A Ponderação judicial no Novo CPC: ouro-dos-tolos?

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A Ponderação judicial no Novo CPC: ouro-dos-tolos? – Por Tiago Gagliano Pinto Alberto
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Por Tiago Gagliano Pinto Alberto – 30/03/2016
Olá a todos!!!
Na mineração, há um metal que causa enorme confusão: é a pirita, ou pirita de ferro, cuja composição e forma parecem muitíssimo com o ouro, tendo, por isso, recebido a alcunha de ouro-dos-tolos. Com efeito, a pirita, quando peneirada juntamente com os demais materiais, parece mais com o ouro do que ele próprio; ela brilha mais, tem um formato mais consentâneo com o qual geralmente concebemos o metal nobre e, ainda, revela-se mais cristalina. Para resumir: quem não conhece as diferenças, facilmente guardará a pirita e descartará o ouro, acaso existente.
O que o ouro-dos-tolos tem a ver com a ponderação judicial?
O novo Código de Processo Civil inseriu, já não é mais novidade, elementos colaborativos e principiológicos na agenda do dia dos conflitos que o tenham como premissa normativa principal ou subsidiária. Muitas explicações podem ser procuradas para esta opção teórica, sendo a mais aceita, ao menos para a estrutura mais aberta e direcionada aos princípios e demais elementos axiológicos, aquela segundo a qual os conflitos atualmente existentes no ambiente altamente complexo da sociedade demandam uma participação ativa e proativa do Poder Judiciário que não mais pode se limitar à estrutura dedutiva lastreada no mais do que conhecido modus ponens. De fato, neste âmbito, situações que envolvem casos difíceis, trágicos, decisões estruturantes, intermédias, ablações diferidas, sentenças manipulativas, entre outras, passaram a se tornar cada vez mais correntes e, por isso, receber maior trânsito na esfera judicial.
Esta mera constatação já demanda uma releitura das técnicas decisórias, de sorte a providenciar a consecução de técnicas mais abertas, principiológicas, para dar conta das complexidades verificadas.
E, falando de princípios, surge quase que imediatamente a questão da colisão. Como se sabe, a antinomia de regras é usualmente resolvida pelos critérios clássicos da anterioridade, especialidade ou hierarquia e, entre os mais contemporâneos, a técnica do diálogo das fontes. Quanto aos princípios, porém, estas formas de resolução de conflitos não encontram guarida, pois, entre muitos fatores que não convém neste espaço nominar, os princípios guardam dimensão de peso que permite o embate entre dois ou mais deles envolvidos na resolução prima facie de um caso. Sendo assim, não há como simplesmente optar por um e não por outro. Haverá de ser efetivada uma análise em conjunto de ambos para verificar se, naquele caso concreto, algum deverá prevalecer e em qual medida.
Para tanto, há diversas técnicas. O Novo Código de Processo Civil parece ter escolhido a da ponderação, porque a ela faz alusão no §2º do artigo 489, que assim explicita: "§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.".
O parágrafo, que parece dizer tudo a respeito da técnica da ponderação e a sua utilização no caso de colisão de princípios, nada disciplina a respeito, além de confundir muito mais do que pretende explicar. É um verdadeiro ouro-dos-tolos.
Inicialmente, ao mencionar a técnica da ponderação, não disse por qual motivo a escolheu, se existem outras técnicas disponíveis, tais como a razoabilidade, a derrotabilidade e diversas outras formas de pensar, metodologicamente, a resolução de conflitos de princípios. Poderia ser uma opção legislativa, mas, acaso assim fosse, não estaria explicado o motivo de apenas no caso da utilização da ponderação o juiz ter que atender aos requisitos explicitados pelo parágrafo em comento. Ou seja: ou o parágrafo é insuficiente, ou desnecessário; em ambas as hipóteses, revela-se indesejável.
Outro problema: no âmbito da técnica da ponderação, a qual das formas de ponderar a lei processual teria feito alusão? Digo isso, porque, diversamente do que se pode pensar em uma primeira e superficial visada, não apenas o jurista Robert Alexy sistematizou a referida técnica; há outros autores que também o fizeram, como, por exemplo, Aleksander Peckzenik e Aulis AArnio, cada qual com pressupostos e marcos teóricos diferenciados, além de particularizadas formas de ver a técnica em si e o direito como um todo.
Se o NCPC escolheu alguma delas, não se sabe, porque nada explicitou a respeito. Assim, de novo, ou legislou de maneira insuficiente, sendo por demais aberto e inconclusivo, ou simplesmente foi inócua a menção à ponderação.
Mas, admitindo que se trate de uma ponderação ao estilo de Robert Alexy, que de fato é a mais popularizada, vejamos se o parágrafo nos oferece maiores diretrizes a respeito de sua aplicação.
Ao mencionar, já no início do parágrafo, a "colisão de normas", o NCPC não disse a respeito de quais normas está tratando. Esta informação é relevante, aliás, relevantíssima, porque na conceituação de normas cabe tudo e mais um pouco. Regras, princípios, cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados, ou nada disso podem ser considerados normas, dependendo da fonte doutrinária e de pesquisa que se utilize. E isso influencia diretamente na aplicação do parágrafo, já que somente no caso dos princípios, ao que parece, a técnica da ponderação deverá ser utilizada. Como, no entanto, fica no caso de conflitos entre regras e conceitos jurídicos indeterminados, ou cláusulas gerais? Qual técnica deverá ser utilizada e como deverá o juiz atender aos anseios da argumentação racional preconizada pelo artigo 489? Nada se fala a respeito.
Mas… avançando, delimitada a norma, o parágrafo exige que o juiz justifique o objeto e os critérios gerais da ponderação. Bem, como deverá fazer essa justificativa? Adotando uma das teorias da decisão judicial disponíveis no âmbito acadêmico, como, por exemplo, a formulada por Neil MacCormick, Robert Summers, Klaus Günther, o próprio Robert Alexy, entre outros? Ou a justificativa passará por seu crivo pessoal, emotivo, ou subjetivo? Acaso a primeira das opções seja adotada, o parágrafo é incompleto; acaso seja preferível a segunda, não atende à racionalidade.
Em seguimento, ao tratar de "critérios gerais da ponderação efetuada", parece que existem os gerais e específicos, mas nada se disse a respeito, tanto em relação a um, como no tocante ao outro. Entretanto, ainda que dissesse, teria a lei processual legitimidade para fazer uma opção teórica? Ou, dito de outra forma: ficaria o juiz vinculado a uma opção teórica apriorística firmada pela lei, ou, entendendo adequada outra forma teórica de ver a problemática, poderia optar por utilizá-la?
A lei exige, ainda, que sejam enunciadas "as razões que autorizam a interferência da norma afastada", mas deixa de explicitar com base em que estas razões estariam autorizadas a proceder como alude o texto, afastando a norma; e, ainda, em qual grau se daria este afastamento, podendo variar de total a nenhum. Alexy, para citar um dos teóricos apenas, sugere a variante triádica na ponderação em sentido estrito, que, por sua vez, pode dar origem a uma divisão em no mínimo oito sub-variações. Qual, ou quais delas, ainda que se adote a matriz Alexyana, deverá ser utilizada?
Finalmente, neste breve escorço, exige a lei sejam enunciadas as premissas fáticas que justificam a ponderação. Bem, e as jurídicas? Lembre-se que estamos trabalhando a ponderação em decorrência de colisão de princípios, matéria principalmente jurídica e que, por isso, reclama uma apreciação jurídica no confronto das premissas adotadas, não podendo se circunscrever às premissas fáticas.
Ao que se pode perceber deste rápido exame do §2º do art. 489, o legislador tentou encontrar ouro entre os objetos sujeitos à mineração da melhor técnica decisória, mas, da forma como colocou a questão, demonstrou que apenas o ouro-dos-tolos foi encontrado, descartando o metal nobre.
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!


Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.

Imagem Ilustrativa do Post: Aurous Glow // Foto de: Nick Perla // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/thewhitewolves/5648509920
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
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