A política de saúde e a promoção: algumas repercussões em Niterói/RJ - Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UERJ.

June 3, 2017 | Autor: Matheus Thomaz | Categoria: Health Promotion, Promoção da Saúde, Equidade
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Descrição do Produto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Serviço Social

Matheus Thomaz da Silva

A política de saúde e a promoção: algumas repercussões em Niterói/RJ

Rio de Janeiro 2012

Matheus Thomaz da Silva

A política de saúde e a promoção: algumas repercussões em Niterói/RJ

Dissertação apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração: Trabalho e Política Social.

Orientadora: Profª. Dra. Maria Inês Souza Bravo. Co-Orientador: Prof. Dr. Maurílio Mattos

Rio de Janeiro 2012

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CCS/A

S586

Silva, Matheus Thomaz da. A política de saúde e a promoção: algumas repercussões em Niterói/RJ / Matheus Thomaz da Silva. 2012 113 f. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. Orientador : Maria Inês Souza Bravo Coorientador: Maurílio Mattos Bibliografia

1. Política de saúde – Aspectos sociais – Teses. 2. Promoção de saúde – Teses. 3. Reforma sanitária – Niterói (RJ) – Teses. I. Bravo, Maria Inês Souza. II. Mattos, Maurílio. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. IV. Título. CDU 614

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação desde que citada a fonte.

___________________________ Assinatura

____________________ Data

Matheus Thomaz da Silva

A política de saúde e a promoção: algumas repercussões em Niterói/RJ

Dissertação apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração: Trabalho e Política Social.

Aprovada em 30 de Outubro de 2012. Banca Examinadora

__________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Inês Souza Bravo (Orientadora) Faculdade de Serviço Social - UERJ

__________________________________________ Prof. Dr. Maurílio Mattos (Co-orientador) Faculdade de Serviço Social - UERJ

_________________________________________ Prof.ª Dra. Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi Universidade Federal do Rio de Janeiro

_________________________________________ Profª. Dra. Maria Dalva Horácio da Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Rio de Janeiro 2012

AGRADECIMENTOS

Primeiramente quero agradecer e dedicar essa conquista a minha companheira Andréa Gonzaga, que sempre apoiou esse voo acadêmico. Tu que estava ali nos momentos de aflições, de tensões e dúvida. Era você quem escutava todas das descobertas e insights que tive durante o processo. Muitas de suas reflexões foram incorporadas ao trabalho. E sem o seu amor eu nada seria... Agradeço também à minha família, pai e mãe por se constituírem em um alicerce fundamenta de minha vida. Ás minhas irmãs e meus sobrinhos Téo e Ana Morena, cujos nascimentos em meio a tudo isso renovou as forças para seguir o caminho. Novas vidas que reafirmam a necessidade de tornar o mundo um lugar melhor. Aos meus sogros que foram de suma importância fornecendo abrigo e me acolhendo depois que me mudei para o interior. E também a todos os cunhados por serem companhias agradáveis que muitas vezes ajudaram com distrações necessárias nos descansos. A Maria Inês, que nessa longa trajetória acadêmica desde os tempos da graduação se tornou mais do que orientadora. Uma grande amiga! É uma referência profissional e de luta. Traz consigo a garra, a gana e a vontade de revolucionar nossa desigual sociedade. Tens minha profunda admiração, me ensinou a acreditar e a lutar por uma política de saúde pública, gratuita e estatal, que além de possível é necessária. Ao Maurílio, amigo, professor e co-orientador, em quem também espelho minha trajetória. A esses dois mestres o único lamento que tenho é o fato da vida ter me levado para interior e ter me privado de estar mais próximo para orientações, lutas e conversas. A professora Maria Valéria Correia, por participar da banca de qualificação onde as sugestões foram acatadas e muito contribuíram no caminho que tomou a dissertação. As professoras Dalva Horácio e Fátima Siliansky, por aceitarem ser parte da banca examinadora e compartilharem seu conhecimento. Aos amigos e talentos brilhantes do ME/2010. Pela oportunidade de reencontrar na sala de aula a grande amiga de outros tantos carnavais Dani Brandt. À Aline, pela inusitada coincidência de descobrir uma conterrânea paduana nesta turma. À Vivi nossa líder, a Morena pelas conversas e reflexões e a Jonathan, Carol,

Natália, Guilherme, Verônica e demais pelos momentos de alegria, descontração e estudos. Aos colegas de trabalho da UBS Centro em Niterói, à assistente social Carmem Pérez pela acolhida e por ter compartilhado sua experiência profissional. Às médicas Beth e Adriana, gestoras da unidade que tão bem me acolheram deram um impulso profissional e a psicóloga Simone por ter sido fundamental em todo processo de mudança para o interior.

RESUMO

SILVA, M.T. da. A política de saúde e a promoção: algumas repercussões em Niterói/RJ. 2012. 113 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

Essa dissertação tem por objeto de estudo a política de saúde em geral, recortada a partir do desenvolvimento das conferências internacionais de promoção da saúde. Observando a inflexão ideológica que os próprios conceitos de saúde e promoção sofrem. Há uma ação operada pelo capital através dos organismos internacionais de esvaziamento do conteúdo progressista para que se agregue valores de mercado à esse setor, e sua virtual transformação em mercadoria promotora de lucros em substituição a sua concretização como direito inalienável do ser humano. Com recorte no município de Niterói, município que fora berço do movimento e de experiências da Reforma Sanitário, foi possível observar a repercussão desse processo de inflexão ideológica operada pelo capital no campo da saúde.

Palavras-chave: Política de saúde. Promoção da saúde. Equidade.

ABSTRACT

SILVA, M. T. da. The health and promotion policy: some repercussions in Niterói / RJ . 2012. 113 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

This dissertation is an object of study health policy in general, cropped from the development of international conferences on health promotion. Observing the ideological inflection that the very concepts of health promotion and suffer. There is a lawsuit brought about by capital through international progressive emptying of the contents so that it adds value to this market sector, and its virtual commodification promoter of profits in substitution for his achievement as an inalienable right of the human being. With clipping in Niterói, a city that was the cradle of the movement and experience of Health Reform, it was possible to observe the impact of this process of ideological inflection operated by capital in the health field.

Keywords: Health policy. Health promotion. Fairness.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................... 8 1

SAÚDE E CAPITALISMO.......................................................................

12

1.1

Apropriação do trabalho e política social............................................ 12

1.2

Saúde nos primórdios do capitalismo..................................................

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1.3

Capitalismo tardio e saúde............................................................

21

1.4

Saúde no neoliberalismo.......................................................................... 27

2

A SAÚDE NO PROCESSO HISTÓRICO BRASILEIRO.........................

33

2.1

A revolução burguesa e os direitos sociais........................................

33

2.2

A ditadura do grande capital e a política de saúde............................

44

2.3

A saúde no Brasil contemporâneo: dos anos 1990 aos dias atuais.

50

3

PROMOÇÃO DA SAÚDE EM DEBATE.................................................. 62

3.1

Equidade e Promoção da Saúde: antecedentes históricos...............

62

3.2

Anos 1990: hegemonia do Banco Mundial..........................................

72

3.3

O Consórcio em Saúde Mental: um breve resgate histórico.............

77

4

REPERCUSSÃO NO MUNICÍPIO DE NITERÓI/RJ................................ 83

4.1

Formação histórica e contextualização do município........................ 83

4.2

Cidade de bons indicadores e contradição crescente.......................

86

4.3

A questão da saúde...............................................................................

90

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 100 REFERÊNCIAS.......................................................................................

108

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INTRODUÇÃO

A dissertação de mestrado que apresento é fruto de inquietações acadêmicas e profissionais.

A temática da Política de saúde provém no fato de desde a

graduação eu ter uma atuação neste campo como pesquisador, bolsista e estagiário sempre inserido no Projeto Políticas Públicas de Saúde1. No aspecto profissional advém das minhas primeiras atuações como assistente social na continuidade do trabalho no Projeto Políticas Públicas de Saúde como supervisor de estágio e minha inserção na Prefeitura de Niterói através de concurso público. Em Niterói, minha atuação no SUS se deu na Unidade Básica de Saúde do Centro. Na unidade, porta de entrada preferencial do sistema, atuei no atendimento direto ao usuário em demandas espontâneas, visitas domiciliares, nas campanhas “fique-sabendo” de prevenção às DST/AIDS, no acompanhamento das condicionalidades do programa Bolsa-Família no âmbito da saúde e, por fim, no programa de tabagismo. Dentro da amplitude da questão saúde, o recorte na promoção da saúde se desenhou no próprio processo de estudo e construção dessa dissertação. Os argumentos para isso são: A importância que os organismos internacionais vêm dando ao tema, o fato de a promoção se apresentar como a resolução aos problemas de saúde, o debate do tema no país, a quase ausência de críticas a esse debate, por se tratar de um elemento importante da porta de entrada do sistema e por acreditar que esta pode ser um ponto de atuação com grande relevância para o Serviço Social. O trabalho terá por suporte teórico-metodológico a articulação das categorias marxianas de totalidade, contradição e mediação. É preciso compreender que a totalidade não se trata da soma das partes ou um todo ligado a partes independentes que o condicionam. Também não se trata de uma totalidade elaborada puramente no plano reflexivo. Esta categoria necessita ter 1

Se trata de um projeto de extensão e pesquisa acadêmica da Faculdade de Serviço Social da UERJ que busca a articulação entre o ensino universitário e as demandas da sociedade. Tem como eixo central de ação a gestão democrática e o controle social na área da saúde. Coordenado pela professora Maria Inês de Souza Bravo.

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como fundamento as relações da sociedade, pois é na sociedade que a totalidade das relações vão se estabelecer. Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política. (MARX, 1999 p.52)

Assim essa totalidade é complexa, as superestruturas da sociedade também se constituem em totalidades complexas que se relacionam com a base real, a totalidade mais complexa. Como se trata de uma análise da sociedade essa totalidade não é estática, mas se trata de uma dinâmica impulsionada pelas contradições produzidas pela própria sociedade. E essas contradições aparecem - tanto na estrutura quanto na superestrutura - e impulsionam, como um motor, a sociedade. Essas contradições são contradições das classes fundamentais derivadas do processo de produção da vida social. E dessa contração surge a condição material da sua própria superação. Em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica [...] as forças produtivas que se encontram em desenvolvimento no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo as condições materiais para a solução desse antagonismo. (MARX, 1999 p.52 e 53)

Junto a essas categorias articuladas deve-se trabalhar a terceira categoria, que é a mediação. Essas totalidades contraditórias se articulam mediadas pela própria estrutura peculiar de cada totalidade. Dessa forma pretendo remontar o processo histórico do desenvolvimento capitalista recortando a questão da saúde e as Conferências Internacionais de Promoção da Saúde, analisando as cartas produzidas nestes encontros. Trabalharei o trato dado pelo Banco Mundial. Entrarei no plano nacional com a formação histórica brasileira, a constituição do movimento de reforma sanitária e a situação contemporânea. Será trabalhada a contradição fundamental da saúde, que ao mesmo tempo se constitui em direito fundamental do ser humano. Não somente na ausência de doenças, mas como resultante de determinações sociais. Portanto, o modo de produção capitalista ao tratar a saúde como uma mercadoria que produz mais-valia restringe a saúde aos que tenham condição de comprar.

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Desse modo a dissertação será dividida em quatro capítulos, No primeiro capítulo, será tratado a questão da saúde no capitalismo, precedido de uma introdução situando o Trabalho no contexto capitalista e sob a ótica da teoria crítica marxiana, os primórdios do conflito capital x trabalho, o nascimento da política social com sua natureza contraditória e a constituição do Estado nos marcos da teoria do liberalismo. Será debatido o desenvolvimento desta política ao longo da história. A parte inicial remeterá ao nascimento da medicina social. No momento seguinte será caracterizado o capitalismo tardio e o surgimento da medicina flexneriana e por fim, a saúde no neoliberalismo. O Segundo capítulo fará o debate da política de saúde no Brasil, sua gênese no processo da revolução burguesa nacional. O período da Ditadura do grande capital, o surgimento do movimento de Reforma Sanitária Brasileiro e o intenso processo de luta dos anos 1980, marcado pela realização da VIII Conferência Nacional de Saúde e culminando com a Assembléia Constituinte de 1988. Por fim, um panorama da saúde nos anos 1990. E uma breve análise da saúde nos governos petistas. O terceiro capítulo será apresentado o debate da Promoção da Saúde, sendo utilizado o conceito formulado na Conferência de Ottawa 2. E terá como ponto de partida as formulações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as conferências internacionais sobre o tema realizado pela instituição. Nesta, será feita a crítica ao conceito de equidade que vai, pouco a pouco, substituindo a idéia de que a falta de saúde seria resultado das desigualdades produzidas pelo capitalismo. A formulação e a direção que a OMS irá tomar será de, baseado na busca pela “equidade em saúde”, que o sentido da promoção da saúde seria o de resolver pequenas iniqüidades, algumas vezes fruto de diferenças naturais ou inevitáveis, nos marcos do sistema capitalista. Na segunda parte deste capítulo, apresentará a questão durante os anos 1990. Neste período, com o mundo entorpecido pela idéia do fim da história e de uma suposta superioridade do modo de produção capitalista, no campo da política de saúde, como em outras áreas como a educação, o Banco Mundial se torna

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Promoção da Saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo (Ottawa, 1986)

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hegemônico e suas formulações passam a ser seguidas como o “caminho da verdade”. O reflexo disso na promoção da saúde é que a guinada que se inicia com a idéia de equidade, vai se consolidar com a entrada do setor privado e com a formulação de ser a saúde um bom negócio a se investir. Na parte final, serão retratados os primeiros anos do século XIX e a constatação de que a meta formulada no final dos anos 1970 de “Saúde para todos no ano 2000” ainda está muito longe de ser alcançada. A OMS e as Conferências deste período vão apresentar algumas auto-críticas e mesmo impactados pela crise do sistema do capital não sairão do caminho construído nos anos neoliberais. No capítulo quatro farei um breve olhar sobre o município de Niterói, sendo a escolha motivada principalmente por minha inserção profissional. Assim, seráão apresentados alguns rebatimentos de todo esse processo histórico de formulação e aplicação da política de saúde e da promoção da saúde Por fim, nas considerações finais, são relacionadas essas análises entre si, tendo o foco na questão da promoção da saúde, sendo observados algumas repercussões no município de Niterói. Também serão apresentadas breves ponderações sobre o serviço social na saúde, limites e possibilidades para a atuação nesse campo e os desafios que se apresentam.

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1 SAÚDE E CAPITALISMO

Neste capitulo vamos apresentar processo de desenvolvimento da questão saúde como política social no contexto do sistema capitalista. Será dividido em quatro partes: A primeira parte introduz o tema a partir da apropriação do trabalho pelo capitalismo. Na segunda faz-se um recorte na saúde a partir do nascimento da medicina social. Terceira parte será apresentada uma leitura do capitalismo em sua fase tardia e as questões pertinentes à política de saúde. E por fim uma leitura de questões contemporâneas.

1.1 A apropriação do trabalho e a Política Social

Primeiramente vai se apresentar uma breve reflexão sobre o trabalho para Marx, para depois tratá-lo no contexto do modo de produção capitalista e as leis construídas ao redor do trabalho, as chamadas políticas sociais, em destaque a saúde. Segundo Marx, O trabalho é um processo entre o homem e a natureza [...] Ele (o homem) põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural de forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio deste movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 2004 p.30)

O trabalho tratado por Marx é exclusivo do homem. A execução deste trabalho não é uma atividade instintiva, mas fruto de uma ação pensada. O Homem elabora mentalmente o resultado da ação antes de executar o movimento, por isso o trabalho é uma ação subordinada à vontade humana. Um aspecto fundamental do trabalho é a valorização. Somente o trabalho humano é capaz de dar valor a algum bem. Determinada matéria passa a ter valor de uso quando nela se incorpora o trabalho humano. E essa matéria transformada pelo homem, sob o modo de produção capitalista, se torna uma mercadoria, e passa a possuir também um valor de troca.

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No capitalismo todas as coisas, bens e serviços tendem a se tornar mercadoria. A força de trabalho humana também se torna uma mercadoria no modo de produção capitalista. Quando tratada dessa forma possui um duplo caráter, ser produtora de valor de uso e de valor de troca. Os valores de uso são imediatamente meios de subsistência. Mas inversamente, esses meios de subsistência são eles próprios produtos da vida social, resultado de força humana vital gasta, trabalho objetivado. Como encarnação do trabalho social todas as mercadorias são cristalizações de mesma unidade. É preciso considerar agora o caráter determinado dessa unidade, isto é, do trabalho que se apresenta como valor de troca. (MARX, 1999 p.58)

No capitalismo o trabalho apresenta dois aspectos peculiares, o primeiro é que o trabalhador trabalha sob controle do capitalista, que comprou sua força de trabalho. O segundo é que o produto do trabalho também pertence ao capitalista. Nesse contexto, o objetivo do capitalista é produzir uma mercadoria que tenha valor de uso e assim possa ser vendido por seu valor de troca. Esse valor da mercadoria precisa, necessariamente, ser maior do que a soma dos valores gastos para produzi-la, ou seja, o custo com as matérias-primas, ferramentas e a força de trabalho3. Considerando que os custos com a força de trabalho são variáveis e dependem da jornada de trabalho e da intensidade da produção, o capitalista busca sempre que o trabalhador tenha a jornada mais extensa e produza a maior quantidade possível de mercadorias. Mas ao pagar o valor diário ou semanal da força de trabalho do tecelão, o capitalista adquire o direito de usar essa força durante todo dia ou toda semana [...] digamos que irá fazê-lo trabalhar doze horas diárias, ou seja, além das seis horas necessárias para recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras seis horas, a que chamarei “horas de sobretrabalho”, e esse sobretrabalho se traduzirá em “mais-valia” e em um “sobreproduto” (MARX, 2004 p.72)

Com o avanço da revolução burguesa e o desenvolvimento do capitalismo houve a necessidade da força de trabalho ser livremente comercializada como mercadoria, ao custo mais baixo possível. Nos primórdios do sistema de capital, como as leis de regulação do uso da mercadoria Força de Trabalho ainda eram incipientes, as que existiam se davam no sentido de forçar os indivíduos a trabalhar até a exaustão para garantir a

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“A composição do capital tem de ser apreciada sob dois aspectos. Do ponto de vista do valor, é determinada pela proporção em que o capital se divide em constante, o valor dos meios de produção, e variável, o valor da força de trabalho, a soma global dos salários.” (Marx, 2009: 715)

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lucratividade. A mesma burguesia que detinha os meios de produção também controlava as nascentes instituições estatais e, por conseqüência, tinham a seu favor todo o aparato repressivo, que era usado para forçar as pessoas a trabalhar, caso fosse necessário. As imensas massas camponesas, não contavam mais com a “proteção” de seus senhores e se viam desprovidos de quaisquer meios necessários para sua subsistência. Tudo que possuíam eram sua energia vital e força física para trabalhar, daí que se viam obrigados a vender essa força vital que era necessária à expansão do capitalismo. No âmbito legal foi instituída a lei dos pobres ainda no século XVIII que, de acordo com Behring e Boschetti (2009), tinha um aspecto punitivo, repressivo e não protetor. Essa lei vinha para adequar a mão-de-obra à nascente sociedade de mercado para garantir mais pessoas trabalhando e, portanto, a produção de maisvalia. Essa disciplina imposta, a partir do trabalho, construía uma ordem social. A burguesia dava inicio à uma nova forma de sociabilidade. As pessoas eram livres, mas se não trabalhassem para alguém eram punidas, podendo até ser presas. A nova Lei do Pobres reinstituiu a obrigatoriedade de trabalhos forçados para pobres capazes de trabalhar, deixando a própria sorte uma população de pobres e miseráveis sujeitos a “exploração sem lei” do capitalismo nascente. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009 p.50)

A partir deste processo, com o trabalhador sofrendo a superexploração de sua força vital, nascerão conflitos entre o capitalista e o trabalhador, com este último exaurido de toda sua força física, sugada pelo capital. Esses conflitos se intensificam até um enfrentamento maior. As lutas ocorridas, em 1848, são conseqüências diretas dessa expansão desenfreada do capital e do conflito de classes. Pois, com o desenvolvimento do capitalismo, crescia também o proletariado urbano e a pauperização 4, fruto da

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Aqui iremos nos remeter à Lei Geral da Acumulação Capitalista, de Marx. “Quanto maiores a riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seu crescimento, e conseqüentemente, a magnitude absoluta do proletariado e da força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva (Marx, 2009, p.748) “Mas os métodos de extrair mais-valia são, ao mesmo tempo, métodos de acumular, e todo aumento da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos. Infere-se daí que, na medida em que se acumula o capital, tem de piorar a situação do trabalhador [...] Determina uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. Acumulação de riqueza num pólo é,

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apropriação do trabalho e das contradições da sociedade capitalista. Nascia junto com a sociedade capitalista, a questão social que, de acordo com Iamamoto, deve ser: Apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2001 p.27)

Com a intensificação da luta de classes vão surgir regulamentações posteriores, principalmente, acerca da discussão da jornada e da manutenção da força de trabalho. Leis cujo objetivo principal seria “proteger” a Força de Trabalho ao mesmo tempo em que mantenha altos níveis de produtividade.

Nessas, se

concentrarão as legislações que irão mediar esses conflitos da sociedade capitalista. Uma boa ilustração sobre o tema, pela ótica de expoentes da práxis marxista à época, é a Reflexão de Luxemburg: As leis de proteção do trabalho são, na realidade, o primeiro reconhecimento oficial da sociedade atual de que a igualdade e a liberdade formais que servem de base à produção e à troca de mercadorias abriram falência, que se transformaram em desigualdade e ausência de liberdade, desde que a força de trabalho aparece como mercadoria. (ROSA LUXEMBURG,1969 p.314)

Como resultado dessas revoltas, a classe trabalhadora conquistou alguns direitos e obrigou à burguesia a constituição de uma legislação de seguro social e também concessões na organização política do próprio Estado, que dessa forma ampliava ainda mais suas contradições. Entre 1883 e 1914, todos os países europeus implantaram um sistema estatal de compensação de renda para os trabalhadores na forma de seguros; No mesmo período, 11 dos 13 países europeus introduziram seguro saúde e 9 legislaram sobre pensão aos idosos; Em 1920, 9 países tinham alguma forma de proteção ao desempregado. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p.67)

Assim, surge o caráter contraditório das Políticas Sociais, ao mesmo tempo em que aparecem como conquista do proletariado - a partir do questionamento das relações sociais vigentes - é também elemento que reforça a confiança no Estado como mediador dos conflitos.

ao mesmo tempo, acumulação de miséria, de trabalho atormentante, de escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral, no pólo oposto.” (Ibdem: 749)

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Na Alemanha, sob a chancela de Otto Von Bismarck, a resposta às reivindicações dos trabalhadores foi a criação de um modelo de seguro social que ficou conhecido como “Modelo Bismarckano”. Suas características se assemelham à de seguros privados. A cobertura dos benefícios se estende aos trabalhadores contribuintes e seus familiares. O financiamento é contributivo com a participação de trabalhadores e patrões, com parâmetros medidos na folha salarial. A gestão era dos contribuintes e divididos em caixas por risco social: caixa de aposentadoria, caixa do seguro saúde, etc. Esse exemplo ilustra a contradição na existência da Política Social. O “Modelo Bismarckano” tinha inspiração na própria organização do proletariado. Uma das formas da manifestação da solidariedade entre classe dos trabalhadores se materializou na organização de caixas de poupanças e previdência (tipo mutualismo), como maneira de cotização para financiar e construir organizações operárias e para sustentar os trabalhadores em greve. Porém, na mediação, elaborada pelo Estado Alemão, tratou-se de desvirtuar essa solidariedade. Os objetivos eram desmobilizar as lutas que irradiavam desde 1848 e também reafirmar o Estado como mediador dos conflitos de classe. A partir dessas experiências, tanto no que tange às conquistas do proletariado como na repressão por parte dos Estados, pode-se pensar como acertada a caracterização do Estado como comitê executor da burguesia5, formulado por Marx e Engels, no Manifesto Comunista6. Com a intensificação e complexificação das relações entre o capital e o trabalho, o Estado vai aparecer como regulador das relações sociais e vai se tornando hegemônico o pensamento liberal. Já se havia conquistado alguns direitos civis relacionados a questões da vida, da segurança e das liberdades individuais, mas, sobretudo ao direito à propriedade, aos contratos e à justiça. Aqui se viu o predomínio das teorias liberais, formuladas a partir de John Locke. 5

Com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial a burguesia conquistou, finalmente, o domínio político exclusivo no Estado representativo moderno. O poder do Estado moderno não passa de um comitê que administra os negócios comuns de toda classe burguesa como um todo. (Marx&Engels ,2008:12). 6

Embora publicado na mesma época das revoluções de 1848 o Manifesto Comunista não tem relação direta com esses eventos. “Entre a revolução de 1848 e o Manifesto Comunista não existem nexos causais e\ou interativos; na verdade, ambos são expressões, em planos diferentes, de uma processualidade sócio-histórica bem mais inclusiva, que os trancende e em relação à qual adquirem plena inteligibilidade” (Netto, (elementos para uma leitura crítica do Manifesto Comunista em: http://pcb.org.br/portal/docs/elementos.pdf)

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Os direitos políticos devem garantir aos cidadãos de um determinado Estado a participação livre na atividade política, seja como membros de organismos do poder político, seja como simples eleitores de representantes nesses organismos. Tem seu marco no processo de revolução francesa. E por fim, os direitos sociais, que respondem às necessidades humanas básicas, assegurando o direito a um bem-estar econômico mínimo, relacionam-se principalmente com o direito a salário, saúde, educação, habitação e alimentação. Esse Estado pode ser classificado como Liberal, que ancorado no liberalismo econômico tinha como princípios a força de trabalho enquanto mercadoria com sua regulação feita pelo livre mercado. Nele continham características policialescas e repressoras. Conforme ressalta Chauí7, a teoria liberal a partir de Locke - e posteriormente na Independência Americana e na Revolução Francesa - que chega ao século XX, através de Max Weber, e vai apontar o Estado com três funções essenciais: a) o monopólio da força para garantir o direito a propriedade sem interferir na vida econômica (como se fosse isso possível); b) interferir na esfera da sociedade civil, sobre a qual o Estado não tem poder instituinte, apenas como árbitro de conflitos que nela existam; c) Legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença a esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. Algumas

características

essenciais

do

liberalismo:

predomínio

do

individualismo, o bem-estar individual maximiza o bem-estar coletivo, o predomínio da liberdade e competitividade, a naturalização da miséria, o predomínio da lei da necessidade, manutenção do Estado mínimo, as políticas sociais que favorecem ao trabalho estimulam o ócio e o desperdício, a política social deve ser um paliativo. É nesse contexto que a questão saúde será desenvolvida a partir do Século XIX e será um elemento do conflito capital versus trabalho, mediada na forma de política social.

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Retirado de www.cefetsp/edu/eso/filosofia/contratualistaschaui.html

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1.2 A saúde nos primórdios capitalistas

A questão da saúde remete diretamente ao fato de existir e de viver. E desde o surgimento da sociedade capitalista, a necessidade do trabalho, sob quaisquer condições, para viver e se reproduzir passou a ser a única possibilidade dos seres humanos que nada possuíam além de seu corpo e sua força para trabalhar. E de tanto que se trabalhava e das péssimas condições que se habitavam no contexto das primeiras fábricas e do nascente sistema capitalista, que as camadas proletárias eram um lugar propício a proliferação de doenças infecto-contagiosas. A medicina, ao longo da história, sempre teve um caráter autônomo e também atuava nas ações assistenciais da Igreja, que no período medieval oferecia cuidados e atenção aos desvalidos e necessitados. Do século XII ao XVI, os hospitais, chamados de “Hotéis de Deus”, funcionavam como hospedaria para peregrinos, pobres e inválidos que recebiam assistência genérica. (Bravo, 1991: 10). Ainda, de acordo com a autora, no que se desenvolviam as forças produtivas e avançava no processo da formação do modo de produção capitalista esses cuidados médicos começaram a se expandir. Uma vez que com o capitalismo irá aumentar drásticamente o quantitativo dessa população desvalida, com isso essa assistência passa a ser assumida pelo Estado, já que a Igreja não dava mais conta. A classe que emergia no processo de formação capitalista, o proletariado, passa a ser assistida pela medicina. Naquela sociedade eram eles as maiores vitimas de adoecimento, com jornadas excessivas de trabalho, alimentação restrita e habitações em condições insalubres. Essas condições fizeram do meio operário foco de doenças. O capital também era afetado por essas doenças, pois atrapalhava na produção. Os problemas de saúde, suscitados pela Revolução Industrial, não afetaram apenas o proletariado, mas também as classes dominantes, pois estas não ficavam imunes às epidemias que grassavam nos novos centros industriais. As más condições de vida e de saúde reduziam a produtividade do trabalho e a situação desesperadora em que se encontrava a classe operária era terreno fértil para movimentos de revolta, que colocavam em perigo a ordem constituída. (BRAVO, 1991 p.17)

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Nesse contexto, a formação da Medicina Social, aqui trabalhado a partir dos estudos de Bravo8, passará por três etapas: a medicina do Estado (Alemanha), a Medicina Urbana (França) e a Medicina da Força de Trabalho (Inglaterra). Na Alemanha surgiam movimentos que apontavam o direito à saúde como direito de cidadania e que seria dever do Estado promover a saúde. Durante o período revolucionário de 1848 essas bandeiras ficaram em evidência. Assim, mesmo após serem derrotados politicamente, os trabalhadores alemães conseguem a conquista de alguns direitos. Esses direitos aparecem no modelo implantado por Bismarck. Foi lá que surgiram as primeiras ações efetivas que partiram do Estado. Uma particularidade desse caso foi o aparecimento de uma polícia médica, que reforçava o aspecto controlador da ação estatal, que expressava algumas características: o Estado deveria zelar pela saúde dos cidadãos, de que os médicos seriam responsáveis pelo tratamento dos doentes e também pelo controle da saúde pública. Portanto, a eles caberia supervisionar os hospitais e promover a educação sanitária do povo. (Bravo, 1991). A segunda etapa, no processo de desenvolvimento da medicina social, aparece na França. A medicina urbana se desenvolve junto com as cidades que começam a emergir com o deslocamento de camponeses que buscavam vender sua Força de Trabalho à nascente indústria. É dela que deriva a medicina científica no início do séc. XX e também é a partir dela que a noção de higiene pública e salubridade foram desenvolvidas. Ao se considerar insalubridade como uma situação que afeta a saúde e higiene pública o controle do meio que pode ou não gerar insalubridade. (Bravo, 1991) As propostas de enfrentamento à essa expressão da questão social propunha substituir a caridade religiosa pelo dever de assistência da sociedade como um todo junto aos cidadãos necessitados. A reforma política e social na França, propugnada sob o signo das ideologias de liberdade política e igualdade social, implicou no engajamento da medicina em uma tarefa política de correção dos males sociais. Surgem propostas de reforma médica, de reestruturação de hospitais, de instauração da assistência obrigatória e gratuita aos enfermos. (BRAVO, 1991, p.20)

A intervenção sobre a saúde da classe trabalhadora vai se dar com um viés de controle. Vai ser por meio da prática médica que vai se tentar controlar o 8

Sua tese de doutoramento,onde trabalha a com as análises de Foucalt (1979), Donnagelo (1976) e Teixeira (1986).

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comportamento dos operários em relação a sua alimentação, seu lazer e outras questões do modo de vida. Aqui, a contradição aparece no sentido que a extensão desses serviços ameniza os conflitos de classes e reforça a confiança na mediação do Estado. A terceira etapa é a medicina da força de trabalho, surgida na Inglaterra. Neste país - em que ocorreu a primeira Revolução Industrial com o conseqüente aparecimento do proletariado urbano. A pobreza era tratada como um problema particular, só havendo preocupação para classe dominante se algo ameaçasse a produção de mercadorias. Por estes motivos é que na Inglaterra se dão os primeiros enfrentamentos com o capital. Em 1834 aparece a primeira central de trabalhadores, com isso a classe trabalhadora influencia na criação de leis sociais e passa a se tornar uma classe perigosa, que necessitava de controle. A medicina que apareceu no final do século XIX, sobretudo na Inglaterra, é uma medicina de controle da saúde e do corpo das classes trabalhadoras para torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas ao capital. [...] O sistema inglês de atenção à saúde teve como perspectiva a assistência médica ao “pobre”, controle de saúde da força de trabalho e saúde pública a fim de proteger a burguesia dos perigos gerais. A medicina social inglesa permitiu a criação de três sistemas médicos superpostos: a medicina assistencial destinada aos mais pobres, a medicina voltada para a saúde pública e a medicina privada para os que tinham meios de pagá-la. (BRAVO, 1991, p.22)

Na sociedade capitalista, onde tanto o trabalho quanto o resultado deste não pertence ao sujeito que vende sua força de trabalho, a condição da saúde passa a ser um elemento que implica diretamente no conflito, pois ter saúde significa poder trabalhar. O ponto é: quem vai arcar com os custos para o cuidado com a saúde? Será que parte do resultado trabalho produzido coletivamente deveria ser destinada aos cuidados da saúde humana, independendo da produção direta de valor? Os sistemas que se derivam da medicina social inglesa, um sistema assistencial, de cunho mais caridoso e focado nos segmentos mais pobres da sociedade. Um sistema público onde a principal preocupação era manter a força de trabalho em condições de executar seus trabalhos e um sistema privado que atenderia segmentos mais abastados, atendendo às suas demandas em particular e comercializado como tantos outros serviços. Esses três sistemas sobrepostos se desenvolvem e uma contradição importante que vai atravessar a questão da saúde é o acesso. A contradição elementar da saúde reside no fato de que o desejo a boas condições sanitárias e

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tratamentos eficientes seria um elemento de unidade, pois na aparência do fenômeno todos concordariam com a saúde como um direito inalienável do ser humano. Porém, como um valor de uso - produzido pelo ser humano na sociedade capitalista - se torna uma mercadoria, que no seu consumo fecha o ciclo da produção e faz do sobretrabalho dinheiro para o capitalista recomeçar o ciclo. Compreender esse processo e tomar consciência do papel e da contradição contida na questão saúde é enxergar para além da aparência da sociedade capitalista. Conceito classificado da seguinte forma: Por consciência sanitária entendo a tomada de consciência de que a saúde é um direito da pessoa e um interesse da comunidade. Mas como esse direito é sufocado e este interesse descuidado, consciência sanitária é a ação individual e coletiva para alcançar esse objetivo. (BERLINGUER, 1978, p.5)

Para o autor a saúde necessitava de uma ação coletiva, que os aspectos sanitários e políticos deveriam entrelaçar. Notava-se que não adiantava tratar somente as doenças, se as condições sociais levavam novamente ao adoecimento. Por isso, a saúde necessitava de intervenção política. As principais causas do adoecimento são frutos das relações sociais. Então para atingir as causas era necessário incidir nessas relações. A legislação do trabalho era a base do conflito, pois o debate era qual idade mínima e máxima para trabalhar? quantas dias da semana deveria ter uma jornada de trabalho? E por quantas horas por dia? E homens e mulheres teriam a mesma jornada?

1.3 O Capitalismo Tardio e a Saúde

Como as relações entre as classes fundamentais se tornando mais complexas e com aumento do custo da força de trabalho, o capital necessita de uma mutação para manter seus lucros. Assim, as bases do liberalismo entram em erosão com o desenvolvimento do sistema do capital, marcado pelo avanço das lutas de classes, pela emergência da classe trabalhadora, na luta por seu reconhecimento enquanto sujeito político na ordem do capital. Esse grau de maturidade da classe trabalhadora é atingido na fase monopólica, em que se demanda um complexo de regulações que vão de encontro com o liberalismo clássico. É a transição do capital concorrencial para o capital monopolista, o início do estágio Imperialista.

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De acordo com Netto, (1992) a organização do capital, no capitalismo monopólico, tem um único objetivo o aumento dos lucros com o controle dos mercados. Com o início dos monopólios, outra característica do modelo aflora na sociedade: o aumento do contingente de trabalhadores do exército industrial de reserva. Também aí se dá a emergência da indústria bélica e se torna mais latente o parasitismo com a ascensão do capital financeiro. O capitalismo monopolista traz à tona a natureza parasitária da burguesia. A monopolização rearranja a divisão internacional capitalista do trabalho e conduz ao ápice a contradição elementar entre a socialização da produção e apropriação privada: internacionalizada a produção grupos de monopólios controlam-na por cima de povos e estados. (NETTO, 1992, p.23)

Para que esse processo atinja seu objetivo é necessário que o Estado seja refuncionalizado, para que realize sua intervenção e mediação dos conflitos de classe no mesmo sentido que vem realizando desde a revolução burguesa, ou seja, protegendo. A exploração do trabalho, dos lucros e da propriedade privada. No capitalismo monopolista algumas ações são empreendidas, como: o fornecimento de matérias-primas e de energia fundamentais de baixo custo; a assunção de empresas capitalistas em dificuldades; e a entrega aos monopólios complexos construídos com o fundo público. É o Estado garantindo o lucro. O Estado atua como um instrumento de organização da economia, operando como um administrador dos ciclos de crise. Integração orgânica entre os aparatos privados dos monopólios e as instituições estatais. O Estado funcional ao capitalismo monopolista é, no nível das suas finalidades econômicas, o “comitê executivo” da burguesia monopolista – opera para propiciar o conjunto de condições necessárias à acumulação e valorização do capital monopolista. (NETTO, 1992, p.26)

Esse período tem o marco da primeira grande crise do capitalismo, a crise de 1929-1932, conhecido como a grande depressão. Essa foi a maior crise do sistema do capital até então, se espalhou pelo mundo, tendo inicio no sistema financeiro americano na Bolsa de Nova York. A partir daí, nasceu a desconfiança de que os princípios do liberalismo poderiam estar equivocados.

E, com a Revolução

Socialista na Rússia, o sistema do capital sente de forma concreta sua hegemonia ameaçada. Nesse processo, as políticas sociais crescem de forma lenta no período depressivo e vão se generalizar no período expansivo9 do segundo pós guerra.

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Segundo Mandel, o período de expansão notabiliza-se pelo crescimento da composição orgânica do capital, pelo aumento da taxa de mais-valia e pela possível baixa dos preços das matérias-primas. Essa situação cria seus próprios obstáculos: com a redução do exército industrial de reserva, tende a se ampliar a resistência do movimento operário, baixando a taxa de mais valia (Behring&Boschetti, 2009:69)

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Novamente o sistema do capital se transfigura para se recuperar da crise que o afetou a partir de 1929. Os chamados anos de ouro do capitalismo marcam a sua entrada na fase tardia ou madura no segundo pós-guerra. Esse período se estende até o final da década de 1960 com uma nova crise do capital. Quando ele entrará na fase tardia, marcada pela crise do petróleo de 1973. Classificar o capitalismo como tardio não quer dizer que o capitalismo tenha mudado em sua essência, de forma que as análises de "O capital" e a leitura sobre o Imperialismo de Lênin ainda são pertinentes para a sua compreensão. O capitalismo tardio se trata de um desenvolvimento subseqüente à época imperialista, desta forma as características enunciadas por Lênin para o Imperialismo permanecem válidas. Outro aspecto importante é a inovação tecnológica, que com isso reduz o tempo de rotação do capital fixo, determinando a obsolescência da maquinaria. Com isso a pesquisa passa a ser mais um negócio no capitalismo, tendo por objetivo maximizar os lucros para a empresas. Quanto maior a aceleração da renovação tecnológica e a redução do tempo de rotação do capital fixo, tanto maior será a instalação de novos processos de produção. O fornecimento de fábricas inteiramente equipadas, juntamente com processos de fabricação, know-how técnico, patentes e licenças, e também de especialistas mais importantes, torna-se assim, uma nova forma de investimento de capital ou exportação de capital. (MANDEL, 1982, p.178)

Na fase tardia do capitalismo a exploração ainda é baseada na lei do valor. O que ocorre é que a bases para extração da mais-valia se deslocam de sua forma absoluta, ancorada nas longas jornadas de trabalho, para uma forma relativa, onde a jornada permanece nas 8 horas diárias, mas que com a redução do capital orgânico e a substituição de parte do trabalho vivo por trabalho morto mediadas pelas novas tecnologias descobertas. Ampliam-se as taxas de extração da mais-valia, agora de forma relativa. (Behring, 2002) A lei do valor desempenha um duplo papel: a) proporcionar um formato que regule a distribuição dos recursos econômicos pelos diversos setores da economia capitalista.;b) e garantir que essa distribuição corresponda à estrutura da demanda dos consumidores finais. O capital aumenta a produtividade média do trabalho com uso de mais maquinaria apropria-se de uma parte da mais-valia produzida por capitalistas considerados atrasados em termos de produtividade do trabalho (MANDEL, 1982, p.370)

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Umas das bases foram às mudanças no mundo da produção com o fordismo se generalizando após a segunda guerra mundial e trazendo novos produtos e processos de produção. Há o impulso, também, da indústria bélica crescente no contexto de guerra fria. E o desenvolvimento do capital a partir da reconstrução dos países destruídos pela guerra. O que de novo aparece com o fordismo é a produção em massa para um consumo em massa, que implicava em uma nova forma de reprodução da força de trabalho e uma nova forma de controle e gerência do trabalho. Essas mudanças atingem não somente o ambiente fabril, mas se espalham por toda sociedade. Gramsci (1997) percebe isso no ensaio “Americanismo e Fordismo”, onde relaciona esse processo de transformação fabril com a produção de um novo homem. Por isso demandava um controle sobre o modo de vida e de consumo da população. Na verdade o que ocorre nesse processo do fordismo é a revalidação da idéia marxiana de que é sobre a base das relações de produção que derivam as relações sociais na sociedade. Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua própria vontade... A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. (MARX, 1999, p.52)

O Estado também processaria mudanças para “facilitar” a nova forma de acumulação e exploração demandadas pelo capital. Após a crise de 1929, já surgiram críticas ao modo como o capitalismo se organizava. Sob a ótica keynesiana, o Estado, via fundo público, passa a ter um papel ativo na produção e regulação das relações econômicas e sociais. Sem romper com o principio liberal de que o bem estar deve ser buscado individualmente no mercado, passa-se a aceitar intervenções do Estado. Nessa intervenção global, cabe, portanto, o incremento das políticas sociais. Assim, o Keynesianismo e fordismo, associados, constituem os pilares do processo de acumulação acelerada de capital no pós-1945, com forte expansão da demanda efetiva, altas taxas de lucro, elevação do padrão de vida das massas no capitalismo central, e um alto grau de internacionalização do capital, sob o comando da economia norteamericana, que sai da guerra sem grandes perdas físicas e com imensa capacidade de investimento e compra de matérias-primas, bem como dominação militar. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p.88)

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As principais funções do Estado, nesse contexto, são: a) criar as condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelo mercado privado; b) realizar a repressão a qualquer ameaça ao modo de produção capitalista, e c) integrar as classes dominadas, de modo a garantir que a ideologia da sociedade permaneça sendo a ideologia das classes dominantes. Quando se fala em criar condições gerais de produção, se deve entender o Estado garantindo a infraestrutura necessária ao desenvolvimento capitalista e também arcando com os custos altos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, garantido, assim, a lucratividade do capitalista. O capitalismo tardio caracteriza-se por dificuldades crescentes de valorização do capital (supercapitalização, superacumulação). O Estado resolve essas dificuldades, ao menos em parte, proporcionando oportunidades adicionais, numa escala sem precedentes, para investimentos “lucrativos” desse capital na indústria de armamento, na “indústria de proteção ao meio ambiente”, na “ajuda” a países estrangeiros, e obras de infra-estrutura (onde “lucrativa” significa tornado lucrativa por meio da garantia ou subsídio do Estado). (MANDEL, 1982, p.340)

No aspecto da luta de classes, a vitória da revolução socialista fortaleceu o movimento operário mundial, ameaçando a hegemonia capitalista. Esse novo paradigma de organização da sociedade também foi um dos determinantes para o pacto social keynesiano entre o capital e o trabalho, cujas expressões concretas serão vistas nas políticas do Estado de Bem-Estar Social. Nos países que tiveram essas políticas implementadas houve uma melhora efetiva da qualidade de vida dos trabalhadores, para além do ambiente fabril. Houve o aumento do acesso a bens de consumo e lazer e uma sensação de estabilidade no emprego, o que dispersou as lutas operárias e produziu uma queda vertiginosa em sua radicalidade. A esquerda revolucionária terminou por ficar isolada e segmentos da classe perderam a identidade com o projeto socialista. As políticas sociais se expandiram e generalizaram nesse período, garantidas pelo ente estatal. Essas melhoras, que se materializam através do Welfare State, conforme apontam Behring & Boschetti (2009), foram estruturadas nos seguintes aspectos: a responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos; a prestação de serviços públicos sociais universais, como educação, segurança social, assistência médica e habitação; e a regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível de emprego. Esse período de prosperidade fez com que surgissem análises de extremo otimismo, como a de T.H. Marshall que desconsiderava a opção socialista e

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colocava que o capitalismo dava conta do processo de “humanização” da sociedade. Isso leva a conclusão do autor de que haveria compatibilidade entre desigualdade de classes e cidadania. Concebendo que a cidadania na fase madura comportaria as garantias dos direitos civis, dos direitos políticos e dos direitos sociais. Essa formulação até hoje pauta muitas discussões acerca das políticas sociais e necessidade de superação do modo capitalista de produção. No âmbito da saúde, um marco importante é, em 1910, a elaboração do Relatório Flexner, que serve como base para o advento da Chamada “Medicina Científica”. É importante ressaltar que as realizações das recomendações desse relatório foram articuladas pela Associação Médica Americana e pela industria, por meio de fundações de amparo à pesquisa que destinaram, para esse fim, em torno de US$ 600 milhões.

É aqui que se massifica o sistema de medicina privada

destinada aos que podem pagar pelo consumo deste direito, agora fetichizado em mercadoria. Concordamos com o que Silva Junior aponta sobre a medicina científica: Essa medicina se incorporou ao desenvolvimento do sistema capitalista monopolista, exercendo um papel importante na reprodução da força de trabalho, no aumento da produtividade e na reprodução da ideologia capitalista, legitimando-a. Incrementou seu papel “normatizador” da sociedade, “medicalizando” seus problemas sociais e políticos. Também abriu um “novo mercado”, o de consumo de “práticas médicas” e de saúde. (SILVA JUNIOR,1998, p.47/48)

A “Medicina Científica”, ou Flexneriana, tem como características: o entendimento

do

corpo

como

uma

máquina

mecânica,

pressupõe

um

reconhecimento exclusivo da natureza biológica da doença, o indivíduo é o responsável por sua doença (desconsidera o aspecto social); um aprofundamento da especialização em detrimento do profissional generalista, a exclusão de práticas alternativas (constrói-se o mito do “cientificamente comprovado”), uma necessidade dependente de técnicas e tecnologias para diagnósticos (sobre esse ponto é importante apontar que a difusão desta necessidade é feita de forma agressiva pela articulação das corporações industriais multinacionais ao ensino e à pesquisa médica, dos países capitalistas centrais para os periféricos); e uma concentração de recursos (a instituição dos Grandes Hospitais, como centros diagnósticos e tratamentos) que abrigou a prática médica em determinados espaços físicos. Esse modelo de medicina começa a dar sinais de crise, principalmente por seu alto custo, ineficiência, ineficácia e desigualdade no acesso. Essa crise também

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é impulsionada pela compreensão de que o direito a saúde é um direito humano fundamental e a pressão que a classe trabalhadora exercia desde os anos 1940 por políticas de Bem Estar Social. Porém, essa modalidade se torna hegemônica a partir do capitalismo tardio e passa a pautar o desenvolvimento da saúde com base nas especialidades, nos grandes hospitais e centrado na doença. Dessa modalidade médica se fortalecessem os espaços de saúde privada e o modelo conhecido como Hospitalocêntrico.

1.4 Saúde no neoliberalismo

O sistema do capital começa a apresentar sintomas de crise e esgotamento dos superlucros, obtidos nos “anos de ouro”, mudando mais uma vez para se adaptar e retomar suas taxas de lucro. A crise do modelo Keynesiano serviu para reafirmar a formulação marxiana sobre o desenvolvimento do capitalismo: “Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes”. (Marx, 1999: 52). É nessa contradição que se fixam os limites da onda longa de expansão e a entrada no período de estagnação. A crise de 1974-1975 se constitui numa crise de superprodução. A crise tem a função objetiva de se constituir como meio pelo qual a lei do valor se expressa e se impõe. Ela é a consolidação de dificuldades crescentes de realização da mais-valia socialmente produzida, o que gera superprodução, associada à superacumulação. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p.117)

A onda depressiva, que se inicia nos anos 1970 com a crise de superprodução e nos países imperialistas, tem alguns levantes da classe trabalhadora, como a greve dos mineiros na Inglaterra. Algumas características do processo: as primeiras evidências da perda da hegemonia do capitalismo norteamericano no comércio internacional e o aumento da concorrência imperialista. O Japão e a antiga Alemanha Ocidental se apresentam como fortes concorrentes aos EUA. (Behring,2002)

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A resposta do capital é o Neoliberalismo, que vai surgindo a partir dos anos 1980, aliado a uma revolução tecnológica e organizacional. A reestruturação produtiva traz como um ponto central a geração de um desemprego crônico e estrutural que atinge o movimento dos trabalhadores, sendo um duro golpe do capital. Outro aspecto é a mundialização da economia, este foi um dos fatores que entrou em choque com as políticas Keynesianas, o que determinou uma nova divisão social e internacional do trabalho. Outra vez as alterações das relações de produção iriam afetar as relações sociais e políticas. A hegemonia neoliberal vem no final dos anos 1970 e tem como fatos políticos os governos Thatcher em 1979 na Inglaterra, Reagan nos EUA em 1980, Khol na Alemanha, 1982 e Shlutter em 1983 na Dinamarca. As políticas implementadas revelaram efeitos destrutivos para as condições de vida da classe trabalhadora: aumento do desemprego, redução de salários e a diminuição de gastos com políticas sociais. (Behring & Boschetti,2009) O sistema do capital realiza a ruptura com o padrão fordista e aplica o que Harvey (1992) classifica como padrão de acumulação flexível. De acordo com o autor esse modelo se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo. Dão-se o surgimento de setores de produção inteiramente novos, com novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros. Essas condições permitem aos patrões aumentar o controle sobre o trabalho. Se no capital concorrencial a exploração se dava em base à extração da mais-valia absoluta - e no capitalismo tardio o que prevalece é uma exploração da mais-valia relativa - na acumulação flexível o que se tem é uma combinação das duas formas com intuito de ampliar ao máximo a exploração da mais-valia. Outro momento de grande impacto e que influenciou fortemente a hegemonia neoliberal, especialmente a partir dos anos 1990, foi a queda do Muro de Berlim e a falência do socialismo soviético que - somado ao fato que nos países do Welfare State parte classe trabalhadora havia perdido a referência no socialismo inebriada pelo sucesso do Keynesianismo - fizeram surgir novos profetas do sistema do capital, que sempre vinham dizer que o capitalismo respondia aos anseios da

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humanidade. Agora era a vez de Francis Fukuyama10, que afirmara que com o advento neoliberal a humanidade havia chegado ao fim da história. Para cada uma de suas transmutações o sistema do capital sempre teve, no Estado, o operador e garantidor de suas intenções. Assim, o papel do Estado mudou conforme os interesses capitalistas: em alguns momentos da história não deveria intervir na economia em outro a intervenção era necessária. O pecado para o capital não era a intervenção estatal, mas a queda nas taxas de lucros. Se na década de 1970 o sistema do capital entrava em crise, no campo da saúde emergiram pensamentos progressistas. Tornou-se hegemônico, neste período, o ideário da saúde como um direito fundamental dos homens e dessa forma seu acesso deveria ser universal. É desta época que nascem os ousados planos de “Saúde para todos no ano 2000”. Após cada alteração do ciclo, com a passagem de uma onda depressiva para uma onda expansiva, o sistema do capital, através de seus entusiastas, apresenta a afirmação de que os problemas do capitalismo foram solucionados. Primeiro Marshall -com a idéia de que era possível a convivência da desigualdade de classes e cidadania - e depois Fukuyama e a sua presunção do fim da história. Quando na verdade o único problema que fora, momentaneamente, solucionado foi o da acumulação capitalista. O marco desta nova fase, no campo da saúde, é a Conferência de Alma Ata, em 1978, em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) passa a considerar os Cuidados Primários de Saúde como principal artifício para o trato da questão saúde. I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado de completo bem estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde. III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no ano 2000 e para redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e dos países desenvolvidos. A promoção e a proteção da saúde dos povos é essencial 10

Fukuyama desenvolveu uma linha de abordagem da História, desde Platão até Nietzsche, passando por Kant e pelo próprio Hegel, a fim de revigorar a teoria de que o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da história da humanidade. Na sua ótica, após a "destruição" do fascismo e do socialismo, a humanidade, à época, teria atingido o ponto "culminante" de sua "evolução" com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes. Desse modo, diante da derrocada do socialismo, o autor concluiu que a democracia liberal ocidental firmou-se como a "solução" final do governo humano, significando, nesse sentido, o "fim da história" da humanidade. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fim_da_história

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para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial. (ALMA-ATA, 1978)

Deste processo nasce a idéia/proposta da promoção da saúde, já na expectativa de que ter saúde é para além de não estar doente. E por isso o processo de “promover a saúde” envolveria ações integrais, relações com o meio ambiente e também um estilo de vida e um comportamento mais saudável. Enfim, a questão da promoção da saúde envolve diretamente a relação do homem com o mundo em que ele vive. Dessa forma, para promover a saúde é preciso criar um novo homem cuja conseqüência direta é a criação de um novo mundo e novas relações sociais de produção. Porém, conforme aponta Stotz (2004), esse processo foi marcado pelo contraditório e também pelas expressões da luta de classes. Nessa primeira conferência mundial de saúde acontece com o mundo polarizado pela guerra fria, e conta com a participação de praticamente todas as nações do planeta. Nessa conferência, se destacou a defesa das ações integradas de saúde. No desenrolar da história, a OMS realizou a Conferência de Ottawa, em 1986, que contou apenas com os chamados países desenvolvidos e do centro do capitalismo. Foi em Ottawa que o ideal da promoção da saúde foi apresentada. Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. (OTTAWA, 1986)

A carta de Ottawa sinaliza que um dos fatores que vem direcionando as ações da OMS é a questão da equidade. Para Stotz (2004), nesse contexto a saúde deixa de ser um estado do ser humano e passa a ser um projeto definido por cada nação. Diferente da carta de Alma-Ata, a carta de Ottawa já apontou o caminho da equidade no sentido da focalização e deixava implícita uma responsabilização individual. O Brasil se junta à discussão da OMS na Conferência de Bogotá, 1992, e se torna signatário do documento. A carta deste encontro apresentou uma noção de equidade, que está relacionada à eliminação de diferenças desnecessárias, evitáveis e injustas que impediriam que fosse alcançado o pleno direito ao bemestar. Aqui a formulação de Promoção à saúde foca na conjuntura da América Latina e coloca a saúde como conseqüência do desenvolvimento econômico e social.

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A promoção da saúde na América Latina busca a criação de condições que garantam o bem-estar geral como propósito fundamental do desenvolvimento, assumindo a relação mútua entre saúde e desenvolvimento. A Região, desgarrada pela iniqüidade que se agrava pela prolongada crise econômica e pelos programas de políticas de ajuste macroeconômico, enfrenta a deterioração das condições de vida da maioria da população, junto com um aumento de riscos para a saúde e uma redução de recursos para enfrentá-los. Por conseguinte, o desafio da promoção da saúde na América Latina consiste em transformar essas relações, conciliando os interesses econômicos e os propósitos sociais de bem-estar para todos, assim como trabalhar pela solidariedade e equidade social, condições indispensáveis para a saúde e o desenvolvimento. Setores importantes da população não conseguiram satisfazer as necessidades básicas para garantir condições dignas de vida. Estas complexas e agonizantes desigualdades tanto de tipo econômico, ambiental, social, político e cultural, como relativas à cobertura, acesso e qualidade nos serviços de saúde, tendo a acentuar-se em razão da redução histórica do gasto social e das políticas de ajuste. Portanto, é difícil enfrentar e resolver estes problemas com perspectivas a alcançar a saúde para todos (BOGOTÁ, 1992)

Conforme aponta Eduardo Stotz (2004), o enunciado da OMS é ambíguo e confuso e, em alguns momentos, dá a entender que poderiam existir diferenças inevitáveis, tanto no plano biológico quanto no plano social. A instituição manteria dois planos discursivos, um tipo ideal conceitual, onde saúde se relaciona com estado de bem-estar e um pragmatismo operacional, já limitado pelos ajustes fiscais. Para essa situação a sugestão do organismo internacional é construir modelos de saúde em que o Estado, a saúde pública, se limite as populações mais pobres e miseráveis. A todo restante a saúde seria oferecida, na forma mercadoria, através do mercado. A carta de Bogotá traz em seu conteúdo sugestões de modificação de valores culturais, a fim de construir um cenário de favorecimento e valorização de ações individuais na promoção da saúde. São ações de cunho autoritário e de culpabilização dos indivíduos por seus problemas. Em Bogotá, na impossibilidade de fazer a saúde decorrer do desenvolvimento social e humano, preconiza-se uma nova cultura de saúde para a população. Como a ação educativa tem um custo menor, pode-se concluir que chegamos a um modelo de saúde a custo promocional... para os pobres, naturalmente (STOTZ, 2004, p.13)

Outro aspecto, ressaltado por Stotz (2004), é que existem duas concepções distintas de promoção da saúde, uma baseada na mudança política de “ fatores gerais” e outra orientada para as mudanças de comportamento e de estilo de vida, ambas foram incorporadas pela OMS. Porém, fica mais evidente, após a carta de

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Bogotá, uma opção pela concepção que responsabiliza o indivíduo pelas questões de saúde. Essas propostas tomam corpo político a partir dos documentos do Banco Mundial sobre políticas de saúde. O Banco Mundial publica seu primeiro documento sobre saúde em 1975, “Salud: documento de política sectorial” e já apresenta suas primeiras diretrizes para o setor, como: a quebra da universalidade do atendimento à saúde, a priorização da atenção básica com o Estado focalizando nos mais pobres e atuando na seleção destes. (Correia, 2007). As motivações que levaram o BM a formular sobre a saúde foram, conforme Rizzoto (2000), um revigoramento do liberalismo na sua fase neo e a necessidade dos organismos do capitalismo central apresentarem uma face humanitária e uma preocupação filantrópica. Mas, a questão fundamental, para a autora, se dá pela consolidação da saúde como uma mercadoria, uma commodity que poderia ser negociada livremente. Ou seja, mais uma possibilidade de produção de mais-valia para o capital. Assim, a questão da promoção toma uma grande proporção, devido as orientações dos organismos internacionais. E, também, a promoção da saúde demanda uma dimensão pedagógica, uma perspectiva de educação sanitária, que pode descambar por dois caminhos: o da culpabilização do indivíduo – linha adotada pelos organismos internacionais – ou as determinações sociais que levam ao adoecimento do sujeito.

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2 A SAÚDE NO PROCESSO HISTÓRICO BRASILEIRO

Este capítulo será dividido em três partes. Na primeira apresentarei o processo de desenvolvimento do capitalismo e a revolução burguesa no Brasil, com base na obra de Florestan Fernandes (A revolução burguesa no Brasil). Um elemento central na leitura será a formação do mercado de trabalho no país, assim como as primeiras políticas sociais conquistadas a partir da organização dos trabalhadores. A questão da saúde será apresentada com o ponto de partida no processo de industrialização do início do século XX, desde a influência da reforma urbana até culminar com a revolta da vacina. Na segunda parte, será apresentada a ditadura do grande capital. As políticas sociais terão uma ampliação no período, mas com incentivo e fortalecimento do setor privado. Nesta parte será visto o processo de mobilização e luta pela Reforma Sanitária Brasileira e as bases da construção do SUS. Por fim, a terceira parte irá abordar os acontecimentos iniciados nos anos 1990, como o período FHC e o aprofundamento do neoliberalismo no país, até a chegada do PT à presidência da república e de como a esperança e expectativa de mudança se tornou mais do mesmo.

2.1 A Revolução Burguesa e os direitos sociais

Se no velho mundo a burguesia foi revolucionária no processo de transformação das instituições, no Brasil o processo foi distinto. Por isso uma breve análise da Revolução Burguesa no Brasil será importante no desenvolvimento do trabalho. Para tanto, utilizaremos a conceituação de Fernandes, (1976) onde revolução burguesa significa um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais e políticas que alcançam o ápice com o desenvolvimento capitalista e chega ao ponto alto de progressão industrial. A Burguesia brasileira nunca foi genuinamente revolucionária. Aqui o rearranjo societal, para a ascensão do poder burguês, se fez partir de um processo

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desigual e combinado, das culturas oligárquicas, com a necessidade de se manter os ganhos com uma passagem sem traumas para o modo capitalista de produção. O problema central tornou-se como preservar as condições extremamente favoráveis de acumulação originária, herdadas da Colônia e do período neocolonial e como engendrar condições propriamente modernas de acumulação de capital. Aí se fundiram o “velho” e o “novo”, a antiga aristocracia comercial com seus desdobramentos no mundo dos negócios e as elites emigrantes com seus descendentes, no conjunto, a lógica da dominação burguesa dos grupos oligárquicos dominantes. (FERNANDES, 1976, p.210)

Aqui cabe situar a diferencialidade do desenvolvimento capitalista no Brasil. Aqui o capitalismo não se desenvolveu da mesma forma que no eixo central, pois as formas não-capitalistas foram durante algum tempo extremamente úteis ao desenvolvimento do capitalismo. Vamos ilustrar esse processo com a teoria formulada por Leon Trotsky e conhecida como lei do desenvolvimento desigual e combinado: A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas. (TROTSKY, 1977 pág. 25)

Essa formulação foi concebida a partir da análise do processo que culminou na Revolução Russa pelo autor, ele mesmo um dos principais sujeitos nesse processo. No caso Russo, o que se percebeu, foi uma prevalência do campesinato ao passo que se desenvolvia uma indústria potente e com todos os avanços permitidos à época. Desse processo, o autor extrai que o capitalismo não se desenvolve de forma constante e igualitária, que ele pode conviver com formas nãocapitalistas onde se extrai índices elevados de mais valia. Uma característica interessante que Trotsky (1977) já aponta, e que vai se repetir em todos os países periféricos do capitalismo é a forte influência de capital externo, oriundo dos países capitalistas centrais. Outro ponto ressaltado pelo autor é que, da mesma forma, para superar o capitalismo não é necessário que o trabalhador passe por todas as etapas do desenvolvimento capitalista para compreender o sistema e agir pela sua superação. Esse foi o caso da Revolução Russa, pois não se tratava do capitalismo mais avançado da época histórica, pelo contrário, mas foi lá que os trabalhadores reuniram condições e fizeram a primeira revolução socialista da humanidade.

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Com esse principio em mente fica mais fácil compreender as afirmativas de Fernandes (1976), sobre o desenvolvimento capitalista no Brasil. Em nenhum momento esse desenvolvimento promoveu uma ruptura com a desagregação do sistema anterior e suas seqüelas. A dependência financeira do exterior não permitiu a superação da condição de subdesenvolvimento em relação ao eixo capitalista central e, tampouco, diminuiu a concentração social e de riqueza regionalizada no país. Na transição capitalista no Brasil prevaleceram os interesses do setor agrícola e agroexportador, embriões do hoje poderoso agronegócio. O trabalho escravo, persistente em nossa sociedade, deixou marcas na formação da consciência e na ação política do operário brasileiro. Os sinais, que deixaram marcas profundas na formação capitalista brasileira, se iniciam já no período colonial onde o país é erguido com alicerces de três séculos de escravidão e colonização. Para Caio Prado Jr (2004) o sentido da colonização11 nas Américas é diferente do que se havia praticado até então. Aqui não era possível uma ocupação com pessoal reduzido, era necessário ampliar e criar povoamentos para organizar a produção dos gêneros para comércios. É daí que aparece a idéia de povoar o Brasil. O colono que para cá vinha não o fazia para trabalhar, mas para dirigir negócios de grande valor comercial. Os portugueses, que foram precursores da escravidão do negro africano, como dominavam os territórios de sua origem, importaram essa forma de utilização da força de trabalho para sua colônia brasileira. Esses traços característicos ficaram tatuados na história do Brasil, o peso do escravismo vai influenciar diretamente nas relações sociais e nas condições de trabalho. Assim, o sentido da evolução brasileira ainda permanece com fortes resquícios da origem colonial. O fim do trabalho escravo é um marco importante do processo de Revolução Burguesa no Brasil e seu desencadeamento se inicia com a extinção do tráfico de escravos, conforme a Lei Eusébio de Queiroz, de 1850. Lei essa promulgada depois de a Coroa Portuguesa suportar por algum tempo a pressão inglesa pela abolição.

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De acordo com o autor “Todo povo tem na sua evolução um certo sentido”. Este se percebe não nos pormenores mas no conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo (Prado Jr, 2004:10)

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Mas, a transição para o trabalho livre ainda se desenvolveria num processo complexo. Com isso ia crescendo o contingente de trabalhadores imigrantes, ao passo que a aceleração da abolição, antecedida, por exemplo, pela lei do Ventre Livre, que teria sido a primeira intervenção direta do Estado nas relações de trabalho no Brasil. O processo passou ainda pela lei dos Sexagenários, em 1885, que afirmava que os escravos deveriam ser libertos com mais de sessenta anos, desde que pagassem uma quantia ou prestassem serviços por mais três anos. Também previa a libertação sumária após os 65 anos. Sofreu críticas por não prever indenização pelos libertos com mais de 65 anos. A abolição se torna fato legal com a Lei Áurea de 1888. De acordo com Barbosa, 2008, essa lei: Além de abolir de forma gradual a escravidão, procurou permitir aos proprietários de desvencilhar de seus cativos, de acordo com suas possibilidades, e sem que perdessem o controle sobre a força de trabalho (BARBOSA, 2008, p.127)

Essas leis foram à preparação da Abolição em si, já que se tratava de um caminho sem volta, dado a quantidade de fugas, revoltas e organização dos Negros nos Quilombos. Então se construiu essa história de que o fim da escravidão se tratou de um ato da corte, pelas mãos da Princesa Isabel. Em paralelo, a este processo de “desescravização”, eram apresentadas leis de locação de serviços, uma forma de regulamentar o trabalho livre e atenuar possíveis conflitos com os imigrantes. Assim a Lei de Locação de Serviços, de 1879, objetivava conter a mobilidade do trabalhador e tinha um caráter repressivo, pois observava pena de prisão para quem se recusasse a trabalhar. Essa lei foi a “última tentativa dos fazendeiros de regulamentar as relações de trabalho não-escravo a sua maneira.”(Barbosa, 2008:136). A revogação desta lei, em 1890, se propunha a instaurar a “liberdade do trabalho”, essa liberdade, porém, se resumia num igualitarismo formal entre trabalhadores e fazendeiros. Essa formatação do Estado, de verniz liberal, no fundo, mantinha a desigualdade estrutural entre os compradores e os vendedores da força de trabalho. É nesse contexto que o país vai sofrer uma invasão de imigrantes, cujo perfil era de trabalhadores sem recurso, preferencialmente agricultores e com as respectivas famílias.

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Constituído o proletariado industrial, a sua reprodução permanece truncada. A expansão quantitativa e qualitativa do operariado encontra-se associada à manutenção de um expressivo subproletariado, conferindo características distintivas ao mundo do trabalho brasileiro. (BARBOSA, 2008, p.164)

Essa situação em que as relações de produção não se mostravam tipicamente capitalistas é uma característica do próprio desenvolvimento do capitalismo na periferia. Aquele fazendeiro foi o embrião do que viriam a se tornar as oligarquias que desempenharam papel fundamental na transição do período feudal ao burguês. Tendo como marcos da transição a abolição da escravidão e a proclamação da república, acreditava-se numa crise das oligarquias. Mas não, a transição se dava sob a hegemonia destas com uma recomposição do poder, esse processo é um dos marcos da modernidade no Brasil (Fernandes, 1976) A oligarquia não perdeu a base de poder que lograra antes, como e enquanto aristocracia agrária; e encontrou condições ideais para enfrentar a transição, modernizando-se, onde isso fosse inevitável, e irradiando-se pelo desdobramento das oportunidades novas, onde isso fosse possível. (FERNANDES, 1976, p.204)

A igualdade formal, entre trabalhadores e patrões, se mantinha da mesma maneira numa suposta liberdade de negociação entre ambos, no que seria algo próximo do liberalismo clássico. Isso devido à resistência de fazendeiros, e do poder público, em estruturar direitos sociais e trabalhistas nos locais de trabalho. Nesse processo foi aberto o caminho para a chegada das fábricas. Um conjunto de fatores determinados pelo Estado contribuiu para a decisão do capitalista em investir na indústria, como por exemplo:a proteção cambial e tarifária, as isenções tarifárias para máquinas e equipamentos, o baixo custo do trabalho, além do papel estimulante dos investimentos, empréstimos públicos e emissões do Tesouro Nacional. Daqui surgiu o capital industrial. Nessa expansão, até a década de 1920, iria predominar os produtos feitos com a matéria-prima local. O capital comercial exercia um papel de destaque dentro do sistema econômico pautado na produção de café, onde havia o domínio do intermediário. Outro elemento fundamental no processo são os importadores, cujo papel foi estratégico para a implantação da indústria, principalmente como financiadores e conhecedores do mercado. (Barbosa, 2008) A expansão industrial acontece por surtos, como se refere o autor. A primeira se dá ao fim da década de 1880. Dentro de uma conjuntura favorável, com abolição

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da escravidão, há uma expansão dos espaços urbanos, movimento de entrada de capital externo e financiamentos governamentais. O segundo surto industrial acontece por volta de 1907, era um processo de industrialização mais acelerada que a anterior. Já surgiam as primeiras fábricas nacionais. Esse surto de crescimento seria interrompido pela Primeira Guerra Mundial. Nesse processo se expandia também uma massa urbana que ainda não estava assalariada. Em linhas gerais, pode-se atentar para o nascimento de um mercado de trabalho pautado pelo contínuo excedente de força de trabalho, alta instabilidade do emprego, flexibilidade dos salários, ausência completa de legislação trabalhista e uso indiscriminado de mulheres e crianças perfazendo extensas jornadas. (BARBOSA, 2008, p.210)

Nesse processo de expansão, o setor de serviços nasce com aspectos bem diferenciados. Em um caminho se encontravam atividades inerentes a expansão do capital, como a estruturação dos transportes, alguns segmentos de utilidades públicas e o setor financeiro. Também se encontrava aí as atividades relacionadas ao consumo das elites. Por outro lado, trabalhadores esparsos que possuíam uma eventual inserção no mercado de trabalho e se apresentavam neste como uma espécie de faz tudo. O perfil destas populações era ainda mais diferenciado, tendo sido desde proprietários-trabalhadores a assalariados rurais, e também inseridos em atividades autônomas. Enfim, uma “classe urbana dependente”, que não possuía interesse de classe específico, vivendo na insegurança econômica e sem pauta de reivindicações. Tratava-se de um subproletariado. (BARBOSA, 2008, p.220)

Assim, a luta por direitos no Brasil refletiu, com nitidez, a correlação de forças à época e também a forma como se desenvolveu a Revolução Burguesa no país foi uma expressão desta correlação. Até os dias atuais vigoram algumas dessas características, como a dificuldade em tornar concretas políticas sociais relacionadas ao trabalho, mesmo já garantidos por lei. É no início do século XX que os primeiros sindicatos se formam no país. Influenciados diretamente pelos imigrantes europeus que chegavam ao país e consigo traziam ventos anarquistas e socialistas. As conquistas já aparecem, em 1911, com a redução da jornada de trabalho para 12 horas (também com dificuldades em sair da letra da lei para ações concretas) e, em 1919, é regulamentada a questão do acidente de trabalho, mas ainda pelo viés do inquérito policial e focando na responsabilidade individual. (Behring & Boschetti, 2009)

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Sobre as políticas sociais pode-se realçar seu caráter voluntarista, com o governo se comprometendo a fiscalizar o funcionamento de cooperativas de funcionários agrícolas para viabilizar a assistência médica e farmacêutica, o ensino primário e um seguro contra acidentes de trabalho O marco da Política Social no Brasil, no entanto se dá no ano de 1923 com a Lei Elóy Chaves, onde se institui a criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s) para algumas categorias de trabalhadores que se encontravam mais organizadas como os marítimos e ferroviários. Essas caixas formam o embrião da previdência social. É a partir da década de 1930, após a chamada revolução de 30, que se darão mudanças

substanciais

na

organização

capitalista.

Por

ora

é

importante

compreender que o liberalismo - a brasileira - não incluía direitos sociais, sendo estes arrancados pelos trabalhadores em sua luta de classes e, ainda, passando dificuldades em sua implementação. O país entra no período em que o capital internacional vivia a crise de 1929, com chamada “Revolução de 30”, quando há uma pequena alteração de poder. As oligarquias cafeeiras e os criadores de gado dão lugar a outras oligarquias agrárias e a um setor da indústria, é a transição da república do café com leite para o Estado Novo. É um tempo de industrialização no país e da entrada de uma agenda modernizadora. Esse processo faz uma inflexão, mas sem alterar seu sentido, na constituição das relações capitalistas. Porém, essa modernização tinha limites - justamente decorrentes do processo oriundo da colonização - principalmente nos aspectos democráticos, herdados da dominação das oligarquias rurais. Essa passagem de Florestan Fernandes sobre a Revolução Burguesa aponta isso: A dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos, herdados do passado ou improvisados do presente era quase neutra para a formação e a difusão de procedimentos democráticos alternativos, que deveriam ser instituídos. (FERNANDES, 1976, p.207)

Em relação à política social há uma ampliação dos direitos também no país. Em 1930 são criados o Ministério do Trabalho, o Ministério da Educação e Saúde Pública e o Conselho Nacional de Educação. Em 1932, a carteira de trabalho. Nesse período também tem inicio o sistema público de previdência com a expansão dos IAP’s, estes contavam com a participação dos trabalhadores na sua direção, se

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constituído em instrumentos de cooptação de dirigentes sindicais que ficaram conhecidos como “pelegos”. Ainda na era Vargas, em 1943, é promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT. Essa lei, inspirava na Carta del Lavoro do período fascista de Mussolini, reconhecia as categorias de trabalhadores por parte do Estado e atrelava a sua organização ao Ministério do Trabalho. Em 1945, Getulio Vargas cai após 15 anos no poder. E, o período iniciado a partir daí, será de agitação econômica, política e social, que não cessará nem com o retorno posterior de Vargas. A luta de classes no país vai tomar um vulto considerável, no período posterior a 1945, com a influência que o PCB passa a ter após um período de perseguições e acumulo de forças relacionadas ao processo de industrialização ocorrido no período varguista. Essa força da classe garante a conquista de alguns direitos e segue com a pressão. Esse forte acirramento está diretamente ligado a luta de classes. A burguesia havia se fragmentado e também, por conta da industrialização, houve o crescimento e o fortalecimento do movimento operário. Além do surgimento das Ligas Camponesas, fruto das tensões no campo. As forças políticas burguesas se representavam da seguinte forma: a burguesia mais genuinamente industrial e financeira se alocava na UDN (União Democrática Nacional) e colocava um projeto de desenvolvimento ligado ao capital estrangeiro; as oligarquias se reorganizaram no PSD (Partido Social Democrático), que situavam mais como um partido centrista que se aliava tanto à UDN quanto ao PTB, desde que significasse partilhar do poder; e por fim havia o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) que reunia os seguidores de um projeto nacionalista de desenvolvimento inspirados na liderança de Vargas, reunindo também industriais e operários. No lado operário havia o PCB (Partido Comunista Brasileiro) que se constitui na maior organização político-partidária dos trabalhadores à época, que mesmo num período de breve legalidade política, conseguiu eleger um senador e teve 10% dos votos em seu candidato a presidente. Esse partido também contava com intelectuais e artistas em seus quadros. Nas eleições de dezembro de 1945, o PC do Brasil elegeu Prestes Senador, com uma votação expressiva, e seu candidato à presidência da República, o engenheiro Yedo Fiúza, obteve 10% dos votos do eleitorado. Além disso, a agremiação chegou a ter numerosos deputados federais e estaduais, e sua bancada de vereadores no Rio de Janeiro era a maior da Câmara.

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Com cerca de 200 mil filiados, o PC do Brasil alcançou, o auge de seu prestígio. E tinha o apoio de famosos artistas e intelectuais, como os pintores Portinari, Di Cavalcanti, Carlos Scliar e Lazar Segall, ou como os escritores Jorge Amado, Graciliano Ramos, Dionélio Machado, Carlos Drummond de Andrade, Caio Prado Jr, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade e Álvaro Moreyra. (KONDER, 2003, p.67)

As políticas sociais tiveram uma expansão no período lenta e seletiva. E esse contexto - de acirramento da luta de classes e fortalecimento do movimento popular e operário elevou a tensão na disputa de projetos - que deu uma paralisada no campo das políticas sociais. Nos conflitos quem resolve é a força, este foi encerrado com o golpe militar de 1964 que deu início a 20 anos de ditadura militar no país. Na questão da saúde, a ação sanitária no Brasil no início do século XX se concentrou nos dois principais centros de exportação de Café: os portos de Santos e do Rio de Janeiro. Aqui uma atenção especial para o Rio de Janeiro, capital federal. Para analise desse período irei recorrer à Costa (1986). O autor demonstra que, a partir dos anos 1920, são criados os Centros de Saúde, o que podemos classificar como o embrião do que viriam ser as Unidades Básicas de Saúde, os serviços dispensados ali eram: a higiene pré-natal, infantil e pré-escolar; tratamento para tuberculose e verminose; e laboratório. As atividades tinham como objetivo passar a população uma educação sanitária e testar formas de descentralização do trabalho sanitário. A intervenção estatal se daria com a repressão e ações policialescas, cuja conseqüência acabou sendo uma revolta popular, como veremos abaixo, no caso da capital federal. O Rio de Janeiro, no início do século XX, poderia ser descrito como um grande foco de difícil controle de doenças infecto-contagiosas, como a peste, a varíola, a tuberculose e também a febre amarela. Além disso, havia um alto índice de doenças do aparelho digestivo, devido as más condições de armazenamento de alimentos pelo comércio e das próprias condições de higiene. Tinha-se grande preocupação, pois esse cenário causava uma baixa significativa na força de trabalho imigrada. E como o capital necessitava dessa força de trabalho, já que a mão de obra “nativa” era tida como inapta e dada a vadiagem,12 um dos principais aspectos levantados, como causadores dessas condições sanitárias, eram as condições de ocupação do espaço urbano.

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Para melhor aprofundamento ver Kowarick, Lucio. Trabalho e Vadiagem: A formação do mercado de trabalho no Brasil.

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Assim, o que precedeu e preparou o terreno para a implantação das políticas de Saúde, idealizadas por Oswaldo Cruz, foi uma reforma urbana. Essa reforma, consistiu em expulsar a população pobre do centro da Cidade e foi executada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos. Essas ações tiveram grande impacto sob o modo de vida da população pobre e da baixa classe média. A reforma urbana preparou (minou) o terreno por onde as campanhas sanitárias de Oswaldo Cruz iriam se desenvolver e sobretudo reforçou os descontentamentos de todos os excluídos e marginalizados pelo avanço inexorável e elitista de uma nova racionalidade urbana. (COSTA, 1986, p.57)

Nessas condições, Oswaldo Cruz assumiu a Diretoria Geral de Saúde Pública. Seu primeiro foco foi acabar com a Febre Amarela. Para isso criou uma campanha sanitária, onde dividiu o Rio de Janeiro em 10 distritos sanitários Cada distrito tinha a chefia de um delegado de saúde, médico-demógrafo, auxiliado por seis a sete médicos, inspetores sanitários e acadêmicos de medicina. Os inspetores sanitários estavam incumbidos de receber notificações de doenças [...] entregar intimações, multas, interditar ou fechar moradias (IDEM, p.57)

Majoritariamente as visitas dos inspetores se davam nas moradias das populações pobres. Tal quais as primeiras legislações sobre o trabalho, as primeiras ações de saúde pública tinham caráter repressivo e policialesco. Mas, ainda assim, se tentou também o convencimento por outros meios como espaços publicados na imprensa, chamados Conselhos Ao Povo, e folhetos avulsos com informações sobre a prevenção da doença. Oswaldo Cruz colocava que para combater a Febre Amarela era preciso eliminar o vetor da doença, o mosquito transmissor. Embora a polícia sanitária se concentrasse em “zonas suspeitas”, para destruir o mosquito era necessário entrar nos domicílios independente da vontade de seus moradores. Essa ação, sofreu muita resistência e causou incômodo, não só às camadas mais pauperizadas como também a parte da classe dominante da época. A segunda campanha sanitária do período se deu em torno da Peste, tinha como vetor o rato. Com uma articulação entre os serviços federais e municipais, se iniciou um saneamento da parte mais pobre do centro da cidade do Rio de Janeiro. Contudo, havia pouca oposição a essa ação, mas seria necessário obter o apoio da população. A partir de um crédito conseguido pela Diretoria Geral de Saúde foi criado um serviço de compra de ratos, buscando adesão das camadas mais pobres.

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Aqui se conseguiu também estimular a criação de roedores que eram vendidos para à saúde pública e serviam de sustento àquelas camadas (Costa, 1986). Embora estivesse obtendo algum sucesso, as ações de Oswaldo Cruz eram cada vez mais repelidas pela sociedade. A campanha seguinte, de vacinação contra a varíola, teria como reflexo o que se chamou de “Revolta da Vacina”, uma sublevação das camadas populares apoiadas por setores dominantes que quase resultou em um golpe de Estado contra o governo. A campanha contra a Varíola tinha algumas diferenças em relação as anteriores. Apesar de não ter um foco na questão espacial da cidade, a campanha era a vacinação compulsória da população. Uma intervenção direta sobre o corpo de outrem. Soma-se certo receio sobre os efeitos da vacina. Por conta destes fatores a resistência popular ampliou seu apoio. A questão é que a mortalidade pela Varíola continuou a dizimar e ameaçou a própria reprodução da força de trabalho. Mesmo entre as classes dominantes atingiu alta mortandade. Abriu-se um processo no Congresso Nacional para a aprovação da vacinação obrigatória contra a Varíola, passando tanto pelo Senado quanto pela Câmara de Deputados, finalmente sendo aprovado e regulamentado. Mas, com uma forte oposição disposta a resistir. Não apenas parlamentares se opuseram radicalmente à aprovação da Lei, como também setores da sociedade civil (como o influente grupo de positivistas e camadas populares) e grupos do aparato militar estatal, além de toda grande imprensa procuraram impedir que as diretrizes da polícia sanitária fossem concretizadas. Em pouco tempo, esta resistência aparentemente difusa se transformou em conspiração aberta contra o poder dominante. (COSTA, 1986, p.64)

Esse processo chegou ao enfrentamento físico, com a população. Houve a necessidade de envolvimento do exército para conter a tentativa de derrubar o governo. Mesmo sufocado o levante foi vitorioso, pois a lei da vacinação obrigatória foi revogada. Como conseqüência houve avanços na política de saúde. Essas conquistas efetivadas pelos populares se transformaram em leis que protegiam o Trabalho. Foram estabelecidos parâmetros para os exames de invalidez de funcionários públicos e condições de licença para tratamento de saúde. Dessa forma, o Estado brasileiro interferiu diretamente na manutenção e reprodução da força de trabalho que imigrava.

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2.2 A Ditadura do Grande Capital e a Política de Saúde

A partir de 1º de abril de 1964, tem início no Brasil um longo período de Ditadura Militar. O golpe é dado como um desfecho de uma crise no padrão de acumulação do capital. O Brasil apresentava um grande crescimento econômico sem um desenvolvimento social que se equiparasse. No período em que o capital vive sua crise dos anos de ouro nos países capitalistas centrais o país adentra uma ditadura militar que permanece por 20 anos e termina em 1985. A burguesia sente sua hegemonia ameaçada e responde com o Golpe Militar de 1964, com alto grau de endurecimento do regime com perseguições, torturas e mortes de militantes. Segundo Fernandes (1986), o golpe foi dado como forma de impedir a revolução nacional e democrática que se apresentava nas propostas de Reformas de Base do Presidente João Goulart atrapalhasse a consolidação do capitalismo em sua forma monopolista. Enquanto os países capitalistas centrais vivem as crises do sistema do capital, no Brasil o milagre econômico apresenta altas taxas de crescimento. O golpe é dado como um desfecho a crise no padrão de acumulação do capital. O Brasil apresentava um grande crescimento econômico sem um desenvolvimento social que se equiparasse. A primeira fase da Ditadura se valeu das políticas sociais combinada com a força da repressão, para ampliar sua hegemonia na sociedade e dessa forma aliviar as crescentes tensões sociais. Uma economia baseada no “Milagre Econômico Brasileiro”, que expandiu a produção e o consumo de massa e não se sustentou ao longo dos anos 1970

encerrando a década com uma inflação de 200%. Havia

elevado nível de pauperização da sociedade e arrocho salarial. Daí a Ditadura recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) endividando, ainda mais, o país. Em 1966, houve a unificação dos IAP's (Instituto de Aposentadoria e Pensão) sendo assim criado o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Com relação a política de saúde,não existia um planejamento ou mesmo uma mínima organização no setor. Ao analisar a questão saúde no período de 1968 a 1974, salienta que não se pode falar de planejamento ou de planos de saúde, em sentido estrito no período. O que houve foi apenas a integração de programas setoriais de

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atenção médica, sob a égide da previdência, organizou o financiamento e o funcionamento desses programas. (BRAVO, 1996, p.31)

Ainda que ampliasse a assistência. O Estado Brasileiro fortalecia o setor privado, principalmente, no que diz respeito à saúde e a educação. Essas políticas estavam de acordo com a política econômica vigente. A política dos militares para a saúde consistia em uma nova forma de organização dos serviços médicos, com prioridade na contratação de serviços de terceiros, em detrimento dos serviços próprios da previdência, cabendo ao Estado propiciar o crescimento e a expansão da iniciativa privada, o que tornou altamente lucrativa a prática médica. A área da saúde passou a assumir uma diferenciação que foi orientado por valores, tais como lucratividade e controle da força de trabalho. (BRAVO, 1996, p.32-33)

As medidas que caracterizam tal política se deram com o financiamento a hospitais privados e credenciamento para compra de serviços com terceiros. Neste período surgem as empresas de “medicina de grupo” ou “empresas médicas”. Porém, essa relação comercial se deu no âmbito da assistência médica, continuando os serviços de alta complexidade a serem oferecidos pelo INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Essas empresas são os embriões do que hoje conhecemos como planos de saúde. O Estado se viu então obrigado a alargar ainda mais as políticas sociais por conta do nível de pauperização e os conflitos que isso ocasionava. Foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, que, porém, não apresentou um plano para a situação como um todo, mas era ainda mais uma junção de órgãos. Nesse contexto, foi apresentada a Lei do Sistema Nacional de Saúde, que embora no projeto original contivesse críticas a política liberal adotada pelos militares e propusesse um plano geral coordenado pelo Estado, foi esvaziado pela correlação de forças existentes. O que marca a segunda fase da Ditadura no aspecto econômico é uma crise do “Milagre Econômico Brasileiro”, com o aprofundamento da dívida externa e altos índices de inflação somado à um grande desemprego. Também o crescimento da mortalidade infantil e morbidade por doenças infecciosas, o que demonstrava uma parca distribuição social das riquezas produzidas e acumuladas. Nesse período volta a ocorrer Conferências de Saúde, se realizando a V e IV Conferência, realizadas em 1975 e 1977, respectivamente. A primeira tratava da

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criação do Sistema Nacional de Saúde e a segunda, dois anos depois, de sua operacionalização. Em meio a esta conjuntura, ocorre a organização de setores progressistas de profissionais de saúde pública, com uma forte influência acadêmica, dado o crescimento de encontros de produção Ampliaram-se os movimentos sociais urbanos que eram representados por associações de moradores, movimentos feministas e negros, grupos ecológicos e também por melhores condições de saúde. Esses movimentos sustentaram lutas por reivindicações urbanas e ampliação da participação política, exigindo escolas, creches, transportes, serviços públicos. Expressavam, atores do discurso, a consciência de inclusão dos benefícios que um Estado moderno deveria oferecer. (BRAVO, 1996, p.52)

O Movimento Sanitário consegue articular alguns eventos, como, por exemplo: a Semana de Saúde do Trabalhador (SESMAT), o Movimento de Saúde da Zona Leste de São Paulo, o I Encontro Popular pela Saúde no Rio de Janeiro e a Campanha da Fraternidade “Saúde para Todos” entre outros. Esse processo foi capitaneado pela VII Conferência Nacional de Saúde, que foi marcada por uma expectativa frustrada de que o evento recuperasse voz políticas para os trabalhadores. Na sociedade civil haviam movimentações políticas de questionamento àquela ordem, podendo ser demonstrado com as ações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). No final dos anos 1970 e início de 1980, com a crise da ditadura militar o movimento estudantil começa a se reorganizar, o sindicalismo surge com força no ABC paulista. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é fundada nesse contexto. Desse movimento e aliado a setores progressistas da igreja nasce o Partido dos Trabalhadores (PT). Momento importante no final desse período foi o movimento das Diretas Já, que mobilizou milhões de pessoas em 1984 Fato importante a ser relatado foi a forte mobilização na campanha Diretas já! Um marco na redemocratização do país e momento em que a população se jogou nas ruas pelo sufrágio universal. A principal política da “Nova República”, primeiro mandato pós-ditadura e eleito por colégio eleitoral, foi a busca de um pacto social, como forma de estabilizar o conflito Capital x Trabalho, dado o elevado nível de tensão social que se encontrava a sociedade. Mesmo sem alteração na política

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econômica,

algumas

conquistas

ocorreram

na

esfera

política

como

o

restabelecimento de garantias individuais e direitos políticos. Novamente a classe trabalhadora passa por um período de perseguições e acúmulo de forças, e ressurge no coração das relações de produção, à época, o ambiente fabril das montadoras de automóveis do ABC paulista. Agora com um novo partido e um novo sindicalismo: O PT e a CUT. Esse acirramento da luta de classes novamente terá um desfecho burguês típico, com a derrota do projeto democrático popular nas eleições diretas de 1989. A constituinte de 1988 refletiu bem a correlação de forças do período - de retomada dos movimentos sociais, de reorganização do movimento operário e da divisão da burguesia - e devido a isso se conquistou muito. Por exemplo, no aspecto da seguridade social, valeu à Carta a caracterização de “Constituição Cidadã” por Ulisses Guimarães. Para Behring & Boschetti (2009) a Constituição se deu em uma espécie de híbrido entre o velho e o Novo, pois a passo que continha avanços também apresentava traços conservadores. De forma que a Constituição não se tornou ideal de nenhum grupo societal. As primeiras eleições diretas canalizaram toda essa energia da luta de classes, com um forte acirramento na disputa. O projeto de ruptura - com todo o processo de consolidação do poder e da dominação burguesa, encampado na candidatura do PT à presidência da República - não foi eleito, pois prevaleceram os interesses burgueses agrupados ao redor da candidatura de Collor de Mello no segundo turno. É nesse bojo, no final da Ditadura, que surge o Movimento pela Reforma Sanitária, um movimento suprapartidário que agregava profissionais de saúde e também usuários da saúde pública, com uma forte vinculação com o meio acadêmico. O conceito Reforma Sanitária refere-se a um processo de transformação da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos e corresponde a um efetivo deslocamento do poder político em direção às camadas populares, cuja expressão material se concretiza na busca do direito universal à saúde e na criação de um sistema único de serviços sob a égide do Estado. (FLEURY,1995, p.39)

Com o fim da Ditadura o primeiro governo civil, José Sarney, foi a forma como a burguesia brasileira operou uma mudança para permanecer tudo igual. O período denominado “Nova República” buscou um pacto social, como uma forma de

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estabilizar o conflito Capital x Trabalho, dado o elevado nível de tensão social que se encontrava a sociedade. Um marco político deste período é o processo de Assembléia Constituinte que é submetido o Estado brasileiro: A Constituinte marcou um dos momentos mais significativos do processo de transição, pois se tratava da definição dos princípios políticos que dariam forma à organização do poder do Estado e às relações entre Estado e Sociedade. (BRAVO, 1996, p.66).

Um ganho, para esse momento, é que mesmo longe das condições ideais, o processo constituinte mobilizou camadas populares e fez com que os debates dos direitos e das políticas públicas atingissem setores de massa. Dessa forma, se diferenciando das Constituições anteriores que foram elaboradas por notáveis. Em relação a saúde, no ano de 1984 aconteceu o V Simpósio sobre política Nacional de Saúde da Câmara dos Deputados. No Simpósio foi construído uma Proposta Política para um Programa de Saúde e apresentado no relatório final do encontro. O seu conteúdo afirmava que as políticas de saúde priorizavam ações curativas em detrimento das medidas de saúde coletiva, o que tinha um custo elevado e uma baixa eficácia. Esse documento fazia um balanço da situação saúde. Como princípios norteadores, o documento apontava que a saúde é um direito do cidadão e dever do Estado e que a mesma está relacionada com as condições concretas de vida e trabalho. O Governo Sarney incorporou uma parte das propostas concebidas no V Simpósio. Destacando a criação do Sistema Unificado de Saúde, que buscava unificar e descentralizar a questão saúde. Assim, a partir de 1985, a “Nova República” trouxe como ação estratégica aprofundar e dinamizar as Ações Integradas de Saúde (AIS) para a construção do Sistema Nacional de Saúde que se ancoraria na descentralização política e na universalização do acesso. Essas ações, por influência, dos movimentos populares, continham aspectos positivos, pois: Pautaram-se nos princípios de universalização, direito universal à assistência à saúde a toda população brasileira; potencialização e priorização dos serviços de atenção primária à saúde, com ênfase na prevenção; descentralização e democratização das decisões administrativas, técnicas e políticas referentes à política de saúde. As AIS mantinham como estratégia a regionalização e hierarquização dos serviços da rede de saúde. (BRAVO, 1996, p.61).

Este período é um ponto de inflexão na história das lutas pela saúde, pois no ano de 1986 se realiza a VIII Conferência Nacional de Saúde. Essa

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Conferência teve uma articulação melhor do que as anteriores, sob a ótica das forças progressivas. Foram mil delegados em um universo de 4500 participantes. Um pequeno problema foi a não participação dos setores empresariais, que boicotaram o evento em protesto ao fato da Conferência se fundamentar no conceito de saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado. Esse momento talvez tenha sido o ápice do movimento de Reforma Sanitária Brasileira Assim, se apontou caminhos como a criação do Sistema Único de Saúde, com a máxima incorporação do Estado nas ações da Saúde como parte da luta pela Reforma Sanitária. Mas o ponto garantia constitucional do conceito de saúde como: A resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinadas sociedades e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. (RELATÓRIO FINAL DA VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, Anais, 1987, p.382).

Portanto, após a VIII Conferência o governo consolida as AIS e se identifica a necessidade da constituição do Sistema Unificado Descentralizado de Saúde (SUDS). Foi sendo, então, revisto o papel do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), após 1988 de atuar como órgão responsável pela execução direta ou indireta das ações de saúde. Gradativamente essas atribuições são repassadas a Estados e Municípios. Os principais problemas do SUDS ficavam por conta da organização do próprio sistema. A VIII Conferência Nacional de Saúde acabou sendo considerada como uma pré-constituinte na área da saúde, pois quando da Assembléia Constituinte as propostas para a saúde já haviam sido construídas coletivamente na Conferência. As lutas dos projetos antagônicos no campo da saúde ficaram explícitas no processo da Assembléia Constituinte. De um lado os grupos empresariais liderados pelas poderosas Federação Brasileira de Hospitais e Associação de Indústrias Famaceuticas, capitaneada por laboratórios multinacionais. E do outro lado o movimento de reforma sanitária. A politização da saúde também foi muito importante, pois se pretendia ancorar o sistema na participação popular. E essa somente teria o impacto qualitativo se, de fato, a população alcançasse uma consciência sanitária, para além

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da relação de saúde como ausência de doenças. Ao fim do período estava reafirmado o potencial revolucionário da luta da saúde.

2.3 A saúde no Brasil contemporâneo: dos anos 1990 até os dias atuais

Os anos 1990 chegam trazendo para o Brasil a realidade que já se impunha nos países capitalistas centrais, a partir da crise do Welfare State. Essa década se iniciou com a derrota do projeto democrático-popular na eleição presidencial realizada no final de 1989. O ano seguinte começaria com a posse do novo presidente eleito, Fernando Collor de Melo. A eleição de Collor é fruto de uma tentativa de restabelecer um consenso na sociedade, em torno de um modelo liberal de economia, e serviu para frear o ímpeto das massas mobilizadas que lutavam por transformações. No aspecto econômico o governo lançou o Plano Brasil novo, que ficou conhecido como Plano Collor. O Plano causou impacto e surpresa com o confisco da poupança. Dessa forma, o plano conseguiu equilibrar as finanças e aumentar recursos do país. A política econômica do Governo de Collor de Mello pode ser entendida como uma integração ao modelo mundial idealizado no Consenso de Washington. É durante o governo de Collor de Mello que foram promulgadas as leis 8080 e 8142, que formam a Lei Orgânica da Saúde. O governo de Collor não inspirava confiança às classes dominantes. Embora tenha sido o governo que introduziu o neoliberalismo no país, não se tratava de um elemento de força dos segmentos que ditavam os rumos do Brasil desde a ditadura. Esse governo sofreu muitas denuncias de corrupção, que somadas à uma expressiva mobilização da sociedade acabou sendo deposto num processo, até então, inédito de impeachment. A vanguarda dessa mobilização foi o movimento estudantil que se lançou às ruas num movimento que ficou conhecido como os “caras-pintadas”. Após esse processo, o vice, presidente Itamar Franco, assume o restante do mandato e até apresenta elementos progressivos no início da gestão. Mas é hegemonizada por uma política econômica conservadora, formulada pelo ministro da economia à época, Fernando Henrique Cardoso (FHC), que cria um plano de

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estabilização da moeda. A conseqüência desse governo é a eleição desse ministro para presidente da república. Assim, sob um discurso que prometia uma modernização do Estado Brasileiro, os anos FHC, guiados pelo plano Real, realizam uma transmutação no Estado. A reforma, tocada pelo Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE), foi orientada para o mercado, num contexto em que a intervenção do Estado era apontada como causa da crise. Classificado por Mota (1995) como cultura da crise. Essa cultura vem sendo fecundada pela burguesia internacional que, por meio da negação dos tradicionais mecanismos anticíclicos, como as políticas sociais públicas, constrói novos mecanismos de ajustes econômicos e implementa reformas sob a égide do neoliberalismo. Aqui merecem destaque dois aspectos fundamentais que perpassam essa postura. O primeiro deles se refere à questão da intervenção estatal. O outro se refere à exigência da mutilação dos direitos sociais. (MOTA, 1995, p.93)

Como características da contra-reforma de FHC, estão: as privatizações, com a

conseqüente

entrega

do

patrimônio

público

ao

capital

estrangeiro;

a

desregulamentação dos fluxos de capital; um boom do desemprego, se tornando estrutural e; a fragilização do movimento operário que atinge profundamente os sindicatos. No que tange as políticas sociais há de se destacar o Programa de Publicização, que criou as agências reguladoras e regulamentou o terceiro setor como executor de políticas públicas, tendo o Programa Comunidade Solidária, tocado pela primeira dama Ruth Cardoso, um de seus principais exemplos. No geral o que se viu foi a restrição e redução de direitos, sob o argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas sociais em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos mais perversos da crise. O início da era FHC é marcada por uma euforia provocada pela expectativa de que o Plano Real iria dar cabo de todos os problemas do país. Foi, então, iniciado um período de desregulamentação da economia e de privatização de grandes estatais, como a Vale do Rio Doce. É o início de uma reforma administrativa que deixaria marcas profundas no país. A leitura que, os membros do governo tinham da Constituição Federal de 1988, era nada mais do que a justificativa para todo retrocesso social que era imposto à sociedade. Dessa forma concordamos com Behring quando coloca que “o

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discurso da equipe econômica do governo federal, como se sabe, afirmava que a ordem social consagrada em 1988 é perdulária/paternalista e amplia o déficit público”(2003:162). No âmbito dos movimentos sociais o que se assistiu foi uma terra arrasada. Um grande período de refluxo se deu, a partir do início da década de 1990, somado aos ataques a organização sindical realizados, principalmente, com vistas à desregulamentação do valor da Força de Trabalho, tendo como conseqüência o surgimento de um gigantesco exército de reserva, dado o alto grau de desemprego. Em relação ao funcionalismo, houve uma grande fragilização por conta dos planos de demissões e das privatizações. Tendo como auge o enfrentamento truculento com os petroleiros, cuja derrota e dilapidação do patrimônio de um dos maiores sindicatos do país deveriam servir como exemplo para toda classe trabalhadora. Nessa conjuntura o movimento de maior mobilização no período foi o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e algumas resistências nas Universidades Públicas. No aspecto das políticas sociais, tendência geral é a redução dos direitos sociais, sob argumento da crise fiscal, transformando-se as políticas sociais em ações pontuais e compensatórias daqueles efeitos mais perverso da crise, “a política econômica produz mortos e feridos, e a política social é uma frágil ambulância que vai recolhendo os mortos e feridos que a política econômica vai continuamente produzindo.” (2003:248) E dessa forma observamos o receituário neoliberal para as políticas sociais serem aplicadas: a focalização, a privatização e um modelo de descentralização que na verdade é uma desresponsabilização do Estado repassando a responsabilidade para entes privados ou do chamado “terceiro setor”. De acordo com Correia, 2007, o Banco Mundial apresentou três documentos onde estão as propostas para a área de saúde no Brasil. Os dois primeiros serão na década de 1990 e o terceiro, já nos anos 2000. No primeiro, de 1991, intitulado: “Brasil: Um novo desafio à saúde do adulto” e o segundo, de 1995, “A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil” se concentram em apresentar críticas à Constituição de 1988, no que diz respeito à saúde como direito e a questão do acesso universal, que traria altos custos. O prognóstico para o sistema de saúde no Brasil não é bom [...] A Constituição de 1988 estabelece como direito constitucional, o acesso universal aos serviços públicos de saúde. A implementação deste direito

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exerceria significativos efeitos sobre a procura e o custo dos serviços médicos públicos (BANCO MUNDIAL 1991 Apud, Correia, 2007, p.23).

O documento, de 1995, enfatiza mais a questão do papel que deve ser exercido pelo Estado na prestação dos serviços de saúde, entendido como de regulador e financiador. E que haveria de incentivar o repasse a terceiros, com ou sem intencionalidade lucrativa, desses serviços. No mesmo ano o governo FHC elabora dois documentos, um através dos Ministérios da Saúde e da Administração Federal e da Reforma do Estado: “Sistema de Atendimento de Saúde do SUS". E o outro, apenas do Ministério da Saúde, elaborado para uma reunião sobre reformas nos sistemas de saúde, promovido por OPAS, Banco Mundial e BIRD. O Ministério da Saúde compromete-se neste documento a modificar as bases organizacionais do sistema de saúde nacional com a: organização de um sistema assistencial privado, devidamente regulamentado; o funcionamento competitivo dos subsistemas público e privado, estimulador da qualificação com redução de gastos. (BRASIL, Apud Correia, 2007, p.25).

São, essas, as orientações que marcam a política de saúde nos ano 1990 Outro acontecimento é o debate e a implantação da Agência Nacional de Saúde (ANS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), agências reguladoras, que nos marcos da “contra-reforma”, regulariam o mercado da saúde. Junta-se a isso a proposta de transformação das unidades em Organizações Sociais (OS), passando a gestão para o “terceiro setor”, mediante contrato de gestão e metas. No campo da saúde, por sua vez, o conceito de universalização excludente confirma-se por meio da dualização: um sistema pobre para os pobres e um padrão de qualidade maior para os que podem pagar pelos serviços mais corriqueiros, já que os atendimentos mais sofisticados e de alta complexidade permanecem no setor público, sendo, inclusive utilizados pelo setor privado. ... A privatização induzida nesta política, por meio dos estímulos aos planos de saúde e aos convênios, tende a torna-la um problema de direito social para parcela significativa dos brasileiros. (BEHRING 2003, p.268)

O início dos anos 2000 aconteceu o que se pensava ser uma ruptura com o processo de consolidação do poder burguês: a vitória do PT nas eleições de 2002 e a chegada de Lula à Presidência. Braz (2004) caracteriza, com precisão, essa nova composição de forças. ... o projeto pelo qual Lula foi eleito expressava uma ampla articulação de classes que pressupunha determinada coalizão entre setores das classes trabalhadoras e setores do capital produtivo do país. Para além dessa discutível união cabe ressaltar, que, de fato, a vitória eleitoral de outubro de 2003 teve impacto político relevante nas classes dominantes, uma vez que,

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pela primeira vez, tiveram que buscar negociação política em condições menos favoráveis politicamente. (BRAZ, 2004, p. 50)

A votação recorde que alçou o ex-operário, líder sindical e principal figura surgida na esquerda à Presidente da República, representou a resposta das massas às suas experiências com o neoliberalismo e poderia significar a mudança histórica os rumos das políticas econômica com transformação social. Porém o caminho seguido pelo governo do PT foi em outra direção, de acordo com Neto (2005), Lula adotou uma política econômica explicitamente neoliberal e encaminhou medidas nesse sentido como a reforma da previdência, a Lei de Falências e o projeto das Parcerias Público-Privadas. Sua ação, nas políticas sociais, não foi de ampliação de direitos e sua universalização, mas de redução dos direitos e de focalização. Em relação ao apoio do governo Lula, Neto (2005) aponta que - ao mesmo tempo em que possui um amplo apoio das massas - o governo tem de maneira clara o apoio dos setores economicamente dominantes e dos representantes do grande capital, principalmente do capital financeiro nacional e internacional, que estão devidamente representados no governo em espaços estratégicos. O governo foi elogiado pelo FMI e pela secretaria do tesouro dos EUA. Lula chegou a ser chamado de o cara por Barack Obama, presidente dos EUA. Quanto ao movimento operário, os demais movimentos sociais e as camadas populares o governo goza de prestígio e alta popularidade, mas a participação destes setores foi tímida e com pouco espaço para manobra. Os laços do governo Lula com os setores da grande capital são fortes e funcionam para garantir sua influencia nas políticas do governo; e que, por outro lado os laços do governo Lula com os setores populares são muito mais limitados e, principalmente, pouco eficazes para permitir que eles tenham influencia significativa nas políticas do governo. (NETO, 2005, p.72)

Até mesmo as oposições pela direita ao governo, PSDB e DEM, manifestam, sempre que podem, seu apreço pela política econômica e, em momentos cruciais, como a reforma da previdência, estiveram juntos. Pois na base econômica representam projetos semelhantes. No âmbito da luta de classes, pode-se dizer que houve uma espécie de cooptação de contingentes importantes da classe trabalhadora. A CUT até ensaiou algumas criticas na reforma da previdência, mas pouco fez. A União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade combativa de outrora, protagonista das lutas contra a

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ditadura e do Fora Collor, se reduziu a uma vergonhosa postura chapa branca. O MST é que permaneceu e até intensificou suas ações, embora nunca tenha se colocado como oposição ao governo e saindo em sua defesa em determinados momentos. Aqui cabe uma reflexão de Florestan Fernandes que descreve com precisão, o processo de cooptação de parcela significativa da esquerda, outrora combativa, brasileira. O terrível poder de corrupção que o controle da economia, da sociedade e do Estado coloca nas mãos das burguesias dominantes nos países capitalistas mais adiantados. Elas não precisam recorrer à violência exemplar sempre que desejem autodefender-se, autoproteger-se e contraatacar. Basta incorporar um setor mais amplo da vanguarda operária e das burocracias sindicais ou partidos proletários às classes médias, para converte-los em burgueses e em cavaleiros andantes da burguesia. (FERNANDES, 2005, p.83)

Nesse contexto, surgem novos sujeitos políticos, a saber: o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) como uma referência de esquerda. Há ainda o aparecimento e consolidação da CSP-CONLUTAS, que vem sendo a vanguarda da organização dos trabalhadores com um perfil socialista. No que toca a Política Social, Marques & Mendes (1995) trazem alguns elementos a respeito de dois aspectos importantes durante o governo Lula. O primeiro é a reforma da previdência, que recupera os pontos que o movimento social barrou no período FHC e agora essa parcela do pacote é aprovada, com intervenção pessoal de Lula. Num gesto simbólico o presidente caminha até o congresso para entregar a proposta. O outro ponto é o principal fator de sucesso do governo entre as camadas mais populares: O Programa Bolsa-Familia. Segundo os órgãos oficiais este programa foi criado para duas finalidades básicas: combater a miséria e promover a emancipação das famílias mais pobres. O Bolsa-Família foi a unificação dos vários programas, já criados por FHC, como bolsa-escola, vale-gás, cartão-alimentação, entre outros. O programa bolsa família não é criado como um direito constitucional de proteção do cidadão, pois se trata de um programa governamental, que pode ser alterado ou cancelado a qualquer momento por qualquer governo por simples decisão do executivo. Mas, um fato que não pode ser negado, é que a implantação do programa em todo território nacional melhorou significativamente as condições de vida de milhões de brasileiros. (Marques & Mendes,1995)

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Assim, as políticas sociais no governo Lula se apresentam ainda com um caráter seletivo, mas dão sinais de expansão. Só que não em base a direitos constituídos, mas em forma de complemento de renda, onde o estímulo ao consumo aparece numa lógica de que o mercado tem as melhores soluções até mesmo para os serviços sociais. A inflexão esperada com a vitória eleitoral do PT ainda não aconteceu, embora o país tenha entrado em uma onda longa de expansão com um crescimento da economia, recuperação da indústria e uma recomposição do Estado com a entrada de centenas de milhares de funcionários públicos. Medidas que diminuíram a taxa de desemprego. Há um substancial ganho financeiro com a valorização do salário mínimo. No interior do PT começam mudanças ideológicas de que seria possível humanizar o capitalismo e que com redistribuição de renda pode-se superar as desigualdades sem, necessariamente, superar essa ordem. Essas ilusões, de que por meio de políticas sociais dentro da ordem capitalista, serão encontradas as soluções para a desigualdade, permeiam o debate há tempos. A contradição Capital versus Trabalho, somente poderá ser superada com a supressão da apropriação do trabalho alheio pelos capitalistas. Ao mesmo tempo em que as políticas sociais se constituem em avanço e conquistas para a classe trabalhadora, são também armas para a reprodução do capital. Assim, como todos os aspectos, na saúde também há expectativa de avanços no caminho da Reforma Sanitária. No programa de governo a política de saúde é descrita como um direito universal. Há um retorno da concepção da Reforma Sanitária no governo, quadros comprometidos com o Projeto ocupam cargos de segundo e terceiro escalão e é convocada extraordinariamente a 12º Conferência Nacional de Saúde. Durante o primeiro mandato de Lula aconteceu o 8º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, com ampla participação. Neste, foi lançada a Carta de Brasília, que reafirmava propostas históricas da Reforma Sanitária, como o compromisso: com o direito universal e integral à saúde, com o Sistema Único de Saúde, com fortalecimento do controle social, com criação de Planos de Cargos, Carreira e Salário sem os limites imposto pela Lei Responsabilidade Fiscal (LRF) e com a criação do Conselho Nacional de Seguridade Social. Também se destacam as ações que dizem respeito à atenção básica com a ampliação da Saúde da Família

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que deixa de ser um programa e passa a ser uma estratégia, mas ainda longe de se constituir um direito. No segundo mandato do governo Lula é nomeado para o Ministério da Saúde o sanitarista José Gomes Temporão, que participou da Formulação da Reforma Sanitária nos anos 1980. Ele traz a cena discussões importantes, e polêmicas, como a interrupção voluntária da gravidez (entendida como um problema de saúde pública) e a necessidade de maior fiscalização às farmácias. Porém, nada disso foi a frente, com o Ministério sucumbindo aos interesses dominantes. O terceiro documento apresentado pelo Banco Mundial, de acordo com Correia 2007, vai ser no primeiro semestre de 2007, coincidindo com o início do segundo governo Lula e preparando o terreno para que o governo apresentasse seu programa “Mais Saúde: direito de todos, 2008 – 2011". Nesse contexto, o governo constrói um pacto de responsabilidades entre os gestores das três esferas da saúde. O nível federal, estadual e municipal, foram representados, respectivamente, pelo Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Esse Pacto possui três dimensões: pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. O Pacto pela vida é um compromisso desses gestores sobre questões que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população brasileira. Devem ser estabelecidas metas, em todas as esferas para o cumprimento do pacto. São seis as prioridades pactuadas: 1) Saúde do Idoso; 2) Controle do Câncer do colo do útero e da mama; 3) Redução da mortalidade infantil e materna; 4) Fortalecimento da capacidade de resposta às doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza; 4) Promoção da Saúde; 5) Fortalecimento da Atenção Básica. O Pacto em defesa do SUS - que segundo o documento, busca expressar compromissos entre os gestores do SUS e a consolidação da Reforma Sanitária pauta-se nos princípios estabelecidos na Constituição Federal, com vista a desenvolver ações que apontem o Sistema Único de Saúde como uma política pública. As iniciativas seriam: a repolitização da saúde, a promoção da cidadania e a garantia de financiamento de acordo com as necessidades do Sistema. Dentre as principais ações previstas por esse pacto se destacam: a ampliação e fortalecimento das relações com os movimentos sociais, a regulamentação da EC n. 29 pelo

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Congresso Nacional e a aprovação de um orçamento específico do SUS – formado pelos orçamentos das três esferas de gestão. E por fim o Pacto de Gestão, que estabeleceu diretrizes para a gestão do SUS.

Os

pontos

pactuados:

1)

Descentralização;

2)

Regionalização;

3)

Financiamento; 4) Planejamento; 5) Programação Pactuada e Integrada – PPI; 6) Regulação; 7) Participação e Controle Social; 8) Gestão do Trabalho e Educação na saúde. Esse documento expressa a ambigüidade existente no governo Lula, embora no Pacto em defesa do SUS apareça um viés progressista, no geral há um alinhamento com as propostas apresentadas pelo Banco Mundial também com as linhas gerais da Carta de Bogotá. Sobre a promoção da saúde o documento traz como objetivos ... Enfatizar a mudança de comportamento da população brasileira de forma a internalizar a responsabilidade individual da prática de atividade física regular, alimentação adequada e saudável e combate ao tabagismo; Promover medidas concretas pelo hábito da alimentação saudável; (BRASIL, 2006, p.13)

No documento fica evidente a responsabilização do indivíduo pela situação de saúde, ao passo que as determinações sociais estão dadas e não passíveis de mudança. Apenas se tenta “suavizar” um pouco as desigualdades existentes. Na terceira parte, o pacto de gestão, apresenta diretrizes em consonância com os organismos internacionais. O documento antecipa questões que o Banco Mundial somente ia apresentar como premissas a governança em saúde no Brasil em 2007. Isso demonstra a total sintonia entre as políticas do governo Lula e as orientações gerais das instituições que elaboram e aplicam diretrizes a serem seguidas pelos países para manutenção do sistema capitalista. Outra ação do governo no âmbito da saúde é o Projeto de Lei complementar 92/2007, das Fundações Estatais de Direito Privado, desenvolvido, através do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Este projeto propôs a instituição de uma fundação no interior da administração pública indireta e constituída de personalidade jurídica de direito privado. Seriam destinadas a atividades não exclusivas do Estado. Embora a proposta tivesse a saúde como carro chefe, estavam previstas outras áreas, mais especificamente as demais áreas sociais. Os argumentos de embasamento da proposta são os mesmo que Bresser Pereira

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utilizou: novos paradigmas, novos desafios, agilidade e efetividade, na busca pela eficiência. O governo não consegue avançar devido a resistência dos trabalhadores, mas na véspera de entregar o poder Lula cria, na surdina, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A, através de medida provisória (MP 520/2010), com o mesmo “espírito” privatizante das Fundações Estatais de Direito Privado. Se não conseguiu pelo convencimento democrático, vai pelo caminho autoritário mesmo. O que se tem de concreto é que a concepção política hegemônica dentro do governo Lula ainda priorizou o receituário neoliberal, que focaliza políticas sociais à custa de uma política econômica em prol do capital financeiro. O PT conseguiu fazer sua candidata, Dilma Roussef, a sucessora de Lula agora com o PMDB na posição estratégica da vice-presidência., O novo governo começou sua jornada anunciando grandes cortes no orçamento, suspendendo concursos públicos e prometendo ajustes ficais. Logo nos primeiros meses um embate duro com as centras sindicais, na maioria base do próprio governo, pelo aumento do salário mínimo e a postura do governo de passar por cima dessas mesmas centrais podem anunciar um período de lutas. A questão é se estas lutas permanecerão com foco nos ganhos pontuais das políticas sociais ou caminharão no sentido de construir uma nova sociedade. No que diz respeito à política de saúde, a presidenta já em seu discurso de posse sinalizou que teria grande importância. Mas, também deixou claro que apostaria em parcerias com o setor privado. Foi indicado para o cargo de Ministro da Saúde, o médico e ex-Ministro da Secretaria de relações Institucionais do segundo governo Lula, Alexandre Padilha. Uma das primeiras ações do novo Ministro é se eleger presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), onde se candidata e vence por aclamação. Depois de um período com um presidente do segmento dos trabalhadores o CNS retrocede e volta a ter um ministro da presidência. No primeiro ano de mandato, se destacam as propostas como a “Rede Cegonha”, no campo da Saúde da Mulher e da Criança, que envolveria cuidados da gestação aos primeiros anos da criança. O Programa “Aqui tem Farmácia Popular” que objetiva oferecer, principalmente, os medicamentos do programa de hipertensão e diabetes. Outra demanda apresentada pela presidenta foi a de implantação de UPA’s (Unidades de Pronto Atendimento), que são unidades de emergência criadas

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no Rio de Janeiro que são alardeadas como um “novo modelo de saúde”, quando na verdade representam a velha forma de tratar a saúde centrada na doença. Foi criado também, um indicador nacional sobre qualidade e acesso aos serviços de saúde. O Índice de Desempenho do SUS (IDSUS) é um indicador síntese, que faz uma aferição contextualizada do desempenho do Sistema de Único de Saúde (SUS) quanto ao acesso (potencial ou obtido) e à efetividade da Atenção Básica, das Atenções Ambulatorial e Hospitalar e das Urgências e 13 Emergências. MINISTÉRIO DA SAÚDE

A avaliação geral do IDSUS é dada por um índice que vai de 0 a 10 e pode ser ranqueado por esses valores. A nota geral do Brasil foi 5,47; o Rio de Janeiro tirou a pior nota entre todas as capitas, 4,33. O desempenho foi avaliado em relação à universalidade do acesso; integralidade e universalização (atenção básica, especializada, ambulatorial, hospitalar e de emergência); e a regionalização do sistema. Proposta muito problemática apresentada pelo governo Dilma é o Projeto de Lei (PL 1749/2011) que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Essa proposta resgata a idéia das Fundações Estatais de Direito Privado, contrataria os trabalhadores pela CLT (acabaria com Regime Jurídico Único para quem trabalhar nessa instituição) e poderia estabelecer contratos curtos de até dois anos. Essa proposta abre margem para privatização do sistema, privilegia uma rotatividade de trabalhadores ao acabar com a estabilidade e em nada garante uma melhoria das condições e qualidade do serviço. Em relação ao governo Dilma sobre a política de saúde há concordância com Bravo & Menezes (2011) quando identifica que ainda persistem grandes impeditivos ao avanço de um sistema público, estatal e qualidade como fora preconizado na criação do SUS, tais como: A lógica macroeconômica de valorização do capital financeiro e subordinação da política social à mesma, encolhendo os direitos sociais e ampliando o espaço do mercado; A falta de viabilização da concepção de Seguridade Social; A desigualdade no acesso da população ao serviço de saúde com a não concretização da universalidade; Modelo de atenção à saúde centrado na doença; O avanço da privatização, em detrimento do serviço público eminentemente estatal, através das parcerias públicos e privadas; (BRAVO; MENEZES, 2011, p.24)

Quanto ao que foi o movimento de Reforma Sanitária, que já havia aderido acriticamente ao governo desde o primeiro mandato de Lula, tenho acordo com as 13

Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1080 22/08/2012

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autoras quando afirmam que há uma flexibilização dos ideais da Reformas pelos mesmos. Identifica-se um pluralismo teórico, com a preocupação de utilizar abordagens não marxistas, o que tem influenciado nas suas posições políticas. Não há um enfrentamento com a política macroecomica do governo. [...] Percebe-se também uma flexibilização de suas proposições, pautada nas possibilidades de ação face ao atual contexto brasileiro de financeirização do capital. (BRAVO; MENEZES, 2011, p.25).

Por fim, é importante sinalizar que hoje dois setores se consideram movimento sanitário e herdeiros da Reforma. Um setor é a parte que participou de todos os governos petistas, foram defensores e elaboradores da proposta de Fundações Estatais de Direito Privado e atualmente defendem a proposta da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares no Governo Dilma. Desse segmento é que vão sair os interlocutores que irão acompanhar, e justificar, a inflexão que leva a questão da saúde a se tornar mais uma mercadoria livremente comercializada. Desde o marco inicial da Conferência de Alma-Ata até os dias atuais, e que será analisada no próximo capítulo, pela ótica da promoção da saúde. Enquanto que o outro setor se coloca como uma resistência à essas formulações e se propõe a um resgate das bandeiras históricas da Reforma Sanitária e da insígnia “Saúde, democracia e socialismo”. E materializa essa luta na organização de

Fóruns de saúde espalhados por 11 Estados do país (Rio de

Janeiro, Alagoas, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Paraíba) se articulam enquanto uma Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, que reuni ainda, centrais sindicais como CSP-Conlutas e CTB; partidos políticos como PCB, PSOL, PSTU e militantes do PT, PC do B e PDT; entidades estudantis da área da saúde e entidades nacionais como ANDES, CFESS, FASUBRA, FENASPS, Consulta Popular e etc.

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3 A PROMOÇÃO DA SAÚDE EM DEBATE

Neste capítulo será apresentado os processos de formulação da proposta de promoção da saúde a partir da análise dos documentos constituídos nas Conferências Mundiais. Na primeira parte será mostrado um histórico da formação da Organização Mundial de Saúde e as primeiras conferências internacionais de promoção da saúde e será visto também uma crítica ao conceito de equidade. Na segunda parte serão tratadas as perspectivas colocadas para a promoção da saúde pós anos 1990. A forte influência que o Banco Mundial irá exercer nas políticas e resoluções da OMS e junto disso uma guinada da instituição em direção aos valores do mercado. E por fim, serão apresentadas as declarações das últimas três conferências internacionais de promoção da saúde, realizadas após o ano 2000.

3.1 Equidade e promoção da saúde: antecedentes históricos

A partir de artigo de Matta, 2005, vamos apresentar e debater sobre a organização e o desenvolvimento da OMS e, dessa forma introduzir o debate da Promoção da Saúde. De acordo com o autor, uma das principais questões que motivou a busca de um consenso na saúde foi o “crescente fluxo de mercadorias e pessoas, assim como doenças devido à industrialização e à expansão dos mercados nos grandes centros urbanos.” (Matta: 2005, p. 372). Assim, não se pode deixar de considerar que foi o desenvolvimento capitalista e as contradições inerentes à sua existência o que impulsionou a organização da questão saúde em um organismo internacional. A primeira Conferência Internacional de Saúde aconteceu em Paris no ano de 1851. Não houve êxito em construir um consenso, fato que só aconteceu em 1892 e restrito apenas à cólera. Como a América Latina vivia o impacto da epidemia dessa moléstia, bem como da febre amarela, foi realizada uma convenção sanitária que contou com a presença de representantes brasileiros, argentinos e uruguaios que

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determinou medidas comuns às doenças citadas e mais para a peste e o tifo. A reunião foi em 1873 no Uruguai e uma nova convenção se reuniu em 1887 no Rio de Janeiro. No período subseqüente houve novas tentativas regionais e dispersas. Dado relevante foi a criação da International Sanitary Bureau, em 1902, com sede em Washington, atualmente conhecida como Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). (Matta, 2005). Mas é no período do pós segunda-guerra mundial é que vão surgir diversas agências e organismos internacionais, fruto da nova ordem mundial construída pelos vencedores da guerra. Foram criadas a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e o Banco Mundial no ano anterior. Em 1946 é que os primeiros passos para a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) são dados durante Conferência Mundial de Saúde, em Nova York, e contou com a participação de 61 países onde foi aprovada a formação da OMS. Assim, em 07 de abril de 1948, a OMS tem início com a Primeira Assembléia Mundial de Saúde, que contou com a participação de 26 dos 61 países membros. Por isso que, em muitos lugares, comemoram o dia 07 de abril como o dia Internacional da Saúde. Matta, 2005, vai pontuar que a existência de certo conflito por hegemonia entre a OMS e o Banco Mundial, que se expressariam no campo da saúde, mas também nos aspectos políticos. O autor não deixa claro se os conflitos existentes se davam nos marcos de projetos antagônicos de sociedade - sobre a existência ou o funcionamento do sistema capitalista - sendo um reflexo, portanto, da guerra fria. Nos anos 1970, durante início da crise dos anos de ouro do capitalismo, há uma revisão na forma de atuar da OMS. Um dos fatores é a mudança da direção geral do organismo, sai o brasileiro Marcolino Gomes Candau (1953-1973) e é eleito o dinamarquês Halfdan Mahler (1973-1988).

Neste ano a 26ª Assembléia Mundial

de Saúde apresentou, através de seu relatório, uma conclusão que apontava para uma grande insatisfação com os sistemas de saúde, de acordo com o autor: “A Assembléia então decidiu que a OMS deveria contribuir, mais do que assistir, com seus países membros no desenvolvimento de normas práticas para os sistemas nacionais de saúde” (Matta: 2005, p.374). Mas é na 30ª Assembléia Mundial de Saúde, 1977, que se lança o movimento “Saúde para todos no ano 2000”. E no ano seguinte as propostas se materializam na I Conferência Internacional sobre cuidados Primários de Saúde. O encontro se deu no território da Antiga URSS, na cidade de Alma-Ata, contou com a participação da

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quase totalidade dos países do mundo e numa conjuntura de crise do petróleo e plenitude da guerra fria. E de lá sai a “Declaração de Alma-Ata”. O grande ponto de Alma-Ata é direcionar a saúde como um direito fundamental do ser humano e não a ausência de doenças. Que esse direito é fruto direto da organização social da humanidade. Esse momento é quando a OMS atinge sua maior influencia no mundo e constituiu um consenso junto à ONU e UNICEF em torno da Declaração de Alma-Ata. I) A conferência enfatiza que a saúde – estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde. (ALMA-ATA, 1978).

O documento aponta a desigualdade econômica como causa dos problemas da questão saúde e aponta como meta uma “saúde para todos no ano 2000”. Também ressalta que é um direito a participação do cidadão na formulação das políticas. III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial. IV) É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde. (ALMA-ATA, 1978)

O caminho desenhado na carta é o dos cuidados primários de saúde. VI) Os cuidados essenciais baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade. (ALMA-ATA, 1978)

Esses cuidados incluíam, que: fossem evoluídas as condições econômicas e políticas dos países; que envolvessem outros setores para além da saúde; visassem a promoção, cura e reabilitação; educação sanitária; deveriam ser constituídos sistemas integrados; e a necessidade da participação comunitária. Outro aspecto destacado foi sobre um melhor uso das riquezas. “X) Poder-se-á atingir nível aceitável de saúde para todos os povos do mundo até o ano 2000 mediante o melhor e mais completo uso dos recursos mundiais” (Alma-Ata, 1978).

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O documento ainda coloca o excessivo gasto com armamentos e conflitos militares, como um desperdício de recursos frente às questões enfrentadas pela saúde. Ainda nascente, na década de 1970, o capital financeiro não aparece como um elemento de agravamento da questão saúde. O conteúdo - claramente universalista e centrado na desigualdade como causa dos problemas da declaração - se choca com o espírito do capitalismo. A declaração de Alma-Ata, considerada progressista, sofre um esvaziamento a partir da década de 1980, que pode se associado diretamente a crise do capital e a saída construída. Parte dos argumentos do capital de que a crise se origina a partir dos “gastos excessivos” nas políticas sociais e que deve ser enfrentada com a seletividade e a focalização das políticas. Outro argumento - apresentado por Matta, 2005 - é um ataque por parte da indústria farmacêutica. Nesta época, a OMS começou a sofrer pressões de indústrias, grupos econômicos e países membros. Alguns elementos fundamentais para o sucesso do Saúde para Todos foram duramente atacados, não por critérios técnicos, mas agora por pressões políticas e econômicas. (MATTA, 2005, p.380)

Outro fator fundamental, para a débâcle da Declaração, foi o abandono por parte do UNICEF das perspectivas universalistas expressas no documento. A mudança da direção do UNICEF, em 1981, fez com que esse fundo se afastasse das teses universalistas de Alma-Ata e assumisse uma proposta de difusão de um pacote mais seletivo de ações voltadas para a redução da mortalidade infantil. Em torno da iniciativa do UNICEF, aglutinaram-se grandes volumes de recursos (do Banco Mundial, de entidades privadas e de agências de ajuda ao desenvolvimento). (MATTA, 2005, p.376)

Para o autor, a Conferência de Alma-Ata tem um caráter dúbio de ter sido um sucesso e também representar um fracasso. ... Alma-Ata é um ícone de sucesso e fracasso simultaneamente. Sucesso por conta de um passado influente, quando era capaz de reunir a maioria dos estados nacionais, conduzir propostas, influir nos sistemas de saúde e nas políticas econômicas e sociais. E fracasso por ser uma meta jamais alcançada, uma proposta que se pulverizou com a mesma velocidade de seu surgimento, um descrédito de uma ação ambiciosa e uma data jamais cumprida. (MATTA, 2005. p.382)

Nos anos 1980, a OMS passa por dois processos, uma tentativa de dar andamento e materialidade as proposições universalistas de Alma-Ata. Mas, sofre um esvaziamento com a mudança de posição do UNICEF, com críticas a sua estrutura e forma de atuar, que seriam sem objetivos e com excesso de burocracia (Matta, 2005).

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Nesse contexto, em 1986, é realizada a Primeira Conferência Internacional de Promoção da Saúde, em Ottawa, no Canadá. O documento firmado, a Declaração de Ottawa, apresenta o conceito de Promoção da Saúde: Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social dos indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para vida, e não como objetivo de viver. (OTTAWA, 1986)

Também apresentou o que seriam os pré-requisitos para se ter saúde. É a primeira aparição dos determinantes em saúde, mas ainda sem o aprofundamento do tema. As condições e os recursos fundamentais para a saúde são: Paz – Habitação – educação – Alimentação – Renda – Ecossistema estável – Recursos Sustentáveis – Justiça Social e Equidade. O incremento nas condições de saúde requer sólidas nestes pré-requisitos básicos. (OTTAWA, 1986).

É também, nessa carta, que começa a se tecer o caminho que vai desviar a desigualdade - uma conseqüência do capitalismo - como causa dos problemas de saúde, para a noção de equidade. Alcançar a equidade em saúde é um dos focos da promoção da saúde. As ações de promoção da saúde objetivam reduzir as diferenças no estado de saúde da população e assegurar oportunidades e recursos igualitários para capacitar todas as pessoas a realizar completamente seu potencial para saúde. [...] A política de promoção da saúde combina diversas abordagens complementares, que incluem legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças organizacionais. É uma ação coordenada que aponta para a equidade em saúde, uma distribuição mais equitativa de renda e políticas sociais (OTTAWA, 1986).

É importante um pequeno aprofundamento a respeito do conceito de equidade em saúde. O conceito, que segue a direção tomada na declaração de Ottawa, vai ser aqui apresentado a partir do Verbete, “equidade em saúde”, do dicionário de saúde publicado no site da Fiocruz e de autoria de Sarah Escorel, 2012. Para os argumentos da crítica dessa perspectiva será usado Stoltz&Araujo, 2005 e Marx, 2004. Segundo Escorel, 2012, a matriz conceitual que origina o conceito de equidade em Saúde nasce da teoria de justiça de John Rawls. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. Em primeiro lugar, devem estar associadas a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em

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segundo, devem ser para o maior benefício dos membros da sociedade que têm menos vantagens (RAWLS, 2001 apud ESCOREL, 2012).

Em seguida, a autora confere uma explicação sobre o que quis dizer Rawls, “No segundo princípio de Rawls equidade aparece como adjetivo; qualifica a igualdade de oportunidades. (Escorel 2012)”. A autora, em seu trabalho, parece preocupada em afirmar positivamente o conceito inaugurado no campo da saúde, a partir da Declaração de Ottawa. Embora, no início do artigo citado, afirme que o termo equidade somente vai fazer parte do vocabulário da Reforma Sanitária brasileira após a promulgação da Constituição de 1988. Ou seja, após a Conferência de Ottawa. Sobre Rawls e a Teoria da Justiça vale o comentário de Stotz & Araujo, 2004, que trata a mesmo como “novo liberalismo”: A contribuição do neo contratualismo de John Rawls, talvez seja a teoria mais adequada para enfrentar, do ponto de vista liberal, os dilemas postos entre capitalismo, pobreza e democracia. Isto por que Rawls (1996) subtrai a justa distribuição de recursos (como o acesso à educação e saúde), do tema da legitimidade do poder. A preocupação de Rawls desloca-se do problema da legitimação – posto pelo pensamento liberal em termos da defesa da limitação do poder (a democracia é compatível com as liberdades individuais e a propriedade privada?) – para o da justiça, consistente em saber quais igualdades e quais desigualdades corretas ou incorretas, isto é, moralmente justificáveis ou injustificáveis. (STOTZ; ARAÚJO, 2004, p.09)

Escorel, 2012, em uma perspectiva eclética, faz ainda uso de Marx para justificar que equidade em saúde substituísse a questão da desigualdade. Dessa forma, a idéia de equidade foi incorporada e até mesmo substituiu o conceito de igualdade. Igualdade significaria a distribuição homogênea, a cada pessoa uma mesma quantidade de bens ou serviços. Equidade, por sua vez, levaria em consideração que as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas. Uma distribuição equitativa responde ao segundo elemento do princípio marxista “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades” (Marx, 1875, s/d). Sendo assim, o princípio de equidade estabelece um parâmetro de distribuição heterogênea. (ESCOREL, 2012)

Neste ponto, a autora cita Marx de forma aleatória, sem nenhuma relação sobre o que o autor se referia com a assertiva. Vamos a alguns esclarecimentos. O trecho pinçado pela autora é do clássico artigo “Crítica ao Programa de Gotha”, onde Marx discute e aprofunda questões sobre programas e estratégias revolucionárias, bem como aponta elementos da Ditadura do Proletariado. Em todas as épocas a repartição dos objetos de consumo é conseqüência do modo como estão distribuídas as próprias condições da produção. Mas esta distribuição é uma característica do próprio modo de produção. [...]

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O socialismo vulgar (e com ele, por sua vez, uma fração da democracia) herdou dos economistas burgueses o hábito de considerar e tratar a repartição como uma coisa independente do modo de produção e de, por essa razão, representar o socialismo a girar essencialmente em torno da repartição. (MARX, 2004, p.110)

Esse princípio citado está diretamente relacionado a um processo vitorioso de revolução e superação do sistema do capital. Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver desaparecido a escravizante subordinação dos inidíviduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for apenas um meio de viver, mas se tornar ele próprio na primeira necessidade vital; quando com o desenvolvimento múltiplo dos indivíduos, as forças produtivas tiverem também aumentado e todas as fontes da riqueza coletiva brotarem com abundância, só então o limitado horizonte do direito burguês poderá ser definitivamente ultrapassado e a sociedade poderá escrever em suas bandeiras: “De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!” (MARX, 2004, p.109).

A autora faz um malabarismo teórico para justificar como positiva o conceito de equidade, que pós Declaração de Ottawa, vai direcionar o pensamento e a produção intelectual no campo da saúde pública e coletiva brasileira. Algumas imprecisões de ordem teórica são cometidas, parte-se de uma matriz do pensamento liberal para cunhar o conceito, que o faz nos marcos da sociedade capitalista, sem perspectiva direta de sua ruptura ou superação. Os autores do campo do qual faz parte Escorel vão acompanhar essa inflexão que, encontro a encontro, a OMS vai construindo sem nenhuma crítica a esse movimento ao passo em que esvazia a perspectiva de que o direito a saúde deva ser viabilizado de maneira universal e que a causa dos problemas da saúde é fruto direto das desigualdades produzidas pelo capitalismo. E conclui tentando imprimir um aspecto positivo à idéia buscando argumento e justificativa na teoria marxiana, cujo objeto central é a superação do modo capitalista de produção. É um ecletismo teórico, onde se junta tudo. Do caminho único, do fim do antagonismo de classe. Um clima de pós-tudo favorece ao ecletistmo, enquanto o suposto fim das ideologias é transformado em princípios, isto é, se torna nova ideologia. A ideologia como universalização dos interesses vinculados à expansão das relações sociais capitalistas opera por meio da dissolução das fronteiras entre esferas públicas e privadas. (STOTZ; ARAÚJO, 2004, p.09).

Esse caminho que percorre a OMS, como veremos mais a frente com as próximas Conferências de Promoção à saúde, vai levar a entidade ao gradual abandono das idéias de Alma-Ata. Tal qual o UNICEF fez em 1981, o caminho será o da seletividade e da focalização da ação.

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Ao se trabalhar com base no conceito de equidade a partir dos cuidados primários e da promoção a saúde, que são entendidos como porta de entrada do sistema, o que se perceberá é que o primeiro favorecimento é para os que não podem pagar, ou seja, os pobres, que esses devem ser o alvo para corrigir essa injustiça da sociedade. Enquanto que os que têm acesso, compram a mercadoria saúde, não precisam ter a atenção no momento. E o caminho da seletividade e da focalização está aberto pela porta de entrada dos sistemas de saúde. Por fim, o encontro em Ottawa aponta as ações para a promoção da saúde, que seriam: construir políticas saudáveis e criar ambientes favoráveis. Estes dois pontos versam sobre a necessidade de ações intersetoriais e também a importância de que os recursos naturais sejam utilizados de forma racional em conjunto com a preservação do meio ambiente. A conservação dos recursos naturais de mundo deveria ser enfatizada como uma responsabilidade global. Mudar os modos de vida, de trabalho e de lazer tem um significativo impacto sobre a saúde. Trabalho e lazer deveriam ser fontes de saúde para as pessoas. A organização social do trabalho deveria contribuir para a constituição de uma sociedade mais saudável. [...] A proteção do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais devem fazer parte de qualquer estratégia de promoção da saúde. (OTTAWA, 1986)

Dentro das ações também estão listados o desenvolvimento de habilidades pessoais, que consistiria em trabalhar a mudança e a construção de outro comportamento considerado saudável. Uma reorientação dos serviços de saúde com maior esforço em pesquisas e adequando as formações profissionais no contexto da promoção da saúde. E por fim, um reforço da ação comunitária. Neste ponto vão surgir os elementos que estarão na base da idéia de empowerment, “O centro deste processo é o incremento do poder das comunidades – a posse e o controle dos seus próprios esforços e destino (Ottawa, 1986)” Essa declaração, anunciada como a materialização das propostas de AlmaAta, não cumpre esse papel. O que se vê é uma dissimulação da perspectiva universalista da política de saúde, o abandono da desigualdade como causa da não existência de saúde e uma responsabilização do indivíduo. A saúde é construída e vivida pelas pessoas dentro daquilo que fazem no seu dia-a-dia: onde elas aprendem, trabalham, divertem-se e amam. A saúde é construída pelo cuidado de cada um consigo mesmo e com os outros, pela capacidade de tomar decisões e de ter controle sobre as circunstâncias da própria vida, e pela luta para que a sociedade ofereça condições que permitam a obtenção da saúde por todos os seus membros.

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Cuidado, holismo e ecologia são temas essenciais no desenvolvimento de estratégias para a promoção da saúde. (OTTAWA, 1986)

Após o encontro de Ottawa há uma aceleração na mudança de rumo do debate da saúde no âmbito de organização. Nesse período, a OMS vai mudar seu diretor geral. A instituição vai diminuir suas críticas a situações de avanço do capital ao setor saúde. Os embates não mais terão como pauta a crítica a ênfase na atenção terciária, a questão da oferta de medicamentos essenciais e também não haverá muitas críticas à privatização da saúde A Segunda Conferência Internacional de Promoção da Saúde aconteceu em Adelaide, Austrália, 1988. Conforme consta no documento final, é seguida a direção tomada no encontro de Ottawa. Os esforços foram concentrados nas políticas saudáveis. As políticas saudáveis caracterizam-se pelo interesse explícitos de todas as áreas das políticas públicas em relação à saúde e a equidade, e pelos compromissos com o impacto de tais políticas sobre a saúde da população. O principal propósito de uma política pública saudável é criar um ambiente favorável para que as pessoas possam viver vidas saudáveis. (ADELAIDE, 1988).

Na carta, a saúde é apresentada também como um capital social, um investimento, que pode aumentar a produtividade da sociedade e que trará benefícios econômicos de longo prazo. É importante atentar ao fato de que em nenhum momento há menção a alteração societária. Ou seja, são medidas que vão auxiliar ainda mais o desenvolvimento capitalista, o que outrora era considerado causa das desigualdades e dos problemas da saúde, passa a ser incentivo para a formulação de políticas saudáveis. Há também um aprofundamento da questão da equidade, agora relacionada com acesso e desenvolvimento. É colocada a igualdade no acesso aos serviços de saúde, em especial aos cuidados primários (o que deveria ser a porta de entrada), como um elemento vital da eqüidade em saúde. É na Declaração de Adelaide que outro elemento chave na organização da saúde, nos dias atuais, aparece pela primeira vez: a questão das parcerias, ainda como um tímido chamado ao terceiro setor e outros entes da sociedade civil. Os governos têm um importante papel no campo da saúde, mas este é também extremamente influenciado por interesses corporativos e econômicos, organizações não-governamentais e organizações comunitárias. A capacidade potencial destas organizações em preservar e promover a saúde das populações deve ser encorajada. Sindicatos, comércio e indústria, associações acadêmicas e lideranças religiosas têm

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muitas oportunidades em atuar na melhoria da saúde da população com um todo. Novas alianças devem ser forjadas, visando promover o incremento das ações de saúde. (ADELAIDE, 1988).

Nessa conferência, a partir do debate de políticas saudáveis, vão ser identificadas quatro áreas de ação para promover essas políticas de maneira imediata. São elas: Apoio à saúde da mulher; Alimentação e Nutrição; Tabaco e Álcool; Criando ambientes saudáveis. Essa última será uma pauta central da próxima conferência. A Terceira Conferência Internacional de Promoção da Saúde vai se realizar em Sundsvall, na Suécia. O tema central é Ambientes Favoráveis à Saúde e o ano é de 1991. O encontro apresenta um chamado para ação, faz a convocação para atingir a meta estabelecida em Alma-Ata. Contraditoriamente, é nesta declaração que pela primeira vez se admite que a meta de Saúde para todos no ano 2000 não será alcançada. Ao examinar, conjuntamente, a situação atual da saúde e do meio ambiente, a Conferência aponta para a situação de milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza e privação, em um ambiente altamente degradado que ameaça cada vez mais sua saúde, fazendo com que a meta da Saúde Para Todos no Ano 2000 torne-se extremamente difícil de ser atingida. Doravante o caminho deve ser tornar o ambiente – físico, social, econômico ou político – cada vez mais propício à saúde. (SUNDSVALL, 1991).

O documento redigido, ao final da Conferência, vai qualificar o que significa, exatamente, ambientes favoráveis para a saúde. No contexto da saúde, o termo “ambientes favoráveis” refere-se aos aspectos físico e social do nosso entorno. Este termo alcança os espaços nos quais as pessoas vivem: a comunidade, suas casas, seu trabalho e lazer. Também engloba as estruturas que determinam o acesso aos recursos para viver e as oportunidades para ter maior poder de decisão. (SUNDSVALL, 1991)

Assim quatro aspectos são apresentados para a criação de um ambiente promotor de saúde: a) A dimensão social; b) A dimensão política; c) A dimensão econômica e d) A necessidade de reconhecimento da capacidade das mulheres. Embora caminhe na direção das políticas neoliberais, em alta nos anos 1990, a Declaração de Sundsvall vai apresentar críticas à políticas dos países desenvolvidos em relação aos países em desenvolvimento, como eles mesmos qualificam. A contradição deste documento consiste em reafirmar a equidade como ação ao mesmo tempo em que faz uma crítica ao modos operandi do sistema do capital.

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As decisões políticas e o desenvolvimento industrial estão quase sempre baseados em planejamento e ganhos econômicos de curto prazo, que não levam em conta os verdadeiros custos quanto à saúde das populações e o ambiente. A dívida externa drena os já escassos recursos dos países pobres. [...] A exploração da força de trabalho, a exportação e a venda de substâncias perigosas (nucleares), principalmente nas nações mais fracas e pobres, o consumo perdulário dos recursos naturais do planeta têm demonstrado que o atual modelo de desenvolvimento está em crise. [...] Toda alocação de recursos e ação política deve ser baseada em prioridades e compromissos claros para com os mais pobres, aliviando a dura vida dos marginalizados, grupos minoritários e pessoas com deficiência física. (SUNDSVALL, 1991)

Mas,

os

argumentos

apresentados

na

Declaração

vão

auxiliar

na

fundamentação do material do Banco Mundial para saúde e ser a porta de entrada, de fato, na idéia liberal de políticas ou gastos sociais focalizados em segmentos de maior expressão da pobreza.

3.2 Anos 1990: a hegemonia do Banco Mundial

Assim começam os anos 1990 no âmbito da Promoção da Saúde. É nesta década que a virada se completa e é possível identificar as proposições neoliberais e privatistas de forma clara nos documentos das Conferências subsequëntes. Acontece a primeira Conferência especialmente formada para discutir a situação da América Latina em 1992 e, por coincidência, é no mesmo período que as políticas neoliberais são apresentadas como solução pelos governos locais. A Conferência Internacional de Promoção da Saúde realizada em Bogotá, na Colômbia, no ano de 1992, produziu um documento, que ficou conhecido como Declaração de Santafé de Bogotá, que foi dividido em três partes. A primeira apresenta os aspectos conjunturais da região e a perspectiva da Promoção da Saúde como caminho para a conquista de bem estar, e nas seguintes foram colocados estratégias e compromissos para alcançar o objetivo. A região, desgarrada pela iniqüidade que se agrava pela prolongada crise econômica e pelos programas de políticas de ajuste macroeconômico, enfrenta a deterioração das condições de vida da maioria da população, junto com o aumento de riscos para a saúde e uma redução de recursos para enfrentá-los. [...] o desafio da promoção da saúde na América Latina consiste em transformar essas relações, conciliando os interesses

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econômicos e os propósitos sociais de bem-estar (DECLARAÇÃO DE SANTAFÉ DE BOGOTÁ, 1992)

para

todos.

A carta vai no mesmo caminho que trilha a OMS. A questão vai deixar de ser eliminar a desigualdade e superar o sistema capitalista que a produz para o caminho da equidade que “consiste em eliminar diferenças desnecessárias, evitáveis e injustas, que restringem as oportunidades para alcançar o direito ao bem-estar” (Declaração de Santafé de Bogotá, 1992). As estratégias apresentadas são três: 1. Impulsionar a cultura da saúde, modificando valores, crenças, atitudes e relações que permitam chegar tanto à produção quanto ao usufruto de bens e oportunidades para facilitar opções saudáveis. 2. Transformar o setor saúde colocando em relevo a estratégia de promoção da saúde, o que significa garantir o acesso universal aos serviços de atenção, modificar os fatores condicionantes que produzem morbimortalidade e levar a processos que conduzam nossos povos a criar idéias de saúde. 3. Convocar animar e mobilizar um grande compromisso social para assumir a vontade política de fazer da saúde uma prioridade. (DECLARAÇÃO DE SANTAFÉ DE BOGOTÁ, 1992).

Quanto aos compromissos, estão: a reafirmação dos determinantes sociais; convocar forças sociais para colocar os objetivos e ganhos sociais à frente dos interesses econômicos; incentivar políticas públicas saudáveis que viabilizem a equidade; melhorar os canais de negociação entre sociedade civil e governo; realizar ações que reduzam gastos e fontes de ineficiência e desperdício; enfrentar a corrupção no setor saúde; fortalecer a capacidade da população nas tomadas de decisão; dar amplitude, visibilidade às políticas de mulheres; dialogo entre culturas e por fim, estimular a pesquisa para gerar ciência e tecnologia acerca da promoção da saúde. Sobre essas propostas, embora retome o tema do acesso universal, é possível inferir que o foco fica no aspecto dos valores e atitudes de cunho mais individual e comportamental. A questão da desigualdade econômica, promotora da situação de risco à saúde, não é explicitada e, tampouco, são apresentados quaisquer planos a sua superação. Por fim se faz uma convocação ampla, talvez a construção de um pacto social para realizar as políticas de promoção da saúde. Em síntese, é proposto o ajuste macroeconômico - com a adoção das orientações das instituições centrais do capitalismo, como o Banco Mundial e o FMI com vistas a agir nos aspectos comportamentais e nos valores individuais da população, bem como a e correção das diferenças desnecessárias que possam

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afetar o bom funcionamento do sistema. E, fundamentalmente, gastar o mínimo possível com tudo isso. Há total concordância com a afirmação de Stotz e Araujo, 2004. Em Bogotá, na impossibilidade de fazer a saúde decorrer do desenvolvimento social e humano, preconiza-se uma nova cultura de saúde para a população. Como a ação educativa tem um custo menor, pode-se concluir que chegamos a um modelo de saúde a um custo promocional... para os pobres, naturalmente. (STOTZ; ARAÚJO, 2004)

No ano seguinte, será apresentado o Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial 1993: Investindo em Saúde, publicado pelo Banco Mundial. A partir deste ponto o Banco toma a dianteira no debate da questão saúde em relação à OMS. As análises e propostas são direcionadas aos países em desenvolvimento e dizem respeito às políticas de saúde, bem como ao funcionamento dos sistemas de saúde. São diretrizes pontuadas dentro do ideário neoliberal, hegemônico no mundo naquele momento. O documento, de acordo com Rizzotto (2000) vai apresentar como problemas nos países a má-alocação de recursos combinado com um gasto ineficaz na saúde. Que os mais abastados estariam tendo privilégio no acesso a assistências mais sofisticadas no nível terciário. Afirma também que há uma má administração do setor e custos altos e desnecessários na saúde pública. Nesse contexto, as propostas serão colocadas em três eixos que devem se combinar e se relacionar: a) será preciso criar um ambiente de estabilidade e segurança para investimentos do mercado e das famílias; b) Os gastos públicos devem ser redirecionados e focalizados nos pobres e c) deveria propiciar a diversidade nos financiamentos com concorrências entre público e privado, e também a possibilidade de parcerias. Promover a diversificação e a concorrência Se os governos financiassem a saúde pública e pacotes nacionais de serviços clínicos essenciais, os serviços clínicos restantes poderiam ser financiados pelo setor privado ou pela previdência social, segundo parâmetros de políticas estabelecidas pelo governo...mediante políticas que: [...] Incentivem a concorrência entre os fornecedores (públicos e privados) na prestação de serviços clínicos e no fornecimento de insumos, como medicamentos, a serviços de saúde financiados pelo governo e pelo setor privado. Não se deve proteger os fornecedores internos da concorrência internacional. (BANCO MUNDIAL, 1993).

Nesse sentido, a Instituição orientou aos países em desenvolvimento que realizassem reformas, com alterações jurídicas e administrativas que facilitassem a construção desse cenário. Também orientou que os países em desenvolvimento não devessem investir em pesquisa no setor saúde, pois caberia aos países

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desenvolvidos gastarem com isso. As tecnologias e conhecimentos adquiridos nos processos

de

pesquisa

circulariam

entre

os

países

como

“colaboração

internacional". Aqui temos concordância com Rizzoto (2000) quando afirma que o Banco Mundial só apresenta propostas mais concretas ao setor saúde diante de um contexto de crise do Estado de Bem-Estar e a possibilidade dos serviços de saúde se tornarem uma mercadoria valiosa. O fato mais relevante para este recente interesse do Banco Mundial na área da saúde está em que este setor passou a se constituir em um importante mercado a ser explorado pelo capital. Estatísticas revelam que, no mundo, consome-se com serviços de saúde em torno de US$ 1,7 trilhão (dados de 1990), ou seja 8% do produto total mundial, em uma faixa que vai de 4% do PIB nos países “em desenvolvimento” à 12% do PIB nos países desenvolvidos de alta renda, significando um mercado nada desprezível para o investimento do capital e sua valorização (RIZZOTO, 2000, p.120)

Por isso, o “espírito” da proposta do Banco é facilitar a entrada do setor privado nesse nicho e, em conseqüência, vai se redefinindo o papel do Estado, tornando-o mais facilitado e viável àS políticas liberais ou neoliberais. Esse documento vai ser a base das próximas formulações da OMS. É com esse cenário que vai acontecer a Quarta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, "Novos protagonistas para uma nova era: Orientando a Promoção da Saúde no Século XXI", realizada uma década depois da Conferência de Ottawa, quando se iniciou a inflexão que se completa neste momento. Vai ser a primeira em um país em desenvolvimento, Indonésia, na cidade de Jacarta, e também com a participação do setor privado. Essa inflexão é o abandono das teses universalistas e da concepção de saúde como um direito inalienável do ser humano. Ambas davam a saúde um conteúdo revolucionário onde as desigualdades eram causadoras dos males e sua conquista era a superação do modo capitalista de produção. Após esse momento, se consolida a virada no sentido de superar iniqüidades, reflexos do sistema capitalista, causadas por alguns determinantes sociais. Os pobres passam a ser um grande problema ao sistema, que também começa a construir uma “face humanitária” A resposta será construída na estratégia da equidade e da focalização. Não se fala mais em superação do capitalismo, o que fica subentendido é a ação no sentido de corrigir “falhas” no sistema e dar-lhe um viés mais “humanitário”.

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Ao Estado caberia um gasto mínimo centrado nos segmentos empobrecidos e quanto ao restante da sociedade o mercado se encarregaria de suprir com o setor privado, as chamadas parcerias público-privado e, até mesmo, com prestação de serviço do setor público num contexto de concorrência via leis de mercado. O serviço passaria à uma mercadoria promotora de lucros e fonte de extração de maisvalia, ou como consta na própria declaração de Jacarta: “A promoção da saúde é um investimento valioso”. Os determinantes da saúde são reafirmados nos pré-requisitos apresentados na Declaração de Ottawa e nas qualificações elaboradas nas Conferências subseqüentes. Pela primeira vez a saúde mental aparece no contexto da promoção da saúde, mas ainda sem respostas mais específicas. No plano geral, a promoção vai aparecer como estratégia para a equidade em saúde. Doenças infecciosas novas e reemergentes e o maior reconhecimento sobre os problemas de saúde mental requerem urgentes providências. É vital que a promoção da saúde evolua para fazer frente aos determinantes da saúde. [...] As estratégias de promoção da saúde podem provocar e modificar estilos de vida, assim como as condições sociais, econômicas e ambientais que determinam a saúde. A promoção da saúde é um enfoque prático para a obtenção de maior equidade em saúde. (DECLARAÇÃO DE JACARTA, 1997).

Com o objetivo da Conferência estabelecido, veremos as estratégias construídas para a ação. E as mesmas deverão ser tratadas como elementos essenciais e todos os países devem adotá-las. É uma perspectiva de ação que coloca a questão das parcerias e a responsabilização dos setores para além do Estado. Existe uma flagrante necessidade de derrubar as fronteiras tradicionais dentro dos setores públicos, entre as organizações governamentais e nãogovernamentais e entre os setores público e setor privado. A cooperação é essencial. Em termos específicos, isto requer a criação de novas parcerias em prol da saúde entre os diferentes setores em todos os níveis de governabilidade nas sociedades em condição de igualdade. (DECLARAÇÃO DE JACARTA, 1997)

As prioridades apresentadas para a promoção da saúde no século XXI serão: a) Promover a responsabilidade social para com a saúde; b) Aumentar os investimentos para fomentar a saúde; c) Consolidar e expandir parcerias em prol da saúde; d) Aumentar a capacidade comunitária e dar direito de voz ao indivíduo e, por fim, e) Conseguir uma infra-estrutura para a promoção da saúde. Nessas prioridades

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aparecem com força a idéia de parcerias e “novos mecanismos” para custeio dos serviços. Também é repetida, à exaustão, a questão da participação comunitária. A década de 1990 foi fechada com a mudança de comando na OMS, com a entrada de Gro Harlem Brundtland, ex-primeira ministra da Noruega, que assumiu a diretoria geral da OMS, em 1998. Sua principal promessa é uma reforma profunda na instituição. Em sua gestão vão ter início novas relações entre instituições, dentre as que geraram críticas estão as parcerias com a indústria farmacêutica e com a OMC. (Matta, 2000)

3.3 A promoção da saúde nos anos 2000

A Quinta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde acontece na Cidade do México, no ano 2000. Na data apontada, em Alma-Ata como o alcance da meta Saúde para Todos, a situação é absolutamente distinta do objetivo tramado no final dos anos 1970. E assim, mais de vinte anos depois, a proposta é “das idéias às ações”, os membros da OMS e ministros de saúde assinaram a declaração que destaca que eles: Reconhecem que a consecução do nível de saúde mais alto possível é um elemento positivo para o aproveitamento da vida e necessário para o desenvolvimento social, econômico e a equidade. [...] Constatam a necessidade urgente de abordar os determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde, sendo preciso fortalecer os mecanismos de colaboração para a promoção da saúde em todos os setores e níveis da sociedade. (DECLARAÇÃO DO MÉXICO, 2000)

O documento é curto, afinal não tem muito a dizer sobre o objetivo de saúde para todos não ter sido atingido e nem o porque de o mundo seguir cada vez mais desigual. Em 2005 foi realizada a Sexta Conferência Internacional para Promoção da Saúde, com o tema: “Promoção da Saúde em um mundo globalizado A reunião em Bangkok, Tailândia, teve como seu público alvo os governos de variados países em todos os níveis; a sociedade civil; o setor privado; Organizações Internacionais e a Comunidade da saúde pública. Também afirmou que é preciso políticas e parcerias que objetivem empoderar as comunidades e melhorar a equidade em saúde. Além de reafirmar o caminho tomado a partir da Carta de Ottawa.

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A carta apresenta alguns fatores críticos que influenciam a saúde como: a) o aumento crescente das desigualdades dentro de países e também entre os países; novos padrões de consumo e comunicação; b) os procedimentos globais de comercialização; c) mudanças globais no meio ambiente e o processo crescente de urbanização. Dentre as ações requeridas é reafirmada as parecerias entre os setores público, privado e não governamentais. O documento volta a falar em desigualdade como causa e apresenta quatro compromissos chave para uma saúde para todos 1) Tornar a promoção da saúde uma preocupação central na agenda do desenvolvimento global: São necessários acordos intergovernamentais fortes que aumentem a garantia de saúde individual e coletiva. Os governos e os órgãos internacionais precisam agir para diminuir a diferença entre ricos e pobres. Mecanismos efetivos de governância global para a saúde são necessários para enfrentar todos os efeitos prejudiciais do: Comércio; Produtos; Serviços e Estratégias de Marketing. 2) Tornar a promoção da saúde uma responsabilidade central para o governo como um todo. 3) Tornar a promoção da saúde um dos principais foco das comunidades e da sociedade civil. As comunidades e a sociedade civil comumente lideram as iniciativas de promoção da saúde, sendo responsável pelo seu inicio, modelagem e andamento.Elas precisam ter os direitos, os recursos e as oportunidades para que suas contribuições sejam amplificadas e mantidas. A sociedade civil precisa exercer o seu poder no mercado, dando preferência a bens serviços ou ações de empresas que são exemplos de responsabilidade social corporativa. 4) Tornar a promoção da saúde uma exigência da boa prática corporativa. (DECLARAÇÃO DE BANGKOK, 2005)

O resultado desta Conferência é um novo chamado para a ação e apresenta alguns aspectos contraditórios, pois volta a falar em desigualdade como causa dos problemas de saúde e também retoma o tema da Saúde para Todos, porém reafirma as parcerias e tem uma forte ênfase nas ações individuais, comportamentais e extragovernamentais como solução às questões. No final dessa primeira década dos anos 2000, acontece a Sétima Conferência, em Nairóbi no Quênia. Em 2009, sob o lema “Promovendo a saúde e o desenvolvimento: quebrar as lacunas de implementação”, se tratou de mais um chamado à ação e um apelo aos setores públicos, privados e não governamentais para que superassem o abismo entre o desenvolvimento e a promoção da saúde. Cinco aspectos foram colocados: empoderamento da comunidade (autonomia comunitária); conhecimento sobre saúde e comportamento (autonomia individual);

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reforço dos sistemas de saúde; parcerias e ação intersetorial (fortalecimento do trabalho em redes) e construção de competências para a promoção da saúde. Também são colocados alguns princípios para a promoção da saúde, a saber: 1) Concepção Holística, entendida como iniciativas que fomentem a saúde física, mental, social e espiritual; 2) Intersetorialidade; 3) Empoderamento, seria uma maior capacitação de comunidades e indivíduos e ligado diretamente a questão da informação, comunicação e também educação em saúde; 4) Participação Social é um dos objetivos centrais da promoção da saúde, e deveria envolver o processo de escolha de prioridades, tomada de decisões, implementação e avaliação das políticas; 5) Equidade; 6) Ações multi-estratégicas que combinem métodos variados, abordagem diversas e distintas disciplinas e 7) Sustentabilidade que consiste em uma dupla significação, que se baseie em um desenvolvimento sustentável e que seja um processo sólido de longo prazo. Nessa Declaração, a questão da universalidade do acesso aparece com um pouco mais de força, mas no contexto da sustentabilidade e de proposições inovadoras para financiar tal proposta. Em 2010, a OMS lança seu Relatório Mundial de Saúde com o tema Financiamento e um conteúdo dessas reflexões e proposições acerca do acesso Universal. Deixando claro que o acesso universal não está diretamente ligado a ser gratuito, mas garantida por um fundo comum de contribuição de todos os segmentos da sociedade. O grande problema que o documento apresenta não é o fato de ter de pagar pelo serviço, mas de ter que efetuar pagamento direto. A tese é que construindo fundos comuns se partilhe o risco e que, com a contribuição de todos, os mais ricos garantiriam àqueles que nada possuem. É quase um resgate à idéia do seguro Bismarckiano. Os decisores políticos, ao planejarem o financiamento da cobertura universal, não devem excluir aqueles que não podem contribuir, talvez porque não ganham o suficiente para pagar os impostos ou fazer contribuições. A questão chave é se o direito ao acesso deve estar ligado as contribuições. O perigo de exclusão não esta limitado simplesmente aos doentes e pobres. Os trabalhadores pobres com ocupações perigosas são disso exemplo. Qualquer que seja o sistema adaptado, será sempre necessário direcionar algumas das receitas gerais do governo para assegurar que as pessoas que não podem contribuir tem acesso aos serviços de saúde, por exemplo, subsidiando os prêmios do seu seguro de saúde ou não exigindo pagamentos diretos. (OMS, 2010, p.53).

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Nessa formulação, a saúde poderia continuar sendo uma mercadoria que preserva vidas, mas também um valioso investimento capaz de promover lucros. Na qualificação do que seria uma cobertura universal, o documento vai trabalhar na perspectiva de se expandir ou manter a cobertura em três dimensões, a partir de um fundo comum: a) quem está coberto; b) que serviço estão incluídos; e c) qual o custo arcado pelo fundo. (OMS, 2010) A cobertura universal significa atingir a 100% da população com algum serviço de saúde e ter como meta a equidade em saúde. Como não é mais objetivo superar o sistema capitalista, algumas desigualdades se perpetuarão e a tendência é uma naturalização. Esse foi o processo de inflexão que ocorreu no organismo mundial sobre saúde, apresentada a partir das Conferências e formulações sobre Promoção da saúde. Uma questão a ser ressaltada é que os principais interlocutores da temática no país não fazem a crítica ou apresentam essa inflexão. Mesmo sendo a Reforma Sanitária Brasileira uma referência e construída toda sua perspectiva nas bases da teoria marxiana e na pressuposição que a sociedade capitalista se encontrava na raiz dos problemas da questão saúde, são raras as apresentações em que esse tema volta a surgir, o que se vê são leituras demasiadas positivas e apologistas da perspectiva construída no âmbito da OMS. Vejamos o caso de um dos principais interlocutores, Buss (2000). Para ele: A promoção da saúde, como vem sendo entendida nos últimos 20-25 anos, representa uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que afetam as populações humanas e seus entornos neste final de século. [...] A promoção da saúde vem sendo interpretada, de um lado como reação à acentuada medicalização da vida social e, de outro, como uma resposta setorial articuladora de diversos recursos técnicos e posições ideológicas. (BUSS, 2000, p.163)

Neste artigo não há uma só linha que fale, cite ou situe a sociedade capitalista como lócus e causa da desigualdade. Aliás, há um salto, sem grandes explicações de uma “inaceitável desigualdade”, sem qualquer menção ao que a promove e a busca pela equidade em saúde como objetivo. Não há qualquer crítica sobre as possibilidades das parcerias entre setor público, privado e não-governamental, que aparece na Declaração de Jacarta, analisada pelo autor. Não é por acaso que o grupo no qual faz parte o autor, e que se auto-intitula como representantes da

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Reforma Sanitária Brasileira, vão formular e apoiar iniciativas como as Fundações Estatais de Direito Privado e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. A adoção de posições e posturas como essas vão no sentido do que Bourdieu&Wacquant, 2001, vão classificar como Imperialismo Simbólico: A difusão dessa nova vulgata planetária – da qual se encontram notadamente ausentes capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade, e tantos vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de uma presumível falta de pertinência – é produto de um imperialismo apropriadamente simbólico: os seus efeitos são tão poderosos e perniciosos porque ele é veiculado não apenas pelos partidários da revolução neoliberal – a qual, sob a capa da “modernização”, entende reconstruir o mundo fazendo tábua rasa das conquistas sociais e econômicas resultantes de cem anos de lutas sociais, descritas agora como arcaísmos e obstáculos à nova ordem crescente – mas também por produtores culturais (pesquisadores, escritores, artistas) e militantes de esquerda que, na sua maioria continuam a considerar-se progressistas. (BOURDIEU; WACQUANT, 2000)

Esse processo, pontuado pelos autores e que se reflete no artigo de Buss, 2000, e que é latente entre intelectuais do campo da saúde coletiva, precisa ser revertido. O objetivo cunhado em 1978, em Alma-Ata, de uma saúde para todos como direito inalienável do ser humano, somente será possível com o retorno da crítica a esse campo e da perspectiva de superação do capitalismo. O avanço do capital sobre a saúde é voraz e as são críticas leves, vejamos a situação apresentada por Barbosa, 2010. A crescente ingerência do complexo farmacêutico transnacional, que pauta e financia pesquisas na área biomédica de acordo com seus interesses mercantis (inclusive direcionando, falsificando e mesmo ocultando resultados de pesquisa) [...] Esse poderoso complexo financeiro desenvolveu e aperfeiçoou métodos de cooptação que se infiltram cotidianamente nas instituições públicas de ensino e pesquisa e tornam procedimentos antiéticos absolutamente ‘naturalizados’, pouco se questiona o fato de que conferências e congressos médicos, e de saúde em geral, são patrocinados por essas empresas. [...] Essa ‘invasão bárbara’ é hoje aceita com uma ‘quase’ naturalidade, tudo se justifica e é aceito em função dos ‘baixos salários’ e da crônica falta de recursos para a manutenção das instituições públicas. (BARBOSA, 2010, p.14)

E essa é exatamente a estratégia adotada pelos organismos centrais do capitalismo, como Banco Mundial e FMI. Também pouco se discute a questão de que vários programas do próprio Ministério da saúde, como Programa de AIDS, Saúde da Família, Reforsus, Vigisus, são propostos e financiados pelo Banco Mundial. Assim como estudos da agência que fazem relação de privatização da gestão dos serviços com a melhoria da qualidade (Granemamm, 2008)

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Por essas questões é que se torna fundamental um retorno à perspectiva de Marx para abordagem e reflexão acerca da saúde. Retomar a idéia do capitalismo como causa dos problemas de saúde e como promotor da desigualdade, conforme atesta Marx em sua “Lei geral do Capitalismo”. Retomar o método de análise, mas, principalmente, um retorno à formulação de que é preciso superar esse modo de produção e caminhar no sentido de uma nova ordem ancorada em novos valores. É preciso resgatar a bandeira do socialismo para o campo da saúde. O marxismo, enquanto ‘teoria da práxis’, não dissocia a produção de conhecimentos teóricos da ação política transformadora. O campo da saúde, que lida com questões tão caras à vida humana – sofrimento, dor, superação, solidariedade – é emblemático. Ele exige nosso compromisso com valores éticos e sociais que resultam de muitos séculos de história, de lutas e conquistas humanas. Não podemos, pois, permitir que os processos de banalização e mercantilização da vida nos transformem em profissionais, pesquisadores e pessoas insensíveis, indiferentes ou alienados em relação ao sofrimento e à injustiça. Portanto, devemos ter a coragem e ousadia de novamente levantar a bandeira do socialismo, demonstrando, mais uma vez, que o direto à saúde é ficção abstrata e retórica sem igualdade e justiça social. (BARBOSA, 2010, p.21)

A colocação da autora é perfeita, e cabe na questão da Promoção da Saúde, pois essa trata, em última instância da relação do ser humano com o mundo em que vive. Da situação concreta de sua existência que, por um lado, até tem relação com hábitos e comportamentos individuais, mas que essas questões são produzidas e reproduzidas como relações sociais a partir das necessidades do sistema capitalista de circular mercadorias e gerar lucros. Assim, não é possível responsabilizar o ser isolado por ter ou não hábitos saudáveis, em uma sociedade que cada vez mais transforma comida em veneno com agrotóxicos e conservantes, que eleva a competição por empregos entre os sujeitos a níveis extremos, que mantém um contingente mínimo de desempregados na sociedade e cujo valor é o capital.

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4 REPERCUSSÕES NO MUNICÍPIO DE NITERÓI/RJ

Neste capítulo serão apresentadas algumas reflexões sobre a política de saúde e a promoção da saúde no município de Niterói. Tais reflexões partem dos conteúdos apresentados nos capítulos anteriores e se somam a minha experiência profissional como assistente social em uma unidade básica de saúde, atuando no atendimento direto e no acompanhamento de condicionantes do programa bolsafamília14 e o programa do tabagismo15 O capítulo está divido em três partes, na primeira irei apresentar as origens históricas da formação do município de Niterói, tentando demonstrar como o município, que possui uma localização privilegiada, teve um papel de destaque na história. Na segunda parte farei um salto histórico para o final da década de 1980, com uma reflexão do desenvolvimento da cidade, seus ótimos indicadores, o crescimento e os problemas do processo. Por fim, farei uma exposição do desenvolvimento do setor e da política de saúde, ressaltando que Niterói teve um papel relevante na construção histórica do movimento de reforma sanitária brasileira e, posteriormente, se tornou mais do mesmo com a saúde considerada como uma mercadoria lucrativa.

4.1 Formação histórica e contextualização do Município

É considerado o fundador de Niterói o cacique Araribóia, em tupi algo como “Cobra Feroz”, índio que liderou sua tribo e lutou, junto aos portugueses, pela 14

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo país. As condicionalidades são compromissos assumidos tanto pelas famílias quanto pelo poder público. Na área da saúde, as famílias assumem o copromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 07 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes) devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da saúde do bebê. 15

Programa coordenado pelo INCA que visa à prevenção de doenças na população através de ações que estimulem a adoção de comportamento e estilos de vida saudáveis e que contribuam para a redução da incidência e mortalidade por câncer e doenças tabaco-relacionadas no país.

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retomada da Baía de Guanabara, por volta de 1550. Por seus atos nessa guerra e de grande auxílio para derrotar os índios tamoios, aliados dos franceses, recebeu da coroa portuguesa uma sesmaria16 em terras defronte ao Rio de Janeiro na Baía de Guanabara. O lugar que se chamou São Lourenço dos Índios foi o ponto de partida para construção de Niterói. O vilarejo, de onde a cidade germinou, começou a se desenvolver a partir da região que fica no entorno do morro de São Lourenço, que consistia de faixa que se estende desde Icaraí, passando por onde hoje é o centro da cidade e chegando até parte do Barreto e de terras que no futuro pertenceriam a São Gonçalo. A igrejinha, que substituiu a capela, é um importante monumento - faz parte do patrimônio histórico do município - e grande parte dessa faixa compreende a região de praias da Baía de Guanabara, que corresponde ao corte feito para o estudo. Já no século XVIII, denominada como Vila Real da Praia Grande, com muitos engenhos de açúcar e de aguardente, somados a lavouras de cereais, mandioca e outros legumes, a Vila prosperava economicamente. O comércio se desenvolvia no mesmo ritmo, havia um trânsito constante de barcos com a cidade do Rio de Janeiro e, com isso, uma intensa a circulação das mercadorias produzidas e alto fluxo de pessoas entre as regiões. No século seguinte, com a autonomia da Província do Rio de Janeiro, a Vila se elevaria a condição de cidade e passaria a se chamar Niterói, a partir do ano de 1835. Posteriormente, receberia o título de “Imperial Cidade”, dado a algumas cidades do Brasil Imperial consideradas importantes e, com isso, adquiriam uma maior autonomia e poder regional. Também seria berço de importantes republicanos - como Benjamin Constant, Miguel Lemos e Alberto Torres - e, assim, foi palco das lutas republicana e abolicionista. A cidade crescia e se expandia. A economia tinha como base uma indústria naval e a pesca, complementada com a agricultura e comércio. O desenvolvimento urbano começou com o provimento de alguns serviços básicos - como abastecimento de água e iluminação pública - e instalaram-se os primeiros sistemas de bonde. Houve também uma melhor ligação com outras cidades, como a Estrada 16

Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. O Estado, recém-formado e sem capacidade para organizar a produção de alimentos, decide legar a particulares essa função. A principal função do sistema de sesmarias foi estimular a produção e isso era patente no seu estatuto jurídica. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos estabelecidos, seu direito de posse poderia ser cassado.

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de Ferro de Niterói que ligava com o interior e o sistema de barcas a vapor que fazia a ligação com o Rio de Janeiro. A revolta da armada, uma tentativa de se derrubar a república no final do século, prejudicou muito a cidade, palco de batalhas sangrentas, paralisando as atividades econômicas, transferindo temporariamente a capital para Petrópolis e fragmentando o território, o que possibilitou o surgimento de municípios vizinhos como São Gonçalo. Niterói começou a se recuperar já nos primeiros anos do século XX. Retomou a condição de Capital do Estado do Rio de Janeiro e esse processo se deu num ritmo acelerado de urbanização. Nesse período importantes obras urbanas foram construídas, como o Palácio Araribóia, o prédio dos correios e a estação das barcas. Importantes praças públicas como o Campo de São Bento, a praça Araribóia e a praça do Rink (General Gomes Carneiro). Também foram construídos a rede central de esgotos e o porto de Niterói. O período que vai até a década de trinta é marcado pelas transformações urbanas, com forte inspiração na reforma Pereira Passos, e como tal, teve um custo social considerável com a retirada das populações mais empobrecidas das regiões centrais e sua alocação nas periferias, promovendo uma “limpeza” social no sentido higienista. A revolução de 30 traz uma pausa no desenvolvimento urbano da cidade que será retomado após a decretação do Estado Novo em 1937, mas já num outro contexto sócio econômico e político e com o Rio de Janeiro sob intervenção de Ernani do Amaral Peixoto. Tem início um período de investimentos urbanos com relações estreitas com a iniciativa privada do setor de obras públicas e da construção civil. De acordo com dados do IBGE17, em 1945, a cidade de Niterói possuía uma população de 163 407 habitantes. Nesse período, se dá ampliação das vias urbanas, como a criação da Avenida Ernani do Amaral Peixoto, que para sua construção foi preciso demolir cerca de 200 prédios. Essa importante obra somente foi terminar na década de 1950. Também nesse período outras importantes vias foram abertas como a Av. Roberto Silveira,

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IBGE, Sinopse Estatística do município de Niterói. 1948. Retirado de: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBISRJ/sinopse1948/RJ_Niteroi.pdf

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inicialmente chamada Av. Estácio de Sá, que liga o centro a Zona Sul (Região de Icaraí). Foi consolidado o aterrado da Praia Grande, que compreendia a enseada da praia grande, a enseada de São Domingos e o Morro do Gragoatá. Hoje esse aterrado se constitui numa potência do município abrigando grande parte do campus da Universidade Federal Fluminense e o caminho Niemayer. Nas décadas de 1960 e 1970, marcadas pela Ditadura Militar, tem-se a construção da rodovia do contorno, ligação viária alternativa com São Gonçalo e o começo das obras da Ponte Rio-Niterói. A realização e entrega desta obra, chamada de Ponte Presidente Costa e Silva, em 1974, vai trazer um grande impacto à cidade que vai redirecionar investimentos públicos, bem como a expansão do mercado imobiliário que se concentra nas regiões do Icaraí e Santa Rosa e uma maior ocupação das regiões oceância e de Pendotiba. E, na década de 1970, também há a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e, com isso, Niterói perde a condição de capital estadual que detinha desde 1835. De maneira contraditória, com o crescimento do mercado imobiliário e o redirecionamento de investimentos, há um esvaziamento político na cidade.

4.2 A cidade de bons indicadores e de contradição crescente

A partir de meados da década de 1970, de acordo com OLIVEIRA & MIZUBUTTI (2009), o esvaziamento político e de identidade de Niterói vai até o ano de 1996, com a inauguração do MAC, e sua adoção como símbolo da cidade. Com a perda do status de capital [...] esmaece paulatinamente sua importância no cenário político e econômico do Estado [...] instaurando-se um “vazio” identidário, um limbo, que perduraria até meados dos anos 1990, quando da inauguração do MAC. [...] Esse fato foi transformado, pelo grupo no poder, em mote para o marketing político, adotando a imagem do MAC como novo símbolo “oficial” da cidade. (OLIVEIRA; MIZUBUTTI, 2009, p.7273)

O processo de busca, por uma nova identidade, vai ter como principais pontos dois programas sociais: Vida Nova no Morro e o Programa Médico de Família, ambos da primeira gestão de Jorge Roberto Silveira, numa coalização de centroesquerda formada por PT, PC do B, PSB e encabeçada pelo PDT em 1989. Até hoje

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esse grupo permanece no poder sem nenhuma alternância de fato. De acordo com OLIVEIRA & MIZUBUTTI, esse período marca o começo do processo de aceleração do crescimento do capital imobiliário em Niterói. [...] Desde então, Niterói passou a funcionar como importante pólo de atração para determinados investimentos ligados ao capital imobiliário e aos setores culturais e turísticos, bem como um atrativo para a população de outros municípios e cidades da Região Metropolitana, sobretudo para segmentos da classe média. (OLIVEIRA & MIZUBUTTI, 2009, p.72-73)

Essas ações,

que até melhoraram a

paisagem

da

cidade, foram

acompanhadas de uma forte especulação imobiliária que fizeram crescer vários espigões na Região do Ingá, Santa Rosa e Icaraí. Nos últimos trinta anos, o investimento com maior lucratividade tem se dado no setor do mercado imobiliário e da construção civil. Niterói passou a se colocar como uma cidade de boa qualidade de vida. A cidade apresenta índices de qualidade elevados como o IDH de 0.886, considerado elevado e de acordo com o ranking do PNUD é o terceiro melhor do país e o primeiro do Estado do Rio de Janeiro. Num índice construído pelo Instituto Polis - a partir de informações extraídas dos censos do IBGE que engloba índices sintéticos de renda, alfabetização, habitação e meio ambiente - Niterói ficou com o quarto melhor índice, dentre os 187 municípios com mais de 100 mil habitantes selecionados para a pesquisa. O desenho da cidade vai se construir sobre esses índices de avaliação, apresentados a partir do início da década de 1990, e com grandes obras que se iniciaram nesse período, mas que tem sua continuidade até os dias atuais, como a construção do Museu de Arte Contemporânea e do Caminho Niemayer, bem como as revitalizações das praças e prédios históricos no centro. Outras vantagens associadas como a proximidade e a facilidade de atravessar a Baía de Guanabara e estar no Rio de Janeiro. Poderia se dizer que o município vai construir sua urbanização, a partir dos anos 1990, com o que David Harvey (2005) vai classificar de empreendedorismo urbano, vendendo uma imagem de “cidade qualidade de vida” que vai apresentar e combinar “parcerias públicos-privadas” com facilitação e subsídios para a construção de obras. Ao passo que as políticas públicas e os serviços públicos, em parte responsável pelos bons indicares do município, vão se tornar precários e focalizados na pobreza, em especial o caso da saúde, como veremos na próxima parte.

88

Harvey (2005), parte do conceito de que urbanização é um processo social, com arranjos institucionais, sistemas políticos e administrativos. E o processo de urbanização, que vai se iniciar no mundo capitalista após a década de 1970, é o que ele chama de empreendedorismo urbano.

Afirma também que a análise da

governança urbana deve ser compreendida em escalas espaciais como bairros, regiões, zonas, países, etc. Para o autor, esse empreendedorismo urbano, tem como principal elemento as “parcerias público-privado” para conseguir fontes externas de financiamento e novos investimentos e, com isso, gerar novos empregos. Essas parcerias se dão em contextos especulativos e, por isso, ao setor público caberia assumir os riscos para garantir os investimentos e a parte privada prestaria seu serviço e, assim, conquistaria seu lucro. Por fim, esse empreendedorismo se foca muito mais em construções e obras do que atua na melhoria das condições do lugar com políticas de educação, transporte ou saúde. A maior parte da alardeada “parceria-público privada” equivale a conceder subsídios - aos consumidores ricos, às empresas afluentes e às atividades de controles importantes - para que permaneçam na cidade, à custa do consumo coletivo local da classe trabalhadora e dos pobres. (Harvey, 2005:181) Ainda conforme o autor, essa forma de organizar a cidade vai partir de quatro opções básicas de políticas, que não se excluem e se desenvolvem de forma desigual e combinada. A primeira opção parte de um estímulo econômico ou fiscal. Esse investimento público pode ser feito com a construção de infra-estruturas físicas e com a ampliação de políticas públicas com ganho social, que podem trazer ganhos para a base econômica da região e, até mesmo, a exportação de bens e serviços. A grande questão é que esses incentivos muitas vezes oneram a região, privilegiam a empresa que se beneficia e quando começa qualquer dificuldade deixa a região atrás de outra que ofereça ofertas melhores. A segunda opção é uma organização da região como pólo de consumo e turismo. Com o avanço do capitalismo e a necessidade cada vez maior de consumir coisas, sejam bens ou serviços, a cidade pode se orientar nesse sentido. Assim, aAtrações para o consumo - como ruas com muitas lojas de grife, shopping centers, eventos esportivos - e a realização de festivais culturais como música, teatro e cinema são estimulados. “Acima de tudo, a cidade tem de parecer um lugar

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inovador, estimulante, criativo e seguro para se viver ou visitar, para divertir-se e consumir” (Harvey, 2005: 176). Na terceira opção está em fazer um empreendedorismo urbano que concentre na região um pólo de negócios e finanças, como centro para as novas tecnologias da informação e comunicação. Nesse quesito, cidades com grandes conglomerados urbanos e os grandes centros já estabelecidos levam sempre vantagem. E, por fim, a quarta opção, diz respeito a conseguir atrair grandes fluxos de investimento do próprio poder público, tanto na esfera estadual quanto na nacional. Voltando para a situação de Niterói, a cidade vem tendo um crescimento razoável, a população vem crescendo, algo como 45% nos últimos 30 anos e, de acordo com o censo do IBGE de 2010, tem hoje uma população de 487.327 habitantes. Podemos dizer que o município apresenta um pouco de cada elemento e característica pontuada por Harvey (2005) em seu processo de organização urbana. Já nas primeiras décadas dos anos 2000, com ações de revitalização da região do Centro da cidade, os investimentos e o mercado imobiliário migraram para essa parte da cidade erguendo outros tantos prédios comerciais e residenciais. Há péssimas projeções para quando os inúmeros espigões estiverem todos habitados e cada apartamento possuir, no mínimo um carro. Nos últimos anos vão se tornar mais agudos e visíveis os principais problemas e sinais de esgotamento desse modelo de governança da cidade. Portanto, o mito da “cidade qualidade de vida” vai começar a cair. Talvez o marco principal da débâcle tenha sido a tragédia do Morro do Bumba, quando a comunidade construída sobre o aterro de um lixão em um dos empreendimentos sociais do primeiro governo Jorge, o programa Vida Novo no Morro - veio abaixo sob fortes chuvas, numa avalanche de lama e lixo que levou a vida de centenas de moradores. Alguns, dos que sobreviveram, até hoje estão desabrigados e sem receber o aluguel social, morando em escolas municipais em condições de insalubridade. Esse tipo de governança - que objetiva impulsionar setores econômicos, criar ambientes favoráveis a negócios e lucratividades - acaba também por gerar problemas. A cidade, vista como elemento gerador de lucro e mais-valia, vai apresentar bons aspectos em sua parte expansiva, mas vai gerar escassez por outro lado. Para auxiliar nesse entendimento vou recorrer a Milton Santos:

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A cidade constitui um meio material e um meio social adequados a uma maior socialização das forças produtivas e de consumo. A vida urbana induz à criação de meios coletivos [...] A própria a cidade física é condição da produção, com a privatização do uso das benfeitorias coletivas, através de sua apropriação seletiva e, afinal, excludente (SANTOS, 2009, p.116)

E nesse processo, complexo e contraditório, em que se produz e reproduz a cidade é que a desigualdade vai se cronificando e se espalhando no ritmo em que se dá a apropriação privada das benesses coletivas. Nada além da comprovação da Lei Geral da Acumulação Capitalista, e isso também se manifesta nas políticas públicas. Acontece na educação e saúde no momento em que o cidadão é quase que obrigado a consumir a saúde e educação por que o Estado não oferece os serviços.

4.3 A questão da saúde

Embora, como visto na parte anterior, o período compreendido na década de 1980, tenha havido uma certa “perda de identidade” no que diz respeito à cidade em si, no campo da saúde foi um período onde as idéias da Reforma Sanitária encontram o solo fértil da universidade e germinaram experiências inovadoras e grandes perspectivas no avanço da viabilização do direito à saúde. No final da década de 1970 foi formulado o 1º plano de Ação de Saúde do Município, pela equipe da Secretaria de Saúde e Promoção Social, e contou com a participação de professores e alunos da UFF e da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) Esse plano obteve repercussão nacional por suas propostas, cabendo destacar: a criação de uma rede básica de serviços de saúde considerando a necessidade de bairros mais pobres e periféricos, a extensão da cobertura e a utilização de agentes de saúde, tudo dentro do ideário formado na reunião de AlmaAta sobre a Atenção Primária à Saúde. (Cunha, 2005) A Secretaria Municipal de Saúde e Promoção Social da Prefeitura de Niterói, criada em 1975, não tinha unidade própria de saúde, se resumia a administrar três cemitérios e as ações de saúde pública eram realizadas em forma de campanha. No fim da década de 1970, a cidade apresentava um grande segmento de população de baixa renda, com muitas favelas e pouca condição de saneamento e coleta de lixo. Além de inexistir o acesso à serviços de saúde.

91

Na gestão de Hugo Tomasini, na secretaria de saúde, teve início uma estruturação da mesma. Esse processo favoreceu a construção de um Diagnóstico de Saúde de Niterói em 1977 com um plano de ação incluído até 1980. Algumas características deste plano, foram: a constituição de uma equipe multiprofissional (sanitaristas, assistentes sociais, médicos, dentistas, auxiliares de saúde, etc.); e a oposição aos setores que apoiavam o modelo hegemônico privilegiador das práticas voltadas ao desenvolvimento de uma assistência médica curativa e clientelista. (CADERNOS METROPOLITANOS, 2006, p.27)

A articulação que surge em Niterói - com uma íntima ligação com o Movimento de Reforma Sanitária - tem como sujeitos participativos trabalhadores da saúde de diversos órgãos, como da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Instituto Nacional de Assistência Médica e de Previdência Social (INAMPS), da Secretaria Estadual de Saúde e Higiene (SES), da Secretaria Municipal de Saúde e Promoção à Saúde de Niterói (SMSPSN) e, também, de grupos comunitários ligados à Federação de Associação de Moradores de Niterói (FAMNIT). A articulação de foros de discussão e a articulação política no município em torno do Movimento de Reforma Sanitária se concretizava em experiências pontuais de integração de serviço de saúde-universidade-comunidade. É no contexto do movimento de Reforma Sanitária que se realiza no município, em 1979, o II Encontro Municipal do Setor Saúde18. Esse encontro teve um caráter nacional e reuniu cerca de 67 representações municipais de 15 Estados. No documento, se apontava a diretriz de unificação no sistema de saúde. E, como agenda temática, trazia os seguintes pontos: a constituição de uma rede de serviços; a participação social; a responsabilização do Executivo e Legislativo; a reforma tributária; a unificação do MS-MPAS; a reorientação da política de Recursos humanos e; a exclusão do setor privado da APS. (Cunha, 2005) Na Universidade Federal Fluminense nasce o Projeto Niterói, que é fruto dos debates que se iniciaram no II Encontro Municipal do Setor Saúde em Niterói e suas propostas e estratégias tiveram como base a pauta de reivindicação dos movimentos de profissionais da UFF, do INAMPS, da Secretaria Estadual de Saúde

18

Estes encontros foram realizados pelos setores mais progressistas em diversos municípios. Os primeiros foram em Teresina (PI) e Campinas (SP) e após Niterói, Belo Horizonte (MG) e São José dos Campos (SP).

92

mas também de representantes do movimento popular vinculados principalmente à Federação de Associação de Moradores de Niterói (FAMNIT) (Sá:2003) O

Projeto

apresentou

alguns

aspectos

interessantes

como:

uma

universalização do acesso, que era extendido para além dos que contribuíam com a previdência e cobertos pelo INANPS; previa a realocação dos profissionais nas instituições de públicas de saúde e a estruturação de uma base sanitária e epidemiológica na cidade. O projeto era composto por um grupo de 20 técnicos e buscava introduzir um diagnóstico da saúde municipal com propostas operacionais à solução dos problemas. (Cadernos Metropolitanos: 2006). Um dado muito importante, para a pesquisa, é que o Projeto Niterói tinha, dentre suas intenções, priorizar a atenção básica e o seu foco seria nas ações de promoção e prevenção de saúde. Criado em 1982, o Projeto Niterói visava à intregração e descentralização dos serviços de saúde, partindo dos princípios de regionalização, hierarquização e participação popular. O Projeto Niterói (1982/1988) se constituiu em uma experiência pioneira das ações integradas de saúde e serviu de parâmetro para o projeto das Ações Integradas de Saúde (AIS). O Projeto funcionava com uma comissão executiva, presidida por Gilson Cantarino O’Dwyer, em que havia a representação das instituições públicas de saúde prestadoras de serviços no município (UFF, INAMPS, SES e SMS) e comissões de trabalho por área temática. Em 1984 foram integradas outras entidades da sociedade civil, como a Associação Médica Fluminense, o Conselho Regional de Medicina e a Federação de Associação de Moradores de Niterói (FAMNIT). (MASCARENHAS, 2003, p.57)

Em 1989, vence as eleições a coalização de centro-esquerda que favorece e fortalece a construção da política de saúde de cunho progressista. Dessa forma, o grupo do Projeto Niterói assume a secretaria de Saúde e direciona o trabalho pelas recomendações tiradas na VIII Conferência Nacional de Saúde. Em 1991 é realizada a primeira conferência Municipal de Saúde que cria o Conselho Municipal de Saúde. É feito um contato para troca de experiências com Cuba e a política de saúde passa a ter como base a Medicina Comunitária na constituição das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e no Programa Médico de Família. (PMF) O Programa Médico de Família de Niterói é a principal ação na política saúde da nova gestão que assume a prefeitura. A inspiração é cubana e a partir do estudo de Sá (2003), vamos apresentar características do modelo que serve de molde à ação em Niterói.

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O modelo cubano considera a família como unidade de atenção; enfatiza o vinculo entre o médico, usuário, famílias e comunidades, facilitando a participação comunitária no sistema de saúde e a visão integral do indivíduo; Aumenta a acessibilidade dos usuários ao sistema de saúde; Procura articular ações de promoção, prevenção, diagnóstico precoce e oportuno, assim como reabilitação; garante a continuidade da atenção médica; estabelece um novo padrão de cuidados voltados para a saúde e não só para a doença focados na atenção primária à saúde. (SÁ, 2003, p.24)

Em Cuba, o sistema de saúde é universal e o médico de família se constitui como a porta de entrada para a rede de saúde que é capaz de resolver cerca de 95% dos problemas de saúde apresentados pela população. Lá o médico de família é considerado o médico mais completo e universal, a medicina de família tem sua prática e docência integrada desde sempre na formação profissional. A articulação, com o segundo nível do sistema, é a partir da integração de equipes de médico de família e o Policlínico Comunitário, que são distribuídos de maneira regionalizada. Esses Policlínicos apresentam serviços especializados que, por sua vez se articulam com pós-graduações, o que garante uma qualificação contínua do serviço. Esse sistema é responsável pela cobertura de cerca de 97% da população cubana. (Perez 2000 apud Sá: 2003) Já o Programa Médico de Família (PMF), apesar da inspiração no modelo cubano, nasce em outras condições. É um programa focado, ou seja, sua cobertura não é universal; e na lógica da equidade social, priorizando os elementos de maior “vulnerabilidade social”. E, ainda, de acordo com a dissertação de Sá (2003), o programa cobria cerca de 75% da população alvo, ou seja, sequer era capaz de atingir o seu, já reduzido, público alvo. O PMF também se constituiu com uma assessoria cubana, cujos pontos ressaltados foram: adscrição da clientela, definição de território, participação popular, integralidade da atenção à saúde e uma nova forma de se relacionar os serviços de saúde com o usuário. De acordo com Cunha (2005), a metodologia de trabalho do PMF consiste em selecionar áreas de comunidades com risco sócio-ambiental com 4000 moradores em média. Essas áreas se dividem em setores com cerca de 250 famílias cada, onde atuará uma equipe básica (médico de família e uma auxiliar de enfermagem, de preferência, da comunidade). A carga horária é de 40 horas, onde metade do tempo é dedicado aos consultórios e a outra metade às atividades de campo e para estudos e aperfeiçoamento profissional. As equipes básicas se vinculam a um Grupo

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Básico de Trabalho composto por uma Coordenação e equipes de supervisores nas seguintes áreas: Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia, Saúde Coletiva, Serviço Social, Enfermagem e Saúde Mental. Nos anos 1990, enquanto Niterói implementa esse programa, o país vivencia os anos FHC, com uma política de desregulamentação da economia, privatização e sucateamento dos serviços públicos. Nessa arena nacional, o Ministério da Saúde vai lançar em 1994 o Programa Saúde da Família. No período o Brasil tinha se tornado signatário da Carta de Bogotá, onde se apresenta uma noção de equidade como ação para acabar com diferenças desnecessárias, e vincula a saúde como conseqüência do desenvolvimento econômico e social. Conforme analise de Stotz (2004), o texto dessa Carta é ambíguo e confuso, dá o entendimento de que existem diferenças inevitáveis tanto no aspecto biológico quanto social. É sugerido, no documento, que se deveriam construir sistemas públicos de saúde que se limitassem as populações mais pobres e aos demais segmentos, da sociedade, os serviços de saúde seriam ofertados através do mercado, na forma de mercadoria. Também nesta carta a Promoção da Saúde surge como a valorização de ações individuais e certa culpabilização do indivíduo. É sobre essa base que emerge o Programa Saúde da Família (PSF). Ambos os programas vão caminhar em separados até que em 1999, já na gestão Serra, o Ministério da Saúde passa considerar o Programa Médico de Família de Niterói (PMFN) como um similar do PSF e, com isso, Niterói começa a receber incentivos financeiros vindos na União. A reflexão é pensar como que esses dois modelos que nasceram com origens distintas, um é filho direto da Reforma Sanitária e o outro fruto dos anos “de ouro” do neoliberalismo a brasileira, chegam ao mesmo resultado. Penso que esse encontro não é por acaso, é a confirmação de que ambos os programas estão no mesmo sentido, focalizados e conforme as recomendações do Banco Mundial. O PMF, mesmo com todo seu "pedigree", ao ser retirado de uma sociedade sem classes sociais - com acesso universal e pleno aos serviços de saúde - e ser implementado numa sociedade capitalista com desigualdades extremas já perde, mas talvez o fator de mais descaracterização se dê ao aplicar o programa somente às camadas pobres.

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Atualmente a organização do sistema de saúde no município funciona com uma base territorial, com hierarquia dos serviços e pelo mecanismo de referência e contra-referência, conforme os princípios que norteiam o SUS. Niterói também é o município Pólo da Região Metropolitana II (composta por Itaboraí, Maricá, Rio Bonito, Silva Jardim, Tanguá e São Gonçalo) para alta complexidade e compõe, com Maricá, um módulo assistencial que atua como referência para diversas especialidades em média complexidade. A Rede municipal é bem extensa e conta com as seguintes unidades: 27 módulos do Programa Médico de Família; 13 Unidades Básicas de Saúde; 01 Serviço de Pronto-Atendimento (SPA) exclusivo, no total 03 SPA; 06 Policlínicas Comunitárias (sendo 02 com SPA) ; 03 Centros de Atenção Psicossocial; 02 Residências Terapêuticas; 01 República de Idosos; 03 Policlínicas Especializadas; 06 Hospitais; 01 Laboratório Central de Saúde Pública; 03 Laboratórios Regionais; e 01 Centro de Controle de Zoonoses. Essa rede se divide em 05 áreas de Planejamento. Farei um recorte na Região de Planejamento Praias da Baía, por ser o local onde me inseri profissionalmente, que possui características para uma amostragem geral. Esse trecho compreende o centro da cidade, com uma população de classe média e os bairros de classe média alta e classe alta, considerada como a “zona sul” de Niterói como Icaraí, São Francisco e Charitas. Cortada por favelas e comunidades como o Morro do Estado, Morro do Palácio, Cavalão entre outros. A região do centro seria a Praias da Baía I e a “zona sul” a Praias da Baía II. A rede instalada na região recortada conta com 03 policlínicas comunitárias, 04 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 10 módulos do Programa Médico de Família (PMF).

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Quadro da Região Regiões

de Policlínicas

Planejamento

Comunitárias

Unidades

Módulos do PMF

Básicas

de

Saúde Praias da Baía I

P.C.

Carlos UBS Centro

Antônio da Silva UBS (PCCAS)

PMF Palácio Santa PMF Gragoatá

Bárbara UBS

Ilha

da

Conceição UBS

Morro

do

Estado Praias da Baía II

P.C.

Sérgio

PMF Cavalão

Arouca (PCSA)

PMF Viradouro

P.C. Jurujuba

PMF Vital Brazil PMF

Souza

Soares PMF Cutia PMF Jurujuba PMF Preventório I PMF PreventórioII

As Unidades Básicas se constituem com uma estrutura que conta com clinica geral, odontologia, enfermagem, pediatria, ginecologia, serviço social, laboratório de coleta e psicologia. E de forma diferente do PMF não se dirigem e, tampouco, foram pensadas para segmentos de maior “risco social”. Na organização, um conjunto de UBS e módulos do Programa Médico de Família se vinculam à uma Policlínica Comunitária, que por sua vez estão divididas nas Regiões de Planejamento de Niterói. Os critérios para essa vinculação são: acessibilidade e perfil sanitário. (Cunha, 2005). A articulação do sistema de saúde municipal se dá com níveis de complexidades diferentes. No primeiro nível, que funciona como porta de entrada preferencial, está o Programa Médico de Família, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e as Policlínicas Comunitárias. As demandas ambulatoriais e especializadas

97

são remetidas às Policlínicas de Especialidades e no terceiro nível o tratamento hospitalar. De acordo com Cunha (2005), as Policlínicas Comunitárias (PC) deveriam se constituir em elementos ordenadores dentro do sistema de saúde: A idéia de um elemento ordenador, explorada neste estudo, e adotada como papel das Policlínicas Comunitárias no município de Niterói, é tomada como um mecanismo de organização da atenção à saúde com base no território no sentido da integração de outros serviços e ações numa rede de saúde. (Cunha, 2005: 141) A autora coloca que as Policlínicas Comunitárias ainda encontram muitos limites e obstáculos para que o aspecto principal de suas ações seja de promoção e prevenção da saúde. No que tange a organização da atenção à saúde as ações estão mais voltadas para suporte assistencial diagnóstico e especializado. Em relação

à

educação

em

saúde,

tem-se

ações

realizadas

por

equipes

multidisciplinares que atuam em grupos de hipertensos, diabéticos, adolescentes, de atenção à mulher, entre outros. Há também ações de educação em saúde realizada junto às escolas nas áreas de planejamento. (Cunha, 2005) Porém, essa expectativa de funcionamento fica restrita ao plano ideal, quando o que realmente acontece no município é uma política de saúde pública focalizada nos segmentos mais pobres, exatamente como orienta o Banco Mundial. O fato de se privilegiar setores classificados como de maior vulnerabilidade, em políticas de cunho universal como a saúde, pode levar a médio ou longo prazo a uma restrição dos serviços oferecidos e à uma ampliação da rede privada, acompanhados do sucateamento da rede pública. E quando o foco da ação é a porta de entrada do sistema - como é o caso do médico de família e das unidades básicas - agrava o problema, pois parcela considerável da população não será apresentada e convidada a entrar no Sistema Único de Saúde. A conseqüência direta desse processo pode ser verificada nos dados retirados do IBGE Cidades19 que aponta, conforme as últimas pesquisas do Instituto, que 80% da rede de saúde de Niterói é privada. A rede municipal é de 17,4%, sendo o restante estadual e Federal. Em especial na área recortada, as regiões mais abastadas de bairros como Icaraí, Charitas e São Francisco não possuem nenhuma UBS em seu território e,

19

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=330330

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tampouco, os prédios onde residem grande parcela da classe média de Niterói recebem a visita do Programa Médico de Família. E esses territórios, onde o sistema público não atua, viram grandes nichos de mercado para os planos privados de saúde, que cresce e, quanto mais isso acontece, menor vai ficando o sistema público até que se restrinja somente aos miseráveis, conforme orienta o Banco Mundial. E, assim, a política municipal de saúde vai fortalecendo e promovendo o setor privado. Assim, os planos de saúde se tornam um negócio cada vez mais lucrativo, crescendo e passando a participar, cada vez mais, do próprio jogo político da cidade. Em Niterói se tem um histórico de secretários de saúde ligados ao movimento sanitário, mas, a partir dos anos 2000, vai começar a ter secretários de saúde ligados ao setor privado, aos planos de saúde. Essa tendência, de secretários oriundos dos empresários da saúde, vai aparecer na maioria das cidades do interior e, até mesmo, na capital do Estado. Retomando o conteúdo de Harvey (2005), usado na reflexão da parte anterior, vamos confirmar as conclusões do autor no campo da saúde O empreendedorismo urbano contribui para aumentar as diferenças de riqueza e de renda, assim como para ampliar o empobrecimento urbano, observado mesmo nas cidades (como Nova York) que apresentam grande progresso. [...] Mesmo o governo urbano mais progressista é incapaz de resistir a tais conseqüências quando encaixadas na lógica do desenvolvimento espacial capitalista no qual a competição não parece funcionar como uma mão oculta benéfica, mas sim como uma lei coerciva externa, impringindo o menor denominador comum relativo a responsabilidade social e a oferta de bem-estar num sistema urbano organizado de modo competitivo. (HARVEY, 2005, p.182).

O reflexo de sempre se priorizar as regiões de maior “risco social” é que, depois de um tempo, se percebe que nunca as prioridades sairão dessas regiões, uma vez que vivemos sob o signo de um sistema social que perpetua, aprofunda e amplia as desigualdades sociais. Assim, o município vai oferecer o PMF às camadas mais pobres, enquanto os demais moradores devem procurar no mercado, através dos planos de saúde, serviços e assistência em saúde. E no atual governo de Jorge Roberto da Silveira (PDT) vamos encontrar a proposta da parceria público-privada para a área da saúde, materializada nas Organizações Sociais (OS), através de projeto de lei enviada pelo à Câmara de Vereadores.

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Essa análise demonstra que mesmo com todo histórico na saúde e até mesmo inovando – quando antecipava a idéia do atendimento universal, na contribuição do Projeto Niterói que apontava numa perspectiva universalizante - o município de Niterói seguiu os passos das recomendações dos organismos internacionais e consolidou seu sistema de saúde como um “suporte” aos que não podem pagar um plano de saúde. É a inversão da Carta Constitucional, que diz que o sistema privado deve ser complementar ao público. O município, no que diz respeito a promoção da saúde, não possui uma coordenação específica do tema e esta funcionando diretamente a partir de programas isolados, que seguem as orientações gerais do Ministério da Saúde como o Tabagismo, o programa de hipertensão e diabetes entre outros.

100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, a promoção da saúde é conceituada na Conferência de Ottawa ,em1986,como um processo de capacitação da comunidade para que tenha uma ação direta em sua própria qualidade de vida. Aponta ainda que esses sujeitos devam participar da formulação e controle desse processo. É preciso pensar nesse conceito dentro da idéia mais geral de saúde formulado alguns anos antes,em 1978 ,no encontro de Alma-Ata que trata a saúde como um estado de bem estar físico, mental e social e não mais só a ausência de doenças. Apesar de ainda utilizar a concepção de saúde pautada na teoria de bem estar, Alma-Ata aponta a desigualdade econômica como central para os problemas de saúde e ressalta a iportância da participação do cidadão na formulação das políticas. No Brasil, com a proposta da Reforma Sanitária , consolidada nos anos 1980, a idéia da promoção da saúde é relacionada com à consciência sanitária da população.e enfatiza-se os determinantes sociais do processo saúde-doença, relacionando às desigualdades sociais. Aqui é importante resgatar Berlinguer, 1978, que coloca que nesta sociedade promotora de desigualdades não adianta tratar as doenças se as condições sociais levam novamente o sujeito ao adoecimento. Nesse sentido, a questão sanitária se relaciona diretamente com a questão política. E, no aspecto central dessa questão está o conflito capital x trabalho. Se, num primeiro momento, o conflito em torno da saúde era diretamente relacionado à produção, tempo e intensidade de trabalho máximo que a força de trabalho suporta e como isso afeta a lucratividade. Num segundo momento, o conflito vai -se estender à questão de a saúde ser também, em si, uma mercadoria valiosa e altamente lucrativa. Compreender esse processo e tomar consciência do papel e da contradição contida na questão saúde é enxergar para além da aparência da sociedade capitalista. Conceito classificado da seguinte forma: Por consciência sanitária entendo a tomada de consciência de que a saúde é um direito da pessoa e um interesse da comunidade. Mas como esse

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direito é sufocado e este interesse descuidado, consciência sanitária é a ação individual e coletiva para alcançar esse objetivo. (BERLINGUER, 1978 p.5)

Um marco da ascensão e hegemonia do modelo de saúde de mercado, produtora de lucros, é o relatório Flexner. Os pontos que são destacados nesse relatório, a princípio seriam antagônicos as formulações de Alma-Ata, serão pouco a pouco reatualizados e sua materialidade pode ser observada quando a política de promoção da saúde vai gerar apenas um questionamento e mobilização do ponto de vista comportamental. Há o retorno da lógica da responsabilização do indivíduo por sua saúde. Mas agora sob a égide da “ditadura do saudável”. Essa disputa, conflito, pode ser percebida no processo de debate e realização das Conferências Internacionais de Promoção da Saúde. Há, um primeiro momento, nos Encontro de Alma-Ata e na proposta de “Saúde para Todos no ano 2000” em que era possível perceber traços tênues de uma perspectiva de superação do capitalismo.Há uma certa simbologia de uma conferência mundial sobre saúde que apresenta uma proposta avançada e reúne a quase totalidade dos países mundiais ser realizada em uma das Republicas Socialistas Soviéticas da antiga URSS, num contexto mundial de guerra fria. Mas, ao longo das sete conferencias de promoção da saúde, foi perdendo a perspectiva de superação e diluindo o componente ideológico. O desafio inicial de superar desigualdades da sociedade foi direcionado para corrigir algumas possíveis injustiças que possa ocorrer no sistema. O próprio conceito forjado em Ottawa como um elemento que alçava a promoção da saúde em um instrumento que poderia possibilitar o alcance da consciência sanitária, vai se esvaziando ao longo do tempo. A “capacitação” que realmente acontece é no sentido de corrigir hábitos, na maioria das vezes, individuais e comportamentais. Assim como toda política social a promoção da saúde também vai se apresentar como elemento contraditório, que tanto pode ser impulsionador de transformação como apenas uma forma de reproduzir a própria sociedade, com suas desigualdades, mas com hábitos mais saudáveis no aspecto individual, biológico e clínico. Quando o foco é voltado para o contexto e a formação da política de saúde em Niterói, que construído sob influência da Reforma Sanitária Brasileira, poderia se imaginar que haveria de ser um exemplo de avanços e progressos nessa área. Mas a construção no município vai seguir a lógica da focalização em segmentos mais

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pobres sob argumento de uma ação com equidade. E, nos anos posteriores, mesmo conquistando bons índices e indicadores sociais, não se conseguiu avançar com a saúde pública para além dos setores, que não podem consumir saúde no mercado. A idéia de políticas, ambientes e cidades saudáveis se esvazia por completo de significado, quando as cidades e as políticas públicas não são pensadas e governadas para todos. Essa realidade obstrui uma perspectiva de universalidade dessas políticas. A lógica que se repete e reproduz o sistema é que os serviços públicos, para não perderem a eficiência em seus gastos, devem ser focados nos segmentos que não podem consumir esses serviços oferecidos pelo mercado privado. Obviamente que olhares positivos e despidos de crítica sobre esses conceitos que surgem nas Conferências de promoção da saúde ou desconsideram a vivência humana em uma sociedade hegemonizada pelo modo de produção capitalista 20 ou consideram que essa forma de organização societal seja insuperável, uma utopia na qual a execução pragmática da política social não deve se deter. Com isso, matam a perspectiva contraditória da Política Social21 e a transforma em ação que vislumbra corrigir iniqüidades, injustiça que por acaso possa ocorrer no sistema, restringindo o campo de ação aos pobres. Centralmente é nisso que consiste as orientações do Banco Mundial para as políticas públicas. E como as Conferências de promoção da Saúde, principalmente, pós anos 1990, vão adotar esse caminho vamos ter a reprodução contínua da política de saúde e da promoção da saúde na lógica da equidade e da focalização. O exemplo de Niterói auxilia muito essa observação. Embora o município tenha adotado o modelo cubano de médico de família, importado da ilha revolucionária, a sua aplicação aqui tem um pequeno detalhe que faz toda a diferença. Enquanto lá se constitui de uma porta de entrada universal para o sistema de saúde, aqui se restringe a ações focalizadas em bairros mais empobrecidos.

20

Cujas análises marxianas utilizadas neste trabalho vão ressaltar como elemento central a Lei Geral da Acumulação Capitalista e a idéia de quanto mais o sistema se expande e cresce, aumenta também a desigualdade social e o pauperismo. 21

No fundamento da Política Social está sua essência contraditória, numa perspectiva dialética que ao mesmo tempo em que afirma e reproduz o sistema também o nega e é fruto direto do conflito de classes como uma conquista do trabalho.

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Essa situação vai ser repetir na Estratégia Saúde da Família (ESF) 22. O resultado desta opção em Niterói é que as regiões “descobertas” pelo SUS são coincidentemente regiões cujos moradores têm maior poder de compra. E são amplamente atendidas pelos planos privados de saúde. Essa situação leva a um enriquecimento e fortalecimento desse setor do capital. As portas de entrada preferenciais do SUS acabam sendo, física e geograficamente, direcionadas para os segmentos mais pobres da população. A justificativa evidenciada é eficiência no gasto público e falta de material, profissionais ou verba suficiente para um acesso igualitário de todos. Desta forma, jamais se irá atingir alguma consciência sanitária via promoção da saúde, que tem nesses espaços um lugar privilegiado para ação, pois a tal capacitação dos sujeitos para melhoria de sua qualidade de vida que o sistema oferece se trata muito mais em aspirações em consumir um plano de saúde do que avançar de forma que aquele tratamento que ele recebe do SUS seja ampliado ao restante da sociedade. Nem os próprios profissionais do SUS acreditam e advogam essa tese de torná-lo efetivamente universal e de qualidade. Nesse movimento, a promoção da saúde vai perdendo seu significado inicial e também sua possibilidade, de ser contra-hegemônica. Ficando restrita às ações sobre o indivíduo, seus hábitos e comportamentos. E no plano do discurso, com argumentações sobre políticas, ambientes e cidades saudáveis, desde que não se mencione criticamente a sociedade capitalista e suas conseqüências. E sua materialidade vai se conformar em políticas fragmentadas sem grandes relações contraditórias com a realidade estabelecida. Se observarmos a Política Nacional de Promoção da Saúde vamos perceber que as ações se concentram em questões de hábitos individuais e pouco se trabalha sobre a sociedade que promove desigualdades e leva ao adoecimento. As ações são voltadas para controle do tabagismo, alimentação saudável, atividade física, uso abusivo de álcool e outras drogas, campanha para educação no trânsito e promover uma cultura de paz e o desenvolvimento sustentável. Mas, quando isso chega na realidade da unidade de saúde e na política nacional de saúde aparece como uma ação isolada do contexto social, fragmentada

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No governo Lula o Programa Saúde da Família passa a ser chamado de Estratégia Saúde da Família, que indicaria uma mudança no tônus da ação, mas que na essência a idéia permanece a mesma.

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da realidade e que não tem a menor condição de gerar consciência sanitária. Nesse processo, a política de saúde acaba reproduzindo acriticamente a realidade com uma reafirmação de ações focalizadas e busca por equidade. No município de Niterói não há uma gerência/coordenação ou qualquer outro setor especificamente relacionado à promoção da saúde. Os programas são executados em algumas unidades básicas, policlínicas e médico de família. Na unidade onde trabalhei foi executado o programa do tabagismo. Houve grande procura e adesão de usuários ao programa e também não foi adotado como critério o território, sendo única exigência a municipalidade. Havia déficit de profissionais, principalmente médicos. O programa segue a linha geral do Ministério da Saúde e, até tem resultados razoáveis com alguns usuários abandonando o hábito de fumar. A questão é que a promoção se encerra aí. Esse usuário não é visto ou trabalhado como um sujeito inserido num meio que leva ao adoecimento. Ao isolar a questão apenas no cigarro e desconsiderar o contexto em que vive esse sujeito a política não cumpre o conceito da promoção da saúde em capacitar o sujeito para melhoria do meio em que vive. Esse debate da promoção da saúde é muito importante hoje. O tempo todo está colocado a questão da vida saudável, pode-se dizer até que a imagem do burguês mudou. Se no passado o burguês era um gordo sentado numa mesa de banquete cheio de comida e um charuto na mão. Hoje a imagem é outra, a do empresário que prática vários esportes, de corpo atlético e com alimentação saudável. É sobre essa perspectiva ideológica que vai se construir a “ditadura do saudável”, do novo sonho burguês do empresário bem sucedido que tem hábitos saudáveis, alimentação balanceada e rotina de esportista. A crítica à promoção da saúde como está sendo implementada é necessária, assim como também apresentar algumas possibilidades que o Serviço Social tem nesse campo da política da saúde. Embora não seja essa a preocupação central deste trabalho, como assistente social comprometido com o trabalho profissional, vou apresentar algumas reflexões sobre a atuação na política de saúde e na promoção da saúde. No mesmo período em que se iniciou o processo das conferências internacionais até os anos 1990, a profissão passa por um período de grandes transformações que ficará conhecido como a Renovação do Serviço Social, com o surgimento de três vertentes profissionais no período. Destaca-se também a

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ampliação do espaço profissional na área da saúde, que no país se organizava via INAMPS. Surgida na primeira metade dos anos sessenta, concomitante e apoiada pela Ditadura Militar, a perspectiva modernizadora emerge da necessidade da autocracia burguesa de deter o domínio, a vigilância e o controle da população. Os principais objetivos desta perspectiva são adequar o Serviço Social às exigências postas pelos processos sociopolíticos emergentes no pós-64. A segunda perspectiva surgida é a reatualização do conservadorismo, e seus objetivos são claros: recuperar e recolocar os componentes conservadores da profissão sobre nova base teóricometodológica; conceder campo à subjetividade, com viés psicologizante e atuação psicossocial; resistência ao movimento de ruptura com o conservadorismo e legitimar o tradicionalismo no debate e na prática profissional. Por fim, a perspectiva intenção de ruptura, visa a total ruptura com o tradicionalismo e tem como aporte teórico o marxismo, tendo como ponto de partida para a análise a sociedade que só pode ser entendida se levarmos em conta as classes sociais que a compõe e para entendê -las temos que buscar fundamentos nas quais ela se baseia, como o trabalho assalariado e o capital. (Netto, 1990). Conforme é apresentado em Bravo, (1996), esse processo de renovação que passa o Serviço Social vai se dar na área da saúde com ampliação do mercado de trabalho na previdência social e não na saúde coletiva. E também as experiências com a medicina comunitária nos anos 1960 não envolverão os assistentes sociais. Isso vai sedimentar a ação profissional na prática curativa, especialmente na assistência médica previdenciária. Assim, a atuação vai se dividir em duas políticas, a previdência social e a saúde, seguindo a lógica fragmentada de seguridade social implementada pelo governo militar. A saúde coletiva não é caracterizada como espaço de intervenção profissional, porém a autora classifica que esse espaço permitiria uma atuação profissional mais efetiva e daria a possibilidade de uma maior inserção dos assistentes sociais no movimento de reforma sanitária. Com isso, a participação do Serviço Social nesse movimento fica diminuta e a categoria profissional vai se concentrar nas suas próprias demandas internas. Com a hegemonia da perspectiva Intenção de Ruptura, será construído o projeto ético-político profissional, que tem como centro a questão da liberdade como o valor central da humanidade. Por conseguinte, aponta a emancipação plena dos sujeitos. O projeto hegemônico da profissão se articula a um projeto societário que

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propõe uma nova etapa da sociabilização humana, sem dominação e exploração de classe. Enfatizando a defesa dos direitos humanos e negando o preconceito. Esse projeto tem como base o código de ética profissional de 1993, as diretrizes curriculares da ABEPSS ,de 1996 e a Lei de regulamentação da Profissão.de 1993 Sob esses aspectos vamos apresentar alguns limites e possibilidades para o assistente social na perspectiva da promoção da saúde. As limitações começam a ser impostas pela dinâmica do próprio serviço público e sua precarização, vitima das políticas neoliberais aplicadas nos país após os anos 1990. Ressalta-se as condições de trabalho insuficientes, políticas focalizadas direcionadas aos mais pobres, a desvalorização profissional com baixos salários, como é o caso de Niterói. Mas se concentra principalmente na organização mais geral da saúde e sua perspectiva de mercado e neoliberal. No processo de esvaziamento de conteúdo que sofre a promoção da saúde, evidencia-se

a opção

pela seletividade, focalização e equidade na construção das políticas e organização dos sistemas. Quanto às possibilidades para a atuação dos assistentes sociais na promoção da saúde vale a afirmação retirada do documento do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), “Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais na Saúde”. O documento embora tenha sido construído a partir de eixos de ação e não para áreas específicas da saúde parece se referir à promoção da saúde. As ações sócioeducativas e/ou educação em saúde não devem pautar-se pelo fornecimento de informações e/ou esclarecimentos que levem a simples adesão do usuário, reforçando a perspectiva de subalternização e controle dos mesmos. Devem ter como intencionalidade a dimensão da libertação na construção de uma nova cultura e enfatizar a participação dos usuários no conhecimento crítico da sua realidade e potencializar os sujeitos para a construção de estratégias coletivas. Dessa forma, tem-se por objetivo a consciência sanitária. (CFESS, 2010 p.53).

Nesse documento que é produto do Grupo de Trabalho “Serviço Social na Saúde” do CFESS instituído em 2008, que incorpora em seu conteúdo as deliberações do 36º e 37º Encontro Nacional CFESS/CRESS23 e segue a lógica do projeto ético-político profissional, praticamente se re-afirmam as formulações de Alma-Ata de Ottawa e, principalmente do projeto de Reforma Sanitária brasileiro, elaborado em 1980, sobre a promoção da saúde. Dessa forma alguns desafios se colocam. A necessidade de novos estudos e reflexões sobre serviço social e promoção da saúde. Pesquisas e aprofundamentos sobre a intervenção profissional nesse campo ainda são raros. 23

Realizados em Natal (2007) e Brasília (2008) no qual participei na qualidade de delegado pela base.

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Embora o setor público contenha a maior concentração da atuação na promoção da saúde, também é importante pensar no âmbito das empresas, pois como coloca Gramsci, a hegemonia nasce na fábrica, daí que se pensarmos que a promoção da saúde se materializa e implica questões ideológicas, comportamentais e a visão de mundo, no âmbito fabril pode ser um elemento importante para o controle do capital sobre a força de trabalho. Outro desafio que se coloca é o papel na reorganização do movimento sanitário. A luta no campo da saúde pública é justamente contra os elementos que, no plano geral, vão orientar e esvaziar o conteúdo da promoção da saúde. Uma particularidade importante é que segmentos que vão apresentar formulações e argumentos para “novos modelos” de gestão como as Fundações Estatais de Direito Privado e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares são

alguns dos sujeitos da Reforma Sanitária., dos anos 1980, que

flexibilizaram suas propostas.iniciais. Porém, se na gênese do movimento o serviço social ficou ausente, no contexto atual há um protagonismo da categoria com a participação efetiva do CFESS e a liderança reconhecida das professoras Maria Inês Souza Bravo e Maria Valéria da Costa Correia nos Fóruns de Saúde do Rio de Janeiro e de Alagoas. E na Frente Nacional contra a Privatização da Saúde. Destaca-se também em outros Fóruns, a participação de assistentes sociais e dos Conselhos Regionais de Serviço Social24.

24

A participação dos assistentes sociais se evidencia nos seguintes Fóruns além dos citados: Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e nos fóruns em formação da Bahia e Sergipe. Pode-se perrceber também a inserção dos profissionais nos fóruns municipais, a saber: Mossoró (RN), Campina Grande (PB), Niterói (RJ) e Londrina (PR).

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