A Posição Jurídica do Progenitor Não-Guardião em Portugal

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Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões/Edições/9 - Abr/Maio 2009 Revista Magister de Direito das Famílias e Sucessões/Doutrina/Contribuição Estrangeira/A Posição Jurídica do Progenitor Não-Guardião em Portugal /Marianna Chaves

A Posição Jurídica do Progenitor Não-Guardião em Portugal Marianna Chaves Advogada; Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa; Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa; Pós-Graduada em Filiação, Adoção e Proteção de Menores pela Universidade de Lisboa; Pós-Graduada em Direito da Medicina e Bioética pela Associação Portuguesa de Direito Intelectual e Universidade de Lisboa; Diretora do Núcleo de Relações Internacionais do IBDFAM-PB; Membro da International Society of Family Law.

SUMÁRIO: 1 Considerações Sobre Guarda e Responsabilidades Parentais em Portugal; 2 Considerações Iniciais Sobre o Progenitor Não-Guardião; 3 Direito-Dever de Convivência; 3.1 Negação do Direito de Convivência; 3.2 Execução; 3.3 Suspensão da Obrigação de Alimentos por Incumprimento do Direito de Convivência; 4 Direito de Vigilância; 5 Obrigação de Alimentos; 5.1 Quantificação; 5.2 Execução; 5.3 Suspensão do Direito de Convivência por Incumprimento da Obrigação de Alimentos; 6 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

1 Considerações Sobre Guarda e Responsabilidades Parentais em Portugal O termo guarda teve sua origem nos vocábulos guardare (latim) e wardem (alemão), podendo ser traduzido nas elocuções conservar, vigiar, proteger, olhar 1. Nas palavras de Guilherme Strenger, guarda de filhos seria "o poder-dever submetido a um regime jurídico-legal, de modo a facultar a quem de direito prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar nessa condição" 2. Pode-se asseverar que guarda de menores ou filhos é o complexo de relações jurídicas entre um indivíduo e o menor, resultantes do fato deste estar submetido ao poder ou à companhia daquele, e da responsabilidade daquele em relação ao infante, no tocante à educação, direção e vigilância.

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Deste modo, é manifesto que a guarda compõe a estrutura das responsabilidades parentais, que está inserta naquele conjunto, uma vez que entre os direitos-deveres que a lei civil impõe aos progenitores em relação à sua prole, se faz presente a guarda. Em Portugal, com a reforma de 1977, ocorreu aclamação do princípio do exercício exclusivo do poder paternal pelo pai que obteve a guarda do infante, originando, desta forma, ligação instantânea entre exercício do poder paternal e guarda 3. Tal fato se manteve até o ano de 2008, quando a Lei nº 61/08, de 31 de outubro, alterou o regime jurídico do divórcio, modificando significativamente tal situação. Atualmente, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, da mesma forma em que eram levadas a cabo na constância do casamento, exceto na ocorrência de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir unilateralmente, devendo informar o outro progenitor assim que possível 4. Note-se que tais disposições também são aplicáveis aos casais que vivam em união de facto 5, e também aos que não vivam em condições análogas à

dos cônjuges 6, desde que a filiação esteja estabelecida quanto a ambos. Sobre a inadequação da terminologia "poder paternal", substituída no texto da nova lei por "responsabilidades parentais", já afirmava Jorge Duarte Pinheiro que era adequada a tutela do poder de guarda do menor, mas, no entanto, era lamentável a terminologia legal. Em sua opinião, o vocabulário utilizado evocava o sinistro período pré-filiocêntrico do poder paternal em que o filho não passava de um objeto pertencente ao pai 7. Maria Clara Sottomayor também já evidenciava, antes mesmo do advento da nova normativa, desaprovação por tal expressão, uma vez que o termo "poder" denota posse, domínio, hierarquia, e defendia, de acordo com a atual percepção da família proposta pela Carta Magna e Código Civil portugueses, "uma família participativa e democrática, baseada na igualdade entre os seus membros e em deveres mútuos de colaboração". O vocábulo "paternal", de acordo com seu juízo, diz respeito à supremacia do progenitor varão, que assinalava a família patriarcal, caracterizada pela colocação hierarquicamente superior do chefe masculino, em relação à mulher e aos filhos. Assim, a autora já dava preferência ao emprego de termos como "responsabilidade parental" ou "cuidado parental" 8. Hodiernamente, com a entrada em vigor da nova lei do divórcio, tal entendimento passou do campo meramente doutrinário para o campo legislativo.

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A Constituição da República portuguesa, em seu art. 36º, nº 5, consagra a isonomia entre homem e mulher, uma vez que em tal dispositivo encontra-se a previsão de que o poder paternal é um direito e dever de ambos os pais na educação e manutenção dos filhos. Todavia, na ocorrência de uma separação, o poder paternal era, via de regra, confiado ao genitor a quem fosse deferida a guarda. Aquele que não detivesse a guarda, muito embora não perdesse a sua titularidade, se via privado do exercício assim como da participação das decisões concernentes à educação e criação do filho, de acordo com o texto revogado do art. 1.906º do Código Civil português. Por conseguinte, ao progenitor não-guardião cabia unicamente a possibilidade de visitar sua prole, mantendo, assim, relações pessoais, bem como a prerrogativa de fiscalizar o modo como estavam sendo educados pelo genitor que possuía a guarda. Ficava ele desprovido de poderes decisórios em relação aos filhos. Desta forma, cabia ao mesmo apenas o papel de "observador passivo" 9. Atualmente, diversa é a situação. De acordo com a atual redação do art. 1.906º do CC português, como já referido anteriormente, "as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimônio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho" 10. Não obstante a modificação terminológica e substancial trazida pela nova normativa, ainda se observa uma ligação entre a guarda física e o exercício unilateral das responsabilidades parentais, em virtude do disposto no art. 1.906º, nº 3.

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O argumento dos que defendiam a ligação instantânea entre guarda e poder paternal - e que levava os dois institutos a terem um conteúdo operante igual - é a unidade na educação da criança, além de obstar a presença do filho em ambiente aguerrido, oriundo da altercação entre os pais. Existiam também outros motivos de natureza prática, como o de afastar dificuldades do genitor guardião em obter a anuência do outro, relativamente às decisões importantes da vida do infante.

Todavia, os que já se posicionavam em sentido contrário alegavam que esse sistema levava a um rompimento nos laços afetivos da criança com o genitor que não detém a guarda, coibindoo de participar na educação da criança e cooperar para a formação da sua personalidade e seu brio 11. Tal entendimento não deixava de merecer concordância, tendo em vista que a limitação da relação entre a prole e o pai ou mãe que não possui a guarda às visitas e à vigilância leva a uma grave confinação de uma relação, que por si só é sublime.

2 Considerações Iniciais Sobre o Progenitor Não-Guardião Em Portugal, assim como no Brasil, o progenitor não detentor da guarda não fica completamente desprovido de prerrogativas e deveres. Antes do advento da Lei nº 61/08, existia a conservação da titularidade do poder paternal. Mas, apesar de titular dos poderes inerentes ao poder paternal, o progenitor não-guardião não estava autorizado a exercê-los. Entretanto, imperioso ressaltar que, independente da modalidade de exercício do poder paternal, já existiam atos que requeriam a participação de ambos os pais, como o consentimento para adoção 12 e a escolha do nome e sobrenome da prole 13, em consonância do disposto no Diploma Civil. Ademais, os pais podiam acordar que determinadas questões fossem resolvidas por ambos 14 ou que a administração dos bens da prole fosse assumida pelo progenitor que não detivesse o poder paternal.

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O pai desprovido da guarda conservava, para além do dever de alimentos, o direito de visita e o direito de vigilância. Nas palavras de Maria Clara Sottomayor, a cada direito reconhecido ao progenitor guardião correspondia, mas em grau menor, um direito acordado ao outro progenitor 15. Atualmente, não existe a necessidade de um acordo para que as decisões de particular importância sejam tomadas por ambos os pais. Via de regra, as responsabilidades parentais nesse âmbito (particular importância) deverão ser exercidas por ambos os pais, salvo quando a situação se mostrar contrária ao melhor interesse da criança 16. Não obstante isto, as decisões acerca do dia-a-dia do filho continuam cabendo ao progenitor com quem ele reside normalmente, ou com quem se encontrar temporariamente 17. Pode-se afirmar, portanto, que agora continua a existir uma conexão entre as responsabilidades parentais e a guarda física do infante.

3 Direito-Dever de Convivência O direito-dever de convivência 18 vem para substituir o trato diário do progenitor não-guardião e sua prole, uma vez que não existe mais coabitação entre os mesmos. Como no Direito brasileiro, é entendido num sentido mais amplo, num sentido não apenas de ter a companhia da criança por algumas horas, mas abarcando a retirada da mesma do local onde vive, conferindo ao titular deste direito a permissão para hospedar o infante por alguns dias, seja nos finais de semana ou nas férias, por exemplo. Deste modo, tal prerrogativa objetiva fomentar as relações e fortalecer os laços de afetividade, que se enfraqueceram com a separação dos pais. É composto por contatos esporádicos, passando por pernoites, indo até várias semanas de convívio, como no caso das férias. E consiste, ainda, em qualquer forma de comunicação, como carta, correio eletrônico, telefonemas, etc. 19

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De acordo com o art. 1.906º, nº 5, do CC, "o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro". Tal direito, como já observado, assumiu um caráter de direito-dever, uma vez que é direito do progenitor em conviver com o filho e também direito daquele de ter a companhia do pai com quem não reside. Importante relembrar que tal direito-dever não possui caráter absoluto, estando dependente do interesse do menor, podendo ser circunscrito ou até mesmo eliminado quando o seu exercício for incompatível com a saúde emocional do infante ou este manifestar oposição ao exercício, entendendo-se que a vontade do adolescente deverá, de pronto, ser atendida, e a da criança, avaliada 20. Três são os elementos norteadores da decisão do juiz acerca do direito de convivência, a saber: as prerrogativas do detentor da guarda, o interesse do titular do direito de convivência e o interesse do menor na conservação daquela relação. Entende-se na doutrina que "é este último elemento que constitui o ponto de referência privilegiado e o princípio fundamental de que o juiz faz uso na configuração do direito de visita" 21. Importante ressaltar que a normativa aplicável não regulamentou o direito de convivência de forma pormenorizada. Restringiu-se a citá-lo, não especificando quais os padrões que deveriam ser aplicados, entendendo que tal papel cabe ao Juiz, que pode apreciar as circunstâncias fáticas do caso concreto. Excetuando-se o caso de acordo das partes envolvidas, o Judiciário poderá determinar de forma discricionária a duração, a assiduidade e local de convívio. Note-se que em ambas as situações - no caso de acordo ou decisão judicial a resolução deverá sempre ter como vetor o melhor interesse da criança.

3.1 Negação do Direito de Convivência É assente que a tendência normativa e da prática judicial é a de estimular a manutenção dos vínculos entre a criança e ambos os pais. Entretanto, em relação àquele que não detém a guarda, numa medida de caráter excepcional, tal prerrogativa poderá ser obstada, se o interesse da prole assim evidenciar 22.

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Quando a visitação entra em choque com o interesse do menor, é este último que deverá predominar. Todavia, tal medida (a negação do direito de visita) só deverá ser aplicada em último caso, tendo em vista que o Judiciário poderá dispor de outras providências menos gravosas para salvaguardar o interesse da prole, a saber: a suspensão provisória 23 ou a subordinação do exercício da visitação a condições especiais 24. Mister ressalvar que a intervenção do Estado, negando o direito de visita, apenas se justifica quando se evidencie as mesmas razões que legitimam uma medida de assistência educativa 25 ou uma inibição do exercício das responsabilidades parentais 26.

3.2 Execução A Organização Tutelar de Menores prevê no art. 181, para os casos em que um dos pais não satisfaça a sentença ou acordo que regula o exercício do poder paternal, a possibilidade

daquele cuja pretensão à visitação for obstada solicitar ao Judiciário as providências cabíveis para o cumprimento coercitivo e a condenação do negligente em multa de até $ 50.000,00 ( 249,90, conversão operada pelo art. 1º/2 do DL 323/01, de 17/12) e em indenização a favor do filho ou do requerente, ou, ainda, de ambos. A prática judiciária tem entendido o direito de convivência como um direito judicialmente exigível, passível de ser realizado contra a vontade daquele que detém a guarda. Todavia, não há jurisprudência em Portugal relativa à execução forçada do direito de convívio contra a passividade do progenitor não-guardião. Tal acontecimento talvez se dê pelo fato de os pais nunca a terem requisitado ou pelo juízo dos Tribunais, que supõem ser improfícua a manutenção de uma relação com o auxílio de sanções, e não pelo afeto que, teoricamente, une os pais à prole.

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Não obstante, mostra-se possível, por meio de uma sanção pecuniária compulsória 27 a ser satisfeita pelo progenitor sem a guarda por cada dia, semana ou mês de atraso no cumprimento da visitação, criar uma forma de pressão ao exercício positivo do direito de convivência. É imperioso, no panorama dos direitos da criança, que o Estado obrigue os progenitores sem a guarda a cumprir o direito-dever de convivência ao invés de forçar os infantes, mediante a intervenção de forças policiais ou de psicólogos, a estar com o progenitor não-guardião, quando não deseja a prole tal ocorrência 28. Quanto ao amparo penal do direito de convivência, este se verifica na circunstância de serem satisfeitos os pressupostos do tipo legal descrito no art. 249º, nº 1, alínea c, do Código Penal 29. Comete o ilícito e está sujeito à pena qualquer um dos progenitores: tanto o que impedir ou dificultar a convivência do filho com o pai não-guardião, como aquele que não cumprir o regime estabelecido, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, de convivência com o filho.

3.3 Suspensão da Obrigação de Alimentos por Incumprimento do Direito de Convivência Argumento habitualmente utilizado pelos pais para esquivar-se do pagamento da obrigação de alimentos é o incumprimento, por parte do genitor guarda, do regime de convivência consagrado na decisão relativa à regulação das responsabilidades parentais. A doutrina portuguesa 30 entende que os tribunais não devem fazer uso da suspensão da obrigação de alimentos como um meio de coagir o progenitor que detém a guarda a consentir a convivência, pois se trata de uma providência que pune o comportamento ilícito de um dos pais à custa do bem-estar material da prole.

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A convivência e a obrigação de alimentos são institutos distintos, com regimes próprios. Ademais, não se justifica permitir que uma criança que já está privada do convívio com o outro progenitor, por quem, habitualmente, nutre profunda estima, seja também privada do seu conforto material. Não bastando tais fatos, admitir-se a solução de suspender judicialmente a obrigação de alimentos estimularia comportamentos estratégicos de pais que, de má-fé, não queiram cumprir com sua obrigação, além de permitir que a criança seja utilizada como joguete, no meio da altercação dos pais.

4 Direito de Vigilância No ordenamento português, o Diploma Civil prevê, a favor do progenitor que não detém a guarda do filho, o direito de vigilância referente às condições de vida e à educação do mesmo 31. Entretanto, a normativa restringe-se a citar este direito sem pormenorizar seus contornos e, consequentemente, sua aplicação prática. Tal incumbência ficou por conta, portanto, da doutrina e da prática judicial. Ao progenitor não-guardião cabe o direito de fiscalizar as decisões adotadas por aquele que detém a guarda, além de poder agir diretamente em relação às questões de particular importância na vida da prole. Note-se, porém, que tal prerrogativa não poderá se transformar em um direito de imiscuição. No âmbito da vida corrente dos infantes, o progenitor guarda tem a vantagem da decisão. Nesta seara ao outro pai só resta a prerrogativa de apelar ao Judiciário para contestar os atos do guardião, quando o interesse do menor estiver ameaçado. Desta forma, o dever de vigilância poderá emergir somente quando o pai guardião atuar com irregularidade, omissão, desmazelo. Sempre que houver um desempenho anômalo da função, pode o genitor que não detém a guarda opor-se e exigir a reparação do lapso, fazendo-se a ressalva de que o requisito para tal atuação é a presença de um genuíno perigo para o interesse do menor, nomeadamente para a sua saúde, educação ou segurança 32. O direito de vigilância englobava, tacitamente, o direito de informação. Agora o direito de vigilância compreende expressamente o direito de informação, nos termos do qual o progenitor não-guardião tem a permissão de requerer do progenitor guardião todas as informações relativas à educação, ao desenvolvimento, à saúde, às relações do menor com terceiros, etc., assim como a todas as decisões essenciais relativas a esses âmbitos.

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5 Obrigação de Alimentos Ao pai guardião caberá a responsabilidade da criação e educação dos filhos, assim como o sustento dos mesmos dentro das suas possibilidades, competindo ao outro prestar alimentos no valor determinado pelo Magistrado. No caso em tela (alimentos devidos aos filhos menores), é assente na doutrina portuguesa que a lei determina, desde que os rendimentos do genitor que não detém a guarda o possibilitem, que seja assegurado ao menor um nível de vida análogo ao que este desfrutava antes da separação dos pais, com as mesmas regalias e confortos.

5.1 Quantificação Quanto à quantificação dos alimentos, no ordenamento português 33, assim como no brasileiro, se encontra presente o princípio da proporcionalidade. Habitualmente, traz-se à baila o binômio necessidade-possibilidade, ou seja, investiga-se as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante para determinar o montante da pensão. Entretanto, no entendimento de Maria Berenice Dias, "essa mensuração é feita para que se respeite a diretriz da proporcionalidade. Por isso, se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio: proporcionalidade-possibilidade-necessidade" 34. Para tal efeito, nas ações de alimentos e nas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais, deverá proceder-se a uma avaliação do patrimônio do progenitor sem a guarda.

Para a demarcação da receita do pai sem guarda não é suficiente a mera apresentação da declaração do IRS, mas deve ser possível calcular rendimentos em conformidade com determinados indicadores, sendo admitida a prova testemunhal para constatar os rendimentos do alimentante. Importante ressaltar que, no caso de um pai que se encontra voluntariamente numa situação de desemprego, incabível é a dispensa da obrigação de alimentos 35.

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Todavia, dispõe o Diploma Civil português que quando os filhos estão em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, os encargos com a sua segurança, saúde e educação, os pais estão dispensados da obrigação de alimentos 36. Importante relembrar que o mero alcance da maioridade não pode ensejar a perda compulsória 37 da pensão alimentícia por parte dos filhos, como bem assevera o art. 1.880º 38 do Código Civil português, tendo em vista que, quase invariavelmente a formação profissional ou universitária da prole só ocorrerá posteriormente à maioridade, devendo, assim, ser prolongada a prestação de alimentos. De tal entendimento perfilham a jurisprudência 39 e a doutrina brasileira 40.

5.2 Execução Analogamente ao ordenamento brasileiro, estipulada a pensão alimentícia e não cumprindo o devedor com a sua obrigação, possui o credor a prerrogativa de executá-lo. Assim, em Portugal, o sistema de execução, após atrasos no cumprimento da obrigação de alimentos, é composto, para além do processo de execução especial por alimentos previsto no art. 1.118º e seguintes do CPC, por uma dedução do valor da pensão nos rendimentos do devedor, de acordo com o art. 189º 41 da OTM e por uma sanção penal prevista no art. 250º do CP 42.

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À dívida de alimentos paga com atraso deve ser acrescida uma indenização dos danos causados ao credor com atraso, de acordo com o art. 804º do CC, e uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento por meio da aplicação analógica do art. 829º-A do mesmo Diploma. Observa-se na doutrina lusitana 43 que, apesar da previsão em lei, na prática, raramente a aplicação de uma pena de prisão é decretada. Tal pena possui um propósito ao mesmo tempo punitivo e preventivo 44. Uma vez adimplida a obrigação, o Tribunal pode dispensar de pena ou declarar extinta, total ou parcialmente, a pena ainda não cumprida, de acordo com o disposto no nº 3 do art. 250º do CP 45.

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5.3 Suspensão do Direito de Convivência por Incumprimento da Obrigação de Alimentos Presente na doutrina brasileira, também emerge em Portugal o debate acerca do cabimento da suspensão do direito de convivência do progenitor não-guardião em virtude do incumprimento do dever de alimentos. Questão controversa. Pode-se entender que o não pagamento da obrigação de alimentos constitui causa legítima da negativa do progenitor guarda em permitir ao outro que exercite o seu direito de visita.

Maria Clara Sottomayor entende em sentido diverso quando afirma que "a obrigação de alimentos e a obrigação de permitir visitas, ambas essenciais para o desenvolvimento da personalidade da criança, não são sinalagmáticas, nem uma é condição da outra" 46. Parece justo manter um posicionamento intermediário, sendo cabível a suspensão do direito de convivência apenas, e rigorosamente apenas, quando evidenciado que o pai, solvente, reiteradamente se nega, culposa e voluntariamente, ao pagamento das prestações alimentícias, deixando seus filhos sujeitos a dificuldades de ordem material.

6 Considerações Finais Uma vez concedida a guarda única a um dos progenitores, tem-se a sensação de que o outro resta completamente preterido da relação paterno-filial. Todavia, não é o que se verifica. Com as devidas ressalvas das divergências nos Diplomas Civis e Processuais do Brasil e de Portugal, pode-se afirmar que o papel do progenitor não-guardião é quase o mesmo, em ambos Estados. Note-se que o sistema português passou de uma lógica de conexão automática e total, via de regra, entre a guarda única e o exercício unilateral do poder paternal, para um panorama de responsabilidades parentais compartilhadas, com o advento da Lei nº 61/08. Entretanto, é imperioso ressaltar que tal compartição se restringe às questões de especial importância na vida da prole. No âmbito das questões diárias, comuns, da vida dos filhos ainda se observa uma prevalência da "autoridade" do progenitor guardião em relação ao não-guardião. Destarte, pode-se concluir que existe uma correlação entre a guarda física da criança e o exercício unilateral das responsabilidades parentais. Pode-se afirmar também, diante da preponderância da "autoridade" do genitor guarda, que existe uma responsabilidade parental compartilhada, mas, ao mesmo tempo, limitada.

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Note-se que, apesar da boa vontade do legislador, a nova normativa poderá ser fonte de um excesso evitável de conflitos. Explique-se: no regime anterior, as responsabilidades parentais compartilhadas, em relação às decisões de particular importância na vida dos filhos, estavam sujeitas a um acordo que deveria ser homologado judicialmente. Atualmente, o exercício conjunto é imposto, tanto nos casos de separação, divórcio, término da união de facto, como no caso em que os progenitores não vivam em condições análogas aos dos cônjuges. Como impor o exercício comum das responsabilidades parentais a quem nunca viveu com o filho? Não será uma fonte desnecessária de conflitos? Para a determinação da residência do infante - que, por sinal, será a seara para onde se mudará a tônica dos litígios - o legislador pareceu dar especial importância para a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. Proposta louvável, entretanto, poderia-se ter ido mais longe, incluindo uma preferência pela figura primária de referência, que seria aquele que predominantemente cuidou do infante no seu dia-a-dia, ou seja, que tratou da preparação das refeições, do banho e asseio, das roupas, do transporte para o colégio ou para encontro com os amiguinhos, da preparação para dormir, de atender o filho de madrugada, de acordá-lo pela manhã, da orientação de boas maneiras, da disciplina, da instrução ética, etc. 47 Quanto ao direito de convivência, no Brasil e em Portugal observa-se uma certa omissão legislativa em relação aos seus contornos. Recentemente, no Brasil, emergiram decisões que aplicam multas com a finalidade de obrigar o progenitor não-guardião em cumprir com a sua obrigação de estar com o filho. A doutrina portuguesa também comunga com a ideia da aplicabilidade de astreinte para criar uma forma de pressão ao exercício positivo do direitodever de convivência, em prol do interesse da criança.

O direito de fiscalização (ou vigilância, como denominado em Portugal) constitui outra prerrogativa do progenitor não-guardião. No ordenamento brasileiro prístino, possuía um escopo nitidamente econômico, que era o de fiscalizar o emprego da pensão alimentícia destinada ao menor. Hoje possui um caráter distinto, devendo ser enxergado como o exercício indireto, pelo pai não-guardião, da sua autoridade parental, que fica encoberta e só se revela quando o pai guardião atua com irregularidade, omissão, desmazelo. Sempre que houver um desempenho anômalo da função, pode o genitor que não detém a guarda opor-se e exigir a reparação do lapso. Entretanto, como bem assevera a doutrina portuguesa, assim como a brasileira, tal direito deve ser levado a efeito com seriedade e ponderação, de forma a não se assinalar como imiscuição perturbadora no exercício das responsabilidades parentais pelo genitor guardião, no âmbito da vida corrente da prole.

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Quanto à obrigação de alimentos, pode-se afirmar que é primordial e de cunho irrestrito a obrigação de os pais proverem o sustento de seus filhos. Tal dever, quando os mesmos não vivam juntos, converte-se no dever legal da prestação alimentícia. Genericamente, o pai guardião será responsável não apenas pela criação e educação da prole como pelo sustento, dentro das suas possibilidades, competindo ao outro prestar alimentos no valor determinado pelo Magistrado. Nesta seara, diversos debates são originados - quantificação dos alimentos, suspensão do direito de visitas em virtude do incumprimento da obrigação de alimentos, entre outros. Quanto à quantificação, há uma convergência do critério norteador nos ordenamentos brasileiro e português, que é o princípio da proporcionalidade, ou seja, quanto mais ganha o pai, mais recebe o filho. Grande inquietação se apresenta na doutrina quando do tratamento da questão da suspensão da visitação em virtude do não pagamento da pensão. Discussões e teorias à parte, parece ser de considerar posição intermediária, ou seja, defender a suspensão do direito de visitas somente quando evidenciado que o pai, que pode arcar com tal incumbência, reiteradamente se nega, culposa e voluntariamente, em cumprir com a sua obrigação.

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