A Preparação de um recital: observações e apontamentos preliminares do ponto de vista da Pedagogia da Performance entre alunos do curso de licenciatura em Música

June 9, 2017 | Autor: Leonardo Feichas | Categoria: Music Education, Performance Pedagogy
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A Preparação de um recital: observações e apontamentos preliminares do ponto de vista da Pedagogia da Performance entre alunos do curso de licenciatura em Música SUBÁREA: EDUCAÇÃO MUSICAL

Prof. Leonardo Vieira Feichas UFAC- [email protected] Letícia Porto Ribeiro UFAC- [email protected] Resumo: O artigo relata a experiência em trabalhar aspectos da Performance musical com os alunos do curso de licenciatura em Música matriculados na matéria de Prática de Conjunto na Universidade Federal do Acre. Para a maioria dos alunos foram as primeiras experiências com o palco e com público, e, portanto, muitas questões relativas ao comportamento em palco e a aspectos de melhoramento de interpretação tiveram de ser trabalhadas. Como referencial teórico adotou-se KOPIEZ (2014), PLATZ (2013), HAVAS (1986), KOHUT (1992) e COOK (2006). Ao fim do semestre os alunos mostraram grandes avanços e fizeram importantes reflexões a respeito da Performance. Palavras chave: Pedagogia da Performance. Educação Musical. Música de Câmara. Abstract: The paper describes the experience of working musical Performance aspects with students of Music Pedagogy of Universidade Federal do Acre enrolled in the Chamber Music Practice course. For most of the students it was the first experience with stage performance and with public, and as so many points related to the behavior on stage as to Performance improvement were taught. As references there were KOPIEZ (2014), PLATZ (2013), HAVAS (1986) and KOHUT (1992). At the end of the semester the students showed great advance and made important reflections on musical Performance. Keywords: Performance Pedagogy. Music Education. Chamber Music.

1. Introdução: Este trabalho consiste em um relato sobre a vivência da Performance musical na Universidade Federal do Acre entre alunos de Licenciatura em Música matriculados nas disciplinas de Prática de Conjunto. Como o curso consiste em uma Licenciatura em Música, o ensino da Performance prima tanto pela experiência e vivência de palco para futuros professores quanto pelo valor Performance enquanto produto de um preparo artístico.

O termo “Performance” aqui é definido como Kohut (1992, p. 109) o explica: Performance Musical é o ato de produzir som e silêncio esteticamente organizados dentro do tempo e espaço. Envolve a reprodução de ideias ou conceitos musicais (imagens mentais) que são concebidos dentro da mente musical do intérprete.1

A esta noção, deve-se adicionar a visão de Cook (2006, p. 11), sob a qual a música é um fenômeno irredutivelmente social. O autor afirma que se deve comparar a partitura com um script, ao invés de um texto: Pensar em um quarteto de cordas de Mozart enquanto um “texto” é construí-lo como um objeto meio-sônico, meio-ideal, que é reproduzido na performance. Por outro lado, pensá-lo como um “script” é vê-lo como uma coreografia de uma série de interações sociais em tempo real entre os instrumentistas: uma série de gestos mútuos de audição e de comunhão que encenam uma visão particular da sociedade humana, cuja comunicação à plateia é uma das características da música de câmara. (Cook, 2006, p. 12)

Logo no início de seus trabalhos na Universidade Federal do Acre, percebeu-se a inexistência de vivência dos alunos com o ambiente de apresentação musical em palco. Decidiu-se então priorizar o ensino de aspectos que compõem o estudo da Performance musical para estes alunos, pois mesmo se tratando de um curso de Licenciatura acredita-se que é de relevante importância, tanto para os músicos quanto para os professores de música, ter uma experiência de palco consolidada, o que ajudará não somente na vida como professores, mas em outros aspectos sociais e psicológicos, auxiliando no ganho de confiança, autoestima e motivação. Kohut (1992, p.91) afirma que a Performance é um meio essencial de motivação para os estudantes. Dentro deste raciocínio, a Performance musical não pode ser vista como temática excluída da Educação Musical, mas sim como importante parte desta. Método: Buscou-se trabalhar com os estudantes, em um primeiro momento, duas questões essenciais: a escolha e preparação de repertório e o comportamento em palco. Dentro da escolha de repertório buscou-se mesclar uma dificuldade técnica acessível para cada um dos níveis e musicalidade acessível para o desenvolvimento no palco. Como exemplo, a escolha do primeiro movimento de um concerto barroco para aluno X2 mostrou ser uma escolha, apesar de desafiadora, tecnicamente acessível, ao mesmo tempo em que se pôde contribuir no desenvolvimento da maturidade e personalidade musical do aluno. Isso é importante para a satisfação e motivação que o intérprete terá consigo mesmo após sua interpretação frente a um público: “com ou sem medo do palco, nenhum prazer, nenhuma crítica maravilhosa na Terra, poderia me fazer sentir feliz se eu mesmo não 1

“Musical performance is the act of producing aesthetically organized sound and silence within time and space. It involves reproductions of musical ideas or concepts (mental images) that are conceived within the musical mind of the performer” Tradução de Leonardo Feichas. 2 Para preservar a identidade dos alunos, preferiu-se não identificá-los aqui por nomes e sim por letras.

me sentisse feliz com minha interpretação” (HAVAS, 1986, p. XIII) 3. Do ponto de vista de Havas (1986, p.125), lidar com o medo do palco tem estreita relação com a autoestima, já que: “(...) quando se lida com o medo do palco, a primeira coisa a se fazer é eliminar os motivos de auto-depreciação e dúvida. (...) Como alguém pode ‘se entregar’ a não ser que esteja livre para se amar, amar os outros seres humanos e, mais que tudo, amar seu público?”4

A segunda questão trabalhada no âmbito da Performance dos alunos foi a entrada/comportamento em palco, que até então aparentemente não havia sido trabalhada em nenhum momento de suas vivências. Evidenciou-se para os alunos ser este um quesito de grande importância na prática musical, já que associa-se o medo comum que alguns músicos têm do público quanto ao fato de ser na entrada e no comportamento inicial dos intérpretes no palco que o público cria uma primeira e relevante impressão em relação ao músico.5 Juslin e Timmers (2010, Apud PLATZ, p. 345-346) afirmam que “a performance musical pode ser resumida como uma troca de informações entre o intérprete (como “transmissor”) e o público (como “receptor”) pela modificação do espaço físico6.” O intérprete é julgado pelo público pelo o que é dele esperado por este e pelo o que oferece. O trabalho de Kopiez evidencia que não são as roupas ou a aparência que influencia nas primeiras impressões que o público tem de um músico, e sim se este cumprimenta o público, olha ao redor antes de levantar o arco, como caminha e como se coloca em posição.7 Cabe aqui diferenciar “prática” de “Performance”, segundo Kohut (1992, p. 88): “A Prática geralmente envolve a análise de partes individuais do todo, mas até o foco deve estar no objetivo desejado na prática de uma parte individual, não nos meios de atingir aquele objetivo. Na performance, há apenas um objetivo – fazer música. Músicos que utilizam a análise prática durante a performance, criam somente problemas desnecessários para eles mesmos. Eles vão invariavelmente cometer numerosos erros técnicos e produzirão uma performance que é musicalmente estéril (...). Prática é o caminho para a performance. A performance é o produto final.”8



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“(...) with or without stage fright, no praise, no wonderful review on Earth could make me feel happy if I myself did not feel happy with my playing” Tradução de Leonardo Feichas. 4 “When dealing with stage fright, the first thing one must set out to eliminate is the reason for selfdepreciation and self-doubt. (...) How can he ‘give’unless he is free to love himself, his fellow being and, most of all, his audience?” Tradução de Leonardo Feichas 5 PLATZ, Frierich. The influence of performers’ entrance behavior on the audience performance elaboration. Artigo, 2013. Tradução de Leonardo Feichas. 6

“Music performance can be summarized as an exchange of information between performer (as “transmitter”) and audience (as “receiver”) through the modification of physical space.”Tradução de Leonardo Feichas. 7

KOPIEZ, Reinhard, apud WHITBOURNE, Susan K. Fulfillment at Any Age, Mar, 08, 2014 in www.psychologytoday.com/blog/fulfillment-at-any-age/201403/eight-ways-make-grand-entrance. Acessado em 28/06/2015. 8 “Practice often involves analysis of individual parts of the whole, but even the focus should be on the goal desired in practicing an individual part, not the means for achieving that goal. In performance, there is only one goal – making music. Players who use practice analysis during performance create only needless problems for themselves. They will invariably make numerous technical erros in addition to producing a performance that is musically sterile (...) Practice is the means to performance. Performance is the end product.” Tradução de Leonardo Feichas.

A Performance, a interpretação da peça estudada em público, é essencial para a vida do artista ou do professor-artista, para que tenha a experiência musical plena. Como método, também foram disponibilizados, por meio de redes sociais, artigos relativos à cognição musical e estratégias de palco que foram lidos por alunos interessados em explorar questões interpretativas e performáticas, como formas de introdução a aspectos cognitivos de interpretação performática musical. Discussão: Durante o curso, ocorreu o primeiro recital de musica de câmara no qual a maioria daqueles alunos tiveram o primeiro contato com um palco e com um público. Os alunos nesse semestre tiveram duas oportunidades de recital: (N1)9 um recital em sala-de-aula, com os próprios alunos e seus parentes e (N2) um recital aberto, em teatro, com público mais numeroso e diversificado. Após o recital N1 os estudantes receberam um feedback do professor com sugestões, elogios e críticas em relação ao trabalho, delineando o que deveria ser feito para melhorar a interpretação em palco dos alunos. O feedback do professor foi feito de forma que tivesse equilíbrio entre considerações que eram necessárias serem feitas e que ao mesmo tempo a motivassem a classe. Por ser uma classe isolada, ou seja, diferente de centros já consolidados onde há diversas classes de música de câmara podendo assim haver um padrão de comparação (o aluno cresce com o professor mas cresce sozinho também, vendo os outros alunos e profissionais), a música na Universidade Federal do Acre é quase que inteiramente confiada à postura e ao direcionamento do professor. Esta questão apresenta pontos positivos e negativos. Entre os pontos positivos está a visão do colega de classe como um parceiro e não como um competidor, já que não há um núcleo numeroso de músicos que tocam um mesmo instrumento – os alunos então estudam juntos e buscam ajudar tecnicamente e musicalmente uns aos outros; também há pouco espaço para o medo de ser julgado pelos colegas, já que a maioria se encontra em níveis técnicos similares. Entre os pontos negativos está a falta de um padrão comparativo, como já foi citado, e poucos alunos avançados que possam ser um norte para os alunos novatos. Nesse sentido, a presença dos técnicos músicos na Universidade contribuiu para melhorar este aspecto. A participação desses profissionais se deu em recitais individuais dentro do recital dos alunos e como participantes em grupos de música de câmara (duo e quarteto). Tal participação auxiliou os alunos no sentido de conviverem e poderem conversar com músicos profissionais que já haviam superado as etapas iniciais de lidar com a apresentação em público, assim como, nas participações em grupos, puderam dividir mais intimamente experiências e fornecer suporte nas intepretações. O recital N2 foi feito no Teatro Universitário (800 lugares) no encerramento de um dia de evento que estava acontecendo na Universidade, com um público estimado de 200 pessoas. Em conversas, o alunos mais avançados já mostram uma consciência da situação de exposição de uma Performance musical e entenderam a importância, por exemplo, de como escolher a sequência de peças a serem executadas. O aluno Z chegou à conclusão de que o estudo escolhido para abrir o recital deveria ser a última 9

N1 e N2 tratam-se de avaliações aplicadas ao longo do semestre. No caso da disciplina de Prática de Conjunto, elas se constituíram de recitais públicos.

peça executada de sua participação, já que a adrenalina dos momentos iniciais o atrapalharam, e assim ele não teve o rendimento esperado. Outros alunos pensaram em estratégias para lidar com o medo da avaliação de um público. O aluno Y, mostrou-se com grande desconforto em palco. Como uma solução, selecionou-se um duo de violinos a ser tocado com um amigo também violinista. Em um primeiro momento foi eficiente, já que segundo ele o fato de tê-lo em palco e o acompanhando no segundo violino trazia mais calma e tranquilidade. Na apresentação, eles tocaram a peça memorizada e com isso, embora o violino estivesse direcionado para o público, o contato visual estava praticamente o tempo todo no parceiro de palco e isso diminuiu o forte stress da apresentação. Já o aluno X concluiu o quanto o controle da técnica instrumental pode influenciar na Performance musical já que, de acordo com suas próprias conclusões, a realização de todas as dinâmicas não foi possível por uma dificuldade muscular que foi potencializada ainda mais quando estava exposto à tensão da apresentação. Ele percebeu a importância do treinamento de entrada e saída de palco, o que auxiliou no ganho de confiança, e encontrou seus próprios meios de minimizar a pressão psicológica advinda da situação de exposição completa de um recital de música de câmara. A maior parte dos alunos, embora iniciantes enquanto intérpretes, obtiveram ótimas conclusões e aprendizados destas duas experiências. Com essa busca por autoconhecimento instigado pelo professor através de conversas, leituras de artigos, feedbacks após recital e preparação artística e interpretativa, a maior parte dos alunos conquistou ferramentas e atalhos para minimizar a tensão em palco e aumentar o autocontrole em Performance. Essa busca por controle passa por autoconhecimento, domínio técnico e musical e constantes experiências no fazer musical em público, sempre com um olhar atento e auto crítico.

Considerações Finais: Neste estudo preliminar, observou-se, entre os alunos, um aumento da consciência sobre a importância do comportamento adequado em palco, assim como da importância da interação entre o público e a plateia, evidenciando a relevância de um estudo consciente de aspectos da Performance. Após as reflexões feitas após o recital N1, o recital N2 exibiu melhoras significativas em relação à concentração no momento da apresentação – os alunos apresentaram menos erros de execução e pareciam mais atentos em relação aos seus movimentos e às suas respectivas entradas, posicionamentos e saídas de palco - e declararam estar motivados com o resultado final, apesar de apontarem ainda pontos que poderiam ser melhorados. O feedback do recital N2 foi feito pelos próprios alunos em relação às suas respectivas apresentações. A maioria dos alunos, após o N2, se mostrou motivada a estudar mais e a realizar novas apresentações. Em uma classe constituída principalmente por alunos iniciantes em instrumento é essencial que se trabalhe a performance de forma pedagógica e de maneira que esta experiência constitua uma motivação e uma bagagem de experiência essencial para esses futuros professores e músicos. Após este estudo preliminar, pretende-se aprofundar a pesquisa em relação à Pedagogia da Performance na Universidade Federal do Acre, fornecendo assim ferramentas para os alunos do curso de Licenciatura em Música dessa

Universidade, assim como para as demais Universidades interessadas em trabalhar a Pedagogia da Performance entre seus estudantes.

Referências COOK, Nicholas. Entre o processo e o produto: música e/enquanto performance. Per Musi, Belo Horizonte, n.14, p. 05-22, 2006. HAVAS, Kato. Stage fright: its Causes and Cures. Bosworth & Co, Ltd., London, 1986. KOHUT, Daniel L. Musical Performance: learning theory and pedagogy. Stipes Publishing L.L.C., Illinois, EUA, 1992. KOPIEZ, Reinhard, apud WHITBOURNE, Susan K. Fulfillment at Any Age, Mar, 08, 2014 in www.psychologytoday.com/blog/fulfillment-at-any-age/201403/eight-waysmake-grand-entrance. Acessado em 28/06/2015. PLATZ, Frierich. The influence of performers’ entrance behavior on the audience performance elaboration. Artigo - International Symposium on Performance Science, 2013.

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