A política do retrocesso ambiental: as iniciativas de revisão das normas sobre licenciamento e estudos ambientais

May 28, 2017 | Autor: Virgínia Guimarães | Categoria: Direito Ambiental
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A política do retrocesso ambiental: as iniciativas de revisão das normas sobre licenciamento e estudos ambientais1 O Grupo de Estudos de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio (NIMA-Jur) vem estudando as propostas de revisão das normas sobre licenciamento e estudos ambientais. A legislação ambiental, com frequência, é apresentada como entrave ao desenvolvimento, burocracia excessiva e causa de agravamento de crises econômicas. Com este discurso, as propostas voltam-se à flexibilização da legislação ambiental, apresentada como modernização do tratamento jurídico. Entende-se, contudo, que os projetos de lei em discussão promovem a desregulamentação da proteção e utilização sustentável de recursos naturais e, em consequência, a fragilização da garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O discurso é atual, mas seu conteúdo corresponde a um passado em que predominava o absoluto direito de propriedade e que não havia qualquer preocupação com a sustentabilidade das ações e práticas.

O momento da política ambiental brasileira pode ser caracterizado por ameaças – algumas concretizadas, outras em curso – de radical modificação dos seus institutos, que seguem previstos na legislação, mas com conteúdo esvaziado. Foi assim, por exemplo, com as áreas de preservação permanente e a reserva legal a partir da aprovação do último Código Florestal (Lei 12.651/2012): estes espaços territoriais especialmente protegidos foram mantidos como instrumentos de proteção da biodiversidade, mas, analisando-se a nova norma, pouco se lembra de seus objetivos originais.

Em 2013, em resposta a uma proposta apresentada pelo Governo Estadual no sentido de diminuir as regras sobre licenciamento ambiental no Rio de Janeiro, um grupo de trabalho formado por professores da PUC-Rio, membros do Ministério Público, especialistas em Direito Ambiental e estudantes de graduação e de pós-graduação, elaborou um anteprojeto de lei sobre avaliação de impactos ambientais de planos, programas e projetos potencialmente causadores de significativa degradação ambiental, de modo a contribuir para o Esta nota técnica, assim como os anexos que a integram, é resultado das discussões realizadas no Grupo de Estudos de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio (NIMA-Jur), que tem como idealizador o Professor Fernando Walcacer. A cada semestre, o grupo, que se reúne semanalmente, dedica-se a um tema específico. O documento é, assim, resultado de um trabalho coletivo, cabendo às autoras Danielle de Andrade Moreira, Virginia Totti Guimaraes e Julia Eloy Tourinho a tarefa de redigi-lo, a partir dos debates. Colaboraram com a elaboração deste documento: Adriana de Lima Bocaiúva, Alice Neves Baptista, Daniela Marques, Felipe Hermeto, Fernando Cavalcanti Walcacer, Giselly Monteiro Roza de Aguiar, Hilda Kozlowski, Laila Pauletto de Oliveira Campos, Leila Pose Sanches, Letícia Maria R. T. Lima, Luis Felipe S. Duarte, Ricardo Velloso Arraes. Samir Zaidan e Themis Aline Themis Aline Calcavecchia dos Santos. 111

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aperfeiçoamento do marco regulatório dos estudos ambientais no Estado do Rio de Janeiro.2 Este anteprojeto serviu de base para os projetos de lei que foram apresentados na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro por Marcelo Freixo, Comte Bittencourt, Luiz Paulo (projeto de lei 2.261/2013)3 e na Câmara dos Deputados por Alessandro Molon (projeto de lei 5.716/2013).4 No momento atual, intensificam-se as propostas de retrocesso relacionadas ao licenciamento e aos estudos ambientais no âmbito federal.

O Projeto de Lei 3.729/2004, impulsionado pelas demandas da Agenda Brasil, voltou à pauta de discussões na Câmara dos Deputados em setembro de 2015, com trâmite em regime de prioridade. O projeto pretende estabelecer o licenciamento simplificado, com supressão de importantes etapas do licenciamento ambiental e concessão de licença única, transformando as regulares licenças em exceção, exigíveis somente nos casos de empreendimentos que envolvam potencial de significativa degradação do meio ambiente. Além disso, torna-se ainda mais reduzido o controle prévio de atividades potencialmente poluidoras em razão da possibilidade de dispensa de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) nos casos em que, embora a atividade seja reconhecida como capaz de causar significativa degradação do meio ambiente, houver prévia avaliação ambiental estratégica (AAE) ou outro instrumento semelhante de avaliação ou de gestão territorial. No segundo semestre de 2015, os pesquisadores do NIMA-Jur estudaram o projeto de lei em questão e elaboraram uma nota técnica sobre seus principais aspectos (Anexo I – Nota técnica sobre o Projeto de Lei 3.729/2004).

Este grupo de trabalho surgiu de uma campanha, de iniciativa do Promotor de Justiça Daniel Lima Ribeiro, em conjunto com o site Meu Rio, para retirada da pauta da ALERJ de projeto de lei sobre Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), diminuindo a proteção estabelecida pela legislação federal. O projeto de lei 1.860/2012, que havia sido apresentado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, encontra-se disponível em . O site da organização Meu Rio com campanha “Licença ambiental para quem? Não queremos leis ambientais fajutas” encontra-se disponível em . Acesso em: 29 jun.2016. 2

O texto do anteprojeto elaborado encontra-se disponível em . Acesso em: 29 jun.2016.

O projeto de lei 2.261/2013 está disponível em . Acesso em: 29 jun.2016. 3

Este projeto encontra-se apensado ao projeto de lei 3.729/2004, que foi objeto de análise pelo Grupo de Estudos (vide Anexo I). O projeto de lei 5.716/2013 encontra-se disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=579695>. Acesso em: 29 jun.2016. 4

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No mesmo sentido, o Projeto de Lei 654/2015 cria o ‘licenciamento ambiental especial’ para empreendimentos de infraestrutura estratégicos. O projeto pretende instituir um novo rito de licenciamento ambiental no país (célere) para determinados empreendimentos (os de infraestrutura considerados estratégicos). Estabelecem-se curtos prazos preclusivos ao longo do procedimento, no qual a não manifestação dos órgãos e entidades públicos envolvidos importa aquiescência com o empreendimento que está sendo licenciado. Além disso, o direito à informação é assegurado apenas por meio de um programa de comunicação ambiental, executado pelo empreendedor, o que compromete o debate produtivo entre os diferentes setores da sociedade civil interessados, diminuindo ainda mais o poder de voz e a visibilidade das parcelas vulneráveis da população. Em 2016, o Grupo de Estudos do NIMAJur analisou o projeto de lei 654/2015 (Anexo II – Nota técnica sobre o Projeto de Lei 654/2015). Não foi possível analisar profundamente os demais projetos de lei sobre licenciamento e estudos ambientais que estão em discussão no Congresso Nacional, mas foram identificadas mais de 20 iniciativas neste sentido.5 Isso sem contar a proposta de revisão das Resoluções CONAMA 01/1986 e 237/1997, duas das mais importantes normas brasileiras sobre os temas. As discussões seguem até chegar à Proposta de Emenda à Constituição 65/2012, aprovada em 27 de abril de 2016 pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, Além dos quinze projetos de lei que atualmente estão apensados ao Projeto de Lei 3.729/2004, outras cinco propostas de alteração da legislação que trata sobre licenciamento e estudos ambientais foram identificadas: 5

- projeto de lei complementar PLP 404/2014 (Câmara dos Deputados), que altera a Lei Complementar 140/2011, para assegurar a participação do ente federativo impactado no licenciamento ambiental de competência da União;

- projeto de lei 8.129/2014 (Câmara dos Deputados), para tornar obrigatória a obtenção de licença prévia de empreendimentos de geração hidrelétrica e de transmissão de energia elétrica objeto de licitações promovidas pelo governo federal, e aumentar os prazos de implantação dos empreendimentos de geração estabelecidos nos leilões de compra de energia nova; - projeto de lei 602/2015 (Senado Federal), que dispõe sobre a criação do Balcão Único de Licenciamento Ambiental, estabelece procedimento para o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos considerados estratégicos e prioritários para o Estado;

- projeto de lei 4.214/2015 (Câmara dos Deputados), que estabelece normas e diretrizes para a verificação da segurança de barragens de qualquer natureza e de depósitos de resíduos tóxicos industriais, objetivando evitar danos ambientais e tragédias humanas;

- projeto de lei 3.856/2015 (Câmara dos Deputados), para obrigar à realização de cadastro demográfico em empreendimentos com risco de desastre ambiental; - projeto de lei 675/2015 (Câmara dos Deputados), dá nova redação ao inciso I do § 2º do art. 7º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e acrescenta § 2º-A ao mesmo dispositivo, para estabelecer regras relacionadas à obtenção de licenciamento ambiental de obras e serviços.

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que pretende acrescentar um parágrafo ao artigo 225 do texto constitucional com a seguinte redação: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”. A alteração constitucional pretendida tem como consequência desmontar o sistema de licenciamento ambiental brasileiro, em detrimento dos direitos difusos e sociais assegurados pela Constituição Federal. O NIMA-Jur elaborou uma nota de repúdio e disponibilizou para adesões e assinaturas por meio de uma plataforma digital, que contou com o apoio de algumas entidades, como a Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil – APRODAB (Anexo III – petição pública sobre a PEC 65/2012).6 Pretende-se, com este documento, disponibilizar as reflexões produzidas no âmbito do NIMA-Jur referentes às propostas de revisão das normas sobre licenciamento e estudos ambientais e contribuir para que os projetos legislativos estejam centrados na constante evolução da legislação de proteção dos direitos socioambientais e no combate ao seu retrocesso. Autoras do texto Danielle de Andrade Moreira7 Virgínia Totti Guimarães8 Julia Eloy Tourinho9

A petição pública encontra-se disponível em . A petição foi assinada por 1.875 pessoas 6

Doutora e Mestre em Direito (UERJ). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito e de Direito Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Coordenadora de Pesquisas do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio. Coordenadora Acadêmica do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu (nível especialização) em Direito Ambiental da PUC-Rio. 7

Doutora em Direito (PUC-Rio). Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Especialista em Direito Ambiental (PUC-Rio) e em Advocacia Pública (UERJ). Professora de Direito Ambiental e Direito Urbanístico da PUC-Rio. Coordenadora do Grupo de Estudos de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (NIMA-Jur) da PUC-Rio. Coordenadora acadêmica do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental da PUC-Rio. 8

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Pós-graduanda em Direito Ambiental (PUC-Rio). Advogada.

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ANEXO I NOTA TÉCNICA

Assunto: Projeto de lei 3.729/2004

Apensos: Projetos de lei 3.957/2004, 5.435/2005, 5.576/2005, 1.147/2007, 2.029/2007, 358/2011, 1.700/2011, 2.941/2011, 5.716/2013, 5.918/2013, 6.908/2013, 8.062/2014, 1.546/2015, 3.829/2015, 4.429/2016 Impulsionado pelas demandas da Agenda Brasil, o Projeto de lei 3.729/2004 voltou à pauta de discussões na Câmara dos Deputados em setembro de 2015, a partir da apresentação de parecer do relator Deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP), no âmbito da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), acompanhado de substitutivo e sugerindo sua aprovação, com trâmite em regime de prioridade.

O Projeto de lei 3.729, apresentado em junho de 2004, teve como autores os seguintes deputados: Luciano Zica (PT/SP), Walter Pinheiro (PT/BA), Zezéu Ribeiro (PT/BA), Iriny Lopes (PT/ES), João Grandão (PT/MS), Nazareno Fonteles (PT/PI), Luci Choinacki (PT/SC), Claudio Vignatti (PT/SC), Mauro Passos (PT/SC), Iara Bernardi (PT/SP), Ivan Valente (PT/SP), Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP), Luiz Alberto (PT/BA), Ivo José (PT/MG), João Alfredo (PT/CE). Trata-se de projeto que dispõe sobre o licenciamento ambiental e regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, sendo que ao mesmo foram apensados, nos últimos 12 anos de tramitação, outros treze projetos de lei, sobre o mesmo tema ou matérias correlatas (Projetos de lei 3.957/2004, 5.435/2005, 5.576/2005, 1.147/2007, 2.029/2007, 358/2011, 1.700/2011, 2.941/2011, 5.716/2013, 5.918/2013, 6.908/2013, 8.062/2014, 1.546/2015). Por meio do projeto de lei em referência (substitutivo aprovado, com complementações, em outubro de 2016 pela CMADS), pretende-se: (i) estabelecer normas gerais para o licenciamento de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação do meio 5

ambiente (seria uma espécie de lei geral do licenciamento ambiental); (ii) dispor sobre o licenciamento corretivo de empreendimentos irregulares; (iii) disciplinar o estudo prévio de impacto ambiental (EIA), regulamentando o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal; e (iv) instituir a avaliação ambiental estratégica (AAE) de políticas, planos e programas governamentais. Da leitura e análise do parecer do relator (Dep. Ricardo Trípoli) e do texto do substitutivo, é possível fazer as seguintes observações:

(1) Apresenta-se (art. 2º) uma série de definições (e.g. avaliação ambiental estratégica, condicionantes ambientais, degradação do meio ambiente, estudo ambiental, estudo prévio de impacto ambiental, impacto ambiental, licença ambiental, licenciamento ambiental, poluição) que já constam em outras leis (e.g. Lei 6.938/1981 e Lei Complementar 140/2011), sem que haja uma unificação e coerência no tratamento de importantes conceitos à adequada aplicação de instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, há definições limitadoras, por serem menos abrangentes do que aquelas já previstas na legislação ambiental em vigor (e.g. poluição), assim como conceitos imprecisos e discrepantes de sua sustentação constitucional (e.g. confusão entre atividade potencialmente poluidora e atividade capaz de causar significativo impacto ambiental, para a qual a CF/88 exige a elaboração de EIA).

(2) Ao tratar dos empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental e daqueles que dependem de EIA para serem licenciados, o texto do projeto de lei apresenta importantes imprecisões, que podem suscitar dúvidas ou confusões na identificação de cada uma das situações. Em vários dispositivos que se referem ao EIA, fala-se em “empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de poluição ou outra forma de significativa degradação do meio ambiente” (art. 2º, X) ou “empreendimento utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa poluição ou outra forma de degradação do meio ambiente” (art. 15). Esta redação não parece distinguir adequadamente as atividades que dependem de licença ambiental (i.e. sejam utilizadoras de recursos ambientais ou capazes, sob qualquer forma, de causar poluição ou degradação do meio ambiente) daquelas cujo licenciamento depende da elaboração de EIA, nos termos do artigo 225, § 1º, IV, da Constituição Federal (i.e. atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente). (3) Não há previsão de controle ou emissão de licença de encerramento, cujo estabelecimento significaria importante avanço e já se encontra presente na legislação de vários estados (e.g. Decreto 44.820/2014, do Rio de Janeiro), em vista da necessidade de se garantir o correto

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encerramento de atividades potencialmente poluidoras e evitar a criação de passivos ambientais.

(4) Chama-se a atenção para o excesso de poder concedido ao órgão ambiental licenciador (art. 13), a quem o projeto de lei autoriza o estabelecimento de condições especiais no processo de licenciamento, na hipótese de o empreendedor adotar novas tecnologias, que permitam o alcance de resultados mais protetivos do que os exigidos pelos padrões ambientais legais. Além da redução de prazos e custos de análise e da dilação de prazos para renovação de licenças (o que até seria razoável), há a possibilidade de se determinar a supressão de etapas do licenciamento, bem como quaisquer outras medidas consideradas cabíveis, a critério da autoridade licenciadora. (5) Cria-se o licenciamento ordinário (arts. 15 a 18), o simplificado (arts. 19 a 22) e o corretivo (art. 23).

O licenciamento ordinário depende (com exceções) da concessão das três licenças ambientais (licença prévia, de instalação e de operação) e é aplicado somente aos empreendimentos potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente – e, portanto, sujeitos à elaboração do EIA. Já o licenciamento simplificado parece ser a regra (e não a exceção), vez que, mediante a concessão de licença única (ou supressão de uma das etapas), com base em “estudo ambiental menos complexo”, é aplicado às atividades potencialmente poluidoras que não dependam de EIA (leia-se, que não sejam capazes de causar significativa degradação ambiental, embora sejam potencialmente poluidoras), bem como àquelas que, ainda que, em regra, dependam de EIA, tenham seu objeto abrangido por avaliação ambiental estratégica (AAE) ou outro instrumento semelhante de avaliação ou de gestão territorial, devidamente aprovados.

O licenciamento corretivo destina-se à regularização de empreendimentos em desacordo com a legislação ambiental vigente e se dá mediante a concessão de licença ambiental corretiva (LOC), com base nos estudos ambientais pertinentes requeridos pela autoridade licenciadora. (6) Ainda que haja o potencial de causar significativa degradação ambiental, o empreendimento ou atividade pode ser sujeito a licenciamento simplificado (com dispensa do EIA), desde que o objeto do empreendimento esteja abrangido por Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou outro instrumento de avaliação ou de gestão territorial (art. 20), devidamente aprovados.

Seria razoável que os dados apurados e parte das análises realizadas na AAE fossem utilizados na elaboração do EIA, sem que este fosse simplesmente dispensado. Isso porque a 7

AAE não garante o atendimento do conteúdo mínimo do EIA (e, consequentemente, a realização de suas atividades técnicas mínimas, hoje previstas na Resolução CONAMA 001/86), assim como deixa de ser obrigatória a realização de audiência pública (art. 41).

Importante mencionar que o projeto de lei em referência prevê (art. 54) a inclusão de artigos na atual Lei 6.938/1981 (seriam os arts. 12-A, 12-B e 12-C) dispondo sobre a realização de AAE e seu conteúdo, sendo que não há equivalência (embora exista alguma similitude) entre estes requisitos e o conteúdo mínimo do EIA (Resolução CONAMA 001/1986) (7) Diferentemente do que consta da legislação atual (Resolução CONAMA 237/1997, art. 18), são previstos prazos mínimos e máximos para as licenças prévia e de instalação (de 2 a 5 anos), de forma desvinculada aos cronogramas de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade (para o caso da LP) e de instalação do empreendimento ou atividade (para a LI). Tal previsão não parece oferecer garantia ao empreendedor de que obterá prazo suficiente para a execução das atividades previstas na respectiva licença.

(8) Também discrepando da legislação atual (Resolução CONAMA 237/1997, art. 18), prevêse que, no caso de licenciamento simplificado, a renovação da licença de operação (ou da licença única) será automática, independentemente de solicitação do empreendedor, tendo como base somente uma “declaração do empreendedor, em formulário disponibilizado na internet, de que as características e o porte do empreendimento não serão alterados”, e desde que, simultaneamente, “o empreendimento não tenha sido objeto de sanções administrativas ou penais por infração à legislação ambiental” e “a legislação ambiental aplicável ao empreendimento não tenha sido alterada” (art. 19, § 2º). (9) Prevê-se a integração das licenças ambiental e urbanística nos casos de empreendimentos que envolvam “o uso, o parcelamento ou a ocupação de solo urbano e cujo licenciamento ambiental esteja a cargo do município” (art. 21). É dispensada, sem razão ou lógica aparente, a licença de operação (bastando a LP e a LI), nos casos em que houver transferência de áreas de uso comum à municipalidade (art. 21, parágrafo único). (10) Ao estabelecer o conteúdo mínimo do EIA, projeto de lei em referência restringe o diagnóstico ambiental a ser realizado somente à área diretamente afetada pelo empreendimento (art. 28, III), sendo que a legislação atual (Resolução CONAMA 001/1986) exige que seja também contemplada área geográfica a ser indiretamente afetada pelos impactos (área de influência do projeto abrange a área direta e indiretamente afetada).

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(11) É positiva a previsão da possibilidade de aproveitamento dos estudos já realizados, quando do exame de novos projetos a se localizar nas proximidades, cabendo à autoridade licenciadora definir o prazo de validade daqueles estudos (art. 34). (12) Não se prevê expressamente (art. 35), como faz a legislação vigente (Resolução CONAMA 237/1997, art. 11), a responsabilidade civil, penal e administrativa do empreendedor e profissionais que subscrevam os estudos ambientais pelas informações apresentadas. Ainda assim, chama-se a atenção para a existência destas três esferas de responsabilização, nos termos do previsto no artigo 14, § 1º, c/c artigo 3º, IV, da Lei 6.938/1981 (responsabilidade civil ambiental), no artigo 69-A da Lei 9.605/1998 (responsabilidade penal ambiental) e artigo 82 do Decreto 6.514/98 (responsabilidade administrativa ambiental).

(13) Não é exigida a publicação do pedido de licença ambiental, assim como limita-se a obrigatoriedade de publicação da aprovação, rejeição e renovação das licenças ambientais em diário oficial (art. 37). A legislação vigente exige a publicação dos pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão em “jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente” (art. 10, § 1º, Lei 6.938/1981).10 (14) Prevê-se a disponibilização na internet de todos os documentos integrantes do licenciamento ambiental, “cuja digitalização seja técnica e economicamente viável” (art. 38), dentre os quais os “documentos integrantes do EIA e o RIMA” (art. 38, III). É criticável o condicionamento desta divulgação ao que se chama de “digitalização economicamente viável”, dado que digitalizar e disponibilizar material impresso não parece representar grande custo, em especial se comparado com o custo total do projeto. Se o custo de digitalizar e disponibilizar documentos pode ser inviável economicamente, o empreendedor não deve possuir capacidade financeira para o empreendimento em si. Da mesma forma, em atendimento à Constituição Federal (art. 225, § 1º, IV), deve-se garantir a publicidade de todo o EIA (e não somente de documentos que o integrem).

No mesmo sentido, não se apresenta como obrigatória, embora seja de significativa relevância, a publicação na internet da descrição da motivação, ainda que com argumentos sucintos, por ocasião do ato de emissão da licença ou de indeferimento do pedido (art. 38, X).

Veja-se que a Lei Complementar 140 já havia promovido retrocesso sobre esta questão, vez que o parágrafo 1o do artigo 10 da Lei 6.938/1981, em sua redação anterior, exigia a referida publicação em jornais de grande circulação, além do diário oficial. 10

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(15) Ao dispor sobre o sigilo de determinadas informações (art. 40), não se exige a apresentação das razões que fundamentam a sua necessidade, como o faz a legislação vigente (Lei 10.650/2003). Além disso, o sigilo não é apresentado no texto do projeto de lei como exceção à regra geral de garantia de acesso público às informações ambientais (Lei 10.650/2003). (16) O projeto de lei exige a realização de pelo menos uma audiência pública (além da consulta pública via internet, prevista no art. 42) nos procedimentos de licenciamento ambiental ordinário, ou seja, naqueles em que se exige o EIA, em razão de sua capacidade de causar significativo impacto ambiental (art. 41). Trata-se de previsão que aperfeiçoa, quanto às hipóteses de incidência, a atual legislação sobre o tema (Resolução CONAMA 009/1987). Torna-se expressa a previsão de que a audiência pública deve preceder e condicionar a decisão sobre a concessão da licença prévia (arts. 16 e 41).

(17) Embora haja a previsão de ampla e prévia divulgação do documento convocatório da audiência pública (art. 41, § 3º), não são preestabelecidos prazos mínimos para a antecedência da convocação, bem como a prévia disponibilização do EIA e do RIMA. Além disso, restringe-se, indevidamente, a obrigatoriedade de manifestação expressa da autoridade licenciadora apenas a respeito das razões de acolhimento ou de rejeição das demandas apresentadas nas audiências e nas consultas públicas por cidadãos afetados pelo empreendimento – e não por todo e qualquer cidadão (art. 43, § 1º).

(18) Prevê-se a revogação do parágrafo único do artigo 67 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), suprimindo da legislação a forma culposa (mantendo-se somente a dolosa) do crime cometido por funcionário público ao conceder licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais (art. 58). Retrocesso na legislação que dispõe sobre licenciamento ambiental

Dentre as principais questões que evidenciam esta proposta de flexibilização da legislação ambiental brasileira, duas merecem destaque especial:

(1) A forma como se pretende estabelecer o licenciamento simplificado, com supressão de importantes etapas do licenciamento ambiental (LP, LI e LO) e concessão de licença única, representará a flexibilização das normas de avaliação ambiental prévia como regra (e não exceção) aplicável à maioria dos empreendimentos e atividades potencialmente poluidoras. Diz-se isso porque as regulares licenças ambientais (LP, LI e LO), e respectivas análises 10

realizadas para concessão de cada uma delas, somente serão exigidas nos casos de empreendimentos sujeitos à elaboração de EIA, ou seja, somente nos casos em que houver a capacidade de provocar significativa degradação do meio ambiente.

(2) Torna-se ainda mais reduzido o controle prévio de atividades potencialmente poluidoras em razão da possibilidade de dispensa de EIA nos casos em que, embora a atividade seja reconhecida como capaz de causar significativa degradação do meio ambiente, houver prévia AAE ou outro instrumento semelhante de avaliação ou de gestão territorial. Vê-se que tal dispensa não é compatível com a fundamentação constitucional de elaboração do EIA. É dever do Poder Público exigir EIA das atividades capazes de causar significativa degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV, CF/88). De tudo o que foi identificado no projeto de lei em referência, é possível afirmar que sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro representará importante enfraquecimento das regras que tratam do controle prévio de atividades potencialmente poluidoras, promovendo um retrocesso na legislação ambiental, em desrespeito à garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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ANEXO II NOTA TÉCNICA

Assunto: Projeto de lei 654/2015 No âmbito da Agenda Brasil, em setembro de 2015, foi apresentado pelo Senador Romero Jucá o Projeto de lei 654/2015, que cria o ‘licenciamento ambiental especial’, conceituado como o procedimento administrativo específico destinado a licenciar empreendimentos de infraestrutura estratégicos.

Por meio do referido projeto, pretende-se instituir um novo rito de licenciamento ambiental no país (célere) para determinados empreendimentos (os de infraestrutura considerados estratégicos) que estaria pautado nas seguintes orientações: - determina que sistema viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário, portos e instalações portuárias, energia e telecomunicações, além de outros que podem ser incluídos por decreto, são considerados como de infraestrutura estratégicos; - cria uma licença ambiental integrada, ao que parece, substituindo as licenças prévia e de instalação, para estes empreendimentos de infraestrutura estratégicos;

- prevê curtos prazos preclusivos ao longo do procedimento, estabelecendo em cada fase que a não manifestação dos órgãos e entidades públicos envolvidos importa aquiescência com o empreendimento que está sendo licenciado;

- dispõe sobre a formação de um comitê específico para cada empreendimento, composto pelos demais órgãos e entidades públicos envolvidos no licenciamento ambiental, que deverá manifestar-se sobre a elaboração do termo de referência, além de proceder às análises técnicas de sua competência (de acordo com os prazos estabelecidos no projeto de lei); - não prevê a possibilidade de modificação das condicionantes e das medidas de controle e adequação, suspensão ou cancelamento da licença ambiental, nos casos de superveniência de graves riscos ambientais e de saúde;

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- pretende assegurar o direito à informação por meio de um Programa de Comunicação Ambiental, executado pelo empreendedor.

O projeto de lei em discussão representa uma ofensa à garantia dos direitos difusos e sociais, podendo ser considerado um retrocesso em relação à evolução das normas ambientais que se vinha buscando desde a década 1970. Neste sentido, a seguir serão apresentados alguns pontos relevantes para a discussão deste projeto de lei. Atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de significativa degradação ambiental

De acordo com o texto do projeto de lei, o “empreendedor deverá elaborar EIA e RIMA para o empreendimento de infraestrutura estratégico que for considerado, pelo órgão licenciador, como potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente” (art. 10). No mesmo sentido, a Constituição Federal determina que o poder público possui o dever de “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (art. 225, § 1º, IV). Este artigo constitucional ainda não foi regulamentado por meio de lei. Seu regulamento ainda é a Resolução CONAMA 01/86, que define os empreendimentos e atividades considerados potencialmente causadores de significativa degradação ambiental. Não é de se estranhar que todas as obras descritas como ‘empreendimentos de infraestrutura estratégico’ estejam atualmente listadas como as que precisam realizar estudo prévio de impacto ambiental e seu respectivo relatório de impacto ao meio ambiente (EIA/RIMA), no curso de seu procedimento de licenciamento ambiental.

Inserido na Agenda Brasil, que se apresenta como uma tentativa de diminuição da “burocracia” para agilizar os investimentos, “o licenciamento ambiental é considerado o vilão do atraso dos investimentos que tanto necessita o país”, nas palavras do Senador Romero Jucá. Pretende-se estabelecer um procedimento célere, que andará independentemente da estrutura dos órgãos públicos envolvidos, de seu número de funcionários, da compatibilidade com outros prazos legais vigentes. Será um procedimento que não dependerá de manifestação dos órgãos competentes para ser concluído. Em um cenário de falta de investimento em capacitação da administração pública, em que determinados setores não acompanham as

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demandas, não é difícil imaginar que obras importantes poderiam ter sua licença concedida pela ausência de manifestação dos órgãos ambientais.

Os licenciamentos que envolvam a elaboração de EIA exigem complexas análises técnicas, inerentes aos empreendimentos considerados potencialmente causadores de significativa degradação, que não é compatível com este tipo de procedimento que se pretende com o projeto de lei. Basta analisar os prazos apresentados pelo projeto: - o empreendedor terá 60 (sessenta) dias para apresentar as certidões, anuências, licenças e documentos de sua responsabilidade exigidos no termo de referência, o que inclui os estudos ambientais;

- apresentados estes documentos, o órgão licenciador possui iguais 60 (sessenta) dias para analisá-los. Repita-se, uma obra – ou empreendimento – que dependa da realização de EIA/RIMA é absolutamente incompatível com tais prazos.

Não parece, contudo, que tenha sido um descuido do legislador prever um procedimento simplificado para as obras ou empreendimentos mais complexos. Ao contrário, pretende-se justamente instituir um procedimento simplificado para os licenciamentos que mais demoram por conta da complexidade. Há, desta forma, uma evidente inconstitucionalidade ao prever procedimento simplificado para empreendimentos e obras que podem causar significativa degradação, por ofensa ao art. 225, § 1º, IV, dentre outros dispositivos. Não se pode esquecer que há um movimento articulado de alteração da legislação ambiental, que poderá excluir os empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos do rol dos que são considerados potencialmente causadores de significativa degradação ambiental. Igualmente, neste caso deverá ser analisada a inconstitucionalidade, haja vista que o conceito constitucional de ‘potencial causador de significativa degradação ambiental’ é técnico – e não político. Não é determinado pelo que se considera importante pelo atual governo, mas o que poderá provocar graves impactos socioambientais. Participação popular e acesso à informação

O projeto de lei dedica seu capítulo IV ao direito à informação, alegando dar cumprimento à Lei 10.650/03, que trata do princípio da publicidade e do acesso à informação, ao instituir o Programa de Comunicação Ambiental. 14

Sendo “executado pelo empreendedor, sob orientação do órgão licenciador”, o referido programa terá início após a apresentação do termo de referência e terá duração mínima de 30 (trinta) dias. Ainda, “[d]urante a sua execução, o Programa de Comunicação Ambiental deverá dispor de estrutura física na área de influência direta do empreendimento de infraestrutura para receber críticas, sugestões e demandas de esclarecimentos, as quais serão respondidas e consolidadas em relatório a ser encaminhado ao órgão licenciador”.

Sem qualquer menção à realização de audiência pública, principalmente em se tratando de casos que exigem a elaboração de EIA/RIMA, conforme dispõem as Resoluções 01/86, 09/87 e 237/97 do CONAMA, pressupõe-se que o Programa de Comunicação Ambiental venha substituí-la como instrumento de participação da população no procedimento de licenciamento ambiental. Algumas considerações e preocupações devem ser expostas no que concerne à efetividade deste novo programa em garantir o efetivo acesso à informação e a participação popular. Segundo o texto do projeto de lei, o programa deverá ser executado após a publicação do termo de referência. No entanto, não especifica um prazo a ser observado pelo empreendedor para dar início à execução, bem como não explicita se a realização do programa será condicionante para a concessão de licença (como ocorre hoje quando não é realizada audiência pública) ou mesmo se o empreendedor poderá iniciar as obras referentes ao empreendimento durante sua execução. Essas questões sugerem uma eventual violação aos princípios da prevenção e da participação popular no processo de licenciamento. Ademais, o projeto de lei estipula a duração mínima de 30 (trinta) dias para o programa e a obrigatoriedade da disposição, nesse tempo, de uma estrutura física para o atendimento aos interessados. A princípio, tais estipulações podem parecer uma solução à discussão em torno da marcação de uma data para a realização de audiências públicas. Contudo, a disposição para atendimento ao público diferida no tempo prejudica o debate produtivo entre os diferentes setores da sociedade civil interessados, diminuindo ainda o poder de voz e visibilidade das parcelas mais vulneráveis da população. Conclusão

Como se pode perceber, visando à celeridade do procedimento de licenciamento ambiental, o projeto de lei em questão atropela princípios basilares do Direito Ambiental, dentre os quais se destacam o da prevenção, da participação popular e do acesso à informação. Da mesma forma, agride-se o Princípio 10 da Declaração do Rio, que determina ao Poder 15

Público o fornecimento de informações que possibilitem a participação popular no processo de tomada de decisões ambientais.

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ANEXO III PETIÇÃO PÚBLICA SOBRE A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 65/2012 No último dia 27 de abril, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 65/2012 (PEC 65/12) que pretende acrescentar um parágrafo ao artigo 225 do texto constitucional com a seguinte redação: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”.

A alteração constitucional pretendida tem como consequência desmontar o sistema de licenciamento ambiental brasileiro, constituído desde a década de 1970, baseado nos princípios da prevenção e precaução. É por meio do licenciamento, com base em estudos ambientais, que o órgão ou entidade ambiental competente avalia previamente a adequação ambiental do projeto proposto à legislação e o aprova, ou não. Nos termos da PEC 65/12, com a mera apresentação do estudo prévio de impacto ambiental (EIA), elaborado pelo empreendedor, a obra poderá ser executada, sem que haja uma avaliação prévia por parte do órgão ambiental competente. O texto, além de não ser claro (ele afirma, por exemplo, que a obra não pode ser suspensa ou cancelada “pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”), contraria frontalmente toda legislação relativa aos instrumentos de controle ambiental. A justificativa apresentada pelo Senador Acir Gurcacz, do PDT/RO, em 2012, menciona obras que, após iniciadas, são paralisadas por decisões judiciais, o que representaria desperdício de tempo e “recursos públicos vultosos, em flagrante desrespeito à vontade da população, à soberania popular, que consagrara, em urnas, um programa de governo, e com ele, suas obras e ações essenciais”.

O parecer do Senador Blairo Maggi, relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, ressalta que a mesma busca dar segurança jurídica à execução de obras públicas. Segundo o Relator, “certo é que há casos em que ocorrem interrupções de obras essenciais ao desenvolvimento nacional e estratégicas ao País em razão de decisões judiciais de natureza 17

cautelar ou liminar, muitas vezes protelatórias”. O parecer conclui que a PEC não pretende afastar a exigência do licenciamento ambiental ou da apresentação de EIA e que, por isso, não afeta o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nas justificativas apresentadas, argumenta-se com a primazia da celeridade e segurança jurídica.

Ao contrário do alegado pelo Relator, a PEC 65/12 acaba com a finalidade do licenciamento ambiental permitindo que as obras sejam feitas à custa de direitos difusos, sociais, territoriais de comunidades tradicionais, além da própria viabilidade ambiental da obra. Existe algo mais inseguro, inclusive do ponto de vista jurídico, que autorizar uma obra que elimine biodiversidade protegida, comprometa qualidade dos recursos hídricos ou seja incompatível com a coexistência de grupos tradicionais? Voltaríamos aos anos 1970, quando inúmeras tragédias ambientais ocorreram devido à inexistência de um sistema de licenciamento ambiental e reforçaríamos a possibilidade de novas tragédias, decorrentes de procedimentos conduzidos em desacordo com as normas ambientais. O relatório afirma, em diversos momentos, que o foco da PEC 65/12 é evitar decisões judiciais que paralisem obras iniciadas. Com essa medida, se estaria impedindo (ou dificultando) a manifestação do Poder Judiciário. Nada menos republicano. Ressalta-se, ainda, incongruência entre o texto da PEC, sua ementa e as justificativas apresentadas pelo autor e pelo relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça. Ela se aplicaria apenas a obras públicas ou também a obras privadas?

Infelizmente, esta não é a única ofensiva em curso contra a legislação ambiental. Um dos primeiros alvos foi a legislação florestal, totalmente desfigurada pela aprovação de um Código que atende prioritariamente a interesses do setor agropecuário. A PEC 65/12, ao tramitar velozmente em um momento político conturbado, pretende transformar o procedimento de licenciamento ambiental em um rito burocrático, sem participação, sem prévia análise de eventuais danos ambientais e sem contraditório. Isto posto e,

CONSIDERANDO que a PEC 65/2012 afronta o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e outros direitos fundamentais, como o acesso à Justiça – cláusulas pétreas da Constituição Federal; CONSIDERANDO que a precaução, prevenção e proibição do retrocesso são princípios fundamentais do Direito Ambiental;

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CONSIDERANDO que a Constituição Federal estabelece a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, VI);

CONSIDERANDO que o estudo prévio de impacto ambiental é um dos principais instrumentos de defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado; CONSIDERANDO que a manutenção de um marco legal robusto para preservação ambiental é absolutamente compatível com o desenvolvimento econômico,

O Grupo de Estudos de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio (NIMA Jur) manifesta o seu veemente repúdio à PEC 65/2012 e convida a sociedade a se manifestar em defesa do patrimônio ambiental do País, por ela tão forte e diretamente ameaçado.

As instituições e grupos listados abaixo manifestam o seu veemente repúdio à PEC 65/2012 e convidam a sociedade a se manifestar em defesa do patrimônio ambiental do País, por ela tão forte e diretamente ameaçado. Grupo de Estudos de Direito Ambiental do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio (NIMA-Jur) Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB Associação de Moradores do Alto Gávea

Associação de Amigos do Museu da Cidade do Rio de Janeiro

Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente e PECMA no DF (Asibama-DF) Grupo de Pesquisas Direito e Meio Ambiente nas Cidades (Direito/UFMG) Fórum da Amazônia Oriental – FAOR

Grupo de Estudos em Meio Ambiente e Direito (GEMADI/UFF)

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