A (Pré-) História da Morte nos primórdios da História das Religiões

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*No Prelo – Anais do V EPHIS (Encontro de Pesquisa em História – UFMG).
Temporalidades (Revista discente do Programa de Pós-Graduação em História),
2017.


A (Pré-) História da Morte nos primórdios da História das Religiões[1]

The (Pre)History of Death in beginnings of the History of Religions

Thales MM Silva
Mestrando em Ciência da Relgião
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

RESUMO: Dentre as várias definições possíveis, para o conceito de religião
entende-se um "conjunto de crenças baseadas em uma perspectiva única de
como o mundo possivelmente é, comumente reveladas por meio do surgimento da
noção de um poder sobrenatural e partilhadas por uma comunidade".[2] Nessa
lógica, os primeiros incidentes na história considerados como o possível
princípio das ideias e crenças religiosas teriam ocorrido no decorrer do
Paleolítico Médio e, a partir de então, continuado a se desenvolver até a
Idade do Bronze, quando finalmente se tornaram reconhecíveis como hoje o
são. De fato, o maior problema encontrado por historiadores da religião ao
tentar estudar e entender os sistemas religiosos desses períodos é a
inexistência de registros e sistemas de escrita. Entretanto, foi durante
esse longo período de tempo que os primeiros de nossos ancestrais começaram
a enterrar seus mortos, prática que teoricamente indicaria a crença ou a
fascinação com o conceito de pós-vida.

PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia; História das Religiões; História da Morte.

ABSTRACT: Among various possible definitions we can understand religion as
"a set of beliefs based on a unique vision of how the world ought to be,
often revealed through insights into a supernatural power and lived out
through the community". The first incidences in the world's history that
are considered the beginnings of religion occurred in the Middle
Paleolithic period. From the Middle Paleolithic, religious ideas would
continue developing through the Upper Paleolithic and Neolithic periods
until becoming recognizable as they are known today in the Bronze Age. The
biggest issue researchers face when studying and attempting to understand
the religion of this time period is that writing systems and record keeping
were not invented for thousands of years. However, it was during this
expansive time period that the first ancestors and relatives of modern
humans began to bury their dead. The practice of burying the dead indicates
a belief in or fascination with the concept of an afterlife.

KEYWORDS: Archaeology; History of Religions; History of Death


Como seres humanos modernos, somos tão acostumados com a ideia de
enterrarmos os mortos, que levamos algum tempo para perceber o quão
particular esse comportamento realmente é. Muitos animais ignoram
despreocupadamente os cadáveres de outros membros de seu grupo ou bando. O
que nos faz tão diferentes? Como e quando os enterros começaram?

Entre os hominídeos, não possuímos nenhuma evidência para o trato dos
mortos até cerca de 300.000 anos atrás. Mas durante as centenas de milênios
de desenvolvimento humano anteriores ao presente, podemos predizer alguns
tipos de comportamentos funerários adicionais àqueles observados entre os
primatas superiores modernos. Cadáveres se deterioram e devem ser removidos
dos acampamentos ou cavernas. Parece provável que os corpos de membros de
um grupo fossem descartados em locais de significância da paisagem – talvez
em rios ou orifícios naturais, no topo de árvores, ou até mesmo no pico de
montes sagrados. É claro, isso é algo que nunca poderemos provar. Um
cadáver largado ao ar livre não deixa rastros arqueológicos.[3]

Algumas das mais antigas evidências para o descarte deliberado dos
mortos foi encontrada em Pontnewydd Cave, no País de Gales. Nesse local, os
restos fragmentários (dentes) de antigos Neandertais sugerem que pelo menos
cinco e possivelmente até 15 corpos podem ter sido deliberadamente deixados
na longínqua escuridão há cerca de 225.000 anos atrás.[4] Outros exemplos
desses "esconderijos" funerários – em oposição aos sepultamentos stricto
sensu – podem ser encontrados na Europa desse mesmo período. Por exemplo,
na Sima de los Huesos ("Poço dos Ossos"), em Atapuerca, na Espanha, mais de
32 indivíduos Homo heidelbergensis datando de mais de 200.00 anos foram
encontrados dentro de um profundo poço.[5]

É possível que esses ossos, além dos dentes de Pontnewydd, tenham
aparecido lá acidentalmente – mas tal afirmação é duvidosa. Cavernas e
fossos são locais escuros e misteriosos; eles ecoam os estranhos sons dos
ventos e das águas. Em períodos posteriores foram considerados passagens
para o "outro mundo". Parece ser muito mais provável acreditar que os
antigos Neandertais compartilhavam uma percepção semelhante desses locais.
É interessante notar que algum tipo de seleção pode ter ocorrido nesses
primeiros "enterros". A maioria dos dentes de Pontnewydd era de indivíduos
masculinos com menos de 20 anos de idade. Por que esse tratamento seletivo
dos homens jovens? Como caçadores esses indivíduos eram certamente membros
muito importantes de seu grupo, merecendo tratamento especial após sua
morte. Atualmente podemos datar esqueletos e vestígios ósseos com
suficiente precisão ao ponto de sabermos que homens idosos praticamente não
existiam entre os grupos Neandertais. Avôs e "ancestrais sábios e idosos"
eram praticamente desconhecidos. Poucos viviam mais do que 30 anos. Era um
mundo de jovens homens.[6]

A prática dos esconderijos funerários continuou existindo após esses
antiguíssimos exemplos. Evidências anteriores a 100.000 AP incluem os
restos cranianos fragmentários de pelo menos 22 Neandertais de La Quina, no
Charente[7], e do sítio arqueológico da fenda de L'Hortus – ambos na França
– onde traços de pelo menos 20 indivíduos foram encontrados, dentre os
quais jovens Neandertais eram especialmente comuns.[8] Em Krapina Cave, na
Croácia, mais de 70 Neandertais foram encontrados, amontoados em depósitos
da caverna cuja idade é superior a 100.000 anos. Esses vestígios possuem
natureza altamente fragmentária – provavelmente foram quebrados pelo peso
excessivo dos sedimentos que os cobriram – e alcançaram notoriedade, uma
vez que certa quantidade desses claramente possuía marcas de cortes
deixadas por ferramentas de pedra.

Originalmente foi proposto que Neandertais teriam praticado
canibalismo em Krapina, mas análises recentes têm demonstrado que as marcas
de corte e de "raspagem" foram criadas, no entanto, pela retirada da carne
dos cadáveres – as marcas são exatamente iguais às de ossos descarnados
conhecidos a partir de registros etnográficos, ao invés das deixadas em
ossos cortados durante a alimentação. Essa retirada da carne dos cadáveres
ocorria provavelmente após um período de escarnação, e antes do enterro.[9]

Descarnar, raspar e retirar toda a carne de um cadáver para revelar
seus próprios ossos, é – para a mente moderna – uma prática bizarra. Por
que fazê-lo? Por que mutilar o corpo de um ente querido? Novamente, podemos
apenas especular a respeito. Na pré-história posterior e no período
histórico, ossos eram algumas vezes tratados como relíquias sagradas.
Observamos evidências claras dessa prática desde, pelo menos, a metade do
Paleolítico Superior (ou período Gravetiano), um pouco depois de 27.000
anos atrás, quando crânios individuais ou ossos longos eram tingidos com
uma quantidade excessiva de ocre e enterrados separadamente. Seria razoável
presumir que as origens das relíquias sagradas podem ser encontradas no
período Neandertal. Descarnar era um meio de se alcançar tal fim.[10]

Traços de escarnação e de remoção de partes do corpo foram
encontrados em vários outros sítios arqueológicos Neandertais na França e
na Bélgica. Em Moula Guercy Cave, no Sudeste da França, pelo menos seis
Neandertais foram descarnados ou possivelmente canibalizados[11], e em
Kebara Cave, em Israel, um adulto do sexo masculino sepultado no centro da
caverna teve seu crânio removido pouco após ser enterrado. Dessa forma, as
evidências certamente nos inclinam a concluir que os Neandertais, pelo
menos ocasionalmente e em algumas áreas da Eurásia, praticavam uma
variedade de atividades mortuárias, antes ou durante os enterros.[12]

Os primeiros sepultamentos stricto sensu, no entanto, são de humanos
anatomicamente modernos. Podemos encontra-los em vestígios que datam de
pouco antes de 100.000 anos atrás, nos portões da Europa – em Israel e no
Vale do Nilo. Em Skhul e Qafzeh, cavernas do Monte Carmelo, um grande
número de homens, mulheres e crianças foram enterrados, alguns deles,
aparentemente, com bens tumulares.[13] Em Taramsa, no Egito, uma criança
foi, aparentemente, sentada de costas a um poço de extração de seixos e
enterrada entre 40.000 e 80.000 anos atrás.[14] Esses sepultamentos
intencionais, particularmente com bens tumulares, são possivelmente uma das
mais antigas formas detectáveis de práticas religiosas, uma vez que podem
significar uma "preocupação com os mortos que transcende a vida
diária".[15]

Até mesmo em locais tão distantes quanto Lake Mungo, na Austrália, um
adulto foi encontrado enterrado dentro de uma duna de areia, que data do
mesmo vasto período de tempo que a criança de Taramsa.[16] É intrigante
perceber que esses primeiros sepultamentos são todos de humanos modernos,
fato que levou alguns pesquisadores a sugerir que os sepultamentos
cronologicamente posteriores de Neandertais na Europa possam ser uma ideia
que foi transmitida a partir de nossa própria espécie para esses humanos
arcaicos. Nada disso pode ser confirmado, mas dada a atividade mortuária
não tumular de grupos Neandertais mais antigos, é possível que tenham
cunhado sua própria ideia de sepultamentos de forma independente.

A imagem de enterros, em si, só se tornou mais clara com a ascensão
dos Neandertais na Eurásia. Pelo menos duas dezenas de exemplos claros de
seus sepultamentos são conhecidas datando de depois de 70.000 AP. [17]
Todos foram encontrados dentro de quatro áreas geográficas bem delimitadas
– sem nenhuma evidência convincente de sepultamentos em qualquer outro
local. Essas covas são encontradas no Sul da França, no Norte dos Balcãs,
no Oriente Próximo (Israel e Síria) e, possivelmente, na Ásia Central,
incluindo os prováveis sepultamentos de bebês em Mezmaiskaya Cave, no
Cáucaso[18], e na caverna de Teshik Tash, no Uzbequistão, próximo à
fronteira afegã[19]. Nessas áreas, Neandertais deitaram seus mortos em
covas simples, sem nenhuma preocupação aparente em relação a bens tumulares
ou marcações elaboradas. Ocasionalmente encontramos blocos de calcário
dentro ou sobre as covas, possivelmente representando algum tipo de marco
para o túmulo – mas isso é algo difícil de ser provado.

Muitos dos vestígios Neandertais encontrados em cavernas pertencem a
crianças. A mortalidade infantil era especialmente alta entre os esses
hominídeos e parece-nos que os jovens eram comumente depositados em
pequenos fossos, possivelmente após seus tecidos moles terem apodrecido.
Uma criança enterrada em um fosso dentro de Dederiyeh Cave, na Síria, por
exemplo, parece ter sido depositada após suas juntas terem se
desarticulado, mas com certa preocupação de forma que suas partes corpóreas
foram recolocadas seguindo a ordem anatomicamente correta.[20]

Mesmo possuindo um escasso trato cronológico das covas Neandertais,
sabemos que seus mais tardios sepultamentos, já descobertos na Europa – em
St. Cézaire, na França – foram realizados cerca de 35.000 AP.[21] Após
isso, possuímos uma lacuna no registro arqueológico que dura cerca de 6.000
ou 7.000 anos, uma vez que não há enterros convincentes pertencentes às
mais antigas ocupações do continente europeu por nossa própria espécie. É
somente na metade do Paleolítico Superior, no Gravetiano, que exemplos
claros de sepultamentos foram encontrados da Ibéria e do País de Gales até
o Nordeste de Moscou. Até recentemente, apenas uma vaga cronologia era
conhecida para esses casos, mas agora, uma imagem mais precisa emergiu a
partir da datação direta de covas por meio do radiocarbono. Os resultados
mostram que esses sepultamentos foram realizados dentro de um curto período
de tempo, entre 27.000 e 23.000 anos atrás.[22]

Todos esses enterros incorporaram um grande uso do ocre vermelho, e
incluíram ossos de grandes herbívoros, tais como os aurogues, mamutes,
bisões ou renas – animais totêmicos muitas vezes representados em pinturas
nas paredes de cavernas desse período. Os mais antigos exemplares desse
grupo de covas são a "Dama Vermelha" de Paviland[23] e três outros jovens
adultos enterrados juntos em Dolni Vestonice, na Republica Checa.[24] Pouco
posteriormente temos o sepultamento de uma pequena criança em Lagar Velho,
em Portugal, usando uma concha de caramujo[25], e um jovem adulto do sexo
masculino em Brno, na Republica Checa. Seu traje denso e sobrecarregado, a
presença de uma boneca ou marionete e de uma provável coxa de ave em sua
cova, fizeram com que alguns estudiosos acreditassem que ele fosse um
xamã.[26]

Ainda, um pouco mais tardias são as espetaculares covas de dois
adolescentes e de um homem adulto em Sunghir, Russia, ambas acompanhadas
por vários milhares de contas feitas com pedaços de presas de mamute,
muitas centenas de pingentes de dente de raposa e uma panóplia de artefatos
de marfim.[27] Em Arene Candide Cave, no Noroeste da Itália, um jovem do
sexo masculino – batizado de "O Príncipe" – foi esplendorosamente enterrado
durante o período do Gravetiano Médio. Em adição à usual pintura em ocre
vermelho, ocre amarelo foi usado para cobrir uma mordida que arrancou parte
de seu pescoço – presumivelmente a ferida que o matou. Ele foi sepultado
com um ornamento de cabeça feito com contas de marfim de mamute, quatro
cornos furados e incisados, enigmaticamente moldados, conhecidos como
"bastões", uma lamina lascada, retirada de uma pedreira que dista 100 km do
local, além de várias outras possessões valiosas.[28]

Essas covas gravetianas compõem um estranho conjunto. Com a exceção
da "Dama Vermelha" de Paviland, todas apresentam traços patológicos em seu
conteúdo e alguns desses hominídeos podem ter vivido em considerável agonia
por grande parte de suas vidas. Por exemplo, três indivíduos enterrados
juntos em Barma Grande Cave, no Noroeste da Itália, possuíam, todos,
colunas deformadas pela degeneração de seus discos vertebrais, similarmente
aos jovens encontrados em Dolni Vestonice.[29] O homem de Brno sofreu com
uma severa doença óssea por anos, o que pode ter, até mesmo, causado
algumas desordens neurológicas. O jovem garoto de Lagar Velho tinha uma
aparência estranha e desproporcional – membros muito curtos. Tais desordens
patológicas encontradas entre quase todos os sepultamentos do Gravetiano
são, certamente, demasiado comuns para serem tratadas como uma simples
coincidência. Provavelmente a natureza deficiente desses indivíduos – que
com uma ou duas exceções, são todos homens – indicava que eles eram, de
alguma maneira, especiais. Talvez fossem todos xamãs ou curandeiros.

Há sugestões de que todos esses indivíduos teriam sido assassinados.
Se alguma coisa dá errado com a comunidade, o xamã é convocado para
concertá-la. Se ele não pode fazê-lo, ele é morto. Um raciocínio similar
pode ter sobrevivido por milhares de anos até os "corpos dos pântanos" da
Idade do Ferro, do Norte da Europa.[30] É uma ideia atraente, mas o que
está claro, no entanto, é que os sepultamentos nunca foram a norma para as
pessoas "comuns". Devemos presumir que a maioria dos indivíduos era
descartada – como deve ter ocorrido por centenas de milhares de anos – sob
uma forma respeitosa e ritualística, mas, atualmente, arqueologicamente
invisível.

Aproximadamente no mesmo período dos enterros gravetianos
presenciamos o florescimento das "estatuetas de Vênus" – geralmente
esculturas femininas em marfim de mamute, pedra-sabão ou outros materiais.
A maioria delas foi escavada durante os primórdios da arqueologia; mas
utilizando o material que possuímos, parece-nos que elas se encontravam
inseridas nos fundos das cavernas ou enterradas em fossos. Trata-se de um
contraste interessante – praticamente todos os indivíduos enterrados eram
homens, mas quase todas as estatuetas enterradas eram femininas. Se essas
figurinhas fossem a representação das mulheres em geral, e não de uma
deusa, em particular, elas poderiam prover um sombrio vislumbre da dinâmica
social das sociedades do Paleolítico Superior. Isso sugere, pelo menos
aparentemente, uma diferenciação social entre homens e mulheres.
Notavelmente, algumas dessas estatuetas, encontradas na Rússia, foram
deliberadamente quebradas; enquanto a "Vênus Negra" de Dolni Vestonice foi
repetidamente apunhalada por algum tipo de instrumento afiado. Talvez essas
figurinhas, também, como os homens enterrados, teriam sido
"assassinadas"?[31]

O sacrifício de figuras importantes da comunidade parece algo
estranho para a mente moderna. No entanto, pode ter sido uma característica
deveras comum das sociedades pré-industriais. Durante o Egito dinástico,
faraós celebravam o festival do "Sed", em Karnak, onde o rei era
ritualmente morto e renascido, simbolizando o reabastecimento de suas
energias. O Sed pelo qual passou o faraó Aquenáton, no século XIV A.C, foi
meticulosamente registrado em relevos. Alguns egiptólogos sugeriram que
esse festival reflete uma prática muito anterior, de um verdadeiro
sacrifício de governantes. A ideia parece ter sido a de que o poder devia
permanecer novo e forte[32].

Após o Gravetiano, aparentemente, há outra lacuna de vários milhares
de anos antes de começarmos a encontrar atividades mortuárias convincentes,
no final do Paleolítico Superior, há 15-10.000 anos atrás. Mas as antigas
tradições parecem ter perpetuado. Por exemplo, na Itália, mais de 20
homens, mulheres e crianças foram enterrados na mesma caverna que "O
Príncipe" fora sepultado muito mais que 10.000 anos antes. Todas essas
covas foram delineadas pelas paredes da caverna e por grandes blocos de
calcário. Seus sepultamentos são muito semelhantes e compartilham uma série
de características – conchas, joias de marfim de mamute e ocre – que
remetem aos tempos do "Príncipe". Algumas covas são duplas, contendo um
homem adulto e uma criança do sexo masculino enterrada ao seu lado. Trata-
se, claramente, de um "cemitério", no sentido moderno da palavra. A
exumação e a realocação de antigos sepultamentos para abrir espaços para
novos enterros é algo comumente observado e, onde isso ocorreu, ossos
foram, normalmente, recolhidos e acomodados nas bordas das novas covas.
Assim como as pessoas, atualmente, deixam vasos de flores junto às lápides
de seus parentes, um par de cornos tingidos com ocre vermelho,
provavelmente, foi repousado em estacas dentro da caverna. Grandes pedras
podem ter atuado como marcadores funerários.[33]

Nós normalmente esquecemos que é somente no mundo ocidental moderno
que os sepultamentos se tornaram uma prática, quase que, universal e
corriqueira. Não apenas nos seus primórdios, mas por toda história, seres
humanos descartaram os corpos de seus amados de diversas formas, e a
maioria dessas não deixou vestígio algum, podendo ser, apenas, conjecturada
pelos estudiosos de hoje. Mas, de alguma maneira, a sociedades modernas
estão voltando ao início de um ciclo e recriando uma variedade de rituais
do passado. Em décadas recentes, a cremação se tornou, mais uma vez,
palatável no mundo cristão; e somos inclinados a espalharmos as cinzas de
nossos mortos nos locais "significantes" da paisagem atual, tais quais a
nossa cidade-natal, um amado local de descanso, praias ou o estádio de
futebol favorito do falecido. Seriam esses locais reflexos modernos das
montanhas e rios sagrados do passado?

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[1] Baseado em um texto aberto de Paul Pettit (Agosto de 2002);
[2] GUEST, Kenneth. Cultural Anthropology: A toolkit for the Global Age.
Nova York: W. W. Norton & Company, 2013. p.577;
[3] Cf. PETTIT, Paul. From morbidity to mortuary activity: developments
from the australopithecines to Homo heidelbergensis. In: The Palaeolithic
Origins of Human Burial. Nova York: Routledge, 2011. p.41-56;
[4] Cf. ALDHOUSE-GREEN, S. H. R. Ex Africa aliquid semper novi: the view
from Pontnewydd. In: MILLIKEN & COOK, S. & J. (eds), A Very Remote Period
Indeed: Papers on the Palaeolithic Presented to Derek Roe. Oxford: Oxbow,
2001. p. 114–19;
[5] Cf. CASTRO, MARTINÓN-TORRERS, CARBONELL, SARMIÈNTO & ROSAS, J. M.
Bermúdez de, M., E., S. & A. The Atapuerca sites and their contribution to
the knowledge of human evolution in Europe. Evolutionary Anthropology,
Hoboken, v.13, n.1, fevereiro. 2004. p.25–41;
[6] ALDHOUSE-GREEN. Ex Africa aliquid semper novi: the view from
Pontnewydd. p.116;
[7] Cf. VERNA, HUBLIN, DEBÉNATH, JELÍNEK & VANDERMEERSH, C., J., A., A. &
B. Two new hominin cranial fragments from the Mousterian levels at La Quina
(Charente, France). Journal of Human Evolution, Amsterdã, v.58, n.3, março.
2010. p.273–8;
[8] Cf. LUMLEY, H. de. Les Néanderthaliens. In: LUMLEY, H. de (ed), La
Grotte de L.Hortus (Valflaunès, Hérault). Marselha: Université de Provence,
1972. p.375–86;
[9] Cf. RUSSEL, M. Mortuary practice at the Krapina Neanderthal site.
American Journal of Physical Anthropology, Hoboken, v.72, n.3. 1987.
p.381–97;
[10] Cf. PETTIT, Paul. From fragmentation to collectivity: human relics,
burials and the origins of cemeteries in the Later Upper Palaeolithic and
Epipalaeolithic. In: The Palaeolithic Origins of Human Burial. Nova York:
Routledge, 2011. p.215-261.
[11] Cf. DEFLEUR, WHITE, VALENSI, SLIMAK & CRÉGUT-BONNOURE, A., T., P., L.
& E. Neanderthal cannibalism at Moula-Guercy, Ardèche, France. Science,
Washington, v.286, n.5436. 1999. p.128–131;
[12] Cf. BAR-YOSEF, VANDERMEERSCH, ARENSBURG, BELFER-COHEN & GOLDBERG, O.,
B., B., A. & P. The excavations in Kebara Cave, Mt Carmel. Current
Anthropology, Chicago, v.33, n.5. 1992. p.497–550;
[13] Cf. PETTIT. The Palaeolithic Origins of Human Burial. p.59-72;
[14] Cf. VERMEERSCH, PAULISSEN, GIJSELINGS & JANSEEN, P. M., E., G. & J.
Middle Palaeolithic chert exploitation pits near Qena (Upper Egypt).
Paléorient, Paris, v.12, n.1. 1986. p.61–5;

[15] LIEBERMAN, Phillip. Uniquely Human: The Evolution of Speech, Thought,
and Selfless Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 1994, p.162;

[16] Cf. PETTIT. The Palaeolithic Origins of Human Burial. p.75-76;

[17] Cf. PETTIT, Paul. The Neanderthals. In: The Palaeolithic Origins of
Human Burial. Nova York: Routledge, 2011. p.78-139;
[18] GOLOVANOVA, HOFFECKER, KHARITONOV & ROMANOVA, L. V., J., V. M. & G. P.
Mezmaiskaya Cave: a Neanderthal occupation in the Northern Caucasus.
Current Anthropology, Chicago, v.40, n.1, fevereiro. 1999. p.77–86;
[19] PETTIT. The Palaeolithic Origins of Human Burial. p.121;
[20] Cf. DODO, KONDO, MUHESEN & AKAZUMA, Y., O., S. & T. Anatomy of the
Neanderthal infant skeleton from Dederiyeh Cave, Syria. In: AKAZAWA, AOKI &
BAR-YOSEF, T., K. & O. (eds), Neandertals and Modern Humans in Western
Asia. Nova York: Plenum, 1998. p.323–38;
[21] MERC IER, VALLADAS, JORON, LÉVÊQUE & VANDERMEERSCH, N., H., J., F. &
B. Thermoluminescence dating of the late Neanderthal remains from Saint-
Césaire. Nature, Stturgart, v.351, junho. 1991. p.737–8;
[22] PETTIT. The Palaeolithic Origins of Human Burial. p.168;
[23] Cf. JACOBI & HIGHAM, R. M. & T. F. G. The 'Red Lady' ages gracefully:
new ultrafiltration AMS determinations from Paviland. Journal of Human
Evolution, Amsterdã, v.55, n.6, junho. 2008. p.898–907;
[24] Cf. KLIMA, B. A triple burial from the Upper Palaeolithic of Dolní
VeÇ[25]stonice, Czechoslovakia. Journal of Human Evolution, AmsterdãA
triple burial from the Upper Palaeolithic of Dolní Veˇstonice,
Czechoslovakia. Journal of Human Evolution, Amsterdã, v.16, n.8, dezembro.
1987. p.831–5;
[26] Cf. VANHAEREN & D'ERRICO, M. & F. The body ornaments associated with
the burial. In: ZILHÃO & TRINKAUS, J. & E. (eds), Portrait of the Artist as
a Child: The Gravettian Human Skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and
Its Archaeological Context. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia,
2002. p.154–86;
[27] Cf. OLIVA, M. Mladopaleoliticky hrob Brno II jako prˇispeˇvek k
pocˇtku°m sˇamanismu. Archeologické Rozhledy, Praga, v.48, n.3. 1996.
p.353–83;
[28] Cf. BADER & MIKHAJLOVA, N. O. & L. A. Upper Palaeolithic Site Sungir
(Graves and Environment). Moscou: Scientific World, 1998. p.165-188;
[29] PETTIT. The Palaeolithic Origins of Human Burial. p.182;
[30] Cf. FORMICOLA, V. The triplex burial of Barma Grande (Grimaldi,
Italy). Homo, Amsterdã, v.39, n.3-4. 1988. p.130–43;
[31] TAYLOR, T. The Buried Soul: How Humanity Invented Death. Boston:
Beacon Press, 2002. p.213;
[32] Cf. PETTIT, P. B. The living dead and the dead living: burials,
figurines and social performance in the European Mid Upper Palaeolithic.
In: GOWLAND & KNUSEL, R. & C. (eds), Social Archaeology of Funerary
Remains. Oxford: Oxbow, 2006. p. 292–308;
[33] CLAESSEN & VELDE, Henri J.M. & Pieter Van De (eds), Early State
Dynamics. Leiden: Brill, 1987. p.123;
[34] Cf. PETTIT. The Palaeolithic Origins of Human Burial. p.251-253.
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