4.1.2 Exercício de Política Externa: perspectiva da Segurança Internacional: Procedendo-se um exercício mnemônico das atividades relacionadas ao histórico da política externa do Governo Lula, pergunta-se primeiramente qual papel o Brasil assumiu na América Latina e no mundo? Elementos importantes corroboram para a tentativa de resposta ao questionamento: (i)

A criação do Grupo de Amigos da Venezuela representou um passo interessante nas relações externas brasileiras e os resultados desta ação não se esgotam com o findar da mediação. Não fica evidenciado se a postura do Governo Lula foi fruto de um planejamento pragmático ou de desorientação política, sendo relevante o fato de que o Secretário Geral da OEA, César Gaviria, auxiliou na formação do grupo. Pergunta-se ainda se esteve presente nos discursos os riscos de o conjunto de países que apóiam a solução mediada estarem prontos para o envio de tropas em uma eventual operação de pacificação ou mesmo de reestruturação de atividades administrativo-burocráticas.

(ii)

A postura brasileira em relação à Colômbia também possui contornos de mediação. Este aspecto da política latino-americana também possui íntima relação com a segurança hemisférica, onde o discurso oficial brasileiro restringe-se à manifestação sobre o resguardo fronteiriço e a não intervenção.

(iii)

A moção internacional no sentido da reforma da Carta das Nações Unidas e a busca de um assento permanente no Conselho de Segurança. Este seria, em certo sentido, o reconhecimento internacional de uma liderança regional brasileira. O que não foi suficientemente tornado público é em quanto o Brasil assumiria a contra prestação de seu novo status em termos financeiros e de participação em missões de implementação de paz.

(iv)

A declaração oficial do Brasil contrário à intervenção dos Estados Unidos da América no Iraque que passou a ser um fator relevante de uma postura sobre Segurança Internacional e, relaciona-se com o ponto (iii) na medida do interesse dos EUA em um posicionamento brasileiro decisivo no órgão de cúpula da ONU.

4.2. – Prioridades estratégicas

Face às prioridades estratégicas apostas pelo Ministro Viegas, entende-se ser oportuno através da análise dos os discursos oficiais do Presidente da República e do Ministro, fazer um desdobramento das diferentes matizes que o assunto assume.

Plano internacional

4.2.1. Percepção dos EUA

Não é estranho que o Ministro tenha começado seu discurso na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara de Deputados, em 14 de maio de 2003 com uma referência aos Estados Unidos da América - país com uma posição especial em um mundo “uni-multipolar”, dentro de um contexto de análise macro-estrutural. Considerando, portanto a incidência dos atentados de 11 de setembro em todo sistema internacional, faz referência que o futuro da OTAN e o do próprio Conselho de Segurança suscitarão discussões acaloradas, principalmente no que tange aos aspectos de legalidade e legitimidade para a atuação da política externa do governo estadunidense.

A Reunião de Viegas com Donald Rumsfeld em julho de 2003, no âmbito do discurso político marcou-se pelo reconhecimento mútuo do papel chave do Brasil na promoção da paz e estabilidade democrática na América Latina. Mais uma vez acentue-se a lacuna no discurso institucional na consideração do ônus que implica o reconhecimento deste papel, o que nas palavras de Clóvis Brigagão traduz-se:

“A aspiração Brasil para ocupar um lugar no Conselho de Segurança da ONU representará ter uma mais consistente e permanente participação e mesmo que o Brasil participe no Grupo de Amigos da Ação Rápida na ONU (Friends of Rapid Deployment), decisão de nossa diplomacia, o fato é que o Brasil tem limitações consideráveis e nos impede de assumir um compromisso nessa área. Nosso perfil é prejudicado pela limitação de meios para a ação e os presumidos altos custos continuam sendo uma justificativa que limita uma maior presença brasileira. Mas, sabe-se que os gastos envolvidos com as missões de paz são devolvidos pela ONU, dentro de tabela fixa, com a cotização entre todos os Estados-membros. O argumento do custo tem alguma validade em relação ao fluxo de caixa, de baixa credibilidade dada a dimensão da balança comercia brasileira, ou ainda, na questão da dádiva e abandono dos equipamentos suplementares, fora da contabilidade da ONU, de uso exclusivo brasileiro, o que não parece ter sido o caso em qualquer instância passada. A persistência da justificativa do custo é, assim, um fato que desafia o que se obtém pela análise dos fatos disponíveis.” ({http://www.defesa.gov.br/ciclodebates/textos.htm})

4.2.2. Multilateralismo

Reconhecendo que o unilateralismo enfraquece as Nações Unidas, o Brasil vislumbra como vetor de política externa a necessidade do multilateralismo e da democratização dos espaços decisórios internacionais, o que afigura como uma certa tradição da política internacional brasileira. São facetas da vertente multilateral brasileira também, a operacionalização de participação do Brasil em Missões e Operações de Paz, as Reuniões Bilaterais de Defesa como a Argentina e Estados Unidos, as Conferências de Ministros da Defesa das Américas, as Reuniões de Ministros de Defesa da Comunidade dos países de Língua Portuguesa e o Plano de Cooperação Técnico- Militar do Brasil com os países da CPLP. Neste sentido,recentemente, o governo brasileiro recebeu gestão do Secretariado da ONU em relação à situação do Congo Oriental e forneceu transporte aéreo para um batalhão de soldados uruguaios atuarem na região.

Ainda, as críticas à intervenção dos EUA no Iraque e a prontidão brasileira em contribuir de forma mais efetiva para os fóruns multilaterais, em específico, para uma revisão da Carta de São Francisco e o reordenamento do Conselho de Segurança são elementos que merecem ser referidos, admitindo-se contudo que situam-se mais na esfera da projeção de poder internacional do que da política de defesa nacional. Plano Regional: 4.2.3 – Integração Latina Americana A intensificação das relações existentes entre as Forças Armadas na América do Sul, além de ser a prioridade da agenda de defesa brasileira, assumiu contornos de discussão internacional a partir das declarações do Chefe da casa Civil, Ministro José Dirceu em novembro de 2003, no encerramento do 4o Fórum Ibero-Americano, em Campos do Jordão – SP. A argumentação do Ministro Dirceu deu-se no sentido da defesa de uma ação conjunta de países latino – americanos no combate ao narcotráfico na Colômbia incidindo sobre uma diminuição de uma área de influência estadunidense na região: “Senão, os Estados Unidos ocuparão a Colômbia. E se ocuparem, não sairão de lá jamais. Isso quer dizer que estarão ocupando a Amazônia”. A declaração esbarra na falta de equipamento das forças armadas brasileiras que passou a ser assunto da reunião do Ministro Viegas com o Presidente Lula na semana subseqüente às declarações. Ainda, Viegas fez questão de esclarecer que a integração referia-se à indústria de defesa e não incluía o envio de tropas para outros paises. A ressalva é prudente levando em conta que estabelecer uma aliança militar implica em estabelecer padrões para compatibilidade de forças, sobretudo de armamento. Mas, se o Brasil não tem um padrão nem para suas próprias forças (ex: MB, EB e FAB usam, cada um, um tipo diferente de fuzil), como poderá influir na configuração de um padrão latino-americano? Em relação ao padrão de compatibilidade de armamentos, é oportuno referir que é uma crítica recorrente, já que uma proposta de Emenda Constitucional do então deputado José Genoíno, de 1997, já alocava a necessidade em sua justificativa. A imprensa brasileira (Revista Primeira Leitura, outubro de 2003, nr. 20) ensaiou uma interpretação da política de defesa do governo Lula a partir do cenário político supracitado que merece menção: “Sempre muito distante do problema colombiano, o Brasil começou a revisar essa postura – nota do autor: de certa indiferença quanto à um comprometimento maior com o problema do narcotráfico na América latina - movido por dois fatos recentes. A oferta do território brasileiro,feita pelo presidente Lula, em meados de setembro, para uma negociação entre o governo Álvaro Uribe e a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), sob supervisão das Nações Unidas (ONU), é uma peça dentro da engrenagem diplomática que tenta brecar o aumento da presença e influência dos EUA na América do Sul. O governo Lula quer, no mínimo, dividir influências. Os pontos de mutação foram estes: 1) a presença militar dos EUA na base aeronaval de Manta, no Equador, desde julho do ano passado; 2) a passagem por Bogotá, em agosto, do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas norteamericanas, Richard Myers e do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.” No contexto das presentes considerações, não poderia a presente análise furtar -se de referir a Reunião de Ministros de Defesa realizada em 23 de abril por ocasião da Feira de Defesa da América Latina que afigura como primeira iniciativa histórica neste sentido. A realização simultânea de uma

Feira de Defesa e Reunião Ministerial Internacional aponta para a vertente econômica, ou seja, a possibilidade de integração de bens e serviços de uso militar e dual como o que ocorre na OTAN. 4.2.4 – Colômbia Considerada a principal preocupação da política de defesa brasileira relativa a um país fronteiriço, o temor é advindo de uma percepção da possibilidade de atividades das FARC dentro das fronteiras nacionais brasileiras que chegou a ser referido como o Santuário dos revolucionários. A alegada percepção ganha vulto quando tomados em consideração a preocupação estratégica com a vulnerabilidade amazônica e os crimes transnacionais. O ministério da Defesa tem sido incisivo na inequivocidade de uma resposta imediata brasileira à qualquer incursão em território nacional. 4.2.5 – Tríplice Fronteira A Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, a partir dos atentados de 11 de setembro passou a ser uma prioridade da agenda brasileira de defesa, demandando uma maior intensificação da atuação da inteligência brasileira, principalmente no ponto focal do município de Foz de Iguaçu. A atuação das comissões ad hoc bem como as negociações do grupo 3 + 1 resultaram de “manifestações de inquietação” com a possível presença de pessoas ligadas à atividades terroristas. Em 27 de maio de 2003, Ministro Viegas em sua intervenção na VI Reunião dos Ministros da Defesa dos Países de Língua Portuguesa em São Tomé manifestou que: “Felizmente, não existe terrorismo brasileiro nem antibrasileiro. Não obstante, juntamo-nos com determinação ao afinco de nossos parceiros para fazer frente a este tipo especialmente hediondo de violência”. A posição do Ministro encontra amparo nas declarações oficiais à Imprensa do Grupo 3 + 1 e reflete uma manifestação homogênea em uníssono do MRE e Polícia Federal Plano Interno 4.2.6 - Reformas Institucionais Na esfera institucional, como já foi mencionado a prioridade é da integração das Forças Singulares com a organização de exercícios e operações combinadas como a Operação Timbó no período de 5 a 10 de maio nas bacias hidrográficas dos Rios Japurá, Alto Solimões, Juruá e Javari. Na mesma esfera das reformas institucionais, registra-se a criação do Centro de Operações do Comando Supremo (COCS) que possui como finalidade ser um centro de gerenciamento de informações em nível de processo de tomada de decisões, especialmente pelo Presidente da República na possibilidade de um eventual conflito. Logisticamente, a implantação de um Sistema Nacional de Mobilização e de um Sistema de Catalogação das Forças Armadas surgem como resposta à demandas não recentes e que instrumentalizam um domínio tático das FFAA que até então não era viável. Na área social e no sentido da proposta de valorização das FFAA, estão sendo levadas a cabo atividades inter-ministeriais (Ministério da Educação/ Ministério das Comunicações), capacitação dos conscritos para melhor inserção no mercado de trabalho, ajuda no programa Fome Zero, ajudas em assentamentos do MST e a alfabetização de adultos sem prejuízo das atividades operacionais militares. No atinente à objetivos sensivelmente dependentes do lastro orçamentário encontram-se: (i) o projeto do submarino nuclear da Marinha Brasileira; (ii) o programa espacial e a licitação para a compra

de Caças da Aeronáutica; e, (iii) o reordenamento de unidades na Amazônia, a capacitação para as forças de ação rápida, renovação e compra de blindados e projetos na área de comunicações e guerra eletrônica para o Exército Brasileiro. Assinale-se o que cada um destes projetos, embora envolvendo setores onde há a necessidade de proteção de informação, representa avanços substanciais para o Parque Industrial Brasileiro. Em particular, o projeto nuclear brasileiro e o veículo lançador de satélites possuem desdobramentos já efetivados. Quanto ao Veículo lançador de Satélites – VLS, após a viagem à Índia em 2003, Ministro Viegas dirigiu-se imediatamente à Rússia, país do qual possui conhecimento mais profundo por ter sido embaixador. A viagem indica a possibilidade de uma cooperação entre Brasil e Rússia na área espacial, considerando a expressiva perda ocorrida com o acidente na Base de Alcântara em 22 de agosto de 2003 com a perda de 21 técnicos e engenheiros do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), vinculado ao Centro Técnico Aeroespacial (CTA). A cooperação, que seria muito interessante – já possuímos cooperação na área de propelentes líquidos - para os dois pólos, possibilitaria ao Brasil ultrapassar as limitações tecnológicas de sua atual parceria – a Ukrânia – permitindo - nos lançamentos não somente em órbitas elípticas, mas geoestacionárias. Já em relação ao projeto nuclear brasileiro, embora o descrédito atribuído por setores nacionais, em janeiro de 2004, Ira Chernus, co-director do Programa de Estudos de Conflito e Paz da Universidade do Colorado, publicou recente artigo onde manifestava a possibilidade do Brasil desenvolver a Bomba Nuclear e a importância da consideração deste fator para reeleição de George W. Bush ( “Is a Brazil in Love with the A-Bomb?” disponível em http://www.brazzil.com/2004/ttml/news/articles/jan04/, acessado em 08/01/2004). Embora claramente desconhecendo nossas limitações constitucionais e o próprio mote militar do projeto de propulsão submarina, o que chama à atenção é a percepção de determinados atores sobre os eventuais desdobramentos de uma política de defesa brasileira. Outros temas que vem à baila quanto às Reformas Institucionais são justamente a reformulação da atual Política de Defesa Nacional e a criação de uma Escola Nacional de Defesa. Quanto à reformulação da atual PDN, a academia tem em muito colaborado para esta discussão. Se em um passado recente as críticas quanto às contradições (dissuasão e política defensiva) formuladas por Cavagnari e os conflitos de competência e anacronismo conceitual formuladas por Proença e Diniz, marcaram o debate; o atual governo decide realizar uma efetiva discussão nacional e institucional envolvendo os Ministérios da Defesa, Ciência e Tecnologia e BNDES, reunindo políticos, acadêmicos, militares, diplomatas e jornalistas em Itaipava – RJ, no sentido de estabelecer uma reformulação do pensamento brasileiro em matéria de defesa e segurança. No mesmo sentido, a formação de um pensamento nacional estruturado fomenta a criação de uma Escola, segundo o pensamento de Domício Proença:”O Estado-Maior de Defesa (nem a SPEAI) tem uma Escola que lhe seja dedicada. Não existe instituição existente capaz de assumir esta tarefa. Trata-se assim de reconhecer a necessidade da criação de uma Escola de Defesa, orientada para a formação dos quadros e para a consideração política e científica da segurança e defesa em seu mais alto nível hierárquico. Esta é uma das prioridades mais elevadas em qualquer esforço de atualização do pensamento brasileiro em matéria de defesa e segurança.” ({http://www.defesa.gov.br/ciclodebates/textos.htm}). Em recente evento denominado IV SEMINÁRIO DE DEFESA NACIONAL, realizado no Rio de Janeiro em novembro de 2003, uma das discussões que estabeleceram - se foi justamente no quanto as Escolas Militares como a ESG suprem esta lacuna e se o modelo a ser adotado é o da Nacional Defense University americana. De qualquer forma, é um debate que começa a tornar-se mais efusivo. 4.2.7 – Amazônia

A Amazônia Legal permanece sendo uma região de prioridade estratégica onde os projetos Calha Norte e Sistema de Proteção da Amazônia afiguram como pilares institucionais. O que é oportuno referir neste assunto é a discussão sobre a Lei do Abate que apesar de aprovada em 1998 pelo Congresso Nacional e sancionada em março do mesmo ano, acabou, por pressão estadunidense, engavetada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e não foi ainda regulamentada no Brasil. Importante ressaltar que a Lei foi inclusive tema constante na agenda de discussão quando do encontro entre o Ministro Viegas e Donald Rumsfed em julho de 2003. Declarações como a do Brigadeiro Carlos Alberto Batista refletem o sentimento da Força Aérea Brasileira: “No Peru ninguém entra. Eles já abativeram mais de 50 aviões clandestinos – em 2000 – com os nossos Tucanos que eles usam lá” ({http://www.horadopovo.com.Br/2000a/outubro/}). De fato, a dificuldade do debate nacional não é exclusividade brasileira visto que em 2003 desenrolou-se na Alemanha discussão parlamentar sobre Lei de Abate à Aeronaves a pretexto da possibilidade de ataques terroristas. No Brasil, por sua vez, Fernando Gabeira, parlamentar de expressão e ex-presidenciável situou a Lei do Abate como agressão aos direitos humanos o que foi seguido pelo então presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA) e da Rio Sul Linhas Aéreas, George Ermakoff. A falta de tecnicidade que cinge o debate desconsidera completamente as normas do IMA 100 –12 (Conjunto de regras do Ar e Serviços de Tráfego, aprovado pela Portaria da Diretoria de Eletrônica e proteção de Vôo, do Ministério da Aeronáutica, em 25/06/1999) que normatiza um roteiro na conduta de interceptação: reconhecimento à distância, acompanhamento discreto, interrogação, mudança de rota, pouso forçado, tiro de aviso e tiro de destruição. Por fim, o Sistema de Vigilância da Amazônia permanece sem a possibilidade de responder à ameaça de forma eficiente e, a partir da reunião do Ministro Viegas Viegas com Donald Rumsfed é possível se apontar que o Brasil regulamentará a Lei do Abate durante o mandato de Luis Inácio Lula da Silva o que certamente será precedido de um trabalho psicossocial minucioso junto à mídia.

4.3. – Considerações Jurídico-Institucionais:

A abordagem do caráter jurídico institucional afigura como elemento fundamental para a avaliação da Política Externa do Governo Lula. A assertiva á baseada justamente em outra herança institucional que é a crítica formulada por alguns autores quanto à falta de delimitação ou conflito de competências entre de instâncias decisórias de planejamento de Política de Defesa no âmbito ministerial. De fato, em uma análise técnica do arcabouço jurídico relativo à defesa nacional possuímos primeiramente a Constituição Federal de 1988, a Lei Complementar nr. 97, de 1999, já comentada em parte, a Lei nr. 8.183, de 11 de abril de 1991 que dispõe sobre a organização e funcionamento do Conselho de Defesa Nacional, a Lei nr. 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios e o Decreto nr. 4.735, de 11 de junho de 2003 que “Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão do Grupo – Direção e Assessoramento Superiores – DAS, das Funções Gratificadas – FG, das Gratificações de Exercício de Função e das Gratificações de Representação – GR do Ministério da Defesa”.

O objetivo da presente abordagem é justamente discutir o ponto de partida de políticas públicas que são as instâncias decisórias a partir da análise das prerrogativas e competências. Neste sentido, a Política de Defesa de um Estado Nacional é formulada a partir das instâncias, prerrogativas e competências inequivocamente previstas na legislação vigente. O modo como na instância decisória os atores irão estabelecer políticas públicas passa a ser uma discussão secundária mas não menos importante.

A abordagem jurídico institucional presta-se portanto a analisar as competências e o local inequívoco do estabelecimento de estratégias. No presente trabalho, o tema ganha relevância na medida em que a Lei nr. 10.683, de 28 de maio de 2003 e o Decreto nr. 4.735, de 11 de junho de 2003 são dispositivos infra-constitucionais que frutos de discussão parlamentar no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Assinale-se que a pergunta fundamental em Política de Defesa é: Qual a instância decisória de planejamento e condução da política e da estratégia para a defesa nacional?

A Lei nr. 8183, de 11 de abril de 1991 dispõe (grifo do autor):

Art. 5° O exercício da competência do Conselho de Defesa Nacional pautar-se-á no conhecimento das situações nacional e internacional, com vistas ao planejamento e à condução política e da estratégia para a defesa nacional. Já o Decreto nr. 4.735, de 11 de junho de 2003 dispõe, nos mesmos termos da Lei nr. 10.683, de 28 de maio de 2003 (grifos do autor):

Art. 1º O Ministério da Defesa, órgão da administração direta, com a missão de exercer a direção superior das Forças Armadas com vistas ao cumprimento de sua destinação constitucional e de suas atribuições subsidiárias, tem como área de competência os seguintes assuntos: I - política de defesa nacional; II - política e estratégia militares; III - doutrina e planejamento de emprego das Forças Armadas; IV - projetos especiais de interesse da defesa nacional;

Conforme as disposições sobre a estrutura organizacional (Decreto nr. 4.735/2003) é ainda digno de menção que na estrutura do Ministério da Defesa, a Secretaria de Política Estratégia e Assuntos Internacionais reúne as competências de formular bases da Política de Defesa nacional formular a Política e a estratégia Militares (art. 11). O que é relevante ao presente raciocínio é a existência ou não de equivocidade na delimitação de competências relativa ao planejamento e condução da política e da estratégia para a defesa nacional no governo, ainda mais considerando que o Conselho de Defesa Nacional é um órgão de consulta – e aqui é oportuno o preciosismo jurídico - do Presidente da República (Lei nr. 10.683, de 28 de maio de 2003, art. 1o, par. 2o, II). Por fim, o art. 16 da Lei nr. 10.683/03, reiterou o entendimento das competências do art. 5o da Lei nr. 8183/91, sendo que este não usa o termo consulta mas planejamento e condução. Resta ainda problemático que cabe também ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República coordenar as atividades de Inteligência Federal e de segurança da informação (Art. 6o, da Lei nr. 10.683/03), não havendo contudo coordenação institucional entre os órgãos de Inteligência Federal (a não ser a inteligência militar) e o Ministério da Defesa; o que não implica na inexistência de um sistema de inteligência institucionalmente vinculado ao Ministério da

Defesa que além de atuante, hoje envolve duas unidades ministeriais, sete das forças singulares e 29 aditâncias espalhadas pelo mundo. O quanto a falta de precisão jurídica na atribuição de competências e na coordenação de instâncias decisórias contribuirá para o que a literatura de processo decisório denomina choque burocrático ou mesmo o grau de incidência na formulação da política de defesa é também matéria de capital importância em considerando por exemplo a feitura de uma reformulação da Política de Defesa Nacional ou mesmo na delimitação de ameaças aos princípios constitucionais. Finalmente, diversos autores registraram suas críticas quanto ao problema das competências, sendo, contudo, quase a totalidade dirigida à instâncias interministeriais (MD e MRE por exemplo) ou mesmo quanto à falta de coordenação entre outras unidades (ABIM, SDI e PF). Nestas considerações procurou-se traçar de maneira inédita a problemática no âmbito institucional do próprio MD e Conselho de Defesa Nacional e no quanto o Poder Legislativo durante o governo Lula corroborou para a continuidade ou aumento do conflito de competências.

4.4 – Considerações orçamentárias:

O presente ponto possui íntima relação com a discussão parlamentar sobre defesa mas, aprouve a este trabalho alocar os dois temas em partes distintas. O orçamento para execução de projetos governamentais é a base que permite às instâncias decisórias estabelecer a abrangência de atuação ministerial. Desta feita, interessa a este nível de análise: (i) A estimativa de orçamento para o Ministério da Defesa em 2004 – aprovado pelo Congresso Nacional e que prevê na totalidade do orçamento nacional a execução de R$ 412 bilhões; (ii) Dados comparativos do Orçamento em 2004 e, (iii) A repartição do montante entre as forças singulares.

4.4.1 – Estimativa do Orçamento – Ministério da Defesa

PLO 2002 26.229.052.419

Lei + créditos 29.004.079.074

FUNÇÃO Defesa Nacional Previdência Social Encargos Especiais Reserva contingência

PLO 2002 11.824.980.438 12.142.457.640 2.211.614.341 de 50.000.000

INVESTIMENTO

PLO 2002 1.592.418.806

Empenhado 2002 28.223.588.436

PLO 2003 27.823.063.575

PLO 2004 27.989.881.638

PLO 2003 12.435.833.286 12.840.691.079 2.372.213.482 174.325.728

PLO 2004 11.795.763.210 13.548.972.151 1.852.168.799 792.977.478

PLO 2003 1.470.097.602

PLO 2004 987.883.889

Fonte: Diário do Congresso Nacional – Suplemento – nr. 218 Sexta feira 29 de agosto.

4.4.2 – Análise Comparativa PLO 2004 Distribuição de Despesa por Órgão Discriminação Ministério da Defesa Ministério da Ciência e Tecnologia Ministério da Educação Ministério da Previdência e Assistência Social

Tesouro + Fonte 28.084.664.562 3.326.826.823 18.037.343.186 109.800.374.938 Fonte: {http://www.planejamento.gov.br/orcamento/}

4.4.3 - A repartição do montante entre as forças singulares. Ministério da Defesa Comando da Aeronáutica Comando do Exército Comando da Marinha

PLO 2003 621.226.323 6.875.241.226 11.927.730.681 6.403.078.022

PLO 2004 664.076.827 6.421.913.142 11.819.634.220 6.221.561.555

Fonte: Diário do Congresso Nacional – Suplemento – nr. 218 Sexta feira 29 de agosto.

Dos dados apresentados pode-se concluir que há um tímido aumento orçamentário para o Ministério da Defesa em 2004 (de 27.823.063.575 para 27.989.881.638) e que em 2004 os gastos com a previdência (13.548.972.151) superarão substancialmente os vinculados à defesa (11.795.763.210) – problema este enfrentado por diversos ministérios. Ainda, embora a proposta de reserva de contingência seja substancialmente superior para 2004, a verba destinada à investimento apresenta diminuição. Na partição dos recursos, o Exército afigura como a força singular mais privilegiada – seu montante quase chega a soma da verba destinada aos outros dois comandos. Finalmente, assinale-se que inexiste no Brasil produção científica relevante acerca de orçamento de defesa o que já pode ser percebido na Argentina e Chile por exemplo e esta lacuna é lastimável no sentido de um debate mais difuso acerca da matéria no sentido de uma abordagem crítica.

4.5 – Considerações sobre Discussão Parlamentar

A discussão parlamentar sobre defesa nacional é um dos debates de menor efusividade no Brasil e esta consideração faz parte do raciocínio já citado do ex-Ministro Quintão sobre a falta de uma “cultura de defesa”, o que também encontrará reflexos na questão de relação entre defesa e mídia. Se a Comissão de Defesa Nacional nos EUA é o foco das high politics, no Brasil, o fórum parlamentar de maior prestígio é a Comissão de Constituição e Justiça. Desta feita, nos últimos anos não tem se estabelecido substanciais debates, e não se quer dizer que não existam, sobre as questões que são correlatas à defesa nacional mas, por outro lado, há aspectos que sinalizam para uma possibilidade de mudança de rumos. Neste sentido aponta-se não para uma mudança de posicionamento em virtude da retomada dos assuntos militares na mídia e na centralidade do debate internacional, mas para as próprias forças sociais, lobby da indústria nacional e a necessidade de homogeinização e coerência de política públicas.

Quanto ao lobby da indústria nacional, a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria da Aeronáutica Brasileira, no final do segundo semestre de 2003, sinalizou para uma discussão política brasileira atinente à política de defesa como nunca viu - se no Brasil. Refiro-me à composição de um grupo heterogêneo – o grupo possui como presidente o deputado Marcelo Ortiz, PV – SP e como vice-presidentes Delfin Netto, PPB - SP e Paulo Paim, PT-SP -formado por 150 parlamentares, de todos os partidos que defendem abertamente a incorporação de tecnologia à indústria nacional na licitação dos caças, com preferência ao consórcio Embraer/Dassault, para construir o supersônico Mirage 2000BR. Em uma atitude sintomática um dos componentes referiu que os parlamentares só agora estavam aprendendo a fazer lobby pelas indústrias como os americanos. Interessa é o quanto o atual debate pode contribuir para o saneamento de outros setores as indústria nacional de equipamentos de defesa em deflagrada crise financeira, fortemente motivada pela carga tributária (até 42%) e a diferença de tratamento entre a indústria estrangeira e nacional (as estrangeiras são isentas de impostos).

5 – Considerações Finais:

Finalmente, a Política de Defesa no governo Lula assume matizes tanto de continuidade e como de ruptura e, a eficiência desta não depende somente de um plano governamental, mas da iniciativa dos tomadores de decisão como tentou demonstrar-se neste trabalho de análise conjuntural. Ao mesmo tempo que, o cenário aponta para mudanças institucionais, a vinculação legislativa impede uma definição de instâncias decisórias inequívoca. Ademais, a intensificação do debate em torno de temas de defesa é uma realidade nacional à qual se vincula a necessidade de um maior rigorismo no trato da matéria. Conforme referiu-se no introito desta análise, o texto furta-se de maiores e mais incisivas certezas por razões do lapso não curto mas insuficiente de tempo de mandato para chegar-se à certezas mais duradouras. Procurou-se, portanto, antes de tudo, trazer informações para o debate de forma a mais fomentar do que estabelecer parâmetros e, com o escopo sempre presente de colaborar com o debate nacional acerca de tema.



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