A política de segurança alimentar como um dos pilares da segurança interna.

June 8, 2017 | Autor: José Alves | Categoria: Security
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A ASAE é a autoridade administrativa nacional especializada no âmbito da segurança alimentar e da fiscalização económica, dependente do Ministério da Economia e da Inovação (MEI). É responsável "pela avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, bem como pela disciplina do exercício das actividades económicas nos sectores alimentar e não alimentar, mediante a fiscalização e prevenção do cumprimento da legislação reguladora das mesmas."45 Resultou da extinção da Direcção-Geral do Controlo e Fiscalização da Qualidade Alimentar da Agência Portuguesa de Segurança Alimentar, I. P. e da Inspeção-Geral das Actividades Económicas, tendo operado a fusão das suas competências com as oriundas das Direcções Regionais de Agricultura, da Direcção-Geral de Veterinária, do Instituto do Vinho e da Vinha, da Direcção-Geral de Protecção de Culturas e da Direcção-Geral das Pescas. "A ASAE detém poderes de autoridade e é órgão de polícia criminal," assumindo assim a função de uma polícia económica.

A actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática (Lei 20/87 de 12 de Junho alterada pela Declaração de 13/08 de 1987, pela Lei 8/91 de 1 de Abril, e revogada pela Lei n.º 53/2008 de 29/08, Rectificação n.º 66-A/2008 de 28/10 e Lei n.º 59/2015, de 24/06).
Couto, Abel Cabral (1988). Elementos de Estratégia. Lisboa: IAEM.
A organização Euskadi Ta Askatasuna (basco para Pátria Basca e Liberdade), mais conhecida pela sigla ETA, é um grupo que procura a independência da região do País Basco (Euskal Herria), de Espanha e França. A ETA possui ideologia separatista/independentista marxista-leninista e revolucionária.
http://www.dn.pt/DNMultimedia/DOCS+PDFS/2012/Organigrama%20pol%EDcia.pdf (consulta online em 2015-01-02).
Seminário apresentado pelo aluno ÁLAN GOMES PÖPPL na disciplina BIOQUIMICA DO TECIDO ANIMAL, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2009. Professor responsável pela disciplina: Félix H. D. Gonzalez.
Braz, José. Assessor de Investigação Criminal da Polícia Judiciária.
Santos, Beja. 2006. Estudos de Direito e Segurança. Segurança Alimentar e Consumidores. Almedina, pag. 121.
The European Food Safety Authority (EFSA) is the keystone of European Union (EU) risk assessment regarding food and feed safety. In close collaboration with national authorities and in open consultation with its stakeholders, EFSA provides independent scientific advice and clear communication on existing and emerging risks.
A contrafacção é, actualmente, um dos maiores desafios à economia europeia, estimando-se que o seu valor global represente entre 5% e 7% do comércio mundial.
Do ponto de vista financeiro, a contrafacção de produtos origina, anualmente, um prejuízo avaliado em cerca de 450 mil milhões de euros e coloca em perigo mais de 200.000 postos de trabalho em todo o mundo, metade dos quais na Europa.
Por outro lado, ainda, o comércio de produtos contrafeitos pode colocar seriamente em perigo a saúde e a segurança dos consumidores, nomeadamente, no caso de produtos tais como brinquedos, peças para automóveis, produtos medicinais, etc.
Assim, atentas as atribuições da ASAE constantes do Decreto-Lei nº 194/2012, de 23 de agosto, este organismo tem desencadeado e continuará a desencadear acções de fiscalização no sentido de combater o ilícito criminal da contrafacção, imitação e uso ilegal de marca.
O referido ilícito encontra-se previsto no artigo 323º do CPI (Código da Propriedade Industrial), aprovado pelo Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 143/2008, de 25 de Julho e pela Lei nº 46/2011, de 24 de Junho, o qual é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias (consultado em http://www.asae.pt/pagina.aspx?back=1&codigono).
A alimentação humana é uma necessidade biológica básica sem a qual a sobrevivência individual e comunitária se torna impossível, sendo que, por essa mesma razão, o desafio principal posto ao ser humano sempre foi o de conseguir o seu sustento alimentar (Sousa 2014,2).
Lei n.º 49/2008 de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal – LOIC).
Art.º 2.º n.º 1 alínea l) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro - Lei das Armas.
Lei n.º 59/2015 de 24/06.
Lei 72/2015 de 20 de Julho.
Ameaça é qualquer acontecimento ou acção (em curso ou previsível), de variada natureza (militar, económica, ambiental, etc.) que contraria a consecução de um objectivo e que, normalmente, é causador de danos, materiais ou morais, sendo que no âmbito da estratégia consideram-se principalmente as ameaças provenientes de uma vontade consciente, analisando o produto das possibilidades pelas intenções" (Cabral Couto in Escorrega, 2009). Assim, dizemos que determinada situação é geradora de uma ameaça se o seu agente tiver possibilidades ou capacidades para a sua concretização e se também tiver intenções de a provocar (Barreira 2014, 23).
O conceito de risco "é inseparável das ideias de probabilidade e incerteza; na sociedade contemporânea, o conceito caracteriza-se por assinalável polissemia (surgindo por vezes a propósito do que se designa por perigos, catástrofes, acidentes ou ameaças) e refere-se normalmente a um vasto leque de situações de incerteza, associadas a qualquer coisa negativa que poderá ocorrer. O risco é actualmente muito estudado em diversos campos científicos, desde o empresarial ao social, tendo-se atingido um estado relativamente avançado no que concerne a ferramentas que permitem reduzir incertezas e, dessa forma, ponderar de outra forma as decisões" (Barreira 2014, 23 apud Escorrega, 2009).
Guedelha, Mário José Machado. 2013. Sistema de Segurança Interna Português. A reforma de 2008 – Forças e Fraquezas, Jornal de Defesa e Relações Internacionais, 25 de Março.
http://legislacao.mai-gov.info/i/sistema-nacional-de-gestao-de-crises/.
Decreto-Lei n.º 173/2004 de 21 de Julho.
Directiva 2001/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março. JO L n.º 106 de 17/03/2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho;
Decisão da Comissão n.º 2002/623/CE, de 24 de Julho. JO l. n.º 200, de 30/07/02, que estabelece notas de orientação destinadas a complementar o anexo II da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho;
Decisão do Conselho n.º 2002/811/CE, de 03 de Outubro. JO L n.º 280, de 18/10/2002, que estabelece notas de orientação destinadas a completar o anexo VII da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a directiva 90/220/CEE do Conselho;
Decisão do Conselho n.º 2002/812/CE, de 03 de Outubro. JO L n.º 280, de 18/10/2002, que estabelece nos termos da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, o modelo de resumo das notificações relativas à colocação no mercado de organismos geneticamente modificados enquanto produtos ou componentes de produtos;
Decisão do Conselho n.º 2002/813/CE, de 03 de Outubro. JO L n.º 280, de 18/10/2002, que estabelece nos termos da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, o modelo de resumo das notificações relativas à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados para outros fins que não a colocação no mercado;
Regulamento (CE) n.º 1830/2003, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro. JO L n.º 268, de 18/10/2003, relativo à rastreabilidade e rotulagem de organismos geneticamente modificados e à rastreabilidade dos géneros alimentícios e alimentos para animais produzidos a partir de organismos geneticamente modificados e que altera a Directiva 2001/18/CE;
Decisão da Comissão n.º 2003/701/CE, de 29 de Setembro. JO L n.º 254, de 08/10/2003, que estabelece nos termos da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, o modelo para apresentação dos resultados da libertação deliberada no ambiente de plantas superiores geneticamente modificadas para outros fins que não a colocação no mercado;
Regulamento (CE) n.º 65/2004, da Comissão, de 14 de Janeiro. JO L n.º 10, de 16/01/2004, que estabelece um sistema para criação e atribuição de identificadores únicos aos organismos geneticamente modificados;
Decisão da Comissão n.º 2004/204/CE, de 23 de Fevereiro. JO L n.º 65, de 03/03/2004, estabelece as regras de funcionamento dos registos, tendo em vista o registo de informações sobre as modificações genéticas de OGM, previstas na Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho; 
Recomendação da Comissão n.º 2004/787/CE, de 04 de Outubro. JO L n.º 348, de 24/11/2004, relativa a orientações técnicas para a colheita de mostras e a detecção de OGM e de matérias produzidas a partir de OGM, enquanto produtos ou incorporados em produtos, no quadro do Regulamento (CE) n.º 1830/2003 (http://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=85&sub2ref=429&sub3ref=600).
Decreto-Lei n.º 33/2015 de 4 de Março e Regulamento PIC - Regulamento (UE) n.º 649/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho.
Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/88 de 14 de Abril (http://legislacao.mai-gov.info/i/regimento-do-conselho-superior-de-seguranca-interna/).
Decreto-Lei n.º 61/88 de 27 de Fevereiro com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 51/96 de 16 de Maio e pelo Decreto-Lei n.º 149/2001 de 7 de Maio (http://legislacao.mai-gov.info/i/normas-de-funcionamento-do-gabinete-coordenador-de-seguranca/).
Decreto-Lei n.º 170/2007 de 3 de Maio (http://legislacao.mai-gov.info/iv/gabinete-nacional-de-seguranca-e-socorro/).
Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio (http://www.pgdlisboa.pt).
Lei n.º 21/2000 de 10 de Agosto com as alterações efectuadas pelo Decreto-Lei n.º 305/2002, de 13 de Dezembro e pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (http://legislacao.mai-gov.info).

As áreas de segurança alimentar como pilares da segurança interna.

José Belmiro Alves

Introdução

Através do presente artigo procura-se aclarar o primordial papel que a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (abreviadamente designada por ASAE) desempenha na protecção da segurança alimentar, e da economia em geral, tarefas especialmente prementes face à maior tendência dos ataques a tais bens jurídicos potenciados pelos mais diversos factores tais como as alterações climáticas, as crises financeiras, o crescimento exponencial da população, a transferência das actividades delituosas para novos cenários, entre outros.

Palavras-chave: Segurança Alimentar, Segurança Económica e Segurança Interna


Abstract

In this article I tried to clarify the leading role that the Food and Economic Safety Authority (hereinafter referred to by ASAE) has the essential protection of food and economic areas when it comes to supporting citizens face the increasing trend due to several factors, example, changes in climate, the financial crisis, the exponential growth of the population, to the corruption of the nutritional substances which may lead to serious food forum diseases.

Keywords: Food Security, Economic Security and Internal Security

A corrupção de substâncias alimentares, e a falsificação de medicamentos, como pilares da segurança interna

Quando nos referimos a segurança interna não é comum a sua associação às questões alimentares, e às ligadas às substâncias medicinais pois, no geral, o conceito de segurança interna é mais usualmente associado a fenómenos como o terrorismo, a criminalidade organizada, cartéis de droga e outros fenómenos de violência urbana. Quando se fala de segurança interna não é pois comum emparelhar com a mesma a noção a substâncias alimentares e medicinais, esquecendo-se com frequência que a segurança alimentar e a saúde pública constituem também pilares da segurança do Estado que têm sido descurados, nomeadamente ao incluir a ASAE no sistema de segurança interna sem contudo a incluir na Lei de Segurança Interna. De igual modo esta autoridade não figura como parte da migração de dados para a Rede Nacional de Segurança Interna (doravante designada RNSI), nem sequer se encontra incluída na Plataforma para o Intercâmbio da Informação Criminal (doravante designada PIIC). Aliás, a reunião realizada no dia 2015-02-23 entre o Primeiro-Ministro e os órgãos de polícia criminal é particularmente ilustrativa da falta de visão da classe política sobre esta Autoridade uma vez que a mesma não esteve ali representada.
As áreas de actuação da ASAE enquanto autoridade administrativa de fiscalização/ inspecção, órgão de polícia criminal, e controlo de mercado, são diversas e extensas e vão desde a saúde pública e segurança alimentar (carnes e seus produtos, centros de abate, matadouros, estabelecimentos de desmancha e entrepostos frigoríficos, bebidas espirituosas, azeite, vinho e suplementos alimentares), propriedade industrial e práticas comerciais (jogo ilícito, branqueamento de capitais/ financiamento do terrorismo, direitos de autor e conexos, direitos de propriedade industrial (contrafacção) e licenciamento comercial) e ambiente e segurança (furto de metais preciosos, fitofarmacêuticos, precursores de droga, novas substâncias psicoactivas e substâncias e misturas perigosas). Por isso mesmo e à semelhança de outras instituições como a Polícia de Segurança Pública (abreviadamente designada PSP) e a Guarda Nacional Republicana (doravante designada GNR), cabe também à ASAE o combate ao aumento do sentimento de descrença das populações nas instâncias de controlo formal devido ao aumento do fenómeno das incivilidades uma vez serem também matérias da sua competência o branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo, fitofarmacêuticos, precursores de droga, novas substâncias psicoactivas e substâncias e misturas perigosas que industrias utilizam para laborar e que poderão ser um veículo de dealbo através das zonas cinzentas da legislação nacional.
As áreas de segurança alimentar e de saúde pública, ambiente e segurança, são as que maiores problemas proporcionarão nos próximos anos dado serem as que permitem a sobrevivência do ser humano e por esse motivo atrairá para si, como já acontece, a atenção de grupos terroristas, exemplo do Estado Islâmico, que não se coibirão de fazer incidir sobre estes bens as suas acções disruptivas que poderão culminar em ataques biológicos e químicos. E a Autoridade terá nestes assuntos um papel primordial, caso a classe política construa uma inteligência estratégica nesse sentido, determinante na efectiva realização do seu potencial como um dos actores principais.
Cabe à classe política olhar para a ASAE como instituição caracterizada pela perseverança de valores institucionais mantendo-a como uma das colunas da segurança interna e concedendo-lhe um papel de relevo devidamente formalizado, na segurança do Estado.
Segundo o Tenente-General Cabral Couto, ameaça é qualquer acontecimento ou acção (em curso ou previsível), de natureza variada e proveniente de uma vontade consciente que contraria a consecução de um objectivo e que, por norma, é causador de danos materiais ou morais, sendo que no âmbito da estratégia consideram-se principalmente as ameaças provenientes de uma vontade consciente, analisando o produto das possibilidades pelas intenções.
A ASAE poderá assim marcar uma diferença substancial nos sectores de ponta da economia nacional, tais como a área agro-alimentar, onde se contam o sector vitivinícola e olivícola, entre outros. De igual modo esta Autoridade detém a capacidade de exercer um maior controlo das indústrias que laboram com produtos tóxicos susceptíveis de branquear esquemas, redes, e rotas, para o fabrico de material destinado a actividades terroristas, tal como já sucedeu no caso da ETA (Espanha) que usou o território nacional como plataforma. Além do mais, toda a área alimentar é sem sombra para dúvida, uma questão de segurança nacional. Embora o direito à alimentação tenha sido consagrado como um direito humano, e apesar de todo o avanço tecnológico e científico que permite a produção abundante de alimentos, convive-se ainda hoje com 816 milhões de pessoas distribuídas em todos os cantos do mundo sob situação de insegurança alimentar (BELIK, 2001).
A ASAE tem por missão a fiscalização e prevenção do cumprimento da legislação reguladora do exercício das actividades económicas, nos sectores alimentar e não alimentar, bem como a avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, sendo o organismo nacional de ligação com as suas entidades congéneres, a nível europeu e internacional (ASAE, 2013:5).
Ao longo das últimas décadas uma sucessão de crises alimentares tem abalado a confiança do consumidor sobre da segurança dos produtos alimentares. Na UE estas crises alimentares foram a principal força motriz na criação da legislação de segurança alimentar e infra-estruturas, a fim de restaurar a confiança na cadeia alimentar, "do prado ao prato".
O controlo da segurança alimentar, sistemas e legislação têm sido postos em prática em toda a União Europeia (UE), que visam controlar perigos microbiológicos e químicos na cadeia de abastecimento e, assim, minimizar o risco da saúde dos consumidores. A UE estabeleceu uma estratégia de segurança alimentar abrangente que garante que a rastreabilidade dos alimentos deve ser estabelecida em todas as fases da produção, transformação e distribuição. Esta exigência baseia-se numa abordagem de "um passo atrás e um passo à frente" que implica que os operadores das empresas de alimentos tenham em vigor um sistema que lhes permita identificar imediatamente o (s) seu (s) fornecedor (es) e o (s) seu (s) cliente (es). Os altos padrões aplicam-se a alimentos produzidos dentro da UE e à alimentação importada.1 A estratégia alimentar da UE tem três elementos principais: (i) a legislação de segurança alimentar, (ii) pareceres científicos sólidos nos quais se baseiam as decisões, e (iii) fortalecimento e controlo (EUFIC, 2011).

E pelos vistos face aos supra descritos cenários não é a quantidade que mais conta e sim a qualidade que se obtém formatando um disco transnacionalizado no que tange ao processo decisório. Como escreveu Gonçalo Matias no II Colóquio de Segurança Interna, "Na verdade, perante um novo e evolutivo quadro de ameaças de origens surpreendentes, o Estado terá de se preparar para lhes fazer face, usando todos os meios e recursos ao seu dispor independentemente das tutelas, planeando novos processos de actuação e reorganizando quer o quadro legal, quer a estrutura interdepartamental, visando a finalidade de tornar sinergicamente úteis todas as suas capacidades para o propósito em vista". E continua Vieira Matias ao escrever que "visando formar uma organização homogénea preparada para funcionar com diferentes graus de intensidade, consoante os níveis da ameaça, desde a dita normalidade até à crise". Algo aplicável tanto na estrutura militar como na área policial o que permitirá à Autoridade assumir, na sua plenitude, os papéis que a legislação em vigor lhe delega como funcionar como OPC, actuando de modo supletivo em casos de estado de sítio ou de calamidade em território nacional. Face aos novos desafios colocados à segurança nacional assim o exige o País uma vez que segundo João Serrano, "É vulgar, por exemplo, uma associação criminosa dedicar-se ao tráfico de droga como meio de financiamento das suas actividades e, inversamente, uma organização vocacionada para o tráfico de droga servir-se do terrorismo como meio de enfraquecer a autoridade do Estado (os exemplos colhidos na América do Sul são bem expressivos desta realidade) ". Ameaça é qualquer acontecimento ou acção, não é um exclusivo deste OPC ou daquele e sim dos vários actores da Sistema de Segurança Interna onde se inclui a ASAE.
E é aqui que a visão da classe política terá que mudar face ao futuro da organização uma vez que as exigências, motivadas pela crescente população ávida de necessidades várias, levarão ao aparecimento, já acontece actualmente, de redes paralelas por exemplo no tráfico de produtos como esteróides injectáveis utilizados na produção animal isto porque, segundo Pöppl, os processos tecnológicos envoltos nos processos de produção de produtos de origem animal, especialmente na criação destes, buscam por uma eficiência máxima do processo de criação. O grande desafio parece ser aumentar ao máximo a eficiência da produtividade, aumentando o que é produzido (leite ou carne) e tentando reduzir o que é consumido (ração, suplementos) para alcançar elevados rácios de produção. Além disso, a produção de animais mais magros, e um sistema de produção que ofereça mais lucros aos produtores são objectivos comuns. E, no dizer de José Braz, torna-se vital o desenvolvimento sistemático de novas metodologias de investigação proactiva, que permitam enfrentar com eficácia um núcleo restrito de criminalidade mais grave de que são exemplos os vários tráficos, a criminalidade económico-financeira, o banditismo e o terrorismo.
A elevada exigência de produção de alimentos para consumo a par de um sistema que tem que ser lucrativo, as crises alimentares, riscos ambientais, contaminação da cadeia alimentar, conduzirão forçosamente ao aparecimento de redes paralelas que assentam a sua dinâmica nos vários tráficos, na criminalidade económico-financeira, no terrorismo e no banditismo. Daí a Autoridade ter que obrigatoriamente direccionar a sua estratégia de actuação para um novo paradigma, território sem fronteiras internas (Ribeiro 2008, 313), assente na produção de Intelligence criminal, na cientificidade multidisciplinar e na intensa cooperação, que já não tenham por objecto e ponto de partida, o ato criminoso e o seu autor, mas a actividade e a organização criminosa já sem o escopo de reconstituir o passado, mas sim de conhecer em tempo real o presente, e, se possível, antever o futuro (José Braz, 2014).
Numa sociedade de multirriscos e cada vez mais desterritorializada, as ameaças representadas pelo terrorismo, pela criminalidade organizada e pelos crimes ambientais, onde a Autoridade tem um papel fulcral, obrigam a uma interdependência de atores e ao desvanecimento do conceito de Estado-Nação, em parte devido, como diz Philip Bobbit, ao facto deste se ter transformado num Estado-mercado o que o incapacita de gerar as adequadas respostas à altura das novas ameaças.
A acrescer, o espaço deixado pela implosão da URSS, propiciou as coordenadas essenciais para o recrudescer de um terrorismo de novo tipo, diferente do conhecido terrorismo da década de 70, caracterizado por objectivos políticos e idealistas, onde os alvos eram as figuras e símbolos do Estado-Nação como as policias e o sector militar. Este novo terrorismo é desprovido de quaisquer valores, não possui rosto, nem se lhe conhece uma parcela de território politicamente organizada, apenas Estados falhados, na terminologia americana failed states, como a Somália e o Sudão e posteriormente o Afeganistão, que proporciona o suporte às organizações terroristas, nos mais diversos níveis.
Gerou-se assim uma teia de ameaças globais, pós 11 de Setembro, que transformou radicalmente a ordem mundial, meticulosamente tecida com objectivos bem definidos com, segundo Emílio Vilar:
(…) deliberada intenção de afectar o modo de viver e estrutura político-institucional em múltiplas regiões do planeta, através de indivíduos ou grupos que se espalham por um significativo número de países ou áreas geopolíticas (...) (Alves 2010, 15-16 apud Vilar, 2006: 17).
Num mundo onde a criminalidade organizada, nas suas mais variadas faces, se tem disseminado por todas as formas de transacções comerciais lícitas entre estados, o fenómeno da degradação das substâncias alimentares ganha especial destaque na segurança nacional dos estados sem que tenha sido considerada a sua vital importância como parte integrante da política criminal.
Devido à dimensão e globalização do mercado de produção e distribuição alimentar, a ausência ou deficiente controlo das actividades que degeneram na corrupção de substâncias alimentares, poderá acarretar para a saúde pública e para o ambiente graves danos, decorrentes da dispersão de doenças à escala mundial como se de uma estirpe de gripe se tratasse, perigos que colocam à ASAE um enorme desafio na prevenção, contenção e investigação destes fenómenos.
A par de actividades ilícitas multibilionárias como o tráfico de droga, ou de armas, cerram fileiras crimes como o comércio ilegal de artigos e produtos falsificados, cujo potencial de lucro depressa despertou a avidez de grupos criminosos. Algumas estimativas colocam o rendimento do negócio de bens falsificados em mais de US$ 250 biliões de dólares por ano (United Nations Office on Drugs and Crime 2012).
É pois notória a simbiose entre grupos criminosos e a produção de produtos falsificados e a prová-lo está a proveniência dos fundos que custearam os atentados de 11 de Março de 2004 em Madrid que beberam o seu financiamento no mercado negro das falsificações. Grupos organizados de criminosos como a Camorra, as Triads e a Yakuza, matizaram os seus negócios ilícitos para as áreas da contrafacção e da falsificação de bens. Os próprios relatórios de pesquisa do UNODC têm reconhecido o vínculo criminoso estratégico e operacional entre o comércio de bens falsificados e actividades como o tráfico de drogas (United Nations Office on Drugs and Crime 2012).
Com o aumento da pobreza, e com a generalizada perda do poder de compra dos cidadãos a nível global, nota-se uma clara tendência para a aquisição de bens de consumo em mercados paralelos controlados por várias facções do crime organizado o que atenta contra a segurança humana ao colocar em causa áreas como a saúde pública e ambiental, isto sem nos referirmos aos próprios interesses económicos dos adquirentes.
Através da falsificação, contrafacção, e cópia ilegal de produtos, os grupos criminosos vislumbram ainda uma oportunidade de lavar dinheiro oriundo do tráfico de droga, entre outras atividades ilegais, isto para além de colocarem em causa estabilidade social com consequências muito graves, como por exemplo na área da saúde e nutrição, através da colocação no mercado de suplementos alimentares a grande maioria das vezes adulterados. Neste âmbito a Europol alertou que a falsificação é um meio cada vez mais atraente para o crime organizado "diversificar sua gama de produtos". Evidências sugerem que as redes criminosas usam rotas e modus operandi similares para transportar mercadorias falsificadas e para contrabandear drogas, armas e pessoas (United Nations Office on Drugs and Crime 2012).
No Mercado Negro negoceiam-se atualmente produtos relacionados com o ramo automóvel, químicos, pesticidas, electrónicos, componentes eléctricos, alimentos, medicamentos, tabaco e produtos domésticos, que abrem as portas a um infindável mundo de ameaças com repercussões incalculáveis no meio ambiente, no sector alimentar e na área da saúde pública. Corantes tóxicos e produtos químicos dispensados ilegalmente e poluição do ar não regulamentada são apenas algumas das maneiras como a falsificação pode contribuir para danos ambientais (United Nations Office on Drugs and Crime 2012).
Produtos falsificados e medicamentos fraudulentos representam um risco grave para a saúde pública e para a segurança. Sem regulamentação legal e poucas alternativas, os consumidores são assim sujeitos a um risco não admissível, decorrente da utilização de produtos perigosos e ineficazes (United Nations Office on Drugs and Crime 2012).
Medicamentos fraudulentos são uma das formas mais prejudiciais de actividade ilícita, com a fabricação, o comércio e o consumo destes produtos a representar uma ameaça particularmente perigosa para a saúde das pessoas (United Nations Office on Drugs and Crime 2012).
Na área alimentar um dos exemplos mais conhecido dos perigos da falsificação de produtos é o caso que ocorreu na China em 2008 quando milhares de crianças ficaram doentes devido ao leite em pó contaminado com melanina.
Daí poder afirmar-se com alguma certeza que o crime organizado transnacional abrange várias modalidades e a contrafacção, falsificação e cópia ilegal são mais algumas das variantes criminógenas que as economias paralelas proporcionam.
O crime organizado transnacional nesse cenário passa a formar-se em redor das estruturas de redes difusas de actuação económica (Werner 2009, 19).
Com o advento da globalização deu-se uma expansão do mercado negro de actividades como o tráfico de armas, de órgãos humanos, a prostituição, comercialização de medicamentos onde os suplementos alimentares ganham especial destaque com o tráfico de estimulantes, narcóticos, esteróides anabólicos, diuréticos, betabloqueadores e hormônios peptídeos e análogos.
De igual modo, e devido à pressão gerada em torno da produção alimentar gera-se uma tendência para colocar em risco a segurança da produção e da distribuição alimentar numa sociedade cada vez mais caracterizada por uma celeridade tecnológica e complexidade comportamental que colocam em causa produtos, cadeia de produção e serviços e por sua vez a saúde pública e ambiental como por exemplo o caso da talidomida (tranquilizante) e óleo de colza tóxico.
A alimentação é um material biológico e por isso sujeito à ação nefasta do tempo, do meio ambiente e de microrganismos.
A acrescer aos normais perigos ambientais, não podemos deixar de referir que agricultura e os demais processos de produção altamente intensivos potenciam igualmente, e em grande escala os referidos riscos biológicos, químicos e físicos.
Vivemos presentemente num período de incerteza, por um lado devido à complexidade das cadeias de abastecimento e, por outro, porque não se pode praticar o risco zero na alimentação (Santos 2006, 105).
Paralelamente aos alimentos, também as substâncias medicinais e terapêuticas para administração a humanos foram reclamando o seu espaço numa sociedade cada vez mais dependente destes produtos, pelo que cedo se reclamou por uma produção, distribuição e manipulação devidamente protegida, através da instituição de um sistema de procedimentos de segurança contra adulterações e contaminações, dotado de um elevado grau de confiança e devidamente tutelado pelo direito (Sousa 2014, 2).
De facto a produção extensiva de alimentos e medicamentos e a sua distribuição à escala mundial, proporcionada pela globalização, potenciam e multiplicam os efeitos de contaminações e manipulações indevidas desses produtos, sejam estas motivadas por razões tão díspares como a mera negligência dos intervenientes nos circuitos, a poluição ambiental ou mesmo como o fenómeno do terrorismo (Sousa 2014, 3).
E é na produção extensiva de alimentos e medicamentos que grupos de crime organizado espreitam as novas oportunidades que o mercado tem para oferecer e dessa forma redireccionam a sua estratégia no que tange às transacções comerciais nos mercados paralelos como a falsificação de medicamentos, produtos e suplementos alimentares.
E uma vez que desde o 11 de Setembro de 2001 os estados apertaram a malha à mobilidade das células terroristas em termos de ataques a estruturas como edifícios e navios, estes voltaram-se para o desenvolvimento de tóxicos altamente prejudiciais para a saúde pública e para o ambiente uma vez que a sua logística oferece uma maior dificuldade de detecção por parte das autoridades.
A globalização dos mercados e o consequente aumento do comércio internacional tiveram como consequência directa também a globalização dos riscos alimentares. A liberalização dos mercados originou assim a abolição das tradicionais barreiras à circulação de bens, mas, concomitantemente, abriu as portas à disseminação dos riscos decorrentes da contaminação alimentar, que de uma ameaça puramente regional ou nacional, passaram agora a ser encarados como uma ameaça global, à escala mundial (Sousa 2014, 8 apud Aginam e Hansen 2008, 1).
As multinacionais do crime adaptaram-se ao cerco das forças e serviços de segurança em torno das suas actividades ilegais assim como a visão das autoridades policiais de vários países mudou desde o 11 de Setembro de 2001.
Grupos criminosos vêm colocar em causa a qualidade alimentar mundial ao olharem para esta área como um novo objecto de transacção comercial no que toca por exemplo à panóplia de medicamentos disponibilizados no mercado a milhares de consumidores que por uma razão ou outra optam pelo mercado paralelo de acesso fácil através da internet que encobre uma actuação criminosa sem precedentes e de difícil controlo por parte das autoridades competentes.
No que toca à cadeia de abastecimento legal devido à falta de mais fiscalização/ inspecção por parte de vários organismos responsáveis por essa tarefa a mesma encontra-se, neste momento, muito permissiva a infiltrações provindas de redes ilegais com ramificações transnacionais desde a máfia da europa de leste a grupos ligados a países africanos.
A fim de evitar uma maior penetração na cadeia legal a União Europeia lançou a Directiva 2011/62/EU mas não tem alterado muito a situação que se verifica em muitos países como por exemplo Portugal devido às suas ligações históricas ao continente africano. O que prova que Portugal além de porta de entrada para o tráfico de droga, tráfico de armas, entre outras actividades ilegais, oferece também excelentes condições de mercado, e geografia, para o florescimento ilegal de um novo comércio de produtos alimentares e medicinais.
A nível europeu existem iniciativas e organizações, tais como a International Medical Products Anti-Counterfeiting Taskforce (IMPACT), a Medicrime, Working Group of Enforcement Officers (WGEO), Pharmaceutical Security Institute (PSI), entre outras, cujo objectivo principal é o combate à contrafacção. São organizações e iniciativas com um grau de importância elevado devido ao trabalho que realizam. Para além destas acções as entidades reguladoras dos vários países europeus formaram Single Points of Contact (SPOCs) que permitem a troca de informação e colaboração internacional para que todos tenham acesso à mesma informação e a casos detectados. Em Portugal, o INFARMED I.P. é a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de saúde e desta autoridade depende a fiscalização e controlo dos diversos intervenientes no ciclo do medicamento. Existe no INFARMED I.P. um departamento designado de Célula 3C que trabalha diariamente para o combate à contrafacção de medicamentos a nível nacional (Silveira 2012, 7).
Nota-se um acentuado crescimento da procura através de redes ilegais de suplementos alimentares devido às autoridades competentes não serem capazes de fiscalizar, por contingências várias, uma delas política, todas as transacções farmacêuticas no território nacional.
Outra das questões prementes, tal como antes do 11 de Setembro de 2001 é a falta de troca de informações, entre as autoridades, sobre esta "nova" criminalidade muito apetecível aos grupos criminosos, pois é um mercado que busca satisfazer necessidades humanas em medicamentos como os anabólicos e antibióticos, entre outros.
Além de plataforma giratória para o tráfico de droga, entre outros, África é também palco de actuação quanto ao tráfico de medicamentos, e substâncias alimentares, através de redes que envolvem criminosos europeus e africanos.
A prevalência de medicamentos fraudulentos é mais elevada não nos mercados onde os lucros seriam superiores, mas naqueles onde as possibilidade de detecção são inferiores. Pelo menos 10% dos medicamentos importados que circulam na África Ocidental são fraudulentos, representando uma grave ameaça à saúde e à segurança públicas (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime 2013).
África é um território dominado por organizações criminosas transnacionais que olham para o continente como uma terra de ninguém onde podem "mais à vontade" desenvolver as suas atividades ilegais, dado que a pressão das autoridades é muito menor, seja devido à grande instabilidade política que se vive na maioria dos países seja devido aos elevados índices de corrupção nas administrações públicas, factores amplamente explorados pelo crime organizado.
O tráfico de medicamentos, e substâncias alimentares adulteradas, não poderia deixar de ser mais um negócio lucrativo à semelhança do das armas e da droga pois, tal como sucede no contrabando de tabaco, as rotas continuam a ser as mesmas, só sendo alterada a matéria-prima.
A recolha e a análise de informações são assim elementos fundamentais da segurança alimentar. E com essa finalidade foi criada a European Food Safety Agency (doravante designada EFSA) a fim de rastrear os potenciais inúmeros perigos, biológicos e químicos, durante o trânsito dos géneros alimentícios, para além das penetrações na cadeia de abastecimento legal da parte de grupos criminosos, bem como tentar aplacar as redes de abastecimento ilegais em cooperação com organismos como International Medical Products Anti-Counterfeiting Taskforce, a Medicrime, Working Group of Enforcement Officers e Pharmaceutical Security Institute.
A EFSA procura assim garantir os seus desideratos, através de uma actividade desenvolvida em cooperação com outras instituições, entre as quais a ASAE, colectoras de informações, de forma proactiva. E através da sua actuação a EFSA desempenha um importante valor na prevenção e reacção à ocorrência de fenómenos como o terrorismo biológico levado a cabo através de atividades como a corrupção de substâncias alimentares em qualquer uma das fases de produção, transporte e armazenamento. São ameaças fomentadas pela difusão de armamentos radiológicos, bacteriológicos e químicos e que, através da contaminação intencional dos produtos alimentares com bactérias, fungos e vírus poderão colocar em risco ou mesmo atentar a bens que nos são tão queridos como a vida e a integridade física.
No que tange à estratégia nacional a acção da ASAE poderá assim revelar-se determinante, desde que apoiada por uma legislação penal adequada, o que acontece por exemplo na contrafacção de marcas em que a legislação existente em nada amplifica o raio de acção quanto à sua repressão ao contrário daquilo que acontece em Espanha, em que é um crime associado à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Com a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em 1986, mais tarde União Europeia, e com a subsequente implementação do Mercado Único, que possibilitou a livre circulação de bens, serviços e capitais entre os estados aderentes, as instâncias Europeias chamaram a si a regulamentação de importantes sectores de legislação, onde se inclui a matéria de segurança de géneros alimentícios (Sousa 2014, 9).
A livre circulação de bens entre os estados aderentes, sem barreiras alfandegárias, veio colocar a segurança dos géneros alimentícios em causa ou pelo menos num contexto mais periclitante pelo que seria desejável haver uma legislação nacional mais protectora sem descurar a as instâncias europeias.
Em termos de "iure constituto", o artigo 282.º do Código Penal (doravante designado CP) revela-se pouco útil face à cada vez maior probabilidade de os géneros alimentícios constituírem um meio para um atentado terrorista perpetrado através da sua fácil contaminação com agentes químicos e bacteriológicos, para além da sua já adulteração por parte de grupos de crime organizado cujas redes se estendem desde a Ásia até África.
Em relação à fraude que se tem vindo a registar cada vez maior no que tange aos medicamentos o Artigo 282.º da CP diz que a pena de prisão apenas é atribuída caso o medicamento falsificado coloque em risco a vida humana ou a integridade física da mesma. Assim, face a uma situação de fabrico ou comercialização de medicamentos falsificados, por si só, com ausência de prova do nexo de causalidade entre o dito medicamento contrafeito e a ofensa à integridade física do consumidor, as provas não são suficientes para sustentar uma acusação que leve à acusação do infractor (Silveira 2012, 33).
Perante tal, urge actualizar e harmonizar o conceito geral de "Corrupção de substâncias alimentares", constante da epígrafe do tipo legal em estudo, que deverá pois ser interpretado e ir ao encontro do moderno conceito de "alimento não seguro", oferecido pela regulamentação europeia e constante do regulamento (CE) n.º 178/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro (Sousa 2014, 10).
O bem jurídico a proteger é a vida humana materializado num grande número de pessoas que os circuitos económicos, segurança interna de qualquer Estado, diariamente alimentam e que por factores vários se encontram muito vulneráveis a pressões de redes paralelas que pululam em torno dos corredores de abastecimento e distribuição para consumo.
A criação de perigo é algo adjacente à actividade de comercialização nomeadamente numa conjuntura geopolítica mundial de grande tensão em que o comércio ao público é cada vez mais um alvo fortemente susceptível a ataques com agentes bacteriológicos, e químicos, que surtiriam o mesmo efeito que teve o 11 de Setembro de 2001em solo americano.
A alteração, a falsificação, e a corrupção dos alimentos através de bactérias, vírus e fungos, antes da comercialização, e durante a mesma, do processo produtivo à distribuição comercial, causando avaria, corrupção ou alteração, endógena, e exógena, por acção de agentes de deterioração facilmente desenvolvidos em laboratórios é pois uma actividade por demais lesiva para que a sua perseguição penal esteja dependente de uma quase "probatio diabolica".
O perigo em jogo causado por possíveis condutas criminosas abre as portas a doenças que resultam da ingestão de alimentos ou água contaminados por microrganismos patogénicos, toxinas microbianas, ou agentes químicos, ou do consumo directo de toxinas de plantas ou animais (Sousa 2014, 12 apud Paulo Correia de Sá, ICBAS, 2012).
Não há em território nacional, por exemplo nas grandes superfícies comerciais, ou nos entrepostos comerciais, outra questão de segurança interna, nenhum dispositivo de monitorização, por exemplo, da toxina botulínica que poderá ser espalhada sobre reservatórios de água ou sobre géneros alimentícios nas grandes cadeias de supermercados através de um pequeno frasco de spray facilmente dissimulado, e transportado. A toxina t-2 é característica de culturas como o milho e o trigo e para produzi-la não é necessária tecnologia complicada com a agravante de não poder ser detectada por nenhum sistema de segurança.
A Organização Mundial de Saúde tem vindo a alertar para a questão cada vez mais patente do bioterrorismo. Aliás, o ex-secretário geral da Organização do Tratado Atlântico Norte (doravante designada OTAN), George Robertson, alertou para o cada vez mais consolidado facto do uso de armas biológicas.
E a libertação propositada de microrganismos, devido aos seus efeitos nefastos em pessoas, e animais, tem o potencial de causar o caos num qualquer Estado, derrubando as suas infraestruturas sociopolíticas, deixando qualquer território politicamente organizado numa completa deriva.
O mundo vê-se portanto a braços com personagens atípicas na forma como concretizam os seus objectivos, onde o radicalismo islâmico de inspiração religiosa ganha cada vez mais adeptos e onde organizações terroristas como a Al Qaeda, e associados, souberam optimizar o lado negro da globalização a um tal ponto que conseguiram abalar as fundações seculares dos Estados-Nação preparados para uma intervenção soviética e não para uma mutação repentina de todos os conceitos de segurança, seja interna, seja externa (Alves 2010, 1).
É do atípico na forma de agir que partirão acções bioterroristas como a utilização de vírus, e bactérias, numa miscelânea de organizações criminosas com células terroristas, que só um binómio segurança interna e defesa nacional poderá combater ou pelo menos, poderá melhor prevenir, através de acções de maior envergadura por parte dos órgãos de polícia criminal (abreviadamente designado OPC) mais direccionados para esse tipo de realidade. E é precisamente aqui que a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica poderá ter um papel decisivo através do seu Departamento de Riscos Alimentares e Laboratórios, onde se procede à análise e avaliação dos riscos biológicos, e químicos, por intermédio de uma abordagem multidisciplinar e multissectorial.
Dado que nenhum país se poderá autoexcluir como alvo de um possível ataque com armas como vírus e bactérias, a varíola é um exemplo flagrante, os microrganismos introduzidos na cadeia de abastecimento alimentar de forma deliberada, tornando os alimentos não seguros, são também uma questão de segurança interna e externa.
No âmbito da realização dos exames laboratoriais, poderão ainda ser chamados a esclarecer os surtos de doença de origem alimentar quer os laboratórios da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, que os serviços do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, I.P (Sousa 2014, 25).
À Autoridade de Segurança Alimentar Económica caberá a realização da investigação criminal sob a dependência da autoridade judiciária competente, dentro das regras do Código de Processo Penal. Será ainda esta entidade de polícia criminal que, em colaboração com a Autoridade de Saúde Pública, procederá à implementação das medidas de contenção e controlo do surto, à recolha de diferentes amostras, como prova, e seu posterior encaminhamento para a execução de exames laboratoriais, nas entidades acreditadas para o efeito. O procedimento criminal eventualmente instaurado seguirá depois os seus trâmites consignados na lei processual penal (Sousa 2014, 26).
No âmbito da Lei de Organização da Investigação Criminal (doravante designada LOIC) compete à Polícia Judiciária (competência reservada) a investigação dos crimes dolosos ou agravados pelo resultado como é o caso da introdução de microrganismos nas cadeias comerciais de abastecimento de alimentos o que poderá causar, e como certo provocará, a morte. E como no quadro legal em vigor em Portugal arma biológica é o engenho susceptível de libertar ou de provocar contaminação por agentes microbiológicos ou outros agentes biológicos, bem como toxinas, seja qual for a sua origem ou modo de produção, de tipos e em quantidades que não sejam destinados a fins profilácticos de protecção ou outro de carácter pacífico e que se mostrem nocivos ou letais para a vida também a Polícia de Segurança Pública (abreviadamente designada PSP) poderá intervir uma vez que as armas são da sua competência reservada e nesse caso deverá ser instituída uma abordagem multidisciplinar e multissectorial, em que o Ministério Público como titular da acção penal poderá fazer intervir para a investigação dos factos quaisquer órgãos de polícia criminal, sendo que nos termos do art.º 2.º n.º 2 alínea b) paragrafo vi) do Decreto-Lei n.º 194/2012 de 23 de Agosto o órgão de polícia criminal com competência especializada para a investigação é a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que pode por competência própria intervir de imediato (Sousa 2014, 26).
A corrupção de substâncias alimentares, e a falsificação de medicamentos, tratam-se assim de questões de segurança nacional, pelo que deverá ser construída uma estratégia que envolva as sinergias entre o binómio defesa nacional e a segurança interna, com o reforço dos mecanismos de cooperação institucional onde a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica poderá assumir um dos papéis principais desde que a classe dirigente política assim o assuma e inclua esta organização na lei de segurança interna. Importa assim reforçar a instituição com competências que permitam identificar e desmantelar potenciais ameaças nas cadeias de abastecimento quer a nível nacional, quer a nível internacional.
Ora o robustecimento de competências passará não só pela já falada inclusão da ASAE na lei de segurança interna como também no Gabinete Coordenador de Segurança (doravante designado GCS). Nem mesmo na actualização mais recente da lei de segurança interna se procedeu ao envolvimento da Autoridade ou na Proposta de Lei 318/XII de 09 de Abril de 2015 se faz uma única referência à área de controlo de mercado na vertente de saúde pública e segurança alimentar. E como é sabido a maior parte das ameaças não são provindas de um inimigo conhecido e sim de contextos internacionais, e transnacionais. Perante tal, também o conceito tradicional de segurança interna se desvaneceu o que deveria ter dado lugar a uma maior envolvência, entre a área das informações, da segurança e da investigação criminal domínios onde a Autoridade necessitaria de ter um papel mais activo uma vez que, como se viu, a corrupção de substâncias alimentares é enquadrada nas noções de ameaça, e de risco, previstas no Conceito Estratégico de Segurança Nacional (abreviadamente designado CESN). Contudo, a ASAE, como mais um órgão de polícia criminal que caracteriza o modelo policial pluralista e a dispersão policial do arquétipo nacional (Guedelha 2013) não pode quedar-se fora da previsão da Lei de Segurança Interna mesmo apesar da última alteração verificada com a Lei n.º 59/2015 de 24/06.
Ao percorrermos a Legislação de Segurança Interna no que tange o Sistema Nacional de Gestão de Crises (doravante designado SNGC) observamos que a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica não é contemplada no diploma, nem o seu Inspector Geral tem assento, como tem por exemplo o director nacional da Polícia Judiciária (abreviadamente designada PJ), isto quando a segurança interna deverá resultar na envolvência de sinergias de todos os actores, ainda para mais numa conjuntura transnacional cada vez mais fragilizada com questões como a da entrada ilegal de emigrantes em território europeu.
Também não se compreende como é que uma organização como a ASAE que fiscaliza/inspecciona áreas como as indústrias de matérias perigosas que podem facilmente comercializar agentes químicos e biológicos, produtos químicos perigosos, biocidas, químicos e organismos geneticamente modificados, importação e exportação de produtos químicos, pesticidas, e organismos geneticamente modificados, entre vários outros assuntos tóxicos, e muito pouco controlados, não constar da Lei de Segurança Interna, do Conselho Superior de Segurança Interna, do Gabinete Coordenador de Segurança, do Gabinete Nacional de Segurança, da Lei Quadro da Política Criminal, e da Lei de Organização da Investigação Criminal (doravante designada LOIC).
E nesta era da "modernidade líquida" geradora de incerteza (Bauman, 2000, 12), os Estados tentam responder aos novos desafios colocados pela crescente demanda de segurança por parte de Estados, organizações e cidadãos, isto tudo enquanto as organizações terroristas e a criminalidade organizada recorrem às tecnologias de informação, às facilidades de transporte, à especialização de tarefas, à inteligência combinada com violência, à internacionalização, ao trabalho em rede, caracterizando-se por um grande espírito de iniciativa e mentalidade empresarial, respondendo a situações de mercado em constante mutação. Ora todos estes factores exigem "uma resposta dinâmica, coordenada, integrada e multidisciplinar" (Elias 2011 apud Sousa 2006, 326), adequada aos novos desafios criminais.










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