A PRESENÇA DE TABUS LINGUÍSTICOS NO ROMANCE LUZIA-HOMEM 1 Vicente MARTINS (UVA/PPGL-UFC-FUNCAP) VICENTE MARTINS (UVA/PPGL-UFC
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A PRESENÇA DE TABUS LINGUÍSTICOS NO ROMANCE LUZIA-HOMEM
1
Vicente MARTINS (UVA/PPGL-UFC-FUNCAP)
VICENTE MARTINS (UVA/PPGL-UFC) III FÓRUM BRASILEIRO DO SEMIÁRIDO .Sobral, 18 de maio de 2011.
TABUÍSMO LINGUÍSTICO
O tabuísmo manifesta-se, com muito vigor, em romances naturalistas, como o de LuziaHomem, do sobralense Domingos Olimpio, caracterizado por um regionalismo lingüístico que oferece ao leitor um rico repertório vocabular de palavras-tabus (diabo, capeta, cão etc) e unidades fraseológicas tabuizadas (“...era o cão em figura de gente”).
Objetivo da comunicação oral
expor a relação entre os tabuísmos linguísticos e a linguagem naturalista no romance Luzia-Homem, de Domingos Olímpio (1903).
Hipótese linguística da pesquisa
Filosofia da linguagem: Hipótese de SapirWhorf Relatividade linguística em Edward Sapir:
1. a realidade é construída a partir dos hábitos da linguagem das sociedades 2. Os mundos onde vivem diferentes sociedades são mundos diferentes
Relatividade linguística em Benjamin Lee Whorf
1. Cada língua tem um sistema de estrutura próprio; 2. Cada língua exprime um ordenamento cultural das formas e das categorias necessário à comunicação e à compreensão do real; 3. As infra-estruturas das línguas determinam a natureza das culturs humanas 4. As estruturas de uma língua induzem a formas das representações do sujeito falante.
Referencial teórico A partir de aportes teóricos de Stephen Ullmann, Émile Benveniste, Mansur Guérios, Sigmund Freud e Émile Durkheim, procedemos com levantamento dos tabus mais recorrentes no léxico regional de Luzia-Homem e, em seguida, classificamos, a partir de um enfoque semântico-estruturalista, dos itens coletados, assim divididos: (a) Interdições Lingüísticas (I.L) e (b) Tabus Linguísticos (T.L).
Metodologia da pesquisa
- Estudo das motivações significativas (culturais, etnolinguísticas, semânticas) para o emprego de tabuísmo linguístico na linguagem naturalista de Luzia-Homem, de Domingos Olímpio. - Levantamento de lexias simples e compostas; e fraseologias populares relacionadas com tabuísmo religioso a partir da leitura da obra Luzia-Homem. -
Metodologia da pesquisa
Seleção de tabus religiosos relacionados com a sinonímia de diabo - Recorte da sinonímia do diabo qualificadora e designadora do personagem Crapiúna, antiherói em Luzia-Homem
Objetivos (gerais e específicos)
Expor a relação entre as interdições lingüísticas e tabus linguísticos com diversas manifestações linguísticas e literárias. Assinalar o tabuísmo como um dos traços da linguagem naturalista expressa na obra LuziaHomem, de Domingos Olímpio. Apontar o tabuísmo, presente na obra LuziaHomem, como causa de mudança semântica
Conceitos e características dos tabus linguísticos
Tabuísmo segundo Guérios: Para Guérios (1979), a palavra TABU pode ser traduzida por “sagrado-proibido” ou “proibido-sagrado”. Vem a ser a abstenção ou proibição de pegar, matar, comer, ver, dizer qualquer coisa sagrada ou temida. “Assim, o tabu linguístico nada mais é do que modalidade do tabu em geral, ou é um prolongamento dos demais tabus. (GUÉRIOS: 1979, p.6)
TIPOS DE TABUS LINGUÍSTICOS a) tabus em nomes de pessoas; b) tabus em nomes de parentes; c) tabus em nomes religiosos (teônimos, nomes de autoridades); d) tabus em nomes de mortos; e) tabus em nomes de animais; f) tabus em nomes de lugares e circunstâncias; g) tabus em nomes de doenças e defeitos físicos; h) tabus em nomes de alimentos e i) tabus em nomes vários (GUÉRIOS: 1979, P.8).
Tabuísmo segundo Stephen Ullmann
A mais importante contribuição para os estudos sobre interdições e tabus lingüísticos de Stephen Ullmann é, no nosso entendimento, apontar o tabu como uma das causas psicológicas da mudança semântica e, na construção de uma taxionomia simplificada, mas densa, assim tripartida: a) tabu de medo b) tabu de delicadeza) e c) tabu de decência
Tabuísmo segundo Eugenio Coseriu
Interdições linguísticas: a interdição linguística ocorre quando se evitam os nomes usais de certas enfermidades, de determinadas partes do corpo e atos fisiológicos. (COSERIU: 1986, p.54). Tabus lingüísticos: relaciona-se com fatos de natureza religiosa, com substituição dos nomes usais de Deus ou diabo por expressões metafóricas . (COSERIU: 1986, p.54).
Tabuísmo segundo Sigmund Freud
Em seu livro Totem e tabu e outros trabalhos (1974), Sigmundo Freud: tabu + neurose obsessivo-compulsiva. O personagem Crapiúna, anti-herói em Luzia-Homem, tem comportamento de um neurótico obsessivo compulsivo, levandose em conta a definição freudiana de neurose.
Tabuismo em Houaiss (2009): sinonímia de diabo azucrim, barzabu, barzabum, beiçudo, belzebu, berzabu, berzabum, berzebu, bicho-preto, bode-preto, brazabum, bute, cafuçu, cafute, caneco, caneta, canheta, canhim, canhoto, cão, cão-miúdo, cãotinhoso, capa-verde, capeta, capete, capiroto, careca, carocho, chavelhudo, cifé, coisa, coisa-à-toa, coisa-má, coisa-ruim, condenado, coxo, cramulhano, cujo, debo, decho, demo, demonho, demônio, demontre, diá, diabinho, diabrete, diabro, diacho, diale, dialho, diangas, diangras, dianho, diasco, diogo, dragão, droga, dubá, éblis, ele, excomungado, farrapeiro, fate, feio, figura, fioto, fute, futrico, galhardo, gato-preto, grão-tinhoso, guedelha, indivíduo, inimigo, jeropari, jurupari, labrego, lá-de-baixo, lúcifer, macacão, macaco, mafarrico, maioral, má-jeira, maldito, malencarado, maligno, malino, malvado, manfarrico, mau, mico, mofento, mofino, moleque, não-sei-que-diga, peneireiro, porco, porco-sujo, provinco, que-diga, rabão, rabudo, rapaz, romãozinho, sapucaio, sarnento, satã, satanás, satânico, serpente, sujo, taneco, temba, tendeiro, tentação, tentador, tição, tinhoso, tisnado, zarapelho
Tabuísmo relacionado com o diabo em Luzia-Homem
capriúna (bicho-preto, bode-preto, gatopreto), cão, cão-miúdo, cão-tinhoso, capeta, capete, coisa, coisa-má, coisaruim, condenado, demônio, demontre, diá, diabinho, diacho, excomungado, feio, figura, fiotoindivíduo, maldito, malencarado, mau, moleque, peneireiro, nãosei-que-diga, que-diga.
Hipóteses da motivação lexical de Capriúna
Crapiúna evoca ao leitor a idéia de uma personagem com hábitos desregrados, devassos, inescrupuloso, que comete vilezas, canalha. Crapiúna nos remete à aproximação com a palavra capiúna Crapiúna pode significar, para o autor, cabra preta , ou ruim, ou seja, o diabo.
Tabuísmo com diabo em Luzia-Homem Diabo (Luzia-Homem): “(...). Quanto à remoção, até dava graças a Deus por se ver livre daquela cambada de retirantes nojentos e leprosos, cujo aspecto, em jejum, causava engulhos; seria, entretanto, melhor sair da obra por sua livre vontade e não por queixa... E logo de quem? De Luzia-Homem... Oh? o diabo daquela sonsa era capaz de virar pelo avesso o juízo de uma criatura, e provocar muita desgraça por causa daquele imposão de querer ser melhor que as outras.....” (OLIMPIO: 2005, p.25).
Demônio (Luzia-Homem):
“–
Tira o cavalo da chuva e conta a história direito, Crapiúna. Todas as mulheres são iguais e merecem tudo; a demora é grelar no coração o capricho, principalmente, quando resistem. Fora ela um monstro da natureza; paixão não enxerga nem repara e, quando nos ataca, é como o sarampo: até jasmim de cachorro é remédio. E deixa falar quem quiser, que é soberba, sonsa, mal-ensinada... Ela não é nenhum peixe podre. Não reparaste naqueles quartos redondos, no caculo do queixo. Na boca encarnada como um cravo?! E o buço?!... Sou caidinho por um buço... Ela quase que tem passa-piolho, o demônio da cabrocha... ...” (OLIMPIO: 2005, p.24)
Cachorro Tinhoso (Capriúna)
“ O caso é que ele gosta dela. Estão sempre perto um do outro, ao passo que o Crapiúna velho foi posto fora, como um CACHORRO TINHOSO, e está aqui gemendo no serviço...” (OLIMPIO: 2005, p.25)
MAL-ENCARADO (CRAPIÚNA):
“ Agravar-me?!... Não pensei nisso. Não quero que se sacrifique por mim, que já muito lhe devo – favores que só Deus pagará. Imagine a briga de dois homens, pancadas, ferimentos, um crime e o meu nome detestado passando de boca em boca, Luzia-Homem causadora de tudo... Não quero, não. Faça de conta que aquele MAL-ENCARADO homem não existe... Não tenha receio, Alexandre, eu sei defender-me. De mais a mais... tudo passa... ...” (OLIMPIO: 2005, p.28)
MALVADO (CRAPIÚNA) “(...).Aquele
infame soldado, muito metido e apresentado, que anda perseguindo a gente. É um gabola para quem não há mulher séria. Não se fie daquele MALVADO. Conheço muitas que ele desgraçou com partes de promessa de casamento; e não teve coragem de dar-lhes um pedaço de pano para fazer uma saia. A mim andou ele a afrontar com o anelão de ouro que traz no dedo, como isca para as tolas. Eu não sou mais moça, confesso a minha desgraça, mas não me sujo com semelhante desalmado. ... “(OLIMPIO: 2005, p.32)
EXCOMUNGADO (CRAPIÚNA)
Excomungado (Crapiúna): “Luzia continuava a preparar, automaticamente, a rodilha, não ousando, erguer os olhos para o sinistro homem. — O DEMÔNIO TE CARREGUE, PESTE – resmungou Teresinha. Quando Crapiúna se reuniu à escolta. – Tu só prestas para carregar porcaria de preso. Por estas e outras é que eu não ando de mãos abanando. Era encrespar-se para mim aquele EXCOMUNGADO, metia-lhe no bucho este canivete até o cabo... ...” (OLIMPIO: 2005, p.34)
MALVADO (CRAPIÚNA)
“– É preciso acabar com isto, custe o que custar, – murmurou a moça inflamada de cólera. – Este MALVADO me há de desgraçar... ...” (OLIMPIO: 2005, p.25)
Não-sei-que-diga (parceiras de Luzia-Homem) “Imagina que eu voltava da obra e, quando dei por mim, foi com a gralhada de Romana, aplaudindo com as parceiras. Aquelas NÃO-SEI-QUE-DIGA riam como doidas varridas. Uma dizia: Foi bem feito! A outra resmungava: Bulir com o de-comer dos pobres!... Que miséria!... Se fosse só feijão – grazinava a deslambida da Romana – meu Deus, perdoai-me...Passou as unhas no dinheiro. Quem houvera de dizer – rosnava a Joana Cangati, aquela sirigaita, que tem o bucho caído – que aquele sonso... ...” (OLIMPIO: 2005, p.45)
Mulher do demônio, excomungada e não-sei-que-diga
Mulher do demônio (Luzia-Homem) – “Arreda, que lá vem Luzia-Homem, como uma danada!... – MULHER DO DEMÔNIO, você não enxerga a gente, sua bruta?!.. ... “(OLIMPIO: 2005, p.49) Excomungada (Luzia-Homem): “– Esta EXCOMUNGADA está com o diabo no couro!... ...” (OLIMPIO: 2005, p.49) Não-sei-que-diga (Crapipuna): “–E retirou do seio, de envolta com o cacho de cravos murchos, a última carta de Crapiúna. – Eis – continuou trêmula de cólera – a carta que este... NÃOSEI-QUE-DIGA... me mandou hoje... ... (OLIMPIO: 2005, p.52)
Demônios do inferno (fala de Teresinha)
Quando vi, minha negra, as horrendas figuras crescerem e dançarem como DEMÔNIOS DO INFERNO, são os ladrões – disse comigo – mas não lhes pude divisar bem as feições, tantas e tão feias era as caretas que me faziam. Parecia um bando de papangus. ... (OLIMPIO: 2005, p.74)
Arte do cão (fala de Teresinha)
“– E não os reconheceu?... – Qual!... Aquilo foi, por força, ARTE DO CÃO... Que horror!.. Disse-me a Rosa que esperasse com fé... Vamos ver... ... (OLIMPIO: 2005, p.75)
DEMÔNIO EM FIGURA DE GENTE
Não-sei-que-diga (fala de Capriúna): “– Já agora é impossível recuar. Por causa daquela NÃO-SEI-QUE-DIGA tenho perdido noites de sono, maginando na raiva que ela tem de mim, só porque me engracei dela... ... “(OLIMPIO: 2005, p.99-100) Demônio em figura de gente (fala de Teresinha): “– Sei lá. Não combinava com o meu gênio, nem pegava do meu jeito... Era um DEMÔNIO EM FIGURA DE GENTE, rezinguenta e respondona. Um dia, brigamos mesmo de verdade: dei-lhe uns pescoções, e o diabinho anoiteceu e não amanheceu. Levantei as mãos para o céu. Boi solto, lambe-se todo... ...” (OLIMPIO: 2005, p.101)
DEMÔNIO TENTADOR (NARRADOR)
Demônio tentador (narrador): “No seu espírito inculto, essas idéias se chocavam em confusão, aterrando-a; sobre o tumulto, ardido fragor de peleja encarniçada, permanecia, dominando-o, inconfundível como um clangor de clarim, a sedutora, a máscula voz do DEMÔNIO TENTADOR... ...” (OLIMPIO: 2005, p.109)
CIÚME FAZ REINAÇÃO DO DEMÔNIO
Demônio (fala de Joana Cangati): “– Tudo por pique. CIÚME FAZ REINAÇÃO DO DEMÔNIO, E TORNA UMA PESSOA BOA, MALVADA COMO UMA CASCAVEL. Depois ela e Crapiúna se entendem; sofrem do mesmo mal; andam os dois com o juízo entornado: ela pelo Alexandre, ele pela Luzia-Homem. Não sei como isso acabará. Talvez nalguma desgraça... ...” (OLIMPIO: 2005, p.111)
Artes do demônio, pé-de-Pto e malvado
Artes do demônio (fala de Luzia-Homem): “– Que me importa visagens e almas do outro mundo, ou artes do demônio? Por ora, eu careço, que me arranjem alguma coisa para matar a fome deste animal... ...” (OLIMPIO: 2005, p. 160) Pé-de-pato (fala de mulheres): “– Credo! – gritaram as mulheres, recuando de medo. – Te desconjuro, PÉ-DE-PATO! ...” (OLIMPIO: 2005, p.163) Malvado (fala de Teresinha): “– Sei que não és má, filha do coração. Foi aquele malvado, meu Deus perdoai-me, que te botou a perder... Eras uma criança... ...” (OLIMPIO: 2005, p.164)
EXCOMUNGADO
Excomungado (fala de Raulino): “ – O mais certo – considerou Raulino – é ter ela ficado no quarto da Gangorra, pensando, talvez, que, preso Crapiúna, vosmecês não precisassem mais de companhia. Poderiam dormir descansadas sem receio de alguma traição do EXCOMUNGADO. ...” (OLIMPIO: 2005, p. 179) dedo
ESCADA DE DEMÔNIOS, PEITICA DO INFERNO E MALVADO
Escada de demônios (fala de Raulino): “– Estamos quase em casa! – exclamou Raulino. – Mas o rabo é o mais difícil de esfolar. Ainda temos um pedaço de ladeira de suar topete. Se pudéssemos ir pelo atalho, encurtaríamos metade do caminho, mas a rede não pode passar na vereda cheia de voltas, troncos e barrancos que é mesmo uma ESCADA DE DEMÔNIOS. ...” (OLIMPIO: 2005, p. 197)
Peitica do inferno( fala de Crapiúna): “– Foi o diabo que te atravessou no meu caminho. É a última vez que me empatas, PEITICA DO INFERNO!... ...” (OLIMPIO: 2005, p. 198) Malvado (fala de Raulino): “A voz vibrante de angústia retumbou nas quebradas do boqueirão, como um clangor de clarim, e a de Raulino Uchoa respondeu como um eco: – Agüente; tenha mão nesse MALVADO, que já vou!... ... (OLIMPIO: 2005, p.200)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O romance Luzia-Homem aponta uma alta freqüência de tabuísmos místicos e religiosos, principal característica do seu dialetismo regional. O estudo permite-nos postular o tabuísmo como causa de mudança semântica e marca da linguagem naturalista no romance Luzia-Homem, de Domingos Olímpio. Esta linguagem é expressa na fala tabuizada e supersticiosa das personagens Luzia-Homem e Teresinha e na fala desabuasada dos personagens Crapiúna, Raulino Uchoa, o que torna evidente a total objetividade do autor naturalista com relação à descrição da realidade do semiárido cearense e sua isenção de ideias e valores preconcebidos sobre o sagrado, a religião, a miséria, o sexo e o profano.
Bibliografia compulsada
COSERIU, Eugenio. Introducción a la lingüística. Disponível em: http://www.inabima.org/pdf. FREUD, Sigmund. Totem e tabu: alguns pontos de concordância entre a vida mental dos selvagens e dos neuróticos. Rio de Janeiro: Imago, 1974. GUÉRIOS, R. F. Mansur. Tabus lingüísticos. 2ª ed., aum. São Paulo: Nacional: UFPR, 1979. OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. São Paulo: Martin Claret, 2005. OLIVEIRA JUNIOR, José Leite de. O pictórico em Luzia-Homem. Fortaleza, Links, 1997. ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa: Gulbenkian, 1977.
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