A “pracinha” na vila – recuperando um espaço público na Vila Marçola, Belo Horizonte.

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A “pracinha” na vila – recuperando um espaço público na Vila Marçola, Belo Horizonte. Ana Clara Barbosa Carvalho (1) Miguel Henrique Skackauskas (2) Alfio Conti (3) (1) Aluna da EA, UFMG, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Aluno da EA, UFMG, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Dep. de Urbanismo da EA, UFMG, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O presente artigo questiona o processo tradicional de construção de espaços públicos em vilas e favelas e apresenta uma nova abordagem utilizada na recuperação de uma praça na Vila Marçola, em Belo Horizonte. Palavras-chave: Processo participativo; Espaço Público; Favelas. Abstract: This article questions the traditional construction process of public spaces in informal settlements and presents a new way used on the recuperation of a public space at Vila Marçola in Belo Horizonte. Key-words: Participatory process; Public Space; Informal settlements. 1.1.

INTRODUÇÃO

Este estudo é objeto do Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais de dois alunos que participam da organização não governamental “Operação Brasil”, uma organização brasileira com colaboração francesa que atua em Belo Horizonte desde 1999 reformando creches. No ano de 2014 a ONG começou a atuar com reformas de espaços públicos. O local de intervenção, objeto deste trabalho, é um espaço público livre denominado de “pracinha” e localizado na Vila Marçola, que faz parte do Aglomerado da Serra, o maior conjunto de favelas de Belo Horizonte. A “pracinha” foi construída pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2010 e a população, rejeitando o projeto, acabou depositando entulhos neste espaço e não realizando as devidas manutenções. Considerando esta situação, foi proposta a recuperação do espaço aplicando um método de projeto participativo conduzido pelos alunos mencionados anteriormente, enquanto membros da ONG e lideranças estudantis, para incorporar neste espaço os usos desejados pela população, realizando assim um processo projetual participativo, horizontal e coletivo. Apesar do precário estado de conservação, foram identificados vários usos na praça, graças à presença das crianças e dos jovens que utilizam os equipamentos de ginástica existentes e por um grupo de mulheres que faz um bazar mensal vendendo roupas usadas. Tendo em vista a importância deste espaço para a comunidade, sua adequação se tornou essencial para o conforto e potencialização dos seus usos, fazendo dele um espaço de qualidade onde as crianças possam brincar, onde as pessoas, jovens, adultos e idosos, possam se encontrar e terem seus momentos de descanso e lazer e onde possam continuar a acontecer atividades importantes para comunidade como o bazar. A apropriação da praça poderá colaborar, também, com a segurança do local e a construção coletiva poderá ajudar a aumentar a união da comunidade em prol de interesses coletivos.

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Ė em um cenário como esse que se acredita que o projeto participativo seja a ferramenta mais conveniente e adequada para desencadear um processo de resgate e apropriação do espaço público em decorrência da criação e do fortalecimento de relações de identidade e de pertencimento com o local. 2. O HISTÓRICO DE INTERVENÇÕES EM FAVELAS EM BELO HORIZONTE O surgimento de favelas em Belo Horizonte remonta a criação da capital de Minas no final do século XIX. Belo Horizonte foi planejada e construída para substituir a antiga capital, Ouro Preto, e abrigar uma população de 200 mil pessoas. A cidade foi inaugurada antes de ser concluída e os trabalhadores que participaram de sua construção, assentados ao longo do processo em lugares improvisados, acabaram por não serem removidos da cidade, como era a intenção inicial. Assim, antes mesmo da sua inauguração, a cidade já tinha duas áreas de invasão com aproximadamente três mil pessoas. Em 1898 o governo estadual fez a primeira remoção de aglomerados de cafuas (casas precárias de barro) e isso continuou até a década de 1970, já que o poder público, mesmo com uma pressão cada vez maior por moradia, continuava agindo removendo as invasões e restringindo a construção de habitações para pobres. É no final da década de 1970 que a população pobre começa a se articular criando associações e alcançando alguns ganhos, como a condição de que uma família somente seria removida à medida que houvesse oferta de outra moradia em condições de ser habitada, ou houvesse indenização. Nesse processo a igreja católica teve papel importante com o apoio aos movimentos sociais populares através da Pastoral da Favela e das Comunidades Eclesiais de Base, ajudando na estruturação e fortalecimento desses movimentos, aumentando o grau de politização e mobilização na concepção e no tratamento de problemas inerentes à favela (CONTI, 2009). A pressão dos movimentos sociais e da igreja católica fez com que começassem a ser tomadas iniciativas, pelo poder público, para a criação de programas de regularização de vilas e favelas. Em 1979 foi criado o Programa de Desenvolvimento das Comunidades (Prodecom) e esse foi, de fato, o primeiro momento oficialmente reconhecido, em que as ações do poder público se voltam também, para a melhoria das condições de vida nas favelas. É daí que surge o termo “planejamento participativo”, quando o poder público vê na auto-organização das comunidades a possibilidade de efetuar obras em favelas, utilizando a mão de obra e a desenvoltura dos próprios moradores (CONTI, 2009). No final da década de 1980, com a redemocratização do país, as reivindicações e movimentos populares passaram a fazer parte da agenda política do poder público. A Prefeitura municipal de Belo Horizonte começou a reconhecer os assentamentos ilegais como parte da cidade formal, começando pela mudança da legislação vigente, criando um zoneamento específico para estas áreas1. Na década de 1990, destacam-se trabalhos desenvolvidos pela colaboração internacional2, que se estruturavam na ideia de projeto participativo. Parte da verba dos projetos vinha de fonte internacional, além de apoio técnico, que influenciou a metodologia de intervenção. Os técnicos da

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Esta zona foi chamada, atualizando o plano diretor em vigor desde 1976, de Setor Especial 4 – SE4.

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No caso de Belo Horizonte, entre todas as ações de cooperação internacional, destaca-se, nessa época, a experiência da colaboração internacional italiana através da ONG italiana Associazione Volontari del Soccordo Italiano –AVSI.

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Prefeitura e os agentes internacionais perceberam que as intervenções deveriam partir da premissa da participação da população definindo as intervenções e participando como agente e sujeito. O resultado deste debate foi a criação da “intervenção estrutural” que foi utilizada no Programa Alvorada3, e que permite que as ações, planejadas e realizadas a partir de uma abordagem global, participativa e integrada aos problemas de ordem jurídica, urbanística e social, fossem norteadas pela comunidade. Esta nova forma de atuação, como foi dito, é incorporada ao Programa Alvorada que passa a ser o projeto piloto para a intervenção em vilas e favelas e se mostra, inicialmente, como um modelo de sucesso, dado que as intervenções são integradas, deixando de lado a atuação através de ações pontuais e emergenciais (CONTI, 2009). Vislumbrando a possibilidade de ultrapassar a escassez e inconstância dos financiamentos, foram elaborados instrumentos que, adotando a intervenção estrutural como resultado de um amplo diagnóstico da realidade local, priorizavam as intervenções de maneira que pudessem ser implementadas à medida que chegassem os financiamentos, cuja captação deveria ser conduzida principalmente pela própria comunidade. Este novo instrumento de planejamento para vilas e favelas foi chamado de Plano Global Específico – PGE. 3. OS LIMITES DAS ABORDAGENS TRADICIONAIS A estrutura do PGE consiste em um diagnóstico e prognóstico para o assentamento informal. Os recursos para a execução do PGE são conseguidos, na maior parte das vezes, junto ao Orçamento Participativo da Habitação - OPH4 e é a partir daí que as obras previstas são, aos poucos, implementadas. Atrelar a execução das obras à busca de recursos por parte das comunidades de vilas e favelas, foi visto como uma forma da administração pública ganhar tempo. A esta situação já por si só, sui generis no panorama brasileiro, se soma ao fato que este sistema não garante o conseguimento das verbas para as obras nos prazos previstos, correndo o risco de perder o dinheiro investido no diagnóstico, já que este se torna rapidamente obsoleto, pois a realidade destes locais se transforma rápida e continuamente. Por último, tem-se que considerar o fato de que a não execução das obras previstas contribui para a criação de um sentimento de frustração e descrédito na comunidade envolvida em relação a este tipo de instrumento, assim como na política de melhoria de vilas e favelas. Para diminuir a possibilidade de que isso aconteça, foi apontada a necessidade da presença de técnicos que apoiam a comunidade, capacitando-a na busca de recursos e garantindo a atualização das propostas e do PGE no seu global. A participação da comunidade local na elaboração do PGE é algo que faz parte do ponto de vista conceitual e metodológico, entretanto isso, na prática, se vê muito pouco. Analisando com maiores detalhes os produtos oriundos deste instrumento de planejamento, particularmente observando as propostas para os espaços públicos, nota-se como o resultado é aquém do esperado. No caso da “pracinha” deste trabalho, é evidente que, na proposta original executada pela PBH, a população não participou na tomada das decisões projetuais. Segundo informações colhidas junto à comunidade, a URBEL, por volta do ano de 2009, sem motivos aparentes relacionados à carência de infra-estrutura ou à presença de riscos geológicos, removeu uma casa para que fosse criado um espaço público com equipamentos de ginástica, na esquina do Beco dos Pássaros com o Beco João Paulo II. Se esta

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O Programa Alvorada foi resultado de uma parceria entre a AVSI e a PBH para implementar intervenções de melhorias estruturais em vilas e favelas com a participação da comunidade local.

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O Orçamento Participativo da Habitação foi criado pela PBH em 1997.

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intervenção faz parte de um plano ou projeto maior, como uma estrutura de espaços públicos dentro da vila e do aglomerado ao qual pertence, a população não aparenta ter conhecimento. Se a chave para a apropriação e manutenção de um local é a participação efetiva dos usuários em todo o processo de intervenção, de forma a criar laços de identidade, a participação em um nível informativo ou consultivo somente na fase de diagnóstico não consegue chegar a um ponto satisfatório. É necessária uma revisão da metodologia de intervenção em vilas e favelas, partindo do conhecimento da essência da sua natureza e isso implica rever conceitos e valores de uma forma estrutural. 4. A ESTÉTICA DA FAVELA E O PROJETO PARTICIPATIVO DE ESPAÇOS PÚBLICOS A vila/favela é um objeto, fruto de um processo de construção espontânea, mas não casual e menos ainda ingênuo, pois através de um olhar mais atento observam-se estratégias e lógicas precisas, muitas das quais estão ainda longe de serem estudadas e entendidas. Muito diferente da cidade formal, a lógica da oportunidade versus disponibilidade de recursos guia o surgimento de novas moradias, que evoluem de qualidade conforme a família prospera. Segundo Berenstein (2001), a estética da favela é rizomática, fragmentária e labiríntica. Rizomática, pois a estrutura é como um rizoma, flexível, gerada em rede e em constante movimento. Fragmentária, pois a favela subdivide-se em núcleos menores, em barracos e cada barraco em pequenos elementos que o compõe e é comum existir um depósito de fragmentos de materiais esperando a oportunidade de novas melhorias. A estrutura labiríntica da favela lembra a cidade medieval, a espontaneidade da construção cria caminhos não lineares, estreitos, labirínticos, que são os becos, as “quebradas” (BERENSTEIN, 2001). Esta rica estética representa a própria natureza do habitar informal e espontâneo, que é intrínseco da favela. Estas características não se limitam ao espaço físico, mas ao que está por trás desta materialidade que é o espaço-movimento, isto é, um espaço que está em constante transformação, que se movimenta conforme as condições próprias do local (BERENSTEIN, 2001). A estética da favela é a materialidade das relações no espaço, relações estas associadas à marginalidade, pois a favela é marginal à cidade, não somente do ponto de vista geográfico, mas também no aspecto social, econômico e político, sendo, por vezes, a única opção de moradia daquelas pessoas que não encontraram espaço na sociedade formal. Com renda insuficiente para adquirir uma casa na cidade formal, as pessoas se viram “obrigadas” a procurar um local desvalorizado para habitar, criando nele suas próprias normas e seus abrigos, em geral, precários sob todos os pontos de vista. Unidades mínimas e sem infraestrutura se consolidaram em vilas, favelas e aglomerados, verdadeiro alterego da urbanidade brasileira. Tendo como base esta estética da favela, que representa as relações no espaço, coloca-se a questão de como poderiam ser feitas intervenções sem destruir o espaço-movimento, preservando a participação da população nas decisões em relação à mudanças no espaço físico. Os projetos de intervenção na favela são, por vezes, apresentados para a comunidade já formatados, com diretrizes gerais e pouco claras, impossibilitando uma discussão equilibrada e acessível às pessoas diretamente afetadas. Os projetos não são desenvolvidos com a comunidade, que é informada na iminência da execução da obra, podendo prever remoções que afetam diretamente vários núcleos familiares. Insensíveis à micro-escala, pois é nessa escala que o embate participativo se dá de maneira mais substancial, as intervenções do poder público na favela acabam destruindo o “espaço4 | 10

movimento”, criando estruturas genéricas e sem identidade, não colaborando, mas digladiando com o sentimento de pertencimento da comunidade a qual, por sua vez, responde com a rejeição e a depredação. A participação da comunidade é a chave da preservação do “espaço-movimento”, traduzindo-se na melhoria da qualidade dos espaços da favela, mantendo a qualidade das relações. A relação da participação com o desenvolvimento da noção de identidade, para apropriação e manutenção do espaço, é algo indiscutível e imprescindível. O que não significa que o espaço seja imutável, pelo contrário, só assim, englobar-se-á à lógica do movimento. 5. A EXPERIÊNCIA DO PROCESSO PARTICIPATIVO A recuperação da “pracinha” da Vila Marçola foi uma iniciativa da ONG Operação Brasil iniciada em 2014. A escolha da “pracinha” foi o resultado de um processo de busca norteado pelos critérios de achar um espaço público que pudesse ser reformado e cujos custos da reforma fossem à altura da dotação orçamentária prevista. O processo do projeto participativo incorpora um conjunto de atores, a saber: 

a ONG Operação Brasil, ONG franco-brasileira que trabalha na reforma de creches em Belo Horizonte desde o ano de1999;



uma dupla de alunos do curso noturno de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, que se destacam como lideranças e que fazem parte também da ONG Operação Brasil e que acabam conduzindo o processo;



voluntários externos à comunidade;



a Associação Cultural e Educativa Serra -ACES composta por um conjunto de moradores da vila e na qual se sobressaem como líderes o Seu Zé Preto, Zélia, Ademir;



a comunidade vizinha à praça;



um grupo de jovens da comunidade que colabora participando das iniciativas.

Reconhecendo a carência de espaços de lazer públicos em Belo Horizonte, especificadamente em comunidades de baixa renda, a proposta inicial para este espaço, trazida pela ONG, era aquela de transformar a “pracinha” em uma área de brinquedos para crianças pequenas. Os brinquedos seriam desenhados por estudantes franceses de uma escola de design parceira na França e projetados pelos alunos de arquitetura, bem como o desenho do restante da praça. A produção dos brinquedos seria feita pela ONG e por voluntários externos à comunidade. A proposta cogitada pela ONG não previa a participação da comunidade. A comunidade era vista como um ator passivo que receberia em dom a área de brinquedos e que deveria sucessivamente tomar conta dela. De certa forma a ONG iria repropor, sob outra aparência, a maneira de intervir utilizada pelo poder público. A consciência disso foi o fator que fez com que o processo fosse revisto e isso foi consequência da participação dos dois estudantes do curso de arquitetura que faziam parte da ONG e que adotaram este processo como tema do trabalho final de graduação. As orientações e as discussões semanais com o professor orientador serviram para que os alunos tomassem consciência dos limites das intervenções tradicionais, do alcance e das potencialidades associadas a um processo participativo, sensibilizados 5 | 10

também sobre o fato de que um processo dessa natureza iria implicar um envolvimento profundo não somente associado ao fazer, mas associado à necessidade de mudar a visão e os conceitos utilizados nas intervenções nestes espaços. Armados de coragem, contrariando e querendo melhorar as práticas de intervenção adotadas pela ONG, os dois alunos propuseram a realização de uma intervenção baseada no processo do projeto participativo, como primeira etapa de um processo que está tomando cada vez mais, as feições de um processo autogestionário. Tomaram para si a responsabilidade do processo participativo proposto, que envolveria a comunidade em todas as etapas, desde o projeto até a execução, de tal forma que a comunidade se tornasse e sentisse de fato autora do projeto e da intervenção. O desafio posto resultou ser significativo, pois de fato em volta do espaço da “pracinha” cada ator foi chamado a se colocar e confrontar, resultando em uma grande oportunidade de crescimento e amadurecimento, já que, cada ator trazia e demonstrava suas opiniões e seus pontos de vista, que na maior parte das vezes discordavam com os outros. Este processo fomentou a geração de conflitos, que hoje em dia são vistos como saudáveis, pois a busca das soluções consensuais trouxe avanços que nos processos tradicionais não aparecem, pelo contrário, nestes últimos as discordâncias permanecem escondidas trazendo prejuízos futuros em curto prazo. Foi necessário convencer a equipe da ONG sobre a validade e a importância social e cultural desta metodologia, incluindo aos poucos etapas de conversas com a comunidade para apresentar a proposta de intervenção e receber apoio. Num primeiro momento, a ONG aceitou que houvesse algumas breves conversas com a comunidade, desde que o projeto inicial não fosse modificado. Na medida em que o contato com a comunidade aumentava e se tornava rotineiro, outras demandas apareciam e o projeto começava a ser modificado em um processo de transformação gradual. Este processo participativo trouxe outro tipo de conflito, pois se conformava como um projeto aberto, vivo, sujeito a alterações em um processo de amadurecimento, incorporando novos usos e novas atividades, tornando-se um caleidoscópio do ambiente e da sociedade no qual se insere e isso fez com que este formato conflitasse com o formato tradicional de projeto pré-definido que prevê um cronograma físico e financeiro a ser respeitado. Estas dificuldades foram superadas graças ao trabalho incansável dos estudantes envolvidos que serviu para demonstrar que o resultado conseguido na qualidade do espaço proposto até a presente data é incomparavelmente melhor do que foi proposto no começo do projeto quando a ONG iria entregar um espaço pronto; estando cientes que, quanto feito até agora poderá, na fase da execução, que será conduzida pela própria comunidade, ser melhorado ainda mais. As atividades que compuseram o processo participativo desenvolvido até hoje estão relacionadas e detalhadas a seguir. 5.1.

Oficinas e eventos.

Para seguir uma metodologia própria para o trabalho, garantindo a efetiva participação dos atores envolvidos, foram elaborados eventos e oficinas nas quais se instaurou e viabilizou uma relação a mais horizontal possível com a comunidade, pautada em um diálogo de pares entre os atores, sem que os detentores do conhecimento técnico se sobressaíssem. Estes encontros foram extremamente importantes para mapear os atores e conhecer as dinâmicas locais e os desejos dos moradores, que serviram para alterar o projeto ao longo do processo. Seguindo uma ordem cronológica foram feitas: - oficina com as crianças (14/02/2015). Nesse momento a proposta foi que as crianças imaginassem a praça como um local de lazer a partir do seu imaginário e se expressassem através de desenhos. Os 6 | 10

desenhos produzidos foram expostos e houve uma dinâmica para a incorporação das propostas na planta da praça. Nesta oficina houve participação de voluntária externa à comunidade, aluna da Escola de Arquitetura. - feijão tropeiro (29/03/2015). Nesse momento a proposta foi de realizar um almoço comunitário na praça para poder apresentar e conversar sobre o projeto com a comunidade. Apesar do aparente desconforto, a ideia de fazer o tropeiro na praça serviu para mostrar às pessoas que participaram como é possível fazer eventos neste espaço e de como estes eventos se tornariam melhores se fossem executadas melhorias. Neste dia foi possível conhecer muitos moradores, recolher, discutir e incorporar sugestões. Houve participação de voluntários externos na organização deste evento. - oficina de maquete (12/04/2015). Nesse momento foi produzida uma maquete da praça pelos alunos, utilizando bloquinhos móveis que representariam os equipamentos e o mobiliário sugerido pelos moradores. Mais do que fazer a implantação, buscou-se consenso sobre o que teria na praça, e todos os presentes concordaram em criar um espaço democrático, com brinquedos, academia, uma pequena quadra e espaço com bancos e mesas. - oficina de jardins (26/04/2015). Nesse momento discutiu-se sobre a praça, sua aridez e carência de vegetação. Os alunos prepararam um material de divulgação sobre jardins e plantas, o qual foi apresentado e discutido junto à comunidade com o intuito de trazer um conhecimento específico sobre estas questões, incorporando este aspecto às características do projeto do novo espaço. 5.2.

Meios de comunicação, arrecadação de fundos e processo em rede.

Para viabilizar o processo, garantir a mobilização e participação continuada das pessoas, além de divulgar o projeto, foram usados diferentes meios de comunicação. Estes meios de comunicação serviram, também, para promover eventos e arrecadar fundos. Para permitir um contato direto entre os membros da comunidade e os atores externos à vila criaramse, utilizando a web, uma página do projeto no facebook, com o nome de “Uma praça na Vila”, um site para a ONG Operação Brasil e um perfil no site portaldovoluntario.v2v.net. Para comunicação dentro da comunidade, foram utilizados os meios de comunicação tradicionais como o “boca a boca” e a panfletagem, sendo estes os meios mais efetivos de comunicação que garantem a participação da população local. A arrecadação de fundos e de material se dá através de doações e vendas de produtos, ou seja, através da colaboração da sociedade civil. Para arrecadar fundos foram feitas e vendidas camisetas, vendidos ingressos para festas, foi feita uma campanha de crowdfunding online, foram vendidos bolos e cookies na universidade e os valores arrecadados foram repassados para a ONG. Com relação ao material, a Associação Cultural e Educativa Serra (ACES), que já instalou pequenas academias ao ar livre no Aglomerado da Serra, dentro do programa da PBH “Academias da Cidade”, se disponibilizou a conseguir os equipamentos de ginástica necessários, para sua instalação na “pracinha”, tornando-se, assim, parceira do processo. Para a construção do projeto prevê-se mão-de-obra voluntária em um processo autogestionário, com a formação de equipes de trabalho que irão atuar aos finais de semana, podendo contar com a colaboração da comunidade na logística e alimentação dos voluntários. Por quanto dito até agora se entende como o ideal desta proposta o trabalho que se baseia na horizontalidade. É nesse sentido que são buscadas as parcerias e os acordos para viabilizar a 7 | 10

intervenção de tal forma que o processo resulte se estruturar em rede e ser democrático, onde nenhum ator sobressai e domina o processo, sendo assim, de uma forma muito cuidadosa os contatos entre ONG e comunidade e os interesses dos diferentes grupos gerenciados e cadenciados pelos alunos de arquitetura. Esse processo de intervenção necessita de colaboração como linfa vital para acontecer e ela se faz presente de uma forma constante. 6. OS RESULTADOS É necessário ressaltar que o processo de intervenção não está concluído e, no momento em que este trabalho é redigido, a obra está acontecendo juntamente com a arrecadação contínua de fundos e a obtenção de materiais e equipamentos através das parcerias. Como é cedo para analisar o processo de construção da praça, que começou em julho de 2015, decidiu-se analisar o processo de projeto que foi finalizado em junho de 2015. 6.1.

Da real participação

Como foi visto no início da intervenção não era previsto e nem desejado pela ONG que a comunidade tomasse conhecimento do projeto, por temer que a mesma pudesse ter algumas exigências que poderiam levar à sua modificação. A equipe de arquitetura, por acreditar que a participação seria muito importante na intervenção da “pracinha”, com um esforço de argumentação conseguiu convencer as lideranças da ONG e incorporar momentos de diálogos com a comunidade local e seus atores. Dessa forma, aumentou-se significativamente o grau de envolvimento da comunidade e dos seus agentes, chegando a fazer com que esta participasse e opinasse nas opções de projeto. As demandas e as exigências da população para este local divergiram da proposta de projeto da ONG, mostrando que a comunidade não desejava só um parquinho para crianças, mas outros equipamentos e a partir do momento em que estas demandas foram ouvidas e recolhidas, não foi mais possível ignorálas. Embora algumas tentativas das lideranças da ONG de frustrar o processo participativo, este se firmou de uma vez. Por causa dessas importantes mudanças, o tempo de projeto se estendeu muito além do previsto no cronograma original, pois a equipe de arquitetura julgava necessárias mais oficinas e visitas. Através do contato com a comunidade, muitas informações e sugestões foram recolhidas. Com a participação da população, o projeto foi modificado, ficando mais próximo às exigências e demandas pleiteadas pela população. A ONG, por sua parte, vem alegando que a demora na definição do projeto prejudicou a arrecadação de fundos e impossibilitou a participação dos designers franceses na criação dos brinquedos. O fato é que um projeto participativo de um espaço público envolve um conjunto variado de atores, um processo de discussão contínua na busca por consensos, ou seja, ele toma mais tempo que um projeto tradicional feito por uma pessoa ou uma equipe e que, ao final, será imposto aos usuários. A defesa do ideal do projeto participativo e dos seus benefícios feita pelos alunos quase levou à dissolução da proposta e abandono do trabalho por parte da ONG. Um grande conflito se estabeleceu pela diferença de visões, ideias e ideais do que seria uma intervenção em um espaço público em uma favela e este conflito ainda não está resolvido totalmente. Afinal, ao entender que não havia como

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fugir das demandas da comunidade e que seria necessário ceder para que a intervenção fosse possível, a ONG acabou entrando em contato com a associação para realizar parcerias e viabilizá-lo. Os alunos acreditam que o conflito foi necessário para que o processo se mantivesse participativo e fosse de alguma forma, um avanço em relação às intervenções tradicionais que a PBH tem feito, tendo a participação popular somente no papel. 6.2.

Da horizontalidade do processo

O trabalho realizado junto à comunidade com a panfletagem porta a porta e reunião de moradores em eventos e oficinas para discussão gerou redes de comunicação, onde vizinhos falaram com outros vizinhos transmitindo as informações. Assim, foi possível o contato com a ACES, que já estava providenciando a academia da cidade para a praça. Já na oficina de maquete, alguns jardineiros se disponibilizaram a ajudar na fase de execução, algumas mudas foram doadas por um colega da Escola de Arquitetura, um conhecido indicou grafiteiros para fazer um painel artístico na praça e, dessa forma, várias parcerias aconteceram. Formaram-se redes de comunicação e parcerias para a viabilização da intervenção, algumas das quais ainda estão sendo mapeadas para melhorar a compreensão do processo em curso. As relações de participação em várias escalas tornam o processo rico pelos aportes individuais das pessoas envolvidas. Conseguiu-se buscar a relação em rede, de fato, a materialização de um processo aberto e horizontal, acessível e democrático e, neste aspecto, observam-se ganhos consideráveis na participação e nos formatos de participação, assim como na formação de relações afetivas com a intervenção e com o espaço. 6.3.

Do poder popular e do intercâmbio de pessoas “do asfalto ao morro” 5

Conscientizar a população dos assentamentos informais da capacidade de tomar conta e alterar, de forma positiva, melhorando seu habitat, é algo que ainda está longe do acontecer. A proposta do PGE aponta esta possibilidade, mas a situação de fato demonstra como ainda há um descompasso entre legislação e realidade. As comunidades dos assentamentos informais ainda desempenham um papel passivo, sendo chamadas a atuarem de uma maneira dirigida dentro de um processo de cooptação, se contentando com o pouco que o poder público coloca a disposição. Esta situação é resultado de um processo histórico que vem de longe afundando suas raízes no processo de formação do país e envolve a sociedade brasileira como um todo. A reforma da “pracinha” busca, mesmo que de forma pequena e limitada espacialmente, quebrar este processo, responsabilizando e capacitando a comunidade local para que, desvinculando-se do julgo do poder público se torne o ator principal no processo de melhoria do espaço público nestes assentamentos. Esta experiência pode ser vista, nesse sentido, como um projeto piloto, na esperança que esta tomada de consciência sirva para alastrar estas práticas para além dos limites da “pracinha”. Ademais, o processo em curso possibilita algo pouco comum, que é a troca entre os diversos atores que compõem a sociedade brasileira em um processo de integração e não de exclusão. O processo da “pracinha” é um momento fundamental no qual as componentes sociais instauram uma arena de discussão se confrontando e dialogando em busca de um consenso. Fazendo isso preconceitos e visões estereotipadas do “outro” perdem sentido juntando dentro de um único objetivo as pessoas do asfalto e do morro.

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Esta expressão é utilizada por pessoas na favela para designar a favela e o resto da cidade.

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7. CONCLUSÕES A experiência em curso relatada neste trabalho possibilitou uma visão mais apurada sobre o processo de projeto participativo de espaços públicos em assentamentos informais, desvendando as possibilidades e as potencialidades que um processo como este tem. Entre os vários resultados apontados até agora é necessário destacar um em particular que chamou atenção e que deverá ser objeto de atenção e estudo até o final do processo. O resultado em questão é a compreensão de que, diferentemente do que é propagandeado em processos dessa natureza, o elemento constante é o conflito. A dimensão do conflito permeia esta prática de tal forma que o reconhecimento disso pode apontar para um paradoxo, já que, ao contrário do que se coloca em geral, o objetivo comum não é um elemento suficiente para que os atores se juntem e superem suas diferenças, pois estas estão profundamente enraizadas em cada um e cada um não abre mão delas senão através de um processo baseado no conflito; por este motivo acredita-se que processos de participação que não apontem esta questão sejam processos com uma participação não verdadeira, isto é, com a manipulação e cooptação dos atores. Em relações dessa natureza normalmente os atores manipulados são as comunidades. Mas de onde se origina a dimensão do conflito? Acredita-se que a origem possa ser encontrada nas práticas políticas e sociais típicas da sociedade brasileira baseadas notoriamente na segregação, na divisão social e no individualismo, de tal forma que a dimensão do individual, seja ela transposta em forma de pessoa ou em forma de ator social (grupos ou organização) tem a prioridade sobre qualquer outra forma de dimensão do social. E isso se torna mais evidente ainda pelo fato de que estes processos não surgem espontaneamente, mas são fruto de ações exógenas encaminhadas por atores da sociedade organizada constituídos por grupos, em geral compostos por pessoas de maior renda, que, supostamente esclarecidos e norteados pela bandeira da militância social e política, propõem intervenções nestes espaços acreditando que a comunidade local seja algo maleável podendo propor soluções a revelia sem a coragem de criar um contraditório. Estes mesmos atores são os primeiros que jogam a toalha e recuam, em posições conservadoras, uma vez que se deparam com a realidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALIER, J. M. Varieties of Environmentalism. London: Earthscan Publications Ltd, 1997. BERENSTEIN, P. J. A estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Casa da Palavra. 2007 CONTI, A. A política de intervenção nos assentamentos informais em Belo Horizonte na década de 1980 e 1990 e o “Plano Global Específico”, Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v.11, n.12, Belo Horizonte, 2009. PBH, Transformação no Aglomerado da Serra. Disponível em Acesso em 24 de agosto de 2015 AGRADECIMENTOS Sinceros agradecimentos aos moradores da comunidade da Vila Marçola, que tanto colaboraram no processo e confiaram em nós. Agradecemos ao nosso orientador Professor Alfio Conti, que nos deixou livres para ousar testar novas abordagens. Aos alunos da Escola de Arquitetura e outros voluntários que estão colaborando com a construção deste espaço.

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