A POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE NOS GOVERNOS JÂNIO QUADROS E JOÃO GOULART: ANÁLISE COMPARATIVA COM O GOVERNO LULA DA SILVA

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V Semana Acadêmica de Relações Internacionais da UFPB De 03 a 07 de outubro de 2016

A POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE NOS GOVERNOS JÂNIO QUADROS E JOÃO GOULART: ANÁLISE COMPARATIVA COM O GOVERNO LULA DA SILVA

Ana Raphaela de M. Florêncio Universidade Estadual da Paraíba [email protected]

Henrique Altemani de Oliveira Universidade Estadual da Paraíba [email protected]

João Pessoa 2016

A Política Externa Independente nos Governos Jânio Quadros e João Goulart: Análise Comparativa com o Governo Lula da Silva

Ana Raphaela de M. Florêncio1

RESUMO

A Política Externa Independente (PEI) tem suas raízes desde os anos 30, no primeiro Governo Vargas, com o nacional-desenvolvimentismo como fio condutor da política externa do Brasil. Desde então, a diversificação de parceiros comerciais, desvinculação de ideologias das grandes potências já eram vistas nas políticas anteriores e que foram aspectos fundamentais na Política Externa Independente iniciada em 1961. Este artigo faz através de artigos e livros uma retrospectiva dos antecedentes da PEI, elenca os principais feitos, fatores e características que levou a PEI ao seu apogeu nos governos Quadros e Goulart, nas relações com Cuba, América Latina e África. Da mesma forma identifica os meios que a política externa no primeiro governo Lula utilizou para ter sucesso na comunidade internacional, através de análises das relações com a América do Sul e a África, por fim, faz uma análise comparativa de ambas as épocas.

Palavras-chave: Política Externa Independente; Governo Jânio Quadros; Governo João Goulart; Governo Lula.

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Estudante de Bacharelado em Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. [email protected].

1. INTRODUÇÃO A Política Externa do Brasil passa por várias fases, e sempre tudo depende do contexto mundial em que se vive, porém, algumas características são perenes e são notadas e muitas épocas, como por exemplo a política nacional-desenvolvimentista que iniciou nos anos 30 com o primeiro Governo Vargas e permaneceu até os anos 80, com o Governo Sarney. Com o passar do tempo, Primeira e Segunda Guerras, além do contexto da Guerra Fria quando o mundo ficou polarizado entre o Mundo Capitalista (EUA) e o Mundo Comunista (URSS), o Brasil como se localiza na América, natural área de influência dos Estados Unidos, viu-se dividida entre permanecer fiel aos EUA, mas sem ter atenção ou prestígio, e abrir suas relações com a URSS e obter investimentos e superação do subdesenvolvimento. Com divergências de políticas entre atores nacionais e internacionais, tendo que agradar os políticos internos sobre qual decisão tomar e frente a pressões políticas internacionais da conjuntura da época, o Brasil viu-se na necessidade de desenvolver uma Política Externa Independente que na ideia conseguiria equilibrar os interesses internos sem perder seu principal aliado internacional. Assim o Brasil não era mais totalmente dependente dos EUA, tendo em vista que diversificou seus parceiros econômicos e políticos por todo o globo e procurou meios de manter as antigas relações, esse tipo de política pode ser notado em diferentes tempos, tanto em 1961 com Jânio Quadros quanto em 2003 com a política de média potência orquestrada no Governo Lula da Silva. 2. CONTEXTO HISTÓRICO Desde os anos 30, com Getúlio Vargas como presidente, até o fim da ditadura militar, com resquícios ainda nos anos 80, a pauta do eixo central da política externa do Brasil passou a ser o nacional-desenvolvimentismo. Manzur (2014) pautada na obra de Gerson Moura entende o nacional-desenvolvimentismo como “(...) a busca do desenvolvimento interno pela via da política externa (Manzur, 2014, p.172)”. Essa via da política externa procura “(...) os meios para se viabilizar a suplantação ou a eliminação dos obstáculos ao desenvolvimento, ou ao menos para a superação do subdesenvolvimento (idem)”. Vargas no período de 1935 a 1942 buscou relativa autonomia na dependência, ou seja, o Brasil buscou uma autonomia decisória, procurando uma diversificação no que cabia ao comércio brasileiro e as relações políticas e estratégicas, tendo em vista que o Brasil não detinha base de poder. Dominada pela exportação do café, a diversificação comercial e aplicação do nacional-desenvolvimentismo, especialmente até o início da Segunda Guerra Mundial, já era

evidente na política externa adotada pelo Rio Branco 2. Ficando entre os EUA e a Alemanha, as lideranças políticas do Brasil decidiram pelos EUA, porém não antes de garantir que seria de bom proveito para a implementação de indústria de base no Brasil e modernização das Forças Armadas nacionais (Manzur, 2009 apud Manzur 2014, p. 173). Desse modo o Brasil viu-se no dever de ceder as bases navais de Natal e Fortaleza para os EUA, o que facilitou a defesa do Atlântico e a invasão da África do Norte. Após o ataque a Pearl Harbor, o Brasil decidiu cortar relações com as potências do Eixo e declarou guerra ao Eixo quando houveram os afundamentos aos navios brasileiros. Com a retirada de Vargas do poder, as esperanças de que uma nova etapa das relações com os EUA seria alcançada, pelo fato de ter lutado ao seu lado na guerra e ter cedido território nacional como base de atuação norte-americana. “A era Vargas transformara a face do país e a crise dos trinta levara a um processo de substituição de importações, que culminara com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (Ligiéro, 2011, p. 21)”. Com o fim da Segunda Guerra os EUA estavam preocupados com a disseminação da influência comunista que os soviéticos ameaçavam. Para impedir o avanço da ideologia comunista, os EUA tomaram várias iniciativas a fim de criar, o que Manzur (2014) chama de um escudo anticomunista na Europa, mas que teve reflexo para o resto do mundo, a partir do Plano Marshall, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Doutrina Truman. A tremenda preocupação estadunidense em parar o comunismo e grande apoio militar e econômico resultou de um descuido de seu aliado regional, a América Latina. O Governo Dutra (1946-1950), era conservador, preferia as relações com os Estados Unidos através da abertura comercial, o que gerou o fim do não uso excessivo das reservas nacionais, e levou ao rompimento das relações com a URSS e com a República Popular da China quando essa se declarou comunista e a ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro. Militarmente, houve a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) que tinha como base a Doutrina da Defesa Hemisférica e seu princípio diz que um ataque contra um Estado membro é considerado um ataque a todos. O TIAR foi proposto em 1947, no Rio de Janeiro e entrou em vigor em 1948, o tratado que contava com ajuda estratégica militar dos

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Diplomata brasileiro que atuou entre os anos de 1902 e 1912. “Rio Branco considerava as Américas um condomínio, em que o Brasil exerceria influência sobre a América do Sul, enquanto os Estados Unidos controlariam a América Central e o Caribe10. Sua política, além das considerações geopolíticas, refletiu uma dependência do mercado norte-americano para as exportações de café, ao mesmo tempo em que a Grã-Bretanha continuou a ser o credor tradicional e o país sofria ameaças da Argentina, coligada com outros países do continente (Ligiéro, 2011, p. 18).

EUA a todos os países da América. Economicamente houve uma abertura comercial que acabou por esgotar as reservas brasileiras, de modo a ter uma relação com a superpotência ocidental. Mesmo com essas iniciativas brasileiras os investimentos que foram esperados pelos Estados Unidos para os países sul-americanos não foi chegou a região e o sentimento contrário à vinculação aos EUA foi alimentado em toda a América do Sul (Ligiéro, 2011, p. 22 e Manzur, 2014, p. 176). Voltando ao governo através do voto popular, Vargas encontra o país nesse cenário de insatisfação nacional e regional, diferentemente de Dutra, procurou uma certa resistência aos EUA. O populismo que foi característico do período Vargas fez com que surgisse correntes nacionais com opiniões acerca da forma como o Brasil deveria se inserir no cenário internacional. Entreguistas e Nacionalistas divergiam em como o Brasil deveria agir frente aos Estados Unidos e como superar o subdesenvolvimento. O primeiro por sua vez, acreditava que o país deveria abrir a economia nacional ao capital externo, e que só desse modo o Brasil teria como superar o subdesenvolvimento; enquanto os nacionalistas viam a abertura comercial irrestrita como uma porta de entrada para a intromissão estadunidense em assuntos internos, além da crescente dependência. Vargas buscou apoiar a Comissão Mista para o Desenvolvimento Econômico3, acreditando que conseguiria financiamento de agências financeiras internacionais para seus projetos de desenvolvimento nos setores de transporte, distribuição e energia. Sem sucesso em como gerir as ideias dos dois lados e tomando uma política externa que não agradou a ambos foi uma das causas da queda do governo (Ligiéro, 2011, p. 23 e Manzur, 2014, p. 177-179). Quando Juscelino Kubitschek assumiu a presidência, o sentimento anti-ianque foi se tornando cada vez mais forte no país e foi nesse governo que o nacional-desenvolvimentismo foi melhor notado, sendo explicitamente adotado como fundamento da política externa. Buscou-se investimento externo e soluções para problemas nacionais eram buscados externamente, Kubitscheck procurou fazer uma convivência entre o alinhamento com os EUA, através do crescimento industrial e o nacionalismo. Mesmo focando no desenvolvimento econômico do país, principalmente através das indústrias com o financiamento estrangeiro, Kubitscheck buscou não descuidar da cooperação internacional de modo a não ficar muito dependente com o desenvolvimento nacional (Manzur, 2014, p. 179-180).

“A Comissão Mista foi criada para equacionar os problemas e formular projetos de desenvolvimento nos setores de transporte, distribuição e energia (Ligiéro, 2011, p.23). 3

Sentindo-se frustrada por ter recebido menos de 2% da ajuda estadunidense ao mundo, a América Latina pretendia que a questão do desenvolvimento fosse atacada de forma mais efetiva, compartilhando desse mesmo sentimento, o presidente Juscelino Kubitscheck lançou a proposta brasileira da Operação Pan-Americana (OPA), em maio de 1958, que pretendia solucionar problemas sociais, políticos e econômicos da região latina, buscava obter também, maior cooperação e coordenação entre os países latino-americanos, uma maior cooperação internacional e maior importância da região na Sociedade Internacional, visando retomar e modernizar a prática do alinhamento com os EUA. A OPA significou uma grande mudança na política externa do Brasil, representava o início da integração ao continente, multilaterização da política externa e uma maior independência em relação aos EUA (Ligiéro, 2011, p.27) tendo em vista que reestabeleceu relações com a URSS através de um acordo assinado em 1959 (Ligiéro, 2011, p. 26-27 e Manzur, 2014, p. 180). A iniciativa teve uma repercussão muito positiva nos países da América Latina, porém não chegou a convencer o presidente dos EUA. Essa reação dos Estados Unidos mudou com a revolução cubana em 1959, a ameaça comunista estava realmente instaurada na América Latina. “Com isso, realçou-se para os norte-americanos a necessidade de recorrer à noção de segurança coletiva com base na solidariedade continental, a fim de não permitir que em seus “quintais” se promovesse o avanço tão evidente da ideologia soviética (Manzur, 2014, p. 181). ” A Operação Pan-Americana, começou a obter sucessos parciais com a criação do Banco Interamericano do Desenvolvimento, Plano Eisenhower (1960) que tratava de uma ajuda de US$ 500 milhões de ajuda à América Latina, Tratado de Montevidéu, que criou a Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), além de estabelecer instituições internacionais para evitar oscilações dos preços de matérias-primas (Ligiéro, 2011, p. 27-28). A política externa brasileira a partir de 1960 começou a defender nas Nações Unidas a pluralidade ideológica e através do Chanceler Horácio Lafer o termo “coexistência pacífica” foram as bases iniciais para a Política Externa Independente (PEI) que seria iniciada no ano de 1961 com o governo de Jânio Quadros (Ligiéro, 2011, p. 26-27). A PEI já vinha sido sugerida em governos anteriores, nota-se a partir do nacional-desenvolvimentismo que foi o fio condutor da política externa do Brasil desde 1930, diversificação de parceiros comerciais principalmente nos anos entre 1955 e 1960, a desvinculação de ideologias das grandes potências, essas já eram características vistas nas políticas anteriores que são aspectos fundamentais na Política Externa Independente iniciada em 1961 (Manzur, 2014, p.181-182).

3. POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE (1961-1964) A Política Externa Independente (PEI) foi proposta pelo Jânio Quadros, em 1961, no Congresso Nacional. Baseada no nacional-desenvolvimentismo, seu objetivo principal era projetar a liderança política que o Brasil tinha no hemisfério sul, para Jânio, o Brasil representava uma nova força que era preparada para sustentar o jogo mundial no que cabia ao potencial econômico e humano que o país representava. O principal elemento da PEI era a independência do Brasil em relação aos EUA, de acordo com Vizentini (2004), Bueno (2002) e Altemani (2005), Leite (2011) expõe que os princípios adotados foram de: universalização, autonomia e ação isenta de constrangimento ideológico, a partir desses princípios, tinha-se como ambição (Leite, 2011, p. 83; Ligiéro, 2011, p. 75-77 e Manzur, 2014, p.182-185). (...) a ampliação das relações internacionais do Brasil com objetivos comerciais; a persecução da paz, por meio da coexistência pacífica e do desarmamento geral e progressivo; a defesa da não intervenção, da autodeterminação dos povos e do primado do Direito; e o apoio ao desenvolvimento (Leite, 2011, p. 83).

Jânio Quadros abrindo as relações diplomáticas e comerciais com os Estados, independente de ideologia não neutralizou a política brasileira, o que ocorreu foi um jogo de interesse que o projetava como líder no Sul, fazendo com que o país acreditasse que viesse a ter privilégios com os EUA, isso indica que mesmo procurando diversificação de seus parceiros econômicos, o Brasil mantinha sua tradicional opção pelo líder ocidental. A PEI foi criada em um mundo bipolar e foi a partir dessa divisão que o Brasil buscou tirar vantagens, mas sem esquecer do princípio da autodeterminação dos povos que consistia na independência dos países o Sul, mas principalmente a independência do Brasil para poder ter diversificados parceiros econômicos e diplomáticos. Vale salientar que toda fundamentação do Governo Quadros foi base para a política exterior brasileira no Governo Goulart. Os pontos principais da Política Externa Independente do governo Quadros foram expostos no Congresso Nacional em 15 pontos: 1– Respeito aos compromissos e à posição tradicional do Brasil no mundo livre; 2– ampliação dos contatos com todos os países, inclusive os do mundo socialista; 3– contribuição constante e objetiva à redução das tensões internacionais quer no plano regional quer no mundial; 4– expansão do comércio externo brasileiro; 5– apoio decidido ao anticolonialismo; 6– luta contra o subdesenvolvimento econômico; 7– incremento das relações com a Europa em todos os planos; 8– reconhecimento e atribuição da devida importância aos interesses e aspirações comuns ao Brasil e às Nações da África e da Ásia; 9– estabelecimento e estreitamento de relações com os Estados africanos; 10– fidelidade ao sistema interamericano; 11– continuidade e intensificação da Operação Pan-Americana; 12– apoio constante ao programa da Associação do Livre Comércio Latino-Americano; 13– a mais íntima e completa colaboração com as Repúblicas irmãs da América Latina em todos os planos; 14– relações de sincera colaboração com os Estados Unidos, em defesa do progresso

democrático e social das Américas; 15– apoio decidido e ativo à Organização das Nações Unidas para que ela se constitua na garantia efetiva e incontestável da paz internacional e da justiça econômica (Quadros, 1961 apud Ligiéro 2011, p. 77) .

3.1. Cuba A partir disso, a política externa em relação à Cuba defendia a não intervenção nos territórios nacionais cubanos, a integridade política de Cuba, bem como a sua luta por emancipação econômica e afirmação nacional e do desenvolvimento interno do Estado cubano (Manzur, 2014, p. 185). Antes mesmo de assumir o cargo de presidente, Jânio Quadros já mantinha relações com Havana e foi visitar a capital cubana em resposta ao convite do Fidel Castro, após a visita Jânio declarou que hostilizar Cuba no continente americano só iria fazer com ela viesse a procurar ajuda fora do hemisfério ocidental, portanto defendia a ideia de ajudar Cuba e não a rechaçar (Leite, 2011, p. 93-94). O Presidente Quadros em uma carta enviada a Fidel elogiava o anti-imperialismo adotado na ilha, mas estimulava o abandono à influência da URSS, alegou também que o comunismo era estranho à América Latina e que se tornasse neutra em relação aos Estados Unidos e aberta aos soviéticos, porém sem aliança formal (Leite, 2011, p. 94). Quadros não aceitou o convite dos EUA, juntamente com o México e a Argentina, quando este propôs a participação militar brasileira numa intervenção militar em Cuba para afastar a influência comunista, declarou ainda que se viesse a ter uma reunião na Organização dos Estados Americanos (OEA) se declararia contra quaisquer medidas que violassem o direito de autodeterminação do povo cubano (Ligiéro, 2011, p. 114). A invasão da Baía dos Porcos então, não foi um sucesso, e isso levantou várias reuniões na OEA e pedidos de investigação na ONU. Na VIII Reunião de Consulta doa Chanceleres da OEA, o Brasil e mais 5 países se abstiveram da proposta estadunidense de excluir Cuba da OEA, foi então que o Brasil invocou os três princípios do pan-americanismo: “a não intervenção, a democracia e a segurança coletiva (Ligiéro, 2011, p. 116)”. Ligiéro (2011) conclui que a relação do Brasil à Cuba pode ser declarada na busca do equilíbrio entre a defesa do regime democrático e a luta pela preservação da integridade continental (Leite, 2011, p. 95 e Ligiéro, 2011, p. 115-116). No Governo Goulart a situação tornou-se pior, com a imprensa brasileira publicando notas de ex-chanceleres brasileiros a favor da expulsão de Cuba, para tentar reverter tal situação no cenário interno, o Chanceler San Tiago Dantas teve que expor suas argumentações ao público, em rede nacional de rádio e TV e depois na Câmara dos Deputados, recebendo duras críticas. Mesmo não gostando dos rumos políticos e ideológicos de Cuba, Goulart também não

aceitava a intromissão de um Estado em assuntos internos de outro, e cada vez mais volumosa a oposição na contrabalança, mesmo com apoio de alguns segmentos sociais, o governo era criticado pelo afastamento da diplomacia do Brasil da estadunidense, eles viam o apoio à Cuba como uma tentativa de trazer o comunismo para o Brasil (Leite, 2011, p. 97 e Ligiéro, 2011, p. 116). Meses mais tarde da VIII Reunião de Consulta de Ministro das Relações Exteriores Americanos da OEA, surgiu a crise dos mísseis. A partir de fotos feitas por satélites estadunidenses, constatou-se a existência de mísseis soviéticos e movimentação de tropas do Exército Vermelho na ilha cubana, tal fato seria uma resposta a implantação de mísseis balísticos na Turquia por parte dos Estados Unidos. Kennedy, presidente dos EUA, pediu ajuda do Brasil que em resposta considerou legítimo o armamento defensivo de Cuba, mas não compactuava com o armamento ofensivo, aprovando então o bloqueio naval da ilha e inspeção de navios que se dirigiam a ele, porém não apoiou o fato de haver uma intervenção militar. Como consequência e através da ONU foi pedido por Cuba que o Brasil e o México mediassem a crise, o que levantou mais críticas e mais preocupações com os rumores de antiamericanismo e o comunismo no Brasil. Tais críticas foram reduzidas após a solução da crise (Ligiéro, 2011, p. 116-118 e Manzur, 2014, p. 187-188).

3.2. América Latina No que cabe à América Latina, durante o período Quadros, as relações com Chile, Peru e Paraguai foram mais intensas, mas o grande parceiro na região foi a Argentina. Com o Chile foi firmado uma Declaração Conjunta que reafirmava os princípios de autodeterminação dos povos e da não intervenção, além da defesa do regime democrático representativo, e acordos econômicos no que tange à importação de produtos naturais e livre conversão do câmbio. O Peru por sua vez, firmou com o Brasil a construção de uma da BR-029 que liga o Acre ao Peru e também acesso ao porto livre em Callao para escoamento dos produtos brasileiros ao Pacífico. Já o Paraguai acordou uma cooperação para uso pacífico de energia atômica (Leite, 2011, p. 87-88). Em Goulart, todas essas visitas foram retribuídas e o presidente brasileiro foi recebido com muito carinho, sendo aclamado nas ruas do Chile, pessoas gritavam “Viva Jango!”. Entretanto a visita do Goulart ao Paraguai foi alvo de críticas negativas de jornais brasileiros de esquerda, mas a visita rendeu um acordo para estudos preliminares sobre a construção de uma hidrelétrica na região de Saltos de Guairá. Foi ainda com Jango que uma Declaração Conjunta entre Brasil, Bolívia, Chile, Equador e México comprometia aos Estados a não

fabricar, receber, armazenar ou ensaiar armas nucleares ou artefatos de lançamento nuclear, tal acordo foi uma iniciativa brasileira com receio que após testes nucleares feitos nos EUA, URSS e França viesse a envolver a região Latina (Leite, 2011, p. 92-93 e Ligiéro, 2011. p. 112-113). A ALALC por sua vez se “converteu em um instrumento de coordenação comercial que transcenderia o plano regional ao buscar tratamento igualitário para acesso aos mercados dos países desenvolvidos de produtos básicos e manufaturados e produzidos na região (Leite, 2011, p. 92). A Argentina, portanto, era vista como um grande parceiro estratégico na região, fazendo a ideia de ligação, mas não somente a união de dois Estados, mas a multiplicação de forças. Em 1961, Jânio e o presidente argentino Arturo Frondizi se reuniram na cidade de Uruguaiana para firmar declarações conjuntas, sendo elas A primeira complementou convênio cultural firmado dois anos antes em Buenos Aires. A segunda estabeleceu Comissão Mista, com o mandato de explorar mecanismos de expansão do comércio recíproco e diversificação da pauta exportadora. Na terceira declaração, de cunho eminentemente político, os governantes manifestaram decisão de orientar a sua política externa em função da condição sulamericana, e de acordo com as responsabilidades continentais assumidas (Leite, 2011, p. 89).

E também rechaçavam qualquer interferência de fora nos assuntos do hemisfério. Reconheceram o princípio da não intervenção, autodeterminação dos povos, direito do desenvolvimento e uma ação conjunta e coordenada para executar os postulados da Operação Pan-Americana e Aliança para o Progresso. E fizeram uma série de declarações de formas como superar o subdesenvolvimento através da cooperação bilateral (idem). No Governo Goulart, as premissas de Uruguaiana foram mantidas quando o presidente brasileiro encontrou com o presidente argentino no aeroporto do Galeão, quando o último estava em viagem para os Estados Unidos. Sobre a Conferência de Punta del Este, da OEA, o Brasil e a Argentina se encontraram anteriormente e firmaram uma Declaração Conjunta de 11 pontos relativas à ordem internacional e cooperação em diversas áreas entre os dois países. Mesmo havendo uma diminuição da cooperação bilateral com a queda do presidente Frondizi, as relações se reaproximaram depois da eleição de Arturo Illia, em 1963.

3.3. África O Brasil através da PEI, fundamentou sua aproximação com a África a partir das afinidades culturais, tendo em vista a formação sócio histórica do Brasil, e não por vias de uma política de assistência econômica e técnica porquê o discurso dúbio que o Brasil fazia em relação à África os bloqueou pelo contato político, tal discurso era percebida em relação ao

apoio da independência dos países africanos para não prejudicar as relações coloniais com a França e Portugal. Entretanto, quando um país africano selava sua independência, o Brasil era uma das primeiras nações a afirmar e reconhecer esses novos Estados. O Brasil acreditava que a afirmação de afinidades culturais faria do país o interlocutor do continente em foros internacionais, mesmo com esse discurso em defesa dos africanos, na prática a ambiguidade do Brasil os prejudicou na relação de interlocutor. (Ligiéro, 2011, p. 119-120 e Manzur, 2014, p. 185-186). Entre as políticas aplicadas nos Governos Quadros e Goulart pode-se notar uma mudança na política africana, embora se assemelhassem no interesse de aproximação entre o Brasil e a África, o Governo Quadros avançou na adoção de medidas, porém no Governo Goulart não se destaca grandes feitos. Enquanto o período Quadros priorizou questões políticas e de segurança, Goulart voltou-se para a economia e ação internacional em prol da economia. O governo brasileiro então buscou firmar acordos internacionais com os africanos, centrados em produtos de base e apoiou a criação da Aliança dos Países Produtores de Cacau e a Organização Internacional do Café. Internamente a aproximação com a África, em processo de descolonização e com várias nações tomando o aspecto socialista, críticas vindas da União Democrática Nacional dizia que o país estava se levando por uma “aventura negativa”, e a Escola Superior de Guerra afirmava que o Brasil e conjunto com os EUA deveria ter uma presença na costa africana (Manzur, 2014, p. 173 e 175 e Leite, 2011, p. 102-105).

4. POLÍTICA EXTERNA NO GOVERNO LULA (2003-2006) Após o fim da Guerra Fria a ordem internacional se tornou mais complexa, sem um consenso de como se caracteriza esse momento, particularmente no que tange à distribuição de poder, se unipolar, multipolar ou ambas as configurações e uma combinação. A agenda internacional, no entanto, passa a dar maior importância aos direitos humanos, segurança, meio ambiente e livre comércio. No que que cabe às ideologias, cada país lida com essas questões, levando à uma modificação nas políticas externas, principalmente no que cabe à autonomia. Trazendo para o contexto nacional, autonomia passou a ser um Brasil mais ativo na agenda multilateral, o multilateralismo na política externa do Brasil, por sua vez é uma característica constante desde o Governo Collor, em 1990, o que faz a diferença no governo Lula é que buscou fazer uma nova leitura tanto da ordem mundial quanto da participação do Brasil nessa ordem (Leite, 2011, p. 162-163). Outra característica da política externa brasileira que se pode considerar constante é o regionalismo que vem desde o Governo Sarney, na década de 80, a regionalização foi traduzida

em acordos regionais de distintos estágios de integração econômica, ligada à abertura de mercados. Diferentemente do que se viu na economia da época da Política Externa Independente (1961-1964), a economia deixou de ser estática e protecionista e passou a intensificar os fluxos de bens, serviços, capitais e investimento direto estrangeiro, pois houve uma necessidade se adaptar aos desafios da globalização. O regionalismo na América do Sul não é apenas respaldado na economia, mas também em questões políticas, desse modo pode-se assegurar um ambiente cooperativo e democrático permitindo que as ações regionais se tornem mais coordenadas no âmbito internacional (Leite, 2011, p. 164). A criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) era prioridade da política regional brasileira, assim como a cooperação com cabe em energia, transporte e comunicação. Uma outra preocupação do Brasil se dava sobre a estabilização econômica e almejando isso, o país tomou medidas neoliberais a partir do Consenso de Washington, como privatização, responsabilidade fiscal, as medidas estabelecidas no Consenso fazia parte de um processo a fim de reabilitar a economia brasileira junto aos credores internacionais (Leite, 2011, p. 165). Desse modo o país passou a acumular déficits comerciais e contraindo crescentes empréstimos financeiros para fechar o balanço de pagamento. A prioridade bilateral era com os países desenvolvidos, particularmente com os EUA, União Europeia (UE) e Japão, a partir do Governo Cardoso, as negociações comerciais se deram a partir da Área de Livre-Comércio (ALCA) – antiga ALALC e do Mercosul-EU em conjunto com a Organização Mundial do Comércio (OMC), essas três plataformas eram a base da diplomacia comercial brasileira. Objetivo iniciado entre 1990-2002, após a saída de uma ditadura militar, instabilidade econômica e política além da adoção de nova moeda, o Brasil precisava restaurar sua imagem na Comunidade Internacional, para isso viagens presidenciais foram utilizadas como forma de promover o Estado como um país economicamente estável e com a democracia firme (Leite, 2011, p. 165-166). No primeiro Governo Lula essas tendências de restauração de imagem e maior participação no cenário regional e internacional foram mantidas, a América do Sul se tornou prioridade na agenda da diplomacia e para isso o presidente obteve maior visibilidade e prestígio no que cabe à diplomacia. Leite (2011), faz uma análise dos discursos do Presidente Lula, em sua posse e no do Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim quando recebeu o cargo e a autora concluiu que diferentemente dos princípios que foram adotados no período Cardoso, dos ‘mais iguais’, em que as potências eram tidas como principais promotores da ordem internacional, cabendo ao Brasil estabelecer laços a fim de conseguir bens econômicos; no período Lula, ele leva em consideração a multipolaridade mundial, fortalecimento da UE e

crescimento de países subdesenvolvidos como Rússia, China e Índia, portanto nesse cenário multipolarizado o Brasil deveria a partir de sua grandeza territorial, demográfica e econômica agir de forma criativa para construir uma nova relação internacional de forças (Leite, 2011, p. 166-168).

4.1. América do Sul Desde a era Cardoso, a América do Sul prevaleceu sobre a América Latina, tendo em vista que países do Caribe, da América Central e o México estavam cada vez mais associados à economia estadunidense (Leite, 2011, p. 164). No que cabe à política externa brasileira para a América do Sul no período de 2003-2006 o Brasil adquiriu o dever de organizar a região, promover uma aliança juntamente àqueles países emergentes para alcançar um melhor equilíbrio externo, de modo a “incrementar suas relações econômicas como a contrabalancear o unilateralismo da potência estadunidense (Leite, 2011, p. 168)”. Na América do Sul foi necessária uma nova forma de conseguir unir todos os países do Cone Sul para que pudessem solucionar problemas, uma das primeiras iniciativas do Brasil foi a criação do Grupo de Amigos do Secretário-Geral da OEA, para que pudessem ajudar a Venezuela em sua crise interna. Um dos princípios do Pan-americanismo fala da não intervenção, no cenário em que se vivia, o Brasil adicionou a esse princípio o da não indiferença, ou seja, auxiliar ao país que esteja passando por crises que ameaçam sua estabilidade democrática, porém assim que for solicitado. No que tange a questões econômicas o Brasil promoveu o fortalecimento do Mercosul a partir de três eixos articuladores: energia, comunicação e transporte. Já no primeiro ano de governo na XXIV Cúpula do Mercosul, o Presidente Lula apresentou um programa de trabalho para a consolidação aduaneira, anunciando o comprometimento brasileiro na construção de mecanismos para a diminuição das assimetrias entre dos países e na sua integração (Leite, 2011, p. 169-172). Sobre a integração regional como um todo, a criação do mecanismo Comunidade SulAmericana de Nações (CASA), − que posteriormente vem a ser a União das Nações SulAmericanas, foi uma iniciativa da diplomacia brasileira, esse mecanismo visava o fortalecimento das articulações políticas e integração econômica física do espaço sulamericano, e sem divergir do Mercosul e da Comunidade Andina de Nações (CAN). Por intermédio de recursos do BNDES, o Brasil aumentou o financiamento das exportações de bens e serviços brasileiros, atendendo assim à dois objetivos, o de melhorar a economia interna e dar início à integração física na região (Leite, 2011, p. 172-173).

A integração sul-americana não se desenvolveu e não se desenvolve sem desafios, primeiramente por causa do novo perfil político que os países da região enfrentavam, governos populistas e de esquerda que são mais sensíveis às demandas sociais internas foi e é um desafio para a integração, tendo em vista que interesses internos muitas vezes prevalecem em interesses coletivos, esse, portanto, é o desafio da região criar uma identidade sul-americana que supra todas as necessidades dos Estados (Leite, 2011, p. 176-177).

4.2. África Assim como no Governo Quadros, Lula usou de laços sócio históricos para estabelecer relações com a África, porém um contexto político totalmente diferente, frente a nações independentes, com políticas estáveis na Angola e Moçambique, depois de anos de guerra interna, o fim do apartheid na África do Sul e o engajamento desse país no renascimento da importância africana para o mundo, a intensificação da integração do continente a partir de instituições e o crescimento econômico de vários países, sustentados pela elevação do preço do petróleo e de minerais, porém alguns Estados ainda com problemas sociais, econômicos e políticos. Outras ferramentas utilizadas como forma de reestabelecer relações amigáveis foi a reabilitação das instituições que estabeleciam contato com os países africanos, especialmente aos falantes de língua portuguesa (Leite, 2011, p. 178-180). Assim como aconteceu com Quadros em 1961, Lula também recebeu duras críticas sobre suas viagens e relações com os países africanos, chamavam de esforços desnecessários, os críticos argumentavam que os países por serem pobres não tinha o que oferecer ao Brasil por tamanho investimento (Leite, 2011, p. 185-186).O Presidente Lula procurou fazer viagens por todo o continente africano e foram abertas embaixadas na Etiópia, Sudão, Camarões e entre outros, Saraiva (2004), destaca que o carisma do Presidente brasileiro somado a sua história privada, gerou confiança aos africanos, tratando-se do que se chamou na época de um líder genuinamente brasileiro (Saraiva, 2004 apud Leite, 2011, p.181).

5. CONCLUSÃO Os períodos em análise se assemelham por procurarem uma menor dependência do Brasil em relação ao Norte, em especial aos Estados Unidos. A política externa aplicada nesses períodos visava a menor vulnerabilidade do Brasil em relação aos EUA, já que não havia uma diversificação de parceiros econômicos, sociais e políticos. A partir daí nota-se que as políticas externas do Brasil tanto em 1961 quanto em 2003 procuram estabelecer relações com todas as regiões, em especial no período Lula, tendo em vista as diferenças conjunturais dos períodos.

O Brasil sempre teve consigo os preceitos do Pan-americanismo, que foi proposto por Juscelino Kubitschek, autonomia dos povos e não intervenção, esses preceitos foram carregados desde a sua criação até o primeiro Governo Lula tendo uma adição no preceito de não intervenção que passou a ter a não indiferença. Com vistas ao seu crescimento econômico e conjunto, o Brasil viu-se como ator regional, modo a tornar a América do Sul em um polo a contrabalancear o unilateralismo estadunidense, transformando a ordem internacional em multipolarizada.

6. Referências LEITE, Patrícia Soares. “A Política Externa Independente (PEI - 1961-1964)”. IN: LEITE, Patrícia Soares. O Brasil e a Cooperação Sul-Sul em três momentos de Política Externa: os governos Jânio Quadros/João Goulart, Ernesto Geisel e Luís Inácio Lula da Silva. Brasília, FUNAG, 2011: 79-198. LIGIÉRO, Luiz Fernando. “Discurso e Implementação da Política Externa Independente”. IN: LIGIÉRO, Luiz Fernando. A Autonomia na Política Externa Brasileira e o Pragmatismo Responsável: momentos diferentes, políticas semelhantes? Brasília: FUNAG, 2011: 75-133. MANZUR, Tânia Maria P.G. “A Política Externa Independente (PEI): Antecedentes, Apogeu e Declínio”. Lua Nova, 93: 169-199, 2014.

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