A PRESSUPOSIÇÃO E OS MOTIVOS COMO REQUISITOS DE VALIDADE E FATORES DE EFICÁCIA

June 1, 2017 | Autor: Luiz Paulo Germano | Categoria: Academics
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A PRESSUPOSIÇÃO E OS MOTIVOS COMO REQUISITOS DE VALIDADE E FATORES DE
EFICÁCIA

Dr. Luiz Paulo Rosek Germano
Professor da Unisinos





1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 2. CAUSAS E MOTIVOS POSSUEM O MESMO SIGNIFICADO?
3. O FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS E AS MÚLTIPLAS CAUSAS QUE LHE ORIGINAM 4.
FATORES DE EFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.



1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS


No âmbito do estudo dos contratos, em especial os de natureza
civil, verificamos a existência de alguns elementos, os quais são
imprescindíveis à sua caracterização. De acordo com o que estabelece o art.
104 do Código Civil Brasileiro[1], são necessários à validade do contrato,
os seguintes elementos: a capacidade do agente, a licitude, a possibilidade
e a determinação (ou possível determinação) do objeto, a manifestação livre
dos contratantes, a obediência à forma, se prevista em lei (caso contrário
preponderará o princípio da informalidade) e a boa-fé.


A partir do século XIX, o tema relacionado aos elementos dos
negócios jurídicos começou a ganhar maior importância e surgiram algumas
classificações relativas ao assunto. Vários autores passaram a discorrer
sobre o tema. Inicialmente, importante destacar o conceito de negócio
jurídico, proclamado pelo Professor Antônio Junqueira de Azevedo[2]:


"É todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o
ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos,
respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos
pela norma jurídica que sobre ele incide."


Os pressupostos referidos por Antônio Junqueira de Azevedo dizem
respeitos aos elementos que os atos jurídicos (unilaterais ou bilaterais)
devem possuir, sob pena de não ingressarem no plano da vigência e eficácia.


Serpa Lopes[3] afirmava que se o ato jurídico nascesse sem
determinados elementos, poderia ser ele considerado natimorto: "Na
constituição do ato jurídico devem existir elementos que se não forem
encontrados, tornam impossível o seu nascimento - nasce morto."


A lição de Antônio Junqueira de Azevedo[4], mais uma vez, ensina
que esses elementos podem ser classificados como gerais, sendo estes os que
dizem respeito à forma, ao objeto e às circunstâncias do negócio jurídico,
sendo, portanto, comuns a todos os negócios jurídicos; e categoriais,
aqueles próprios, específicos de determinado negócio ou contrato que o
diferenciam de outros.


Os elementos comuns, conforme já se asseverou, devem estar
presentes em todos os contratos. Os categoriais podem variar de negócio
para negócio, pois dizem respeito a questões próprias de cada contrato.


Ainda, no entendimento do referido doutrinador, Os elementos
categoriais, por sua vez, classificam-se como essenciais e naturais. Os
elementos categoriais essenciais dos negócios jurídicos são aqueles
essenciais de cada contrato específico, tais como, por exemplo, o consenso
sobre a coisa e sobre o preço, no contrato de compra e venda; o animus
donandi, na doação, o consenso sobre a entrega e guarda de um objeto.
Decorrem da lei e da construção doutrinária e jurisprudencial, não da
vontade das partes, sendo, portanto, inderrogáveis e inafastáveis pelos
contratantes. Por sua vez, os elementos categoriais naturais são acréscimos
aos anteriormente citados, que podem existir ou não; não são essenciais à
tipicidade do contrato, como a responsabilidade pela evicção, a gratuidade
no depósito, e são derrogáveis pelas partes contratantes. Existem, ainda,
os elementos particulares, que podem existir num negócio jurídico sem serem
próprios de todos os negócios jurídicos de sua espécie, decorrendo de atos
voluntários, como a condição, o termo e o encargo[5].


O art. 166 do mesmo Diploma Legal sustenta que, não se verificando
determinados elementos, o negócio jurídico, inserido no contrato, estaria
eivado de vícios, os quais resultariam na nulidade absoluta do pacto.
Tratam-se, indiscutivelmente, daqueles elementos indispensáveis a
caracterização de um contrato, independentemente de qual seja.


Registre-se, por oportuno, que o mesmo dispositivo legal acima
citado menciona que quando "o motivo determinante, comum a ambas as partes,
for ilícito", o negócio jurídico será nulo[6]. Eis aqui um dos núcleos que
merecem, de nossa parte, ser melhor investigado.


Diferentemente de outros sistemas, o nosso Código Civil não
qualificou as causas ou motivos como elementos fundamentais à validade dos
contratos, tal como o fizeram o Código Napoleônico e o Código Italiano[7].
Mesmo dentre estas culturas jurídicas, não houve pacificação sobre o tema,
preponderando, todavia, o entendimento da aceitação de tais elementos.


As razões para que o Direito Contratual brasileiro não
recepcionasse tal entendimento podem ser diversas, tais como uma cultura
civil tendente a ignorar a causa enquanto requisito da validade
contratual[8]. Entretanto, tais requisitos não podem ser desconsiderados,
devendo ser estudados sob a ótica de suas indispensáveis incidências para
fins de caracterização da validade dos contratos.


Nesse diapasão, Luis Renato Ferreira da Silva[9], na parte
introdutória de sua tese, apresentada perante a Universidade de São Paulo-
USP, é categórico:


"Fica um pouco difícil, a esta altura dos estudos e
escritos sobre a matéria, desvendar se as opiniões
contrárias teriam origem na dificuldade e na
complexidade do tema, ou se, ao contrário, o tema
tornou-se complexo e difícil por força das confusões
que ao longo do tempo os contraditores da utilidade
da causa como elemento ou requisito do contrato foram
criando em torno da mesma.
Porém, parece induvidoso que não se pode abrir mão da
causa, ainda que se a entenda mais como item
explicativo da estrutura da obrigação ou do negócio
jurídico do que como elemento constitutivo ou
requisito de eficácia. Esta inafastabilidade do tema
tem feito com que, apesar do repúdio do sistema
codificado, os autores aceitem a figura, ainda que
com sentidos, por vezes, distintos."


Parece essa a mais acertada compreensão que se deve ter acerca da
causa, enquanto elemento ou requisito estrutural dos contratos e não como
um requisito insuperável para eficácia do mesmo. O negócio jurídico será
nulo, à luz do que dispõe o já mencionado artigo 166 do Código Civil
Brasileiro, se o motivo determinante for ilícito a ambas as partes
contratantes.




2- CAUSAS E MOTIVOS POSSUEM O MESMO SIGNIFICADO?




Os significados de causa e motivo, no sentido semântico, parecem
ser semelhantes[10]. Entretanto, sob o aspecto jurídico, ensejam algumas
diferenciações.


Não há, salvo melhor juízo, negócio jurídico que se constituía
sem uma declaração de vontade. Em se tratando de contratos, essa vontade
deve ser bilateral e devidamente exteriorizada, alcançando, a partir disso,
uma repercussão jurídica. Todavia, precede tal exteriorização um elemento
de natureza interna, psicológico e intencional, o qual nós podemos
denominar de motivo. Percebe-se que o motivo se caracteriza mais como um
pressuposto contratual, do que propriamente como um elemento[11]. Em assim
sendo, não integraria o contrato como requisito objetivo, embora a
manifestação de vontade anterior (elemento subjetivo) não possa ser
desconsiderada.


A manifestação de vontade aludida, embora não considerada elemento
objetivo do contrato, de acordo com o que anteriormente foi afirmado,
possui extrema relevância na análise da validade do mesmo. Isso porque o
nosso Código Civil estabeleceu que o motivo determinante ilícito, comum a
ambas às partes, é causa de nulidade absoluta do negócio jurídico. Não
basta que os agentes possuam competência para firmar o contrato, que o
objeto deste seja lícito, possível, determinado ou determinável e que a
forma seja prescrita ou não defesa em lei, para que o negócio possa surtir
seus efeitos jurídicos e legais. É necessário sim que adentremos no aspecto
volitivo dos agentes, pois, se por um lado, o Código Civil não elenca o
motivo como elemento de constituição do negócio, por outro estabelece
taxativamente que aquela pressuposição, sendo ilícita a ambas as partes,
enseja a nulidade absoluta do pacto.


Ressalta-se aqui a valoração dos princípios que acompanham a
celebração dos negócios jurídicos, tais como o da função social e o da boa-
fé. Tratam-se da análise de questões metaindividuais, condizentes com o
moderno entendimento da teoria geral dos negócios jurídicos[12]. Nesse
sentido, importante a lição do Professor Darci Bessone[13]:


"Convém ter sempre presente ao espírito que os
contratos são apenas meios para, em regime de
autonomia privada, perseguir fins socialmente úteis.
O contratante deve adaptar-se aos interesses gerais.
Há fins ou resultados inequivocamente condenáveis".


Com efeito, destaca-se o posicionamento do Professor Ruy Rosado de
Aguiar[14], no sentido de definir a boa-fé como princípio:


"Princípio geral de Direito, segundo o qual todos
devem comportar-se de acordo com um padrão ético de
confiança e lealdade. Gera deveres secundários de
conduta que impõem às partes comportamentos
necessários, ainda que não previstos expressamente
nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de
permitir a realização das justas expectativas
surgidas em razão da celebração e da execução da
avença".


Apenas para concluir, já que essa questão não é o que de mais
intenso deva ser explorado no presente estudo, os dizeres da Professora
Judith Marthins-Costa[15], salientando a importância dos aspectos
metaindividuais dos contratos:


"[...] conformam o meio hábil para permitir o
ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de
princípios valorativos ainda não expressos
legislativamente, de standards, arquétipos exemplares
de comportamento, de deveres de conduta não previstos
legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos,
também não advindos da autonomia privada), de
direitos e deveres configurados segundo os usos do
tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e
políticas, de normas, enfim, constantes de universos
metajurídicos,viabilizando a sua sistematização e
permanente ressistematização no ordenamento
positivo".


Nesse sentido, incontroverso que os efeitos resultantes da vigência
de um contrato permaneçam sob investigação até a extinção do negócio, pois
fatores sociais e demais ocorrências poderão ser verificadas, ainda durante
a vigência do mesmo, ensejando, em assim sendo, a alteração de suas
cláusulas, buscando reequilibrá-lo ou mesmo, diante de tal impossibilidade,
extinguí-lo[16].




3- O FUNCIONAMENTO DOS CONTRATOS E AS MÚLTIPLAS CAUSAS QUE LHE
ORIGINAM




Em termos semânticos, como vimos, causa e motivo são equivalentes.
Juridicamente, é possível que façamos a necessária distinção. Orlando
Gomes[17], categoricamente, afirma:


"Em suma: a lei exige uma justificação para a criação, por um
negócio jurídico, de um vínculo digno de proteção. A justificação encontra-
se na relevância social do interesse que se quer tutelar e no fim que se
pretende alcançar. É a causa".


De qualquer sorte, importante registrar, em apertada síntese, a
"mecânica[18]" de funcionamento dos contratos, bem como a idéia de
sinalagma neles contida. Orlando Gomes esclarecia que a essência dos
contratos está no sinalagma, o qual consiste na reciprocidade de obrigações
nele presentes, tornando ambos os contraentes credor e devedor, no limite
das obrigações por cada qual assumidas[19]. Vislumbra-se uma "dependência"
de um em relação ao outro, podendo essa ser "genética" ou "funcional". Luis
Diez-Picazo salienta que a dependência "genética" está ligada a fatores
existentes desde a realização do negócio, ao passo que a "funcional" se
verifica durante a execução do contrato[20].


Verifica-se, a partir da caracterização do sinalagma, que a
obrigação de um dos contraentes vincula o cumprimento da obrigação assumida
pelo outro; quem não cumprir com o que lhe foi estipulado, em regra, pode
ensejar, por parte do outro contratante, também o não cumprimento de suas
obrigações, consagrando a antiga regra da exceptio non adimpleti
contractus. A inadimplência de um implica na perda da causa da obrigação
correlata.


Em termos patrimoniais, tradicionalmente, as causas podem ser
tripartidas: a) causa adquirendi; b) causa solvendi; c) causa donandi. Tem
causa adquirendi toda atribuição para obter contraprestação (do ut des, do
ut facias, facio ut des, facio ut facias). A atribuição patrimonial para a
extinção de uma dívida tem causa solvendi. Nas atribuições para o
enriquecimento gratuito de outrem, vislumbra-se a causa donandi[21].


Luis Renato Ferreira da Silva, partindo da concepção
sistematizada por Antônio Junqueira de Azevedo, estabeleceu as seguintes
causas, não se afastando do sinalagma contido no contrato, a partir das
obrigações assumidas por cada qual dos contraentes:


A primeira classificação foi denominada como "a causa motivo",
igualando os significados de causa e motivo, inclusive no contexto
jurídico. Esclarece, todavia, que "a identidade de significados é,
entretanto, afastada pelos autores que firmemente afastam a sinonímia, para
dizer que, quando os diplomas legais elencam a causa como integrante do
contrato o fazem em sentido diverso do motivo psicológico".


A segunda, intitulada "a causa em sentido subjetivo" atribui à
causa o fim postulado por cada qual das partes no contrato. Na verdade, há
uma exteriorização do objetivo perseguido pelos contratantes, revelado a
partir do consentimento (acordo). "Consentir é acordar (em se tratando de
contrato, de forma mútua) e se completa o entendimento de um acordo porque
as partes têm um fim em mente. Enquanto este fim não ultrapassa o foro
íntimo do contratante ele resta um motivo. Quando ele é exposto e aceito
pela outra parte, ou pelo menos é presumidamente conhecido por ela, torna-
se o fim comum do contrato, rectius a causa".


A terceira classificação, trazida pelo Professor Luis Renato
Ferreira da Silva, relaciona diretamente a causa em sentido objetivo.
Afasta-se do conteúdo subjetivo e da intenção (psicológica) de cada qual
dos contratantes e aproxima-se das questões de natureza objetiva, tal como
a função econômica do contrato, dentre outras recepcionadas pelo
ordenamento jurídico. Como as funções são diversificadas, a legislação não
previu todas as hipóteses, sem, entretanto, desconhecer a possibilidade de
existência das mesmas. "Certo que a autonomia privada, princípio regente do
direito contratual, deixa aos privados a possibilidade de adaptarem os
variados tipos e até mesmo criar tipos novos. Tratar-se-ia, aqui, dos
contratos inominados ou atípicos que nem por isto seriam desprovidos de
causa, mas que expressariam conteúdos novos para o esquema causal de função
econômica, pela inclusão de novas funções."


Nesse sentido, Francesco Messineo classifica os contratos
atípicos em contratos inominados em sentido estrito, ou puros. Inclui entre
eles aqueles que contenham conteúdo completamente estranho aos tipos
legais, por exemplo, contrato de garantia, e aqueles que contenham apenas
alguns elementos estranhos aos legais, enquanto outros, com função
prevalente, são legais, por exemplo, contrato de bolsa simples. Outro tipo
considerado por Messineo são os contratos inominados mistos, formados por
elementos legais todos conhecidos, dispostos em combinações distintas
considerando-se várias figuras contratuais nominadas, podendo estar entre
si em relações de coordenação ou subordinação[22].


A quarta espécie mereceu por parte do professor, cujas
classificações estamos no presente estudo nos reportando, uma análise mais
específica, centrando-se nela a tese por ele apresentada e defendida
perante a Universidade de são Paulo-USP. A causa como origem da obrigação
não desconsidera os fins perseguidos no contrato, mas propõe uma reflexão
acerca das origens da relação. Na opinião do causídico, "a justificativa da
existência de um ato como jurídico, pode-se adotar a palavra causa como
sinônimo de fonte, de origem. Nesta acepção, o termo prende-se, mais, à
idéia de obrigação e não só a de contrato. Fala-se em causa da obrigação,
ou seja, fonte da obrigação, entre as quais insere-se o contrato (ao lado
dos atos unilaterais e dos atos ilícitos)".


A causa como razão da juridicidade de certos atos justificaria
as razões através das quais determinados atos possuem sentido obrigacional
e outros não. Essa concepção enseja dúvida interpretativa, pois todos os
contratos possuem indiscutivelmente uma causa que lhes dá origem e a
discussão importaria em se discutir a existência de obrigação em
determinados contratos. Em resumo, estaríamos diante de uma controvérsia.


A última classificação trazida pelo professor é a causa como
razão da manutenção da juridicidade de certos atos. No início deste
capítulo, vimos o reflexo das obrigações no campo patrimonial, ensejando
uma análise de créditos e débitos, bem como o cumprimento e a inadimplência
dos contratantes podem interferir na constância e até mesmo na resolução do
contrato. Pois esta classificação ora enfocada nada mais é do que a que
apresentamos no início, ou, nas palavras do Professor Luis Renato Ferreira
da Silva, "O deslocamento patrimonial se justifica por causa de créditos
recíprocos e anteriores, ou então por causa de um débito que se quer
extinguir ou, ainda, por uma liberalidade. Fala-se de causa credendi, causa
solvendi e causa donandi"[23].


Seja lá como for, parece adequado o entendimento de que as
fontes convencionais do Direito obrigacional já não mais servem como únicas
justificativas para fundamentar a vigência de um contrato. Existem outros
fatores, os quais foram denominados de "causas sinalagmáticas", as quais
superam os simples deslocamentos patrimoniais, previstos contratualmente,
alcançando eventos que se sucedem no curso de um contrato, ensejando,
portanto, eventuais reequilíbrios ou compensações que devam ser
verificados, independentemente de prévia estipulação contratual.






4- FATORES DE EFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Quanto aos fatores de eficácia, Junqueira de Azevedo os classifica
em três espécies: a) fatores de atribuição de eficácia em geral, que são
aqueles sem os quais o contrato praticamente nenhum efeito produz, como
ocorre no caso do contrato sujeito a condição suspensiva; b) fatores de
atribuição da eficácia diretamente visada, que são aqueles indispensáveis
para que um contrato, que já é de algum modo eficaz entre as partes, venha
a produzir exatamente os efeitos por ele visados; até então, ele só produz
os efeitos substitutivos dos efeitos próprios do ato; é o que se passa no
contrato realizado por mandatário sem poderes, em que os efeitos ocorrem
entre ele e o terceiro contratante, porém não diretamente os efeitos
visados; c) os fatores de atribuição de eficácia mais extensa, que são
aqueles indispensáveis para que um negócio, já com plena eficácia,
produzindo exatamente os efeitos visados, dilate seu campo de atuação,
tornando-se oponível a terceiros, e até mesmo "erga omnes", sendo o que
ocorre com a cessão de crédito notificada ao devedor e publicada[24].


Algumas questões devem ser distinguidas, em virtude da importância
que possuem no plano contratual. A primeira delas diz respeito a diferença
existente entre os conteúdos e os efeitos. O conteúdo confunde-se com o
próprio objeto do contrato, uma que decorre da vontade manifestada pelas
partes quando da celebração do negócio jurídico. Já os efeitos são aquelas
decorrências que repercutem na constância do contrato, em virtude das
cláusulas ali contidas, mas podem sofrer interferências de fatos externos,
havidos seja no decorrer de sua vigência, tais como aqueles advindos da
rebus sic stantibus e da própria teoria da base do negócio jurídico, ou
mesmo precedentemente, como aquelas hipóteses em que se verificam anúncios
e ofertas, as quais vinculam as partes diante da possível realização do
negócio. Em comum, a idéia de que pertencem a um momento distinto do da
formação do instrumento, seja prévio ou posterior, lembrando que, todavia,
no que tange as questões que precedem o contrato, a efetiva eficácia só se
dá a partir da celebração do negócio, possivelmente nas condições
previamente ofertadas e aceitas pela parte que anui (não seria um efeito do
negócio, mas um elemento de repercussão no contrato).


Os contratos são coercitivos e inderrogáveis, via de regra,
caracterizando-se ou relacionando-se com o próprio objeto do mesmo. Os
efeitos são sucessivos, verificados na vigência do negócio, apartando-se do
status quo, embora jamais desconsiderando a intenção das partes quando da
celebração do contrato, assim como das cláusulas pactuadas.


Os efeitos dos contratos podem ser instantâneos ou duradouros. Em
relação aos primeiros, verificamos o exaurimento do objeto pactuado no
momento da celebração do negócio, como, por exemplo, na compra e venda. Já
os que possuem efeitos duradouros, pressupõem a vigência do contrato por
período determinado ou indeterminado, mas, de qualquer sorte, não
realizável instantaneamente, como é o caso da locação de um imóvel.


Os efeitos podem ser caracterizados, ainda, como essenciais e
naturais. Os primeiros são aqueles inerentes ao próprio negócio,
indispensáveis, como a utilização do bem locado por parte do inquilino, em
se tratando de um contrato de aluguel. Já os naturais são aqueles
ordinários, previstos pela legislação, mas dispensáveis pelas partes, como
a responsabilidade pela evicção e a ocorrência de vícios ocultos.


Em tese, os efeitos do contrato alcançam as partes contratantes,
porém nada obsta que possam repercutir na pretensão ou no direito de
terceiros. No âmbito do Direito Público, a constituição de servidão
administrativa em imóvel pode ocasionar restrição ao uso e fruição do bem,
ensejando a postulação de indenização, por parte do proprietário, perante o
Poder Público. Entretanto, é de todo conveniente que, em havendo tal
prejuízo, tal gravame seja devidamente inscrito perante o cartório de
registro de imóveis, justamente para que seja oponível perante terceiros,
notadamente aquele que, no futuro, se interesse pela aquisição do bem, não
podendo argüir, desse modo, nulidade do negócio jurídico, face ao "vício
oculto", ou a postulação da "quanti menores", no que tange ao preço pago.


Nos negócios que envolvam patrimônio alheio (direitos reais), por
certo, os efeitos ficam condicionados a aceitação do terceiro em relação ao
pactuado no contrato. Sem tal consentimento, o negócio torna-se inoperante,
resolvendo-se em perdas e danos. E há situações condicionadas a aceitação
futura, como na hipótese do contrato de seguro de vida, que pode ser
estipulado em favor de quem nem nasceu (filhos futuros). Trata-se de outro
exemplo de necessidade de aceitação futura.


Outros aspectos relacionados aos efeitos do contrato, são aqueles
de natureza pessoal ou real (ou, ainda, ambos). O direito de crédito cria
uma relação obrigacional, vinculando pessoalmente o devedor ao credor.
Claro que a dimensão dessa relação pode variar, caso estejamos no âmbito
exclusivamente civil ou das relações de consumo. Mas, de qualquer sorte,
parece inequívoco que estamos diante de efeitos pessoais do contrato,
ensejando, por parte do devedor, a obrigação de fazer, não-fazer ou dar
algo, em favor do credor. Os efeitos reais não estão relacionados a uma
obrigação estabelecida e que deva ser cumprida por uma pessoa. Tais
repercussões vinculam-se ao objeto, em caráter abstrato, podendo,
inclusive, ficar condicionado à sua realização a causa suspensiva ou
condicionante. Isto, contudo, não quer dizer que o direito real não possa
resultar da execução de uma obrigação, como se dá na promessa de compra e
venda. E ainda há a possibilidade de que ambos os efeitos possam ser
verificados no âmbito do mesmo negócio, tal como nos contratos de
financiamento habitacional, onde o bem fica gravado como garantia e nas
alienações fiduciárias.


O contrato intuitu personae diz respeito àquelas obrigações
personalíssimas, como o famoso exemplo da contratação de uma tela que deva
ser realizada por um determinado e específico pintor. Não sendo possível o
cumprimento de tais obrigações, independentemente da causa (morte do
artista, por exemplo), não há como o objeto do contrato ser realizado, não
se cogitando de sucessão ou transmissão da obrigação, a não ser que o
credor concorde.


Os efeitos dos contratos podem ser imediatos, ex tunc ou ex nunc.
Ou seja, é possível que um contrato surta efeitos imediatamente, a partir
de sua vigência, ou que se relacione a fatos pretéritos, retroagindo no
tempo ou no espaço. Por último, podem ser diferidos ou postergados para o
futuro[25].


5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para que se pudesse ofertar ao intérprete do presente um estudo uma
conclusão acerca do que aqui se tratou, por certo haveria necessidade de
uma pesquisa com maior teor científico e de maior profundidade, o que este
ensaio não oferece. De qualquer modo, há questões tecnicamente aceitáveis,
as quais representam a modernidade de como deve ser estudado o Direito, em
todas as áreas, inclusive a obrigacional.


Os princípios que norteiam o direito obrigacional, os negócios
jurídicos e, especificamente, os contratos, permanecem intactos, no sentido
de que são verdadeiras "cláusulas pétreas" na contextualização do tema.
Entretanto, dentro da dinâmica da ciência, alguns valores surgiram, sendo
que estes passaram a ser incorporados pela legislação e, sobremaneira,
pelos mecanismos interpretativos.


Os fatos sociais e a boa-fé objetiva, dentre outros, interferem
permanentemente na realização dos contratos, aqui entendido não apenas o
momento de sua concepções e início de suas respectivas vigências, mas
também os desdobramentos que delem decorrem, distantes, muitas vezes, das
cláusulas originariamente pactuadas. Em se tratando de aspectos econômicos
e patrimoniais, deve ser admitido hoje a denominada "causa sinalagmática",
como fundamento para compensação de perdas havidas na vigência do contrato,
quando observadas situações que alteram sua pretensão inicial. Existem
fatores, tais como a teoria da imprevisão, força maior e a exceção do
contrato não cumprido que há muito são previstos e estudados, quer na
legislação, quer na doutrina e jurisprudência, que ensejam alterações
contratuais ou até mesmo suas extinções. Todavia, existem outros fatores
que "obrigam" a compensação do patrimônio minorado ou desvalorizado, sendo
necessário, claro, que se observem alguns requisitos, próprios e inerentes
a cada negócio, para tal ensejo e aplicação. Esta situação, embora não
prevista anteriormente, tem a capacidade de constituir ou instrumentalizar
uma "nova" obrigação. O Professor Luis Renato Ferreira da Silva[26]
encaminha o encerramento de sua tese, com a seguinte frase:
"O fundamento para esta obrigatoriedade está no que
aqui se chamou de causa sinalagmática. A necessária
compensação do patrimônio minorado se deve a uma
reciprocidade que permeia as relações patrimoniais.
Esta compensação serve, não só para recompor o
patrimônio alheio, mas como para deflagrar uma
verdadeira relação obrigacional"


E para encerrar, ilustrando um pouco a dinâmica jurídica e a
necessidade de que critérios interpretativos possam ser aplicados, com o
intuito de atualizar os instrumentos jurídicos, adequando-os aos
acontecimentos de hoje, o entendimento da Professora Ada Pellegrini
Grinover[27]:


"O contrato não morreu, nem tende a desaparecer. A
sociedade é que mudou, tanto do ponto de vista
social, como do econômico e, conseqüentemente, do
jurídico. É preciso que o direito não fique alheio a
esta mudança, aguardando estático que a realidade
social e econômica de hoje se adapte aos vetustos
institutos com o perfil que herdamos dos romanos,
atualizado na fase das codificações do século
passado. A propósito, o último grande movimento
reformista do direito privado no mundo ocidental
ocorreu com a recepção do Direito Romano, o que,
convenhamos, não se coaduna com o dinamismo que a
sociedade, em constante transformação, está a exigir
da ciência do direito."






6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Cláusulas Abusivas no Código do
Consumidor, in Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no
Mercosul. Coordenação de Cláudia Lima Marques, São Paulo: Livraria do
Advogado. 1997.


AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência,
validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002.


AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e
Atípicos. 2ª Edição, 1ª Tiragem, Atlas, 2004.


BESSONE, Darcy. Do contrato: Teoria Geral. 4ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1997.


DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial,
Madrid, Tecnos, 1972, v. 1.


FILHO, Carlos Alberto Bittar. A Mecânica dos Contratos Bilaterais.
Disponível em
Acesso em 07 jul. 2016.


GOMES, Orlando. Contratos, Rio de Janeiro, Forense, 1994.


GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1998.


GRINOVER, Ada Pellegrini. et. al. Código de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1998.




LOPES, Curso de Direito Civil: introdução, parte geral e teoria
dos negócios jurídicos, 1996.1.v.


MARTHINS-COSTA, Judith. O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da
"ética da situação". in MARTHINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos.
Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro; São Paulo: Saraiva.
2002.


MESSINEO, Francesco. Dottrina generale Del contratto. 3. ed. Milão:
Giuffrè, 1948. t. 1.


PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Volume
I. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.


SILVA, Luis Renato Ferreira da: A Noção de Sinalagma nas relações
Contratuais e Paracontratuais (uma análise à luz da Teoria da Causa). 2001.
271. Tese apresentada perante a USP e submetida como condição para obtenção
do título de Doutor em Direito Civil. São Paulo. 2001.







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[1] Art. 104 CC: A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
[2] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e
eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002, p.16.
[3] LOPES, Curso de Direito Civil: introdução, parte geral e teoria dos
negócios jurídicos, 1996.1.v., p.504.
[4].AZEVEDO, op. cit, p. 34.
[5] AZEVEDO, op. cit., p. 37-38.
[6] Art. 166 CC: É nulo o negócio jurídico quando:
(...)
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito.
[7] Artigos 1.108 e 1.131 a 1.133 do Código de Napoleão, e artigos 1.325,
1.343 a 1.345 do Código Italiano.
[8] Destacaríamos dentre estes contrários à teoria causal Clóvis Beviláqua,
Carvalho de Mendonça Planiol, Demogue, Windscheid, Demogue, Baudry-
Lacantinerie, Laurent e Giorgio Giorgi.
[9] SILVA, Luis Renato Ferreira da: A Noção de Sinalagma nas relações
Contratuais e Paracontratuais (uma análise à luz da Teoria da Causa). Tese
apresentada perante a USP e submetida como condição para obtenção do título
de Doutor em Direito Civil. São Paulo. 2001
[10] De acordo com o famoso dicionário de língua portuguesa "AURÉLIO",
causa é:1. aquilo ou aquele que faz com que uma coisa exista. 2. Aquilo ou
aquele que determina um acontecimento. 3. Razão; motivo 4. Partido,
interesse(...). in Míni Aurélio,por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.
6ª ed .2004. (grifamos).
[11] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I.
6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.p. 319.
[12] Atual concepção de negócio jurídico não pode desconsiderar os fatores
sociais, circunstâncias externas à relação, porém suficientemente
importantes na constituição da manifestação volitiva das partes.
[13] BESSONE, Darcy. Do contrato: Teoria Geral. 4ª ed., São Paulo: Saraiva,
1997, p. 103.
[14] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Cláusulas Abusivas no Código do
Consumidor, in Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no
Mercosul. Coordenação de Cláudia Lima Marques, São Paulo: Livraria do
Advogado. 1997.
[15] MARTHINS-COSTA, Judith. O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da
"ética da situação". in MARTHINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos.
Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro; São Paulo: Saraiva.
2002.p.118.
[16] Acerca de tais ocorrências, destacamos a exceção do contrato não
cumprido, resolução por inadimplemento, teoria da imprevisão e, nos
contratos administrativos, o fato do príncipe e o fato da administração.
[17]GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1998.p. 379.
[18]FILHO, Carlos Alberto Bittar. A Mecânica dos Contratos Bilaterais.
Disponível em
Acesso em 07 jul. 2016.
[19]GOMES, Orlando. Contratos, Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 71.
[20]DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, Madrid,
Tecnos, 1972, v. 1, pp. 547 – 548
[21]GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 394.
[22] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e
Atípicos. p 135, apud Francesco Messineo. Dottrina generale Del contratto.
3. ed. Milão: Giuffrè, 1948. t. 1. p. 226.
[23] SILVA, Luis Renato Ferreira da: A Noção de Sinalagma nas relações
Contratuais e Paracontratuais (uma análise à luz da Teoria da Causa). Tese
apresentada perante a USP e submetida como condição para obtenção do título
de Doutor em Direito Civil. São Paulo. 2001. Todas as classificações
abordadas e comentadas encontram-se analisadas pelo Professor Luis Renato
Ferreira da Silva em sua tese, antes referida.
[24] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade
e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002.
[25]BESSONE, Darcy. Do contrato: Teoria Geral. 4ª ed., São Paulo: Saraiva,
1997.pp. 167/166 e 205/246
[26] SILVA, Luis Renato Ferreira da: A Noção de Sinalagma nas relações
Contratuais e Paracontratuais (uma análise à luz da Teoria da Causa). Tese
apresentada perante a USP e submetida como condição para obtenção do título
de Doutor em Direito Civil. São Paulo. 2001.
[27] GRINOVER, Ada Pellegrini. et. al. Código de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1998.
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