A Possibilidade do Vídeo Livre e de Conteúdo Aberto

May 29, 2017 | Autor: Mauricio Fanfa | Categoria: Open Source, Open Source Film Making, Video distribution, Open Source Video
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

A Possibilidade do Vídeo Livre e de Conteúdo Aberto1 Maurício de Souza FANFA2 Fernando da Silva BARBOSA3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo Este artigo propõe a possibilidade da aplicação de um modelo de conteúdo aberto baseado nas intenções e propostas do modelo do software livre que aproxime produto, processo e espectador. Descrevemos os principais conceitos que direcionam esse modelo, relacionamos o modelo do software livre e da cultura livre com a produção e distribuição de conteúdo audiovisual, discorremos sobre as motivações e objetivos da aplicação desse modelo. Também dedicaremos espaço a ilustrar esse conceito com alguns exemplos de projetos desenvolvidos com essa técnica e, por fim, recomendaremos ferramentas para trabalhar esse método de distribuição. Esse artigo tem a intenção de descrever um método experimental de distribuição de conteúdo audiovisual e de relação entre produtor e espectador e realizar apontamentos e observações sobre a sua aplicação. Palavras-chave: audiovisual; vídeo; multimídia; conteúdo aberto; cultura livre.

1 INTRODUÇÃO

Desde que as primeiras tiras de filme foram produzidas, a tesoura tem decidido o que faz parte da obra final e o que não faz. Na edição não linear de vídeo digital, a tesoura é apenas a instrução para o programa de computador renderizar4 o vídeo a partir de vários arquivos de vídeo bruto, montando um outro arquivo, a versão final, a ponta do iceberg que vê a superfície e que é vista pelo público. Toda ação em comunicação social é uma decisão sobre conteúdo e a montagem, com a justa pretensão de tecer o conteúdo até sua forma final, é talvez uma das decisões mais impactantes na relação entre subjetividade e objetividade do produto audiovisual. Este artigo propõe uma entre várias possibilidades de novas relações entre produto final e pós-produção, uma possibilidade que aproxime produto, processo e espectador. Seu propósito principal é deixar tanto a objetividade mais objetiva quanto a subjetividade mais

Trabalho apresentado na divisão temática IJ04 – Comunicação Audiovisual do Intercom Júnior - XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Bacharel em Comunicação Social – Hab. Produção Editorial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e graduando do 2º semestre em Ciências Sociais. E-mail: [email protected] 3 Orientador do trabalho. Professor do curso de graduação em Comunicação Social na Faculdade das Américas (FAM). Email: [email protected] 4 Em edição de vídeo, o termo “renderizar” (em inglês, to render) é o processo que o programa de edição faz para gerar o arquivo de saída, a versão final dos arquivos editados. 1

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clara. Uma vez que, dando mais espaço para que o espectador se aproxime da construção da mensagem, existe a possibilidade de que diminuam as chances de equívocos na interpretação de um material, aliviem-se alguns tipos de ambiguidades e atenuem-se outros tipos de ruído. Para isso, buscaremos inspiração no modelo bem-sucedido de distribuição do software livre, especialmente a ideia de código aberto, e nos seus modelos de licenciamento. Em um primeiro momento, descreveremos os principais conceitos que norteiam essa possibilidade, especialmente a ideia de software livre, código aberto e sobre a emergência de uma cultura livre. Relacionaremos esses conceitos com um modelo de distribuição de vídeo. Depois, discorreremos sobre as motivações e os objetivos de aplicar os conceitos da distribuição do software livre e os possíveis usos e impactos desse método. Ilustraremos esse modelo com alguns exemplos de produtos audiovisuais que são distribuídos dessa forma. Recomendaremos ferramentas para trabalhar este método de distribuição. Por fim, tentaremos entender como estes métodos, ferramentas e ideias podem compor um modelo interessante de produzir audiovisual de forma experimental.

2 CONCEITOS 2.1 Livre em “software livre”

A Free Software Foundation (FSF), organização que promove a liberdade e os direitos dos usuários de programas de computador, é a responsável pelo Projeto GNU, um dos mais antigos e influentes projetos de software livre. Para a organização, no software livre "os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar o software". O conceito de software livre, segundo a organização, cresceu junto de comunidades associadas ao conhecimento e a processos de aprendizagem coletivos, além de preocupações éticas e políticas. Para ser considerado livre, o software deve respeitar as quatro liberdades básicas do usuário: A liberdade de executar o programa como você desejar, para qualquer propósito (liberdade 0). A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas necessidades (liberdade 1). A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo (liberdade 2). A liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3). (FSF, O que é o software livre?)

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Não cumprem essas liberdades, por exemplo, softwares que exigem chaves pagas na sua instalação, por restringirem sua liberdade de execução (liberdade 0) e de distribuição (liberdade 2). Cumprem essas liberdades sistemas operacionais baseados em GNU/Linux, como o Ubuntu para computadores de mesa ou o Android para celulares, e aplicações de computador como o navegador Mozilla Firefox, o gerenciador de conteúdo Wordpress, ou o tocador de mídia VLC Media Player, Para estudar, adaptar e modificar um programa de computador (liberdades 1 e 3), o usuário precisa de acesso ao código fonte do programa. 2.2 Aberto em “código aberto”

O código-fonte é o texto, em linguagem de programação, que descreve todas as funções do programa. Além das instruções que o programador dá para como o programa será executado, é a descrição de tudo que o programa faz e como ele faz. Este código estar disponível a todos os usuários é o que chamamos de código aberto. O livre acesso ao código-fonte permite duas atividades essenciais para a qualidade do software: modificá-lo e inspecioná-lo. A modificação serve para melhorar falhas, fazer atualizações ou para adaptá-lo a suas necessidades individuais. Pedaços do programa podem ser reescritos, reorganizados, simplificados, reutilizados em outros programas, enfim, o que o livre acesso ao seu código fonte permitir. É comum que um software seja forqueado (bifurcado, o termo mais utilizado é fork), ou seja, dá origem a outros programas, que servem a outras funções ou que organizam as suas funções originais de diferentes maneiras, e são mantidos pela mesma ou por outras comunidades de programadores. Inspecionar o código fonte aberto serve para que a comunidade de usuários possa conhecer melhor o que estão usando, realizar a sua auditoria. Saberão se os botões que apertam realmente realizam as funções que deles são esperadas e nada mais. Ou seja, identificar e remover funções maliciosas que podem estar escondidas no código ou mesmo falhas de segurança. Por essa razão, o software livre é considerado tão seguro: pois qualquer um pode saber exatamente o que e como ele realiza.

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A Open Knowledge5, organização que promove o conhecimento livre e aberto, define que dados e conteúdos abertos são aqueles que "podem ser livremente utilizados, modificados e compartilhados por qualquer um e por qualquer propósito". O código aberto é o principal motor de participação na comunidade do software livre, sustentado pelas licenças de livre distribuição de software, no que Clay Shirky (2011, p. 107) descreve como um "gerenciamento compartilhado de recursos publicamente acessíveis, com muita comunicação entre os integrantes, interações repetidas e um acordo mutuamente vinculante". Em analogia com a edição de vídeo, poderíamos dizer que o código-fonte é o material com o qual o editor trabalha: os vídeos brutos, a linha do tempo do programa de edição. Compilar um programa de computador é muito parecido com renderizar um vídeo: gera uma versão final e fechada de tudo que está descrito no código-fonte, ou na cadência de clipes de vídeo na linha do tempo.

2.3 Cultura livre

Os conceitos do movimento pelo software livre, especialmente as liberdades 0, 2 e 3, deram origem mais recentemente ao que desenvolveu-se como um movimento pela cultura livre. A ideia de cultura livre parte principalmente como uma resposta à repressão institucional à prática do remix, especialmente na música, e como crítica à inadequação das atuais leis de direitos de cópia. A repressão institucional, por vezes policial, à cultura que emergiu das possibilidades das mídias digitais é discutida por Lawrence Lessig (2005) em “Cultura Livre”, o autor explica como as leis de propriedade intelectual servem para a manutenção de um tipo de indústria em detrimento de outras, esse debate tem princípio na questão legal. Clay Shirky (2011) debruça-se especialmente sobre a forma colaborativa de se fazer cultura livre, fruto do que ele chama de excedente cognitivo, característico de uma economia pós-Gutenberg proporcionada pela internet. Essa ideia foi expandida em outros documentos como a “Definition of Free Culture Works”, que busca aproximar-se do modelo bem sucedido no software livre, por exemplo, com a redação de quatro liberdades legais básicas: “A liberdade de usar e executar a obra; a

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Mais sobre a definição da Open Knowledge em , acesso em 15 de Julho de 2016.

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liberdade de estudar a obra e aplicar a informação; a liberdade de distribuir cópias; a liberdade de distribuir obras derivadas”. Esse conceito de cultura livre é amparado por algumas licenças desenvolvidas para substituir o contrato padrão de direitos reservados, quando for a intenção do autor. Estas licenças são conhecidas como do tipo copyleft: incentivam a reutilização e a redistribuição do conteúdo. Falaremos mais sobre licenciamento no item 5, onde recomendaremos algumas licenças e outras ferramentas.

2.4 Do software ao vídeo

Retomamos a analogia apresentada anteriormente, entre o processo do software e do vídeo, especialmente o processo de montagem e finalização. A ideia apresentada de software livre e de cultura livre, dentro dessa analogia, falam da possibilidade do espectador de um produto audiovisual somar-se a comunidade que o criou ou ainda dele servir-se para suas próprias criações. Essa relação já é visível em diferentes processos colaborativos de produção. A questão que queremos analisar com mais detalhes dentro desta analogia é a do código aberto. Um “vídeo de código aberto” seria um vídeo que quem o assiste pode modificar, estudar e inspecionar os processos anteriores a renderização. Ou seja, acessar os arquivos brutos a partir dos quais o vídeo foi montado e abrir no seu próprio computador o projeto da edição do vídeo. Em alguns casos, até mesmo o acesso ao roteiro ou ao plano de gravação pode ser garantido. Este nível tão íntimo de relação com algo normalmente consumido apenas em uma esfera mais exterior tem implicações interessantes, além de importantes motivações.

3 IMPLICAÇÕES E MOTIVAÇÕES

A possibilidade de inspecionar o material audiovisual que consumimos traz uma nova forma de compreendermos o consumo de vídeo, especialmente de documentário e telejornalismo. Importante ressaltar algo sobre a analogia que estamos fazendo: nem todo usuário de software livre irá inspecionar linha por linha do código fonte, mas quando uma nova versão do programa é lançada boa parte da comunidade de usuários se dedica a

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inspecioná-lo de maneira coletiva e organizada para, assim, divulgar boletins sobre a segurança daquele programa. Ao realizar, por exemplo, a auditoria de uma reportagem televisiva, poderíamos notar que o entrevistado foi editado fora de contexto, por engano ou intencionalmente. Poderíamos observar os fatos que aconteceram antes ou depois do que pode ter sido tirado de contexto. Tornar livre seu material, tornar aberto seu conteúdo, pode ser, então, uma maneira da produção mostrar confiança no ponto de vista tomado na gravação. E, além disso, abre espaço para que o material expandido seja utilizado com finalidade educativa pelas pessoas. As entrevistas completas de um documentário podem ser utilizadas para conhecer o assunto mais profundamente, os arquivos de edição de uma animação podem servir para estudar o processo criativo do artista ou mesmo suas técnicas de animação. Para Ivan Illich (1985): A indústria cercou as pessoas com artefatos cujo segredo íntimo apenas os especialistas podem conhecer. O não-especialista é desencorajado a descobrir porque o relógio faz tic-tac, porque o telefone toca, porque a máquina de escrever elétrica trabalha, pois sempre há um aviso dizendo que o aparelho pode estragar-se. (p. 90)

A redescoberta dos segredos destes artefatos é a grande experiência educacional que o conteúdo aberto pode propor. John Thompson descreve a mediação da televisão como uma quase-interação, ou seja, uma interação de sentido monológico, na sua estrutura analítica de três distintas formas de interação. Dentre as motivações de um vídeo de conteúdo aberto está esse alargamento de sua receptividade: Outras formas de interação podem ser criadas, por exemplo, pelo desenvolvimento de novas tecnologias da comunicação que permitem um maior grau de receptividade. A estrutura analítica acima deve ser entendida como um dispositivo heurístico cujo valor deveria ser julgado por sua utilidade; pode-se deixar aberta a possibilidade de que uma estrutura analítica mais elaborada venha a ser requerida para finalidades especificas. (THOMPSON, 1999, p. 81)

Entendemos que a abordagem de um vídeo de conteúdo aberto pode reconfigurar este caráter massivo e monológico do produto audiovisual. Sem a pretensão de tornar translúcida toda a manipulação intencional ou não da produção audiovisual, visto que mesmo o enquadramento da câmera já é escolha e, portanto, já é subjetividade. Essa

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possibilidade de inspeção torna a objetividade mais objetiva, aproxima-a de sua forma esperada: a objetividade é um ideal-tipo, ou seja, um conjunto de características e abstrações que não existem enquanto tal, em estado puro, na realidade. [...] é um modelo abstrato que, embora não possa ser atingido na sua plenitude, deve significar uma tendência (BARROS FILHO, 2008, p. 20)

E pode tornar as subjetividades mais óbvias e mais esclarecidas ao espectador, melhorando de uma maneira geral a recepção. Com o acesso a esse tipo de informação, resta menos espaço para ambiguidade e outros tipos de ruídos causados pela montagem. A montagem faz parte do discurso, ou seja, dissolvê-la torna menor um tipo possivelmente nocivo de influencia do sujeito. Entendemos por sujeito os produtores, diretores, roteiristas, repórteres, empresas de comunicação, entre outros atores, ou seja, o emissor. Modelos de pós-produção e de distribuição como o do conteúdo aberto podem inclusive ajudar a responder certas questões éticas, como por exemplo a abordagem que o emissor dá a certa temática polêmica ou como enquadra e recorta as falas de um entrevista com ponto de vista divergente. Considerando que “os modelos dominantes de produção cultural tendem a gerar mensagens e representações que nutrem e sustentam as ideologias, perspectivas e práticas das instituições e contextos culturais nos quais se originam” (BARROS FILHO, 2008), pode optar por um modelo como esse ou nesse inspirado aqueles que desejam por seu conteúdo a prova, que não temem a inspeção de seu conteúdo. Há ainda a ideia de que, ao estar disponível de forma pública e aberta, o projeto audiovisual de conteúdo aberto contribui para um tipo de ecossistema cultural, especificamente a inteligência coletiva na cibercultura, que para Lévy (2010): passa, evidentemente, pela disponibilização da memória, da imaginação e da experiência, por uma prática banalizada de troca dos conhecimentos, por novas formas de organização e de coordenação flexíveis e em tempo real (p. 169)

e ainda, sobre seu potencial educacional, diz que “essas tecnologias intelectuais [...] podem ser compartilhadas entre numerosos indivíduos, e aumentam, portanto, o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos” (p. 159-160). Ainda dentro desse ecossistema cultural, vemos na prática do remix, comum no universo da música, um tipo bem específico de motivação: a construção de algo novo a partir da remontagem de outra coisa. O modelo do conteúdo aberto abre espaço para que o

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remix atue de forma mais significativa no vídeo. Sobre o remix e o sampling na música, Lévy diz que “é cada vez mais frequente que os músicos produzam sua música a partir da amostragem (sampling, em inglês) e da reordenação de sons, algumas vezes trechos inteiros, previamente obtidos no estoque das gravações disponíveis” (p. 143). Nos termos de Pierre Lévy, este é um modelo integrado a ideia de que a internet fomenta uma forma universal não-totalizante de mídia: “A cibercultura, por outro lado, mostra precisamente que existe uma outra forma de instaurar a presença virtual da humanidade em si mesma (o universal) que não seja por meio da identidade do sentido (a totalidade)” (p. 123). Podemos dizer que o produtor, no modelo de conteúdo aberto, abdica parte dessa totalidade. Um exemplo do remix como uma forma de interação entre o espectador e o conteúdo aberto é a performance artística em vídeo #Introductions de LaBeouf, Rönkkö e Turner6, uma ação em conjunto com estudantes da escola de artes londrina Central Saint Martins. O vídeo utilizou uma licença que permitia a reutilização e os produtores intencionalmente não aplicaram efeitos na tela verde atrás do ator, ou seja, mantiveram seu conteúdo aberto. As pessoas eram convidadas a aplicar efeitos na tela verde e reutilizar o ator em outro contexto. Como resultado, a performance viralizou e milhares de vídeos derivados foram divulgados na internet7. Antes de seguirmos, é importante ressaltar, para que o acesso ao conteúdo aberto do vídeo seja pleno, ele deve trabalhar exclusivamente com softwares acessíveis para todos e também livres. Para que qualquer um possa estudar e inspecionar o conteúdo do vídeo aberto, os programas utilizados devem ser acessíveis. Além disso, é importante que os autores deixem claras as suas intenções, optando por formas de licenciar seu trabalho que respeitem as liberdades da cultura livre: o licenciamento conhecido como copyleft.

4 EXEMPLOS

O exemplo mais reconhecido de vídeo de código aberto são as animações da Blender Foundation8. São nove curta-metragens: “Elephants Dream”, o mais antigo, é de

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A performance foi realizada em vídeo e pode ser assistida em , mais sobre o trabalho dos artistas em . Acesso em 15 de Julho de 2016. 7 Mais sobre os trabalhos derivados da performance no artigo “Shia LaBeouf's Intense Motivational Speech / Just Do It” do site Know Your Meme, disponível em , acesso em 15 de Julho de 2016. 8 Todas as animações da Blender Foundation estão disponíveis em , acesso em 15 de Julho de 2016.

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2006; “Caminandes 3”, o mais recente, foi lançado em janeiro de 2016. Os filmes servem como demonstrações do programa de animação e modelagem 3D da fundação. Os modelos utilizados nos filmes e as composições das cenas são disponibilizados para que sejam estudados e experimentados por quem usa o Blender. Ainda dentro do gênero, a animadora e militante pela cultura livre Nina Paley disponibilizou as fontes de seu longa-metragem de animação 2D “Sita Sings the Blues”9 em 2009. Os arquivos trabalhados em Adobe Flash são de livre acesso. Dar acesso às fontes, para Nina Paley, é uma forma de incentivar trabalhos derivados e demonstrar a viabilidade da cultura livre, desmistificar a ideia de que garantir acesso ao conteúdo aberto de uma produção irá diminuir seu público ou seu sucesso. Já na ficção live action, o longa-metragem “Valkaama”10 de 2010 foi produzido colaborativamente e os arquivos brutos de todas as tomadas utilizadas no filme estão disponíveis. Os produtores também disponibilizaram o roteiro do filme e um mapa das locações. No campo da arte e da experimentação, o projeto “re_potemkin” 11 de 2009 é uma reconstrução, plano a plano, do filme O Encouraçado Potemkin de 1925. Os arquivos brutos do filme estão disponíveis para serem explorados, além de terem sido coletados pelos produtores de múltiplas colaborações. O filme “Collision”12 é um projeto brasileiro, ainda inacabado, de Rodrigo Lopes de Barros. A proposta é um filme de ficção científica gravada em 8 mm. Boa parte do material está digitalizado e disponibilizado para acesso livre. Tratando-se de documentário, o projeto “The Digital Tipping Point” 13 busca reunir colaborações para a composição de um filme sobre uma transição global para o uso de tecnologias abertas e livres. Apesar de incompleto, o projeto reúne mais de 350 horas de material bruto disponível. Esse material conta, por exemplo, com extensas entrevistas com especialistas no assunto, que dão verdadeiras aulas para os entrevistadores, todas disponibilizadas na íntegra.

Mais sobre “Sita Sings the Blues” em , acesso em 15 de Julho de 2016. Informações sobre “Valkaama” podem ser encontradas em , acesso em 15 de Julho de 2016. 11 O projeto “re_potemkin” pode ser explorado em , acesso em 15 de Julho de 2016. 12 “Collision” publica suas atualizações em , acesso em 15 de Julho de 2016. 13 Mais sobre “The Digital Tipping Point” em , acesso em 15 de Julho de 2016. 9

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Outro documentário de conteúdo aberto é o desenvolvido por nós, “Respeitável e Público”14, em 2014. O filme fala sobre a ocupação pela sociedade dos espaços públicos da cidade, especialmente para atividades culturais. Seu conteúdo fonte é disponibilizado de maneira aberta e pública pela relação com a temática e também pela proposta do projeto experimental desenvolvido: colaboração. De acordo com o relatório do projeto, Todo o material captado, os documentos e os arquivos da produção, e a versão final do produto audiovisual elaborado devem ser públicos para livre acesso de qualquer possível colaborador. (FANFA, 2014, p. 21)

Estes materiais podem ser acessados através do site do projeto, também podem ser assistidas as entrevistas na íntegra e podemos fazer o download dos projetos da edição do filme. Existe pouca informação de como e em que contexto os materiais tornados públicos pelos projetos mencionados foram reutilizados ou estudados.

5 FERRAMENTAS

Para futuros experimentos em vídeo de conteúdo aberto, recomendamos o uso das seguintes ferramentas: o Ubuntu Studio, sistema operacional baseado em GNU/Linux, já tem pré-instalado diversas ferramentas para trabalhar com áudio e vídeo; o Kdenlive, software livre de edição de vídeo mais utilizado atualmente; o Blender, principal software livre de animação e modelagem 3D, amplamente usado; o Audacity, ferramenta completa para se trabalhar com edição e tratamento de áudio; o VLC media player, reprodutor de arquivos multimídia de uso comum; e o formato de arquivo recipiente Ogg, baseado em software livre (para substituir os arquivos recipientes proprietários como o MP3 ou o MP4). Abaixo um quadro que concentra estas recomendações: Quadro 1 – Recomendações de ferramentas para a produção de conteúdo aberto Ferramenta Ubuntu Studio

Função Sistema operacional

Site https://ubuntustudio.org/

O filme “Respeitável e Público” pode ser encontrado em , acesso em 15 de Julho de 2016. 14

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Kdenlive

Edição de vídeo

https://kdenlive.org/

Blender

Modelagem 3D

https://www.blender.org/

Audacity

Edição de áudio

http://www.audacityteam.org/

VLC media player

Reprodução de arquivos multimídia

https://www.videolan.org/vlc/

Ogg

Formato de arquivo recipiente

https://www.xiph.org/ogg/

Além do processo de pós-produção em si, um vídeo de conteúdo aberto precisa ser compartilhado e, muitas vezes, o fluxo de arquivos pode ser intenso ou pesado. Recomendamos o Internet Archive, que hospeda sem custos qualquer material licenciado livremente. Para transmitir para qualquer pessoa os arquivos, recomendamos a tecnologia BitTorrent e o cliente Transmission, capaz de criar e gerenciar arquivos torrent. Para compartilhamento de arquivos entre redes de colaboradores, recomendamos o Librevault, software que usa tecnologia P2P para sincronizar arquivos entre computadores. Abaixo um quadro com referências destas recomendações: Quadro 2 – Recomendações de ferramentas para a distribuição de conteúdo aberto Ferramenta

Função

Site

Internet Archive

Hospedagem de conteúdo livre

https://archive.org/

Transmission

Cliente BitTorrent, para transferência de arquivos

https://www.transmissionbt.com/

Librevault

Compartilhamento de arquivos com tecnologia P2P

https://librevault.com/

Licenciar a obra de forma livre é essencial e pode ser feito com licenças como a CC BY-SA, da Creative Commons, ou a Licence Art Libre. Quadro 3 – Recomendações de licenças livres e copyleft Licença

Descrição

Site

Licence Art Libre

Principal licença livre para trabalhos artísticos

http://artlibre.org/

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CC Atribuição Única das licenças da Creative Compartilha Igual (CC Commons que corresponde ao BY-SA) modelo copyleft

https://br.creativecommons.org/

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

O modelo de vídeo de conteúdo aberto descrito e proposto por esse artigo não tem pretensão senão a de apresentar-se como método experimental de distribuição de conteúdo. Suas implicações e motivações são justamente tentar essa reconfiguração da recepção, da objetividade, que é apenas hipótese, potencial. Junto dessas intenções, este modelo também serve à educação e ao aprendizado, ampliando o acesso ao conhecimento de uma maneira geral. Além disso, responde de maneira melhor do que a esperada às questões de direito de cópia e reprodução, que foram o estopim para a organização de uma cultura livre. A partir de nossos estudos, então, entendemos por “vídeo de conteúdo aberto” todo projeto audiovisual que prevê a possibilidade do espectador acessar o conteúdo utilizado para compor a sua versão final. Este conteúdo é, principalmente, os vídeos brutos utilizados na edição e os arquivos do projeto no programa de edição. Esperamos que este trabalho sirva como um material que apresente a temática e o método aos possíveis futuros projetos experimentais que venham a aprofundar este modelo. Recomendamos este modelo a todos os projetos que tenham a intenção de servir à inteligência coletiva a continuarem abertos a reconsiderações e a reutilizações, especialmente modelos colaborativos de produção. Referências bibliográficas BARROS FILHO, C. Ética na Comunicação. São Paulo: Summus, 2008. DEFINITION of Free Cultural Works. Disponível em , acesso em 15 de Julho de 2016. FANFA, M. S. Colaboração, Cultura Livre e Educação Aberta na Produção de Vídeo e Cinema. 2014. 50 f. Relatório de Projeto Experimental (bacharelado em Comunicação Social). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. Disponível em , acesso em 15 de Julho de 2016. FREE SOFTWARE FOUNDATION (FSF). O que é o software livre? Disponível em , acesso em 15 de Julho de 2016. ILLICH, I. Sociedade Sem Escolas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. 12

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LESSIG, L. Cultura Livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a Criatividade. São Paulo, SP: Trama, 2005. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, 2010. OPEN KNOWLEDGE INTERNATIONAL. The Open Definition. Disponível em , acesso em 15 de Julho de 2016. SHIRKY, C. A Cultura da Participação. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2011. THOMPSON, J. A mídia e a modernidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

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