A política no meio: Para uma interpretação política dos dualismos em Deleuze e Guattari

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Publicado em Mauricio Siqueira e Giuseppe Cocco (orgs.), Por uma politica
menor: arte, comum e multidão. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui
Barbosa, 2014.





A política no meio:

Para uma interpretação política dos dualismos em Deleuze e Guattari[1]

Rodrigo Guimarães Nunes



Dificilmente escapará a qualquer leitor que, na obra de Deleuze e Guattari,
não apenas há dualismos em abundância, como estes têm uma função
estrutural; pode-se mesmo falar, ela, de um triplo problema dos dualismos.
Inicialmente, o dualismo em si é identificado como problema, inimigo e
marca daquilo que se deve evitar na filosofia: "o único inimigo é dois"
(Deleuze 1973), a oposição entre Um e Múltiplo que se encontra por trás
tanto do monismo quanto do dualismo. É exatamente a falsa escolha entre
esses dois pares de termos que espera-se que o conceito de "multiplicidade"
desarme. Mas a alternativa que se segue é posta ela mesmo como oposição
inconciliável – no fim, "pode-se pensar ou monística ou pluralisticamente"
(Deleuze 1973). É inevitável, então, que isto levante suspeitas sobre todos
os outros dualismos que se espalham pela obra de Deleuze e Guattari. A
introdução de seu livro cuja natureza dualística é mais evidente o
reconhece:

Fazemos uso de um dualismo de modelos para chegar a um processo
que recusaria todos os modelos. (...) Chegar à formula mágica que
todos buscamos: PLURALISMO = MONISMO, passando por todos os
dualismos que são o inimigo, mas o inimigo absolutamente
necessário, a mobília que estamos mudando constantemente de lugar.
(Deleuze e Guattari, 2004: 31)

É obvio porque lhes pareceria preciso exorcizar tais suspeitas: a ameaça
que elas representam é nada menos que, ao fim e ao cabo, a perda de alguns
dos objetivos mais altos que a filosofia dos dois diz visar. Se trata-se de
afirmar a univocidade, permitir o sutil aparecimento de qualquer forma de
dualismo arrisca-se a reintroduzir uma distinção categorial no interior do
Ser que o poria de volta em sua equivocidade aristotélica; se trata-se de
afirmar uma imanência absoluta "imanente a nada que não ela mesma" (Deleuze
e Guattari 2003: 49), o perigo é a recriação de um suplemento metafísico
exterior ao plano de imanência, e com ele a relação dativa que é a marca da
transcendência.

Entre os comentadores, Alain Badiou tem sido o mais proeminente em fazer
remontar estes dualismos à crucial distinção entre atual e virtual: "o par
nominal virtual/atual exaure o desdobrar-se do Ser unívoco" (Badiou 1997:
65). Mesmo que não seja, como espero mostrar, simplesmente o caso de
reduzir todas as outras oposições a esta, ou mesmo de mapeá-las sobre cada
lado da linha, a última palavra do próprio Deleuze sobre seu projeto
filosófico parece justificar tal conclusão. No seu derradeiro ensaio
publicado, a bandeira do "empirismo transcendental" de seus primeiros anos
se desenrola na apresentação de um plano de imanência puro – um campo
transcendental pelo qual o dado é dado à representação empírica, contendo
apenas "virtuais [que] se atualizam em estados de coisas e um estado
vivido" (Deleuze 2003c: 363).

Se tem papel tão central para Deleuze e Guattari, é inevitável que a
distinção virtual/atual deva ser também determinante para as interpretações
de seu trabalho – e, portanto, também nas avaliações que se fazem de suas
conseqüências políticas, que é nosso interesse aqui. Examinando exemplos
recentes de tais interpretações, vê-se que é possível reconduzi-las a uma
maneira comum de ler o par virtual/atual que, por sua vez, afeta sua
abordagem em relação aos outros dualismos, bem como ao político. Meu juízo
é que os erros comuns a todas as três obscurecem os modos como Deleuze e
Guattari podem ser úteis para a prática política. Combinar uma leitura
alternativa – em que os dualismos aparecem como díades, e não dicotomias –
com uma análise destes erros pode, então, lançar alguma luz sobre aquilo
que uma prática ativista inspirada por Deleuze e Guattari pode ser, bem
como executar a tarefa negativa de apontar (contra essas três linhas de
interpretação) aquilo que ela não é.



I. Três vezes dois igual a um

Comecemos, pois, identificando essas três maneiras diferentes de pensar a
relação entre o pensamento de Deleuze e Guattari e a política; a primeira
denota uma avaliação positiva, enquanto as outras duas são negativas.

A primeira corresponde a uma certa corrente dominante na "renascença" do
interesse por Deleuze e Guattari desde os anos 90, dependente em grande
parte de sua recepção anglo-saxã, em diferentes disciplinas acadêmicas, bem
como em certos círculos políticos e artísticos. Nela, os dois aparecem como
proponentes de uma política de "movimento"; não somente do fluxo ao invés
das estase, mas uma política que opõe movimentos sociais (no sentido amplo)
a instituições (estado, partido, sindicatos...) e que valora a abertura
acima da identidade, o deslocamento nomádico acima de qualquer laço, o
temporário, o móvel, o de pequena escala,o micropolítico acima de formas
maiores, mais permanentes e mais coesivas cujo horizonte seria a
macropolítica.

É óbvio que esta interpretação encontra muito apoio, não apenas em
declarações explícitas de ambos, como em muitos de seus comprometimentos e
práticas políticas abertamente manifestados.[2] Difusa, ela atravessa
vários textos e práticas políticas ou estéticas. No entanto, foi
provavelmente a publicação de Império (Hardt e Negri, 2000) que lhe
conferiu um ponto focal, e as razões para sua prevalência estão ligadas não
apenas ao sucesso daquele livro, como às condições que fizeram tal sucesso
possível: uma onda mundial de mobilização política cujo protagonismo, em
grande parte, aparecia fora de formas organizativas mais tradicionais, que
pela primeira vez experimentou o potencial subversivo das novas tecnologias
de comunicação, e que articulou uma política que apontava para além dos
limites do estado-nação, em direção a um espaço político transnacional
criado pela consolidação do mercado global capitalista. Parecia natural que
alguns dos que participavam deste momento encontrassem ressonâncias na
política de Deleuze e Guattari.[3] Por sua perspectiva positiva, e pela
importância que adquiriu em certos meios políticos, poder-se-ia chamar esta
a linha ativista de interpretação.

A centralidade subitamente assumida por dois pensadores tão excêntricos (em
todos os sentidos da palavra) gerou uma reação crítica em que podemos
identificar as outras duas linhas. Nelas, Deleuze e Guattari aparecem ou
como anti-políticos/despolitizantes ou como políticos contra sua própria
vontade.

No primeiro caso, se lhes imputa uma evacuação do espaço da política em
favor seja de uma contemplação quase mística de um poder ilimitado de
criação para o qual a atualidade representa apenas uma limitação, seja a
pureza de um utopismo sem nenhum pé nos limites concretos da prática.
Indiferentes "a qualquer noção de transformação, tempo ou história que seja
mediada pela atualidade", pelas relações e por uma "política deste mundo"
(Hallward 2006: 162), presos na ascese aristocrática de um pensamento que
se eleva para além do atual em direção a uma reunificação com o Um-Todo que
tudo produz (Badiou 1997: 22-3); incapaz de entender o insight mais
fundamental do marxismo-leninismo, segundo o qual a questão da estratégia
se põe justamente no ponto em que necessidade e liberdade deixam de se opor
em absoluto e se tornam relacionadas desde a situação concreta de uma ação
política (Badiou 1977: 37-8).

No segundo caso, a equação da resistência com um desejo afirmativo enquanto
poder de diferir faz de Deleuze e Guattari apologistas inadvertidos de um
capitalismo que funciona precisamente por meio da modulação do desejo e da
produção da diferença: "ideólogo[s] do capitalismo tardio" (Zizek 2004:
184; modificado). Se "'goze no seu cantinho'" é "a máxima das
multiplicidades rizomáticas" (Peyrol[4] 1977: 50), isso pode ser lido tanto
como um convite ao abandono do trabalho político propriamente dito em favor
da distração auto-indulgente e sem objetivo, como algo ainda pior: a
promessa de uma expressão sem limites que pode ter parecido radical nos
anos 70, mas que desde então foi recuperada pelos mecanismos de acumulação
capitalista e legitimação política.[5] Quando a resistência se tornou
efetivamente indistinguível do capitalismo, ela não tem nenhuma resposta a
oferecer à pergunta: "como, então, revolucionar uma ordem cujo próprio
principio é o constante revolucionar-se?" (Zizek 2004: 213).

Do ponto de vista da distinção virtual/atual e dos outros dualismos, chama
imediatamente a atenção que a imagem do pensamento de Deleuze e Guattari
que se pode extrair de cada alternativa é, no fim, bastante semelhante. Com
efeito, a primeira está em relação invertida com as outras duas, de forma
que aquilo que surge como positivo de um lado é negativo do outro, e vice-
versa. Essa inversão sobredetermina a avaliação daqueles dualismos cujo
sentido político é mais imediatamente óbvio: maior/menor, molar/molecular,
dispositivo/linha de fuga, arborescente/rizomático, sedentário/nômade,
macro-/micropolítico, liso/estriado, re-/desterritorialização... Nas três
versões, a primeira série de termos é posta do lado do atual, enquanto a
segunda fica do lado virtual. Não apenas elas presumem essa distinção como
ponto de partida, elas também claramente compartilham a prevalência do
virtual sobre o outro lado: "precisamos de dois nomes para o Um para
experimentar que é apenas de um deles que provém a univocidade ontológica
designada pelo par nominal" (Badiou 1997: 65; em itálico no original).
Consequentemente, a imagem do pensamento de Deleuze e Guattari que emerge
daí é uma que prescreve eminência política e filosófica à segunda série em
detrimento da primeira: uma filosofia e uma política do virtual, do menor,
do molecular, do micropolítico, do nomadismo, das linhas de fuga, da
desterritorialização (absoluta) etc.

É importante observar que, embora tanto críticos quanto defensores
compartam essa doxa, os caminhos por que chegam a ela são distintos.
Enquanto os entusiastas costumam ter os dois volumes de Capitalismo e
esquizofrenia como principal referência, a crítica de Badiou é predicada
principalmente sobre o trabalho solo de Deleuze, onde as preocupações
políticas são bem menos explícitas, e dá pouca atenção a Guattari. Zizek,
por outro lado, insiste numa ruptura forte e mudança de direção do "bom"
Deleuze "original" (do Sentido-Evento estéril como efeito de causas
corpóreas) em direção a uma noção de devir como a produção virtual do
atual, sob a "'má influência'" (Zizek 2004: 20) do ativista Guattari.
Hallward é o único a dar igual peso aos trabalhos em colaboração, que
estariam em continuidade com os outros na medida em que também subscrevem
uma lógica onde a ênfase posta no virtual esvazia as relações entre
elementos/corpos atuais, em favor de uma relação direta de cada objeto
atual com seu "fundamento" virtual.

Essa relação invertida explica o tom comum a todas as três críticas: o de
"revelar" a verdadeira face de um pensamento mal-lido por seus
"discípulos". "Qual Deleuze?', Badiou começa perguntando; e logo se
responde que é necessário desvendar, por detrás da imagem corriqueira de
afirmação da diferença e da heterogeneidade múltiple, uma "metafísica do
Um" (Badiou 1997: 20) em que o impulso do pensamento, embora a cada vez
singular, sempre acaba reconectado com sua fonte no Um-Todo. Contra o mesmo
equívoco, Hallward revida com uma filosofia onde aquilo que importa é "a
reorientação redentora de cada criatura particular em direção a sua própria
dissolução"; um Deleuze "espiritual, redentor" que não se ocupa da matéria,
da natureza ou do mundo: um pensamento "extra-mundano" da "desincorporação
e da desmaterialização" (Hallward 2006: 3; em itálico no original). A
posição de Zizek é ligeiramente diferente, na medida em que para ele trata-
se de resgatar o verdadeiro Deleuze e sua política do "impasse e impotência
da política deleuziana 'popular'" e da "imagem popular (...) baseada na
leitura dos livros que ele co-escreveu com Félix Guattari" (Zizek 2004: xi-
i). Se não está diretamente explicitada em Badiou, essa dimensão política
também aparece em Hallward (2006: 164), que termina seu livro sugerindo que
"aqueles de nós que ainda buscam mudar o mundo e empoderar seus habitantes
precisaremos buscar inspiração em outra parte".

Em todo caso, e seja como se tome tais críticas, resta claro de que forma
elas miram no coração do projeto deleuziano, com ou sem Guattari. Na
aproximação anti-política de Badiou e Hallward, as acusações mais pesadas
são, no mínimo, três. Primeiro, que o imanentismo pregado é, na verdade,
uma filosofia da emanação: que eles falham em executar a "conversão" pela
qual "o Ser unívoco se diz da diferença e, como tal, gira ao redor dos
seres" (Deleuze 2003: 91), e, pelo contrário, fazem o atual/criatural
depender inteiramente do poder criativo de auto-diferenciação de um Um
extra-mundano. Segundo, que subsiste, ao fim e ao cabo, uma relação
categorial entre virtual e atual, implicando uma falha em sustentar a
univocidade do Ser e uma derrapada entre causa imanente e eminente,
emanativa.[6] Terceiro, que o pensamento da individuação que daí resulta
tem como fundamento o que Deleuze chama de "negativo de limitação" pré-
crítico – e aqui deve-se recordar a exortação de Deleuze (2003: 318)
conforme a qual "toda redução da individuação a um limite [i.e., como o
finito que se diz por limitação do infinito] ou complicação da
diferenciação compromete a filosofia da diferença como um todo". A versão
políticos contra sua própria vontade, por outro lado, retorna à crítica
hegeliana da tautologia da Substância spinozista, acrescentando-lhe uma cor
marxista: um pensamento que afirme o mundo está demasiadamente comprometido
com ele; a crítica e a transformação provém de negá-lo; logo, Deleuze e
Guattari apreendem seu próprio tempo apenas de maneira mistificada,
involuntariamente (re)produzindo sua ideologia enquanto imaginam estar do
lado da resistência.[7]

Ora, se as três linhas apenas invertem os valores de uma interpretação
compartilhada, uma defesa da significância política do pensamento de
Deleuze e Guattari terá, em comum com as críticas, uma certa tarefa de
"desmistificação". Em outras palavras, talvez tenhamos que resgatar Deleuze
e Guattari tanto de (alguns) amigos quanto de seus adversários. Neste caso,
a melhor maneira de fazê-lo é retornando àquilo que as três alternativas
têm em comum – a distinção virtual/atual, e a preeminência de um sobre o
outro.



II. O fluxo e o partido?

Poderíamos, com efeito, começar exatamente com uma situação em que Guattari
discorda de alguém reivindicando seu pensamento.

Como viu-se com Zizek, Guattari pode, por vezes – especialmente por
filósofos – ser apresentado como o "ativista" que teria afastado Deleuze de
seu caminho filosófico rigoroso. Essencialmente pelo mesmo motivo, ele
conta com recepção muito mais calorosa entre os partidários da linha
ativista de interpretação. Isso faz com que seja ainda mais notável vê-lo
envolvido em uma troca como aquela em que, discutindo a relação entre
vetores micropolíticos e o então incipiente Partido dos Trabalhadores no
Brasil, uma interlocutora elogia "o que eu entendo que o Guattari pensa" –
que há uma necessidade de "várias revoluções moleculares (...), uma
multiplicidade de grupos feministas, de feministas lésbicas, de negros e
outros, questionando estruturas patriarcais ou fálicas". Estes deveriam
investir na construção de "novas formas de performance, agenciamentos que
buscam questionar aquelas estruturas de poder" que, como o partido,
reproduzem "a estrutura patriarcal" (Guattari e Rolnik 2010: 103).

Guattari responde:

Se o movimento funcionar assim, tudo bem. Mas pode também acontecer
de ele cair em situações de decomposição. Vou dar um exemplo
histórico: todos os diferentes componentes do movimento autônomo na
Itália desabaram, e muito por causa desse tipo de discurso. (...)
[As feministas que se afastaram] organizaram-se em estruturas –
aliás, muito interessantes, como editoras, cooperativas – que em
alguns meses se despolitizaram completamente. (...) Sem dúvida,
esse processo teria aparecido historicamente, de algum jeito. No
entanto, um outro roteiro poderia ter se delineado: a autonomização
dos componentes feministas funcionando como um fator de reforço da
eficiência [dos movimentos], ao invés de contribuir para sua queda
num buraco negro. Imagine se todas as mulheres do PT (feministas ou
não, lésbicas ou não) de repente resolvessem dizer: "Chega, estamos
de saco cheio do Lula e disso tudo, vamos dar o fora".


Comentário — E aí elas se organizariam em grupos de mulheres. Eu
acharia ótimo!


Guattari — É, pode até ser… Mas daí a achar ótimo que movimentos
como o PT desapareçam é no mínimo discutível. (Guattari e Rolnik
2010: 104)


Essa troca se dá na intersecção entre duas séries: a de um país (o Brasil)
chegando ao fim de uma ditadura militar que havia impedido várias
transformações micropolíticas que se armavam ao longo dos anos 70, e cujo
principal ponto de convergência acabaria por ser a formação do PT, de
entrar em composições que lhes dessem consistência e urgência; e a de um
europeu (Guattari) processando as derrotas por vezes trágicas das décadas
anteriores, a ambivalente vitória eleitoral de Mitterrand, e o começo dos
"anos de inverno" do Capitalismo Mundial Integrado.[8] O cuidado e as
nuances demonstrados no Brasil talvez tenham algo a ver com esta curva
descendente; não é difícil notar a diferença de tom em suas colaborações
com Deleuze, do acalorado ambiente pós-68 de O Anti-Édipo às exortações
para restaurar-se a fé neste mundo em O que é a filosofia?. Tinha ele
perdido a esperança no movimento, na micropolítica, no molecular – todas as
coisas pelas quais reconhecemos o Deleuze e o Guattari ativistas – e se
resignado à reforma possível, à "mudança em que se pode acreditar"?[9] Ou
será que podemos levantar outra hipótese: de que nunca se tratara de uma
escolha a priori entre micro- e macropolítica, molecular e molar, menor e
maior?

Há que notar que mesmo n'O Anti-Édipo, livro dos mais exaltados, nunca se
fala de uma escolha. Aliás, a oposição entre molecular e molar é
apresentada como uma "teoria dos dois pólos" (cf. Deleuze e Guattari 2008:
406 et seq.). Isso, porque

há molar e molecular por toda parte: sua disjunção é uma relação de
disjunção inclusiva, que varia apenas de acordo com os dois
sentidos da subordinação, conforme os fenômenos moleculares estejam
subordinados aos conjuntos maiores ou, ao contrário, o subordinem.
(Deleuze e Guattari 2008: 407; em itálico no original)

Como podemos conceber um dualismo que não é uma escolha? Ao falar em dois
"pólos", algo que Deleuze e Guattari poderiam perfeitamente bem haver tido
em mente é a noção de díade mobilizada por Gilbert Simondon.

O conceito não figura na resenha (2004a: 120-4) dedicada por Deleuze à obra-
prima L'Individu et sa genèse physico-biologique, cuja influência sobre
Diferença e Repetição é bem conhecida; contudo, ao lado do conceito
associado de transdução, ele provavelmente tem um papel tão estrutural no
pensamento da individuação simondoniano quanto o movimento entre
virtual/atual tem para Deleuze; é certamente graças a ele que, "na
dialética de Simondon, o problemático toma o lugar do negativo" (Deleuze
2004a: 122).


Transdução é uma relação que é ela mesma individuação, dado ser simultânea
àquilo que relaciona – ao invés de ligar dois termos pré-existentes, é
através dela que os termos se individuam, tornando-se direções de uma
individuação que ocorre entre eles. (Um exemplo seria a aparição de
membranas celulares, estruturas que definem um 'fora' e um 'dentro' não
como realidades independentes, mas como direções que existem apenas na
medida em que a membrana os põe em relação.) Uma relação transdutiva deve,
assim, ser compreendida como emergindo a partir de um fundo de pré-
individualidade lógica e ontologicamente anterior a qualquer indivíduo, e
dele "extraindo" novos seres e qualidades individuadas das relações
diferenciais e polarizadas que estabelece. O modelo para este tipo de
relação, Simondon foi buscá-lo na díade indefinida pré-socrática que, de
sua origem em Anaximandro (o jogo entre peiras e apeíron, "limite" e
"ilimitado") e na escola pitagórica, foi tematizada por Platão no Filebo e
nos livros M e N da Metafísica aristotélica. Uma díade é uma relação de
disjunção inclusiva entre dois termos indefinidos numa relação dinâmica de
tensão, constituindo um campo em que os próprios termos se singularizam;
para pensá-lo intuitivamente, podemos voltar aos exemplos platônicos de
mais frio-mais quente, mais forte-mais fraco, mais seco-mais úmido... Falar
aqui de uma relação polarizada entre direções implica que nem um pólo nem
outro existem enquanto tal; não há quantidades determinadas (limites), mais
apenas relações de mais ou menos. Tudo que acontece, acontece no meio.
Quando alguém diz "está frio", registra a diferença de temperatura entre o
estado atual e o anterior, ao invés de a passagem de um estado de "calor" a
um estado de "frio"; determinar uma temperatura ("está 5º C nesta sala")
implica justamente abandonar a díade (que é uma tensão qualitativa
ilimitada) em favor de um limite (uma quantidade). Como em todo a filosofia
simondaniana – e aí sua importância para Deleuze e Guattari é patente – a
ilusão metafísica por excelência consiste em pressupor o indivíduo (no
caso, tanto a temperatura da sala quanto os pólos de "quente" e "frio")
como já dado, isto é, fora de um processo de individuação.

Parece perfeitamente claro que a oposição maior de O Anti-Édipo e Mil
Platôs – capitalismo e esquizofrenia – deve ser entendida não como
dicotomia, mas como díade. Entre uma e outra, nem uma nem outra são
desejáveis: "falamos apenas de um pólo esquizóide no investimento libidinal
do campo social, a fim de evitar ao máximo possível a confusão de um
processo esquizofrênico com a produção de um esquizofrênico" (Deleuze e
Guattari 2008: 455). "Não se chega ao CsO, ou seu plano de consistência,
desestratificando de qualquer jeito" (Deleuze e Guattari 2004: 199). Mas
essa lógica deveria ser estendida aos outros dualismos: se entendemos a
oposição entre molar e molecular (e maior e menor, micro- e macropolítico
etc.) como diádica, não há contradição no aparente apoio, visto acima, dado
por Guattari a formas (aparentemente) macropolíticas em detrimento de
formas micropolíticas. O que ele enxergava naquele momento da história
brasileira era o PT como um processo de convergência que intensificava os
desejos e grupos heterogêneos que entraram em sua composição, permitindo-
lhes estar em consistência (e aquilo que ele chamava de transistência,
capacidade de conexão e contágio transversal) sem que suas diferenças se
cancelassem. Lula, a figura carismática transmitida pelos meios de
comunicação de massa, não como o "'Pai dos Oprimidos"' ou "'o Pai dos
Pobres"', mas "o veículo de um vetor de dinâmicas extremamente importantes
na situação presente", porque "hoje em dia não se pode considerar as lutas
em todos os níveis sem considerar este fator da produção de subjetividade
pela mídia" (Guattari e Rolnik 2010: 198). Não (ou esperaria-se que não) o
espelho que se fixaria como o outro de uma transferência, mas um "objeto
transicional" que pudesse ser reapropriado por aqueles que se projetavam
nele.

Deve-se efetivamente concluir que, para Deleuze e Guattari, não existe
nenhuma oposição absoluta entre, para tomar emprestado o titulo da polêmica
de Badiou (1977), "o fluxo" e "o partido". Não há nenhuma escolha a priori
quanto às formas em que o virtual pode individualizar-se, já que isto
implicaria supor tais formas como dadas e auto-idênticos, ao invés de pensá-
las como soluções singulares no interior de um campo problemático definido
por dois extremos que não existem em si. O que importa é que, a cada vez,
"haja" virtual, desterritorialização, potencial – e que ele seja, por assim
dizer, "cultivado".[10]

No mesmo tom, sobre a (falsa) escolha entre organização e não-organização,
Guattari critica

toda uma mitologia da espontaneidade que, se supõe, permitiria
acesso às profundezas do inconsciente! Na verdade, a não-
diretividade,a não-organização de um grupo pode ter um efeito
oposto ao esperado. A estruturação de uma prática de grupo pode ser
absolutamente necessária para que aqueles que nunca falam possam
fazê-lo. (...) [L]onge de ser liberador, o não-direcionismo pode
favorecer a emergência de fenômenos de consenso, de redundâncias
opressivas, e levar a uma situação onde os participantes dizem
exatamente aquilo que se espera deles. (Guattari 2009: 55)[11]

Pode-se, sem dúvida, apontar a maior tendência arborescente da forma-
partido, ou os riscos inerentes a uma identificação crescente com um líder
carismático e mediático (que deixa, então, de ser um objeto transicional e
passa a ser o espelho da transferência). Mas descartar uma ou outra coisa
de antemão e em princípio, por possuir uma "forma transcendente", consiste,
justamente, em pensar de forma transcendente: separando o atual de suas
condições virtuais de individuação, reduzindo-o a uma forma a priori a ser
"preenchida" com algum conteúdo, ao invés de um ente a cada vez singular.
Mesmo a distinção guattariana entre grupo-sujeito e grupo-sujeitado é menos
sobre "dois tipos de grupos que dois lados da instituição, visto que um
grupo-sujeito sempre corre o risco de se sujeitar, numa crispação paranóica
em que deseja a todo custo manter-se e eternizar-se como sujeito"; ao passo
que um grupo sujeitado "'não deixa de conservar, como que
involuntariamente, uma potencialidade de corte subjetivo que uma
transformação do contexto pode revelar'" (Deleuze 2005b: 277).



III. Para acabar com os dualismos

Mas isso não nos leva de volta ao ponto de partida – aquilo que há em comum
a todas as três abordagens à política de Deleuze e Guattari, a saber, a
preponderância do virtual sobre o atual? Se o movimento "real", mesmo no
sentido político, é aquele feito pelo virtual, não acabamos caindo
exatamente naquilo que uma filosofia da imanência deveria opor: uma negação
deste mundo, das vicissitudes e desafios que ele nos impõe, em busca de um
conforto fora dele? Não teriam os críticos razão em apontar uma tendência a
um idealismo indefeso que, diante de processos e efeitos concretos, se
dedica à celebração de uma potência indeterminada da "vida", da
"diferença", do "virtual"? Aplicado à prática, não conduz isto a um
"purismo" imaginário que rejeita qualquer ação em comum, qualquer
capacidade de crescer em escala, qualquer forma de composição,
institucionalização, mediação etc., em favor de uma ênfase auto-
congratulatória no "pequeno", no "local" – redundando, no mais das vezes,
em isolamento e incapacidade de influenciar o meio: irrelevância
subcultural travestida de radical chic? Ou, por outro lado, uma tendência a
aplainar as arestas de conflito e ambiguidade em cada processo pelo viés
que a tudo dá o nome de "resistência" e sempre dá valor univocamente
positivo a tudo aquilo que se chame de "criação" (contanto, na maioria dos
casos, que justamente não inclua o lado "feio", "negativo" e "ressentido"
das lutas, especialmente as macropolíticas) – o ponto onde a subreptícia
teleologia de uma "vida" triunfante em seu poder de diferir se torna
indistinto da "pós-política" neoliberal?

O crucial aqui é o verbo tender. É inegável que as críticas se apoiam em
tendências presentes em Deleuze e Guattari e, mais ainda, em apropriações
questionáveis da obra de ambos. A questão é o que se pode ganhar resistindo
ao escamoteamento de outras tendências operado por estas críticas, e que
imagem resulta de lermos os dois por inteiro, e não pela metade. Para este
fim, é necessário voltar uma vez mais às questões filosóficas tangentes ao
par virtual/atual.

"A fim de suprimir a oposição entre o Um e o Múltiplo" – aquela em que
continuariam presos Deleuze e Guattari, proliferando dualismos em que um
termo corresponderia ao auto-idêntico e unitário, ao passo que o outro
encapsularia o diferenciante e o múltiplo –, deve-se fazer com que "um e
múltiplo deixam de funcionar como adjetivos a fim de dar espaço a um
substantivo: há somente multiplicidades" (Deleuze 1973). A questão é,
justamente, que "há dois tipos de multiplicidades" (Deleuze 2004: 33),
conforme Bergson aprendeu com (e modificou) Riemann. Um tipo é de
"exterioridade, simultaneidade, justaposição, ordem, diferenciação
quantitativa, diferença de grau, multiplicidade numérica, descontínua e
atual"; a outra, "interna, de sucessão, fusão, organização,
heterogeneidade, discriminação qualitativa ou diferença de natureza,
multiplicidade virtual e contínua, irredutível ao número" (Deleuze 2004: 30-
1; em itálico no original). No primeiro caso, há apenas atualidade,
relações atuais. No segundo, uma "linha que vai do virtual à sua
atualização", uma linha indivisível em que cada divisão é uma mudança de
natureza, isto é, uma atualização que ocorre "por diferenciação por linhas
divergentes"; o virtual "na medida em que se atualiza [en tant qu'il
s'actualise], no processo de se atualizar [en train de s'actualiser],
inseparável do movimento de sua atualização" (Deleuze 2004: 36).

Aqui encontramos os elementos a partir dos quais desfazer de uma vez por
todas o mito de um "culto do pequeno" (small is beautiful) em Deleuze e
Guattari. Se o virtual é contínuo, e logo alheio ao número – se a operação
de conta pertence ao atual, e é portanto uma maneira de atualizar o virtual
–, a política "micro" ou molecular não pode ser concebida por oposição a
grandes números ou a capacidade de crescer: uma vez que trata do virtual,
ela é, com efeito, inteiramente indiferente à escala e à medida. Se
"pequeno" pode ser dito somente de multiplicidades atuais e descontínuas,
"micro" e "molecular" referem-se às multiplicidades virtuais e contínuas
que estão implicadas em qualquer multiplicidade descontínua, seja ela
grande ou pequena. É por isso que não há nenhuma escolha a priori que
exclua qualquer partido ou líder realmente existentes, ou a forma-partido e
a forma-líder enquanto tal.

Fica claro, portanto, que o "culto do pequeno" celebrado pelos "ativistas"
ou atacado pelos críticos tem como premissa uma confusão bastante elementar
entre os dois tipos de multiplicidade, quando o problema todo é
precisamente não opor o Um ao Múltiplo, "mas, pelo contrário, distinguir
dois tipos de multiplicidade" (Deleuze 2004: 31; em itálico no original). O
extensivamente "pequeno" apenas será "bom" na medida em que envelope mais
potencial intensivo; caso contrário, pode ser bastante feio, fechando-se
sobre si mesmo numa fuga passiva, num "buraco negro" suicida, ou numa
reterritorialização reacionária. Conversamente, o extensivamente "grande" é
apenas "mau" quando se torna impermeável à transformação, preso num loop de
reforço a uma auto-identidade imaginária ou enquistado como a imagem
invertida daquilo a que se quisera dar fim. Não é outra, aliás, a lógica
por trás da oposição entre majoritário ("não uma quantidade relativamente
maior, mas a determinação de um estado ou padrão de acordo com o qual
quantidades maiores ou menores podem ser ditas minoritárias") e minoritário
("não se deve confundir 'minoritário' como devir ou processo e 'minoria'
como conjunto ou estado') (Deleuze e Guattari 2004: 356).

A mesma lógica deve, aliás, ser estendida àquilo que Guattari em especial
denominava de "revolução molecular". Instado a explicar a expressão, em
diferentes ocasiões ele retorna a dois exemplos: a mudança generalizada das
maneiras de "conceber a lei, a religião, o corpo, a filiação, a família, o
tempo, a literatura" que, para além da Revolução, marcaram a queda do
Antigo Regime; e as transformações nas "relações ao corpo sexual, à
conjugalidade e à família" produzida com o advento da pílula
anticoncepcional (Guattari 2009a: 115; 2009b: 178). Em contraste à dimensão
explícita do choque entre blocos em oposição (burguesia e aristocracia,
proletariado e burguesia etc.), a revolução molecular se desenrola num
nível "microfísico", saltos quânticos da sensibilidade, ao invés da
mecânica de atração e repulsão, ação e reação, própria do entendimento. Mas
se nos detemos sobre os casos utilizados pelo próprio Guattari, resta claro
que não há entre o molecular e o molar oposição, mas complementaridade. Não
fossem os novos devires inscritos num número cada vez maior de corpos e
atos, não poderiam as mutações moleculares "deitar raízes" na situação que
transformavam (e como sequer referirmo-nos a uma revolução molecular, sem
sua inscrição em números crescentes de corpos e atos?); não fossem as lutas
molares que abriram espaço para a expansão e mutação continuada destes
devires (as revoluções burguesas, o feminismo), estes se chocariam contra
bloqueios externos; ou, conversamente, se a expansão do contágio molecular
não fizesse determinadas instituições aparecerem como obstáculos, não teria
sido necessário derrubá-las. Uma revolução molecular deve ser entendida,
portanto, como a inscrição molar de um devir minoritário, que pode, em
seguida, tornar-se tanto maioria (numérica) quanto majoritária (padrão), ou
nenhuma das duas. Em todos os casos, a questão nunca é "opor os dois tipos
de multiplicidades", mas reconhecer que há apenas "multiplicidades de
multiplicidades que formam um mesmo agenciamento: as matilhas nas massas e
vice-versa. As árvores têm linhas rizomáticas, mas o rizoma tem pontos
arborescentes" ((Deleuze e Guattari 2004: 47).

É importante observar, contudo, que, ao contrário das oposições que nela se
apoiam, aquela que subsiste entre multiplicidades atuais e virtuais não é,
ela mesma, diádica; ao mesmo tempo, é decisivo que a diferença entre elas
não seja entendida como categorial, o que implicaria um Ser
irremediavelmente partido, que se diz não em um, mas em dois sentidos. Pode-
se pensar este problema conforme o modelo segundo o qual Deleuze interpreta
os atributos da extensão e do pensamento em Spinoza: dois lados do real,
formal (qualitativamente, quiditativamente), mas não ontologicamente
distintos (cf. Deleuze 2002: 30-1). Ontologicamente iguais, pode-se
distinguí-los em pensamento. Daí que o coração de Diferença e Repetição
seja o capitulo sobre a "imagem do pensamento", ao qual quase vinte anos
mais tarde Deleuze (2003a: 283) se referiria como "o mais concreto e
necessário, apontando em direção aos livros seguintes, até as pesquisas com
Guattari, onde invocamos (...) um pensamento rizomático ao invés do
arborescente": porque a tarefa do "empirismo transcendental" não é outra
senão instituir uma nova imagem do pensamento.

Em toda a obra deleuziana, incluindo os livros com Guattari, é possível
distinguir dois sentidos da palavra "pensamento"; dois diferentes níveis
que se poderia projetar, de maneira geral e aproximada, sobre os dois
primeiros tipos de conhecimento em Spinoza. Em primeiro lugar, há o
pensamento como representação, que pode ser entendido no seu sentido
kantiano: como subsunção de uma multiplicidade diferencial sob uma
identidade conceitual. Não se trata jamais de atribuir uma realidade
secundária ao atual, questionar os direitos da representação, ou argumentar
que esta não nos oferece nada de verdadeiro sobre o mundo – que seria um
simulacro ou uma ilusão que esconderia de nós a verdadeira dimensão
(virtual) do Ser.[12] Pelo contrário: Deleuze (e Guattari), como Bergson,
não têm nenhum problema em conceder-lhe sua utilidade prática, bem como à
ciência[13]: a capacidade de reconhecer identidades é uma vantagem
evolutiva, na medida em que impõe algum grau de previsibilidade sobre o
mundo.

A ilusão não está na representação em si, mas na hipóstase do
empírico/atual como a totalidade do Ser; e é por isso que precisamos de um
segundo nível de pensamento, onde o atual é experimentado como a expressão
singular de condições virtuais. Dado um mesmo fenômeno, o segundo nível nos
permite perceber aquilo que para o primeiro é uma identidade como algo
constituído por diferenças que diferem no tempo; o empírico é partido por
suas condições transcendentais, que solapam sua auto-identidade e o abrem
para novos devires. Podemos, portanto, dizer ao mesmo tempo que tudo aquilo
que nos aparece é sempre novo, e que o é apenas do ponto de vista de um
"exercício transcendente" (Deleuze 2003: 258) pelo que pode-se vê-lo como
tal. Cada pensamento no primeiro sentido aparece como novo, cada repetição
como produtiva da diferença – cada arborescência atravessada pelo
rizomático, cada agenciamento por linhas de fuga, cada maioria por devires
minoritárias, cada molaridade pelo molecular... – quando o atual se
expressa, para o pensamento no segundo sentido, em relação com seus
potenciais virtuais. A vantagem evolucionária trazida pela representação
precisa, então, ser qualificada: o exercício transcendente que revela as
condições diferenciais de existência do empírico é, acima de tudo, uma
questão prática de liberar os potenciais dados no presente, de ver o atual
presente como não-necessário, aberto à transformação.

É evidente, contudo, que se o exercício transcendente do pensamente se
apoia na divisão atual/virtual, ele não pode fundá-lo em si mesmo. Ele
necessita de um "terceiro tipo" de conhecimento, um exercício propriamente
metafísico do pensamento, que lhe forneça a distinção. É por isso que
Deleuze – celebrado neste aspecto por Badiou (1997: 69) – permaneceu sempre
alheio ao tema do "fim da metafísica".[14] Quando se trata de propor uma
nova imagem do pensamento capaz de conectar-se àquilo que está fora da
redução do real ao empírico, somente uma meta-física pode dar conta. Sem
embargo, não se pode fundar esta metafísica de qualquer maneira definitiva,
apodítica – como fazê-lo, se a nova imagem define o pensamento precisamente
como a expressão problemática de idéias virtuais? A chave aqui é a
distinção kantiana entre conhecimento/experiência e pensamento. Se
necessitamos de uma metafísica para pensar o que pode ser esse campo da
virtualidade, ela mesma pressupõe a possibilidade de um exercício
transcendente: é porque existe um exercício transcendente da sensibilidade
que sente (mas não percebe) intensidades virtuais, e um exercício
transcendente do pensamento que expressa (mas não tem a experiência de)
idéias virtuais, que um pensamento (e não conhecimento) metafísico é
possível.

Uma vez estabelecida a possibilidade de uma nova imagem do pensamento –
vale dizer: completado o momento "transcendental" da empreitada deleuziana
–, a questão não é mais oferecer uma descrição filosófica de como os
problemas são determinados, mas determiná-los: trata-se de experimentar
(com) a imanência, com aquilo que significa viver "na" imanência, nesta
imanência, no presente. "Em meus primeiros livros, eu tentei descrever um
certo exercício do pensamento; mas descrevê-lo ainda não é exercer o
pensamento daquela maneira", diz Deleuze (2006: 13); "proclamar 'Viva o
múltiplo!' ainda não é fazê-lo, é preciso fazer o múltiplo".

Isso nos permite compreender a importância que adquirem as questões ético-
políticas, em particular o diálogo com Marx e a confrontação com o plano de
imanência capitalista, nos dois volumes de Capitalismo e Esquizofrenia. Mas
o objetivo de instituir uma nova razão prática fora claro desde o início;
"nada disso importaria se não fosse pelas implicações práticas e os
pressupostos morais da distorção [representativa]": o "conservadorismo" que
nos afasta "da tarefa mais alta – a de determinar problemas, de aplicar-
lhes nosso poder criativo de decisão" (Deleuze 2003: 344). Que a metafísica
seja necessária para uma ética, mas que deva ser medida pelos efeitos desta
última; isto, e não uma intuição intelectual direta do Um-Todo, é o que tem
Deleuze de mais spinoziano.[15]





IV. 'Fazer o múltiplo"

Uma vez a separação entre virtual e atual feita, ela pode ser aplicada ao
trabalho prático de orientar-se no mundo. Para Simondon, justamente,
orientar-se pressupõe estar posicionado como zona mediana de uma série de
díades que se estendem indefinidamente como "mais" e "menos" a partir deste
"centro":

É a díade indefinida do quente e do frio, do leve e do pesado, do
claro e do escuro que é a estrutura do mundo sensorial e, assim,
também do tropismo que a ele corresponde; (...) nem a objetividade
nem a subjetividade são primeiras; é a orientação que é primeira
(...); a sensação é apreensão de uma direção, não de um objeto; ela
é diferencial, implicando o reconhecimento do sentido em que se
perfila uma díade (...). (Simondon 2005: 258)

[T]oda qualidade realizada aparece no interior de uma díade
indefinida de qualidades contrárias e absolutas; as qualidades vão
sempre por pares opostos, e esta bipolaridade de toda relação
qualitativa se constitui como uma permanente possibilidade de
orientação para um ser qualificado e qualificante (...) (Ibid.:
163)

Uma díade, como vimos, nada mais é do que uma multiplicidade contínua que
muda de natureza (ou seja, que se diferencia numa quantidade ou
multiplicidade descontínua) quando dividida: assim, por exemplo, é ao longo
de um contínuo de indefinidamente mais doloroso/prazeroso que sensações se
individualizam em percepções de "prazer" ou "dor". Ora, se aquilo a que
poderíamos chamar díades de orientação de Deleuze e Guattari são esta
espécie de multiplicidade, é preciso concluir que as oposições que eles
estabelecem definem duas direções virtuais ao longo das quais ocorrem
atualizações. Isso implica, em primeiro lugar, uma relação de "mais ou
menos" em toda atualização; uma atualidade pode ser/devir mais ou menos
rizomática, molecular, minoritária, lisa, mais ou menos arborescente,
molar, majoritária, estriada... Em segundo lugar, oferece dois registros
diferentes segundo os quais se pode analisar o mesmo agenciamento: de
acordo com as linhas (virtuais) "de segmentaridade que o estratificam,
territorializam, organizam, significam, atribuem", ou as linhas (virtuais)
"de desterritorialização pelas quais não cessa de escapar todo o tempo"
(Deleuze e Guattari 2004: 16). Evidentemente, o potencial de
(re)territorialização tenderá a uma estabilização das formas atuais, que
por sua vez agirão sobre as condições virtuais do agenciamento como um
todo. Isso significa que o primeiro registro de análise sempre
necessariamente inclui formas atuais (aparatos de estado, instituições,
molaridades binárias), embora, precisamente, não em simples oposição e
isolamento em relação à virtualidade. Assim, por exemplo, o conceito de
estado totalitário "é válido apenas numa escala macropolítica", mas "o
fascismo é inseparável de focos moleculares que pululam e passam de um
ponto a outro antes de ressonarem todos juntos num estado nacional-
socialista" (Deleuze e Guattari 2004: 261).[16]

Em todos estas díades, estritamente falando, só existe o meio: se eles
constituem contínuos virtuais, seria absurdo atribuir uma existência atual
a um ou outro pólo. Além disso, a distinção formal entre atual e virtual
efetivamente impede qualquer coisa de atualizar-se, digamos, como
"puramente" molar ou molecular: um agenciamento puramente molar seria sem
nenhum potencial virtual (o que, conforme vimos, é apenas a maneira como as
atualidades aparecem à representação), enquanto um puro potencial virtual
é, por definição, não-atual. Pondo-o esquematicamente, podemos dizer que o
pólo "menos virtual" tem como limite uma atualidade com um grau mínimo de
virtualidade acima de zero; ao passo que o limite do pólo "menos atual" é o
limite do que se pode viver ou conhecer: o ponto a partir do qual existe
apenas o caos onde nenhuma atualidade pode afirmar-se. A designação de
"menos virtual" ou "menos atual" é, em todo caso, evidentemente inadequada,
dado que estamos falando de duas direções virtuais ao longo de que
elementos se atualizam como mais ou menos abertos à variação, possuindo
maior ou menor potencial virtual. Mas dizê-lo de tal forma serve para
tornar claro porque não pode ser uma questão de escolha entre um e outro
extremo: a escolha é simplesmente impossível, visto que além de cada limite
há somente impossibilidade – uma atualidade sem virtualidade, ou o caos.

Mas o que significa falar de "limite" aqui? Há um outro fio comum às
interpretações que vêem Deleuze e Guattari como extra-mundanos e
"apolíticos", como "políticos contra sua vontade", apologistas de um poder
desmesurado de desterritorialização que ao fim é aquele do próprio capital,
mas também a uma certa celebração ativista estetizada das pequenas exceções
e das infinitesimais subversões locais, bem como à
substancialização/antropomorfização do poder desterritorializante na forma
de uma mal-disfarçada teleologia em que o novo sempre será bom, e o
antagonismo sempre ressentido, porque "a diferença sempre vence no final".
Além da forma como lêem a distinção atual/virtual, todas confundem os
exercícios transcendente e metafísico do pensamento, borrando a crucial
distinção entre conhecimento e pensamento. Pois se a metafísica pode dar-se
um plano de imanência com desterritorialização absoluta em pensamento, isso
não oferece nenhum conhecimento empírico do plano enquanto tal.
"Conhecimento empírico da desterritorialização absoluta" é, por definição,
uma fórmula sem sentido: porque seu objeto ("desterritorialização
absoluta"), como pura virtualidade caótica, implica a dupla inexistência de
qualquer sujeito (atual) ou objeto empírico (atual) entre os quais uma
experiência pudesse ocorrer.

O "exercício transcendente [de uma faculdade] não quer absolutamente dizer
que ela se dirija a objetos fora do mundo, mas, ao contrário, que ela
capta, no mundo, aquilo que toca a ela somente, e que, no mundo, lhe dá
origem" (Deleuze 2003: 186; itálico acrescido). É por isso que a "tarefa
mais alta" de "determinar problemas, de aplicar-lhes nosso poder criativo
de decisão" é uma questão absolutamente prática, concreta: o exercício
transcendente em que Deleuze convida a engajarmo-nos consiste em pensar o
atual em relação a suas condições virtuais a fim de liberar o potencial de
novidade no presente – mas precisamente não como um salto numa
potencialidade ilimitada e fora de toda determinação. Trata-se de ativar o
potencial deste atual, o virtual "na medida em que se atualiza [en tant
qu'il s'actualise], no processo de se atualizar [en train de s'actualiser],
inseparável do movimento de sua atualização" (Deleuze 2004: 36; modificado,
itálico adicionado). Nós nunca experimentamos a totalidade virtual em si,
mas apenas a virtualidade enquanto mediada por um encontro atual. Se a
verdade é "em todos os aspectos uma questão de produção, não de adequação"
(Deleuze 2003: 200) – problemática e não apodítica – é porque o exercício
transcendente não conhece o virtual, mas o expressa a cada vez de uma forma
nova, singular. Como diz Guattari (1992: 15; ênfase adicionada) a respeito
da caosmose, ela

não oscila entre zero e infinito, ser e nada, ordem e caos, ordem e
desordem: ela rebate e irrompe em estados de coisas, corpos e focos
autopoiéticos que usa como suportes para a desterritorialização:
ela é caotização relativa na confrontação com estados heterogêneos
de complexidade.

Naturalmente, a idéia de uma "mediação" atual deve dizer-se não somente da
atualização do pensamento, como da atualização em geral. Aliás, é
unicamente se concebemos o atual como agindo sobre o virtual tanto quanto o
contrário que a divisão entre eles pode mostrar-se formal, não categorial
ou hierárquica (onde um seria o fundamento do outro, numa relação
unidirecional).[17]

Se Deleuze fala de uma "gênese estática" que vai do virtual ao atual, é
para dar conta do caráter assimétrico de produção do novo que
necessariamente desaparece se permanecemos no nível puramente mecanístico
da causalidade dinâmica, atual – não para eliminar esta última. "O
acontecimento é de natureza diversa das ações e paixões do corpo. Mas
resulta delas: é o efeito de causas corporais e suas misturas" (Deleuze
2002: 115; em itálico no original). Mas se existe diferença de natureza
entre as duas séries causais, a relação entre elas não pode, ela mesma, ser
causal. O acontecimento de um encontro atual entre dois corpos, sendo
determinado pela causalidade mecânica, não pode por si só criar o novo; mas
ele determina novas relações entre condições virtuais, efetuando um
Acontecimento virtual que produz uma nova atualização. Um exercício
metafísico pode pensar o virtual como Todo contínuo de relações; mas a
intersecção entre as duas séries que efetua um Acontecimento (o objeto de
um exercício transcendente) é necessariamente mediada por um acontecimento
atual.

Não surpreende, assim, que todas as interpretações que postulam uma
preeminência do virtual sobre o atual tenderão a perder de vista o lugar
próprio ao acontecimento, à individuação e à agência no pensamento de
Deleuze (e Guattari): a intersecção (mas também cisão recomeçada) entre as
séries atual e virtual. Isso é patente em Hallward, que critica Deleuze por
uma suposta eliminação da individuação e da individualidade em favor de um
poder criativo ilimitado. Mas igualmente em Badiou, onde a exposição do
virtual como fundamento tem como premissa maior a segunda síntese do tempo,
eliminado assim o "a-fundamento" que lhe sobrevém com a terceira síntese (o
Acontecimento). Zizek, por outro lado, chega a cogitar em dado momento
(2004: 84-5) a possibilidade de que as duas ontologias que identifica – o
virtual como o estéril evento-efeito de causas atuais, o virtual como
elemento produtivo do atual – sejam dois lados da mesma moeda: de modo
característico, porém, termina por concluir que o único modelo possível
para uma tal ontologia de dupla face haveria de ser aquele, lacaniano, da
castração simbólica.



V. … E fazer de novo

Se Deleuze fala de um poder "criativo de decisão", é porque enxergar o
presente como contingente e liberar seus potenciais de devir-outro envolve
necessariamente um elemento de decisão. Não o ato autônomo de uma
subjetividade sem amarras ou de um agente numênico, já que estamos lidando
com condições que não podemos nem controlar, nem tornar exaustivamente
claras; mas uma aposta que extrai um novo lance de dados que não encontra
garantia em nenhum conhecimento existente. Assim é o caso da política, que
"não [é] uma ciência apodítica. Ela procede por meio da experimentação"
(Deleuze e Guattari 2004: 575; modificado).

O que as díades de orientação nos oferecem são séries de eixos bipolares e
registros duplos com os quais considerar os potenciais do atual: tanto para
que possamos enxergá-lo como uma solução contingente e singular de
diferentes problemáticas, quanto para guiar nossas escolhas quando agimos
sobre ele. Essas escolhas consistem em identificar os dados dos problemas
presentes e produzir-lhes novas soluções – nunca em optar por um ou outro
pólo, como se estes pudessem ser tratados como atuais. Para destilá-lo em
uma fórmula: não há escolha entre os dois pólos, porque a escolha somente
existe entre os dois pólos. A política está onde estão as coisas, e as
coisas "só começam a viver no meio" (Deleuze, 2006a: 41).

Em seu virtuosístico tratamento dos dualismos de Capitalismo e
esquizofrenia, Jameson (1997: 412) se refere a eles como parte central do
"mapeamento fictivo" que organiza seus materiais "em campos de força", mas
não se demora sobre as implicações desta metáfora: um campo de força é uma
díade, um contínuo intensivo definido por um ou mais atratores. Ele tem
toda razão em observar que a insistência dos dualismos naqueles dois livros
"nos tenta sempre a reintroduzir o eixo bom/mau (...) e a julgar onde não
cabe julgamento", de maneira que "o leitor sente-se permanentemente
convocado a tomar o partido do Esquizo contra o Paranóico (...) e os
Nômades contra o Estado" – mas é justamente isso que se pode evitar se os
lemos diadicamente. Como bem se sabe, foi como um livro de ética que
Foucault (2001a: 134-5) louvou O Anti Édipo, listando alguns "princípios
essenciais" de sua "arte de viver contrária a todas as formas de fascismo":
uma série de orientações gerais, ao invés de um sistema de julgamento moral
distribuindo bom e mau. O primeiro destes – liberar a ação de "toda
paranóia unitária e totalizante" – deve então ser lido como estando para os
outros do mesmo como o item auto-referencial ("incluídos nesta
classificação") está para a lista contida na enciclopédia chinesa imaginada
por Borges com que se abre As Palavras e as Coisas. É o princípio interno
de (auto-)problematização do conjunto, a différance que impossibilita seu
fechamento ou estabilização e, preventivamente, expõe como paranóica em si
qualquer tentativa de transformar aqueles princípios em uma moral.

Se é verdade que Deleuze e Guattari dão um valor mais alto à
desterritorialização, este valor é subordinado ao problema prático de
resistir o conservadorismo que reduz o real ao dado e toma o dado como
necessário. Que este erro deva ser resistido na prática implica que a
questão nunca é dizer que tudo é possível, mas sim que, em cada aqui e
agora, existem potenciais sobre os quais se pode agir. Se a prática
política que se pode derivar desta atitude tem um nome, este é:
intervenção.

Para uma análise autêntica (uma esquizoanálise, uma análise
molecular, como a chamamos não importa), a primeira preocupação
não será interpretação, mas intervenção. O que podemos fazer para
arejar uma situação? (…) De que serve tentar determinar o papel do
pai, da mãe, do sistema educacional nacional, Saber, Poder, a
Economia, se não nos propomos a intervir como quer que seja, a
trabalhar com todos estes componentes? (Guattari 2009: 52; em
itálico no original)

Uma intervenção singulariza a situação como produção contingente de certas
condições, a decompõe em diferentes níveis e registros (macro- e
micropolítico, molar e molecular...), identifica os potenciais e os pontos
de apoio, e testa seus limites presentes, liberando aquilo que pode nela
estar latente. Pressupõe uma experimentação com as virtualidades 'deste
atual', nunca (pace Hallward) uma experiência do Todo virtual como tal, na
dissolução de todos os vínculos atuais. Enquanto um plano de imanência como
desterritorialização absoluta sub specie aeternitatis pode ser o objeto de
um pensamento metafísico, uma experiência direta e imediata da imanência
equivale à morte, ou à psicose. Uma filosofia da intervenção não é de forma
alguma uma "filosofia da morte" (Badiou 1997: 24), mas um trabalho prático
de levantar os bloqueios que obstruem a vida.

Desfazer o organismo nunca quis dizer matar-se, mas (…) instalar-
se num estrato, experimentar as chances que ele oferece, buscar
nele um lugar favorável, movimentos eventuais de
desterritorialização, possíveis linhas de fuga, experimentá-los,
garantir conjunções de fluxos aqui e ali (…). (Deleuze e Guattari,
2004: 198-9)

Que a morte seja um dos pólos da díade "maior"
desterritorialização/reterritorialização, demonstra que em nossa
experiência possível há apenas desterritorializações relativas – e que isto
se aplica mesmo à formações mais molares, maiores, arborescentes. Negá-lo
equivaleria a cair na trampa do pensamento representativo. Do mesmo modo,
os métodos de Deleuze e Guattari devem aqui ser aplicados a eles mesmos, a
fim de mostrar que sua crítica continuada aos agrupamentos revolucionários
num livro como O Anti Édipo é uma resposta singular e local a um
determinado estilo de militância existente ao seu redor na época, e não uma
hostilidade fundamental à militância enquanto tal. Para dizê-lo com todas
as letras: ninguém, Deleuze e Guattari incluídos, jamais fez política sub
specie aeternitatis; a política é sempre intervenção hic et nunc, sempre
condicionada; o mero apelo, abstraído de toda circunstância, a uma potência
indeterminada (vida, diferença etc.) é tão politicamente vazio quanto
filosoficamente suspeito: metafísico no mau sentido.

Podemos chamar a prática política proposta por Deleuze e Guattari de
'involuntarismo' (Zourabichvili 1998; Thoburn 2010: 136), contanto que
tenhamos todo o cuidado de não confundir tal termo com "inação", mas o
mantenhamos como estritamente oposto a "voluntarismo". Isto é, se toda ação
envolve uma aposta que só se pode verificar na prática, esta será mais ou
menos capaz de expressar as coordenadas problemáticas de uma situação (e,
assim, de intervir com sucesso) quanto mais ou menos imanente à situação
ela seja, quanto mais ou menos conectada a tais coordenadas. O investimento
egóico de um grupo que se isola como o sujeito que age (o "ativista") é um
obstáculo a esta "dissolução" na situação, na medida em que prende a
intervenção na dualidade que separa uma "força ativa" de uma "matéria
passiva", obscurecendo os muito níveis em que as duas se comunicam. O
paradoxo blanchotiano de Deleuze e Guattari consiste em dizer: quanto mais
passividade se contraia, mais potente a ação; quanto mais abertura para o
fora, mais este se dobra numa intimidade (Deleuze e Guattari 2003: 59);
quanto mais afirmamos a ausência de poder, mais potência podemos dela
extrair (Deleuze 2003: 257-8).

Esta "dissolução", contudo, não implica nem uma negação do agir (se ela se
dá, é em prol de uma ação mais "interna" – e portanto mais intensa – ao
problema em que intervém) nem da organização. Pelo contrário: numa
situação, por exemplo, como um trabalho comunitário, pode-se perfeitamente
imaginar que um grupo necessitaria de um alto grau de consistência interna
para sustentar uma intervenção que se "dissolve" na vida da comunidade de
forma a conectar com os fluxos que a atravessam em todos os níveis (a
constituição do espaço, a memória, as relações econômicas ou interpessoais
etc.). Também a escolha entre organização e não-organização é literalmente
vazia, visto que tanto um pólo quanto o outro são impossíveis enquanto tal:
nem organização "absoluta" (autômatos inteiramente guiados pelas decisões
do grupo) nem desorganização absoluta (que, na ausência de qualquer
fronteira entre "dentro" e "fora", implicaria na inexistência do grupo)
podem existir na prática; trata-se sempre de encontrar a organização como
forma mais adequada de exprimir as condições de um problema.[18]

Mas quão longe, de fato, podem estas díades levar-nos de uma estetização
banalizada da mudança infinitesimal? Se estamos dispostos a aceitar mesmo
que em cada nômade há um estado e em cada estado (por menor que seja!) há
um nômade, o quê pode isto fazer contra uma ordem que sobrevive de
"revolucionar-se a si mesma"? Deleuze e Guattari (2004: 625) serão os
primeiros a admitir que não existem garantias: "espaços lisos não são por
si mesmos liberadores", mas apenas o lugar onde "a luta muda, se desloca":
"Nunca acredite que um espaço liso bastará para salvar-nos". Nenhuma
garantia, nenhum "bom e mau" – "jamais podemos permitir-nos um dualismo ou
uma dicotomia, sequer na forma rudimentar do bom e do mau", que "são apenas
o produto de uma seleção ativa e temporária a ser recomeçada"apenas
intervenção" (Ibid.: 16). Linhas de fuga podem acabar mal, seja porque
encontram reterritorializações paranóicas, seja porque se tornam isoladas e
se projetam sobre elas mesmas, seja porque nunca estamos livres de
descobrir que aquilo pelo que lutamos levou, objetivamente, ao contrário do
que desejávamos. (Tal foi o caso do movimento de rádios livres na França,
no qual Guattari foi muito ativo: logrou abrir as ondas de rádio a atores
não-estatais, apenas para que estas fossem colonizadas por empresas
comerciais.) No final como no início – porque não há final nem início – há
somente intervenção.

Já vimos, contudo, que nada há em Deleuze e Guattari de contrário ao
crescimento em escala, às mobilizações em massa, nem às formas de
organização que transformações radicais podem exigir, conforme o caso;
sempre se está lutando tanto macro- quanto micropoliticamente. ("Conforme o
caso" é, aliás, a marca da natureza situada de toda intervenção: trata-se
de não supor qualquer forma como necessária ou permanente, em favor da
contingência e transformabilidade de suas condições de criação e existência
conforme necessidades do momento – não da promessa ilusória de uma
existência finalmente sem forma.) Afirmar um poder desterritorializador não
implica dizer "sim" a todas as desterritorializações, mas saber como
selecionar.[19] A metafísica pensa a desterritorialização absoluta, mas não
existe política sub specie aeternitatis: sempre agimos no presente, de
dentro de um território existencial e de uma conjuntura, sempre de modo
condicionado. Assim, as desterritorializações relativas nunca estão
divorciadas do problema de construir o plano de consistência que lhes
franqueia conexões transversais de reforço mútuo – e que podem, se não
sempre, ao menos por vezes levar ao antagonismo aberto, molar. Nunca é
apenas uma questão de fugir; trata-se de construir uma fuga ativa:

As fugas estão por toda parte, elas renascem a cada vez dos limites
deslocados do capitalismo. E não há dúvida que a fuga
revolucionária (a fuga ativa […]) não é a mesma coisa que outros
tipos de fuga, a fuga esquizo, ou a fuga toxicômana. Mas esse é
justamente o problema das marginalidades: fazer com que todas as
linhas se conectem num plano revolucionário. (Deleuze e Guattari
1973: 376; itálico acrescido)

Repetir Deleuze e Guattari fielmente hoje consiste nem na afirmação sem
contexto possível de um devir abstrato, nem na repetição dogmática de uma
orto-doxa, mas na identificação recomeçada dos problemas que determinaram
as soluções propostas por eles, a fim de decidir até que ponto estas e
aqueles são iguais aos nossos; e a busca, no presente, de maneiras de
determinar nossos problemas, individualizando novas soluções. Soluções que,
uma vez determinadas, não podem ignorar o problema da criação de
consistência, nem satisfazer-se com uma celebração vazia do virtual e do
menor, mas precisam negociar caminhos entre molecular e molar, micro- e
macropolítica, des- e reterritorialização, clínica e crítica. "A prática
não vem depois de termos e suas relações terem sido estabelecidos, mas
participa ativamente no traçar de linhas, enfrenta os mesmos riscos e
variações que elas"; porque, "antes do Ser, há a política" (Deleuze e
Guattari, 2004: 249).



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[1] Originalmente publicado em Deleuze Studies, 4 (3), 2010. Agradeço a
Marcelo Svirsky por seus comentários sobre a primeira versão do texto e a
Peter Pál Pelbart, Suely Rolnik e Josy Panão pela ajuda na consecução desta
versão brasileira.
[2] Mas também às custas de ignorar outros, como a flexibilidade não-
ideológica em trabalhar como partidos e governos (que caracterizou o
trabalho de Guattari em La Borde, com o Centre d'études, des recherches et
des formations institutionelles, no movimento de rádios livres, e sua
aproximação com os partidos comunista, socialista e verde em diferentes
momentos); mas também as posições dos dois, nem defesa, nem condenação
incondicional, em relação à luta armada na Europa, ou, por exemplo, à
Organização para a Libertação da Palestina.
[3] Para uma reflexão sobre o período, incluindo a diferença entre pensá-lo
como "momento" e "movimento", cf. Nunes (2010).
[4] Pseudônimo de Alain Badiou.
[5] Bolstanki e Chiapello (1999), em seu clássico estudo da mobilização de
demandas e comportamentos contestatórios dos anos 60 na construçao de um
"novo espírito do capitalismo", incluem Deleuze em sua discussão da
"crítica artística" seletivamente incorporada pela nova ordem neoliberal
que surge no fim dos 70.
[6] Para Badiou (1997: 79-81), seria ou isso, ou os dois restariam
indistintos, em cujo caso o virtual seria não mais que 'ignorantie asylum'
(p. 81).
[7] Uma versão menos tendenciosa, logo mais sofisticada, desta
interpretação é oferecida por Noys (2010), distinguindo o "aceleracionismo"
dos anos 70 e o "afirmacionismo" dos anos 80 como diferentes reações ao
contexto político (e, no último caso, à crise da subjetividade política e
ao triunfo da "subsunção real"). Além disso, Noys traça uma linha clara
entre a letra dos textos de Deleuze e Guattari e as apropriações deles
feitas – distinção que Zizek, em particular, borra com grande facilidade.
[8] Les anées d'hiver é o nome de uma coletânea de textos de Guattari dos
anos 80; Capitalismo Mundial Integrado foi como ele descreveu aquilo que,
pouco depois, passaria a ser amplamente conhecido como "globalização".
[9] "Change we can believe in" foi um slogan da campanha presidencial de
Barack Obama.
[10] Que não há opção a priori entre molar e molecular fica claro num
trecho como: "Quando uma minoria cria modelos para si, é porque deseja ser
majoritária, o que sem duvida é necessário para sua sobrevivência ou
salvação (por exemplo, ter um estado, ser reconhecido, fazer valer
direitos)." Mas, ao mesmo tempo, "sua potência vem daquilo que ela terá
sido capaz de criar, e que passará ao modelo, sem depender dele." (Deleuze
e Negri 2007: 235).
[11] Em 1972 – logo, ao mesmo tempo em que aparecia O Anti-Édipo – Deleuze
(2004b: 178), em seu prefácio a Psychanalyse et transversalité, de
Guattari, dizia que "a força" deste estava em "mostrar que o problema não
é, de forma alguma, a alternativa entre espontaneísmo e centralismo. (…) É
evidente que uma máquina revolucionária não pode se contentar com lutas
locais e pontuais: hiper-desejante e hiper-centralizada, ela deve ser tudo
isto ao mesmo tempo".
[12] Se a introdução de Diferença e repetição fala na identidade como
"'efeito' ótico"' (p. 1), mais tarde ficará claro que a representação não é
miragem, mas "ilusão transcendental" (p. 341), no sentido kantiano que
Deleuze subscreve: ao invés de desvio externo, tendência interna e
inevitável do pensamento. Devemos compreendê-la no quadro da doutrina
deleuziana de simulacro, que não é uma cópia que falsifica o modelo, mas
"uma potência postiva que nega original e cópia, modelo e representação" –
onde "[a] semelhança subsiste", "[a] identidade subsiste", mas como efeito,
"expressão do funcionamento do simulacro", "do Diferente como potência
primeira" (Deleuze 2002b: 302-3; itálico no original).
[13] A distinção entre ciência real ("maior") e nômade ("menor") em Mil
platôs deve, aliás, ser pensada também de maneira diádica, como uma tensão
onde ambos os lados se implicam mutuamente e têm sua criatividade própria.
Sobre este ponto, bem como o diferendo entre Badiou e Deleuze em relação à
matemática e a teoria das multiplicidades, cf. Smith (2004).
[14] Cf. Deleuze (1993: 7).
[15] 'Spinoza não chama seu livro de Ontologia (…), ele o chama de Ética. O
que é um modo de dizer que, qualquer que seja a importância de minhas
proposições especulativas, você só pode julgá-las no nível da ética que
elas envolvem ou implicam." (Deleuze: 1981)
[16] Deve-se observar que, não obstante a recorrência dos lembretes de que
eles não se opõem segundo "tamanho, escala dimensão, mas pela natureza do
sistema de referência" (Deleuze e Guattari 2004: 264), o uso por vezes
equivoco daqueles pares que sugerem dimensão (molar/molecular, macro-/
micropolítica) pode ser uma fonte de confusão. Além disso, há um caso em
que os dois pólos não são virtuais: na "dupla articulação", molar e
molecular são ambos atuais e opostos em escala, mesmo que em termos
relativos (a célula é molecular em relação ao organismo, o indivíduo em
relação à espécie etc.). Neste caso, a "matéria" virtual é identificada
como "fluxos-partículas instáveis" (cf. Deleuze e Guattari 2004: 55).
[17] John Mullarkey (2004, 2006) é o comentador que vai mais longe em
contestar a primazia do virtual em Bergson/Deleuze, encontrando numa
leitura do primeiro os elementos para contrabalançar a ocasional tendência,
no segundo, de enfatizar o virtual ao ponto de pôr o caráter processual de
sua metafísica em risco. Para isso, ele argumenta que o virtual deve ser
entendido como série infinita de Cronoi sucessivos, atuais, indefinidamente
imbricados uns nos outros – eliminando a necessidade de um Aion eternos de
eventos virtuais puros. Ele concorda, no entanto, que trata-se de usar
algumas tendências no pensamento deleuziano contra outras, oferecendo uma
excelente discussão de porquê e como Deleuze exige que todas estas, e a
tensão entre elas, sejam mantidas ao mesmo tempo.
[18] Não se pode deixar de notar, aliás, que se Badiou/Peyrol condenava em
1976 uma suposta rejeição de Deleuze e Guattari à questão da organização,
isto era, conforme o título da diatribe já deixava claro, porque "partido"
e "organização" eram, para o então maoísta, sinônimos.
[19] Já em Nietzsche e a filosofia Deleuze advertia: "O real em si é uma
ideia de asno (…). A afirmação, entendida como (…) afirmação daquilo que é,
a veracidade do verdadeiro ou a positividade do real, é uma falsa
afirmação. É o 'sim' do asno. (…) O 'sim' dionisíaco, por outro lado, é
aquele que sabe como dizer 'não'. (…) Afirmar é criar, não carregar,
suportar, aguentar."(Deleuze 2001: 208–13).
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