A \"Primavera brasileira\": Sobre a possibilidade de uma cartografia das redes sociais
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A “PRIMAVERA BRASILEIRA”: SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA CARTOGRAFIA DAS REDES SOCIAIS Resumo: Embora não haja modelos definitivos para a análise das redes e, mais especificamente das redes sociais, a cartografia parece um caminho viável para compreender as formas como os usuários se relacionam. No que se refere às mobilizações sociais nesta segunda década do século XXI, as redes sociais desempenham um importante papel no que tange à esfera pública. O presente artigo visa articular e discutir esta questões trazendo para isso dados da chamada “Primavera Brasileira”, ocorrida em junho de 2013 e representações cartográficas desenvolvidas pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (LABIC). Palavraschave: redes sociais, cartografia, primaveras, esfera pública. Introdução Metáforas espaciais são aplicadas aos ambientes digitais desde o seu surgimento. Efetivamente, organizar o ciberespaço a partir de parâmetros físicos ajuda a orientar desenvolvedores, usuários e mesmo a análise teórica dos fenômenos desencadeados nos espaços virtuais. É neste sentido que se aplica o termo navegação às formas de circulação na internet. A noção geral de fluxo multidirecional é, talvez, uma das suas características mais consolidadas. Considerandose a metáfora espacial como válida, é possível então traçar mapas, indicações dos fluxo, que apontem os locais por onde os usuários individualmente ou usuários conjuntamente circulem. Estes locais são, na verdade, conteúdos digitais aos quais os usuários têm acesso – em outras palavras, nós (no sentido de pontos nodais) da rede. Castells (1999, p. 26), ao conceituar sociedade em rede, compara a estruturação da internet às táticas maoístas de dispersão das forças de guerrilha por um vasto território. A arquitetura em rede faz com que conteúdos sejam distribuídos por diferentes dispositivos, sem centralização ou orientação dos fluxos. Isso não significa, contudo, que não haja nós na rede que sejam mais relevantes do que outros, isto é, pontos de onde mais fluxos de informação partem e para onde confluem ou mesmo usuários mais relevantes do que outros em determinado(s) sistema(s) de rede(s). As geografias físicas, os mapas físicos de países e continentes, perdem relevância ou são ressignificados diante destes fluxos. Identidades e interesses se reestruturam na lógica da rede. A este respeito o próprio Castells indica que uma
revolução tecnológica centrada nas tecnologias da informação está remodelando a base material (Ibidem, p. 20). Mais de dez anos depois do texto de Castells, esta revolução pode ser percebida com mais clareza, tanto no âmbito da produção material, quanto no da produção simbólica e nos arranjos das sociedades contemporâneas conectadas por dispositivos digitais, por assim dizer. Nas palavras do autor: “A comunicação simbólica entre os seres humanos e o relacionamento entre esses e a natureza com base na produção (e o seu complemento, o consumo), experiência e poder, cristalizamse ao longo da história em territórios específicos, e assim geram culturas e identidades coletivas” (Ibidem, p. 33). Castells não se aprofunda nestes territórios, contudo, com a expansão das redes digitais eles parecem se tornar menos físicos. Produção, experiência e poder se dão em espaços cada vez mais virtuais, de modo que culturas e identidades coletivas pertencem e se relacionam a esses “novos”1 territórios. Mais a diante, ele afirma que as novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais instrumentalizadas (Ibidem, p. 38): “A comunicação mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais. Mas a tendência social e política, característica da década de 90 é a construção da ação social e das políticas em torno das identidades primárias”. Notese bem que, quando isto é escrito, as relações sociais via internet ainda estavam distantes da forma que tomariam com as redes sociais digitais. De fato, a vocação para o debate público aparece desde os primórdios da fase comercial da web, isto é, da sua instalação em massa em empresas e residências. Primeiro isto acontece através de fóruns e listas de emails e, posteriormente, nas próprias redes sociais. Sendo identidade entendida como o processo através do qual o ator social se reconhece e constrói significado com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos (Ibidem). Neste sentido, as identidades culturais deixam de se relacionar a características específicas dos locais físicos, como por exemplo a nacionalidade, e passa a se relacionar a pertencimento 2.
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Usamos a palavra novos aspeada, como forma de indicar que a novidade dos espaços virtuais é, de alguma forma, relativa, relacionada muito mais à forma como os sujeitos lidam com estes espaços, do que com seu tempo de existência efetivo. Para esclarecer melhor este ponto, utilizaremos o caso das manifestações realizadas em na Internet contra a legislação antigay na Rússia, em vigor desde o início de 2013. Há, na sociedade contemporânea um conceito geral de que os interesses vinculados à identidade e adesão à causa gay sejam supranacionais, de modo que há solidariedade e repúdio às leis russas, por exemplo, partindose do pressuposto de que as manifestações individuais e coletivas realizadas na web e nas ruas poderiam pressionar uma tomada de posição de governos que mantém relações diplomáticas com o país.
Em função disso, aquilo que Habermas (1984) chama de esfera pública se desloca dos espaços físicos para os virtuais. O termo físico ou material é muito importante aqui, uma vez que é relativamente comum ver o virtual ser contraposto com o real, como se houvesse irrealidade no virtual. Pelo contrário, o virtual é real para os sujeitos que o operam, as informações que nele circulam e as relações nele estabelecidas existem efetivamente dentro e fora dos suportes digitais, com consequências sentidas na vida íntima dos sujeitos, nas dinâmicas sociais e produtivas das sociedades contemporâneas e na política. A esfera pública conforme Habermas a define faz parte de uma construção históricosocial na qual público e privado são tratados em termos de oposição, sendo o primeiro o que requer publicidade, que necessita de um público para se constituir, e o segundo o que é íntimo, secreto. As origens desta distinção remontam à antiguidade clássica. Para o autor, na Grécia antiga esfera privada ( oikos ) e esfera pública ( polis ) se distinguem. Notese que, tomada em termos literais, esta distinção é espacial. A esfera pública é onde se ganha notoriedade ou visibilidade através da conversação ou antes conversações. Nas palavras do autor são públicos “certos eventos quando eles, em contraposição às sociedades fechadas, são acessíveis a qualquer um.” (Ibidem, p. 14). Ora, não é a internet espaço onde certos eventos se tornam acessíveis “a qualquer um”3? No final do século XVIII, a esfera pública aparece eminentemente como esfera pública literária. A família burguesa passa a abrir espaço para a discussão no âmbito das suas residências o que se estende aos salões e cafés4. Neste momento as cortes vão deixando de ter a centralização da esfera pública, assumindo a cidade ( polis ) esta função5. Da esfera pública literária provém a esfera pública política (Ibidem, p. 46). A partir do século XVIII a esfera pública se torna central no âmbito da política, contribuindo com a organização dos Estados de direito burgueses. Na sequência, os processos eleitorais ampliam a noção de participação e
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Há de se relativizar aqui o termo “qualquer um”. A internet permite que os conteúdos sejam tão acessíveis quanto desejarem os usuários através das estratégias de divulgação e configurações de privacidade escolhidas por eles. Contudo, isto não impede que outros usuários se apropriem destes conteúdos e os façam circular, daí partirmos do pressuposto que há publicidade na rede. Habermas (1984, p. 52) observa: “Não que se deva crer que, com os cafés, os salões e as associações tal concepção de ‘público’ tenha sido efetivamente concretizada; mas, com eles, ela foi institucionalizada enquanto idéia e, com isso, colocada como reivindicação objetiva e, nessa medida, ainda que não tenha se tornada realidade foi, no entanto, eficaz”. Ainda nas palavras do autor (Ibidem, p. 478): “a preponderância da ‘cidade’ é assegurada por aquelas novas instituições que, em toda a sua diversidade, assumem na Inglaterra e na França funções sociais semelhantes: os cafés... e os salões... são centros de uma crítica inicialmente literária e, depois, também política”.
esfera pública. Contudo, não há na expansão desta participação uma superação das bases da sociedade de classes: A expansão dos direitos de igualdade política para todas as classes sociais ocorreu no âmbito desta mesma sociedade de classes. A esfera pública “ampliada” não levou fundamentalmente à superação daquela base, sobre a qual o público das pessoas privadas tinha inicialmente tencionado algo como a soberania da opinião pública (Ibidem, p. 155).
O público cresce através da imprensa e os conflitos, antes presentes na esfera privada, passam à pública, sendo mediados pelo Estado. Em adição, a camada culta perde a sensação de “que ela tinha uma missão a cumprir na sociedade” (Ibidem, p. 206). Com isso, a minoria de especialistas ou bem formados que a camada culta representa passa a se sentir “isolada entre as camadas incultas da burguesia que dela não mais necessitava” (Ibidem, p. 158). Não cabe aqui entrar com profundidade no argumento habermasiano, mas apenas tentar compreender como esta lógica se estende à internet. Em primeiro lugar há, na fase atual da web, uma indistinção entre público e privado. Em segundo, lugar os especialistas perdem gradualmente (tanto em função desta indistinção, quanto da circulação de informações) seu espaço tradicional e, grande surpresa, as “camadas incultas” ganham voz de uma forma que nunca tiveram, nem na pólis, nem nos saraus literários e nem na mídia de massa. Outra crítica do autor que parece se aplicar à internet contemporânea, por assim dizer, é a despolitização da esfera pública na cultura de consumo: No âmbito da assim chamada cultura do consumo é que a ideologia se ajeita e preenche, ao mesmo tempo, nos níveis mais profundos da consciência, a sua antiga função, ou seja, a coerção ao conformismo com as relações vigentes. Essa falta de consciência não consiste mais, como ideologia política do século XIX, num sistema em si coerente de concepções, mas um sistema de modos de comportamento (Ibidem, p. 252).
A opinião pública, neste argumento tornada acrítica, configurase como reação desforme da massa, eventualmente, conduzida por interesses que não se pautem ou atendam ao bem comum6 A sensação geral de despolitização de que trata Habermas aparece num discurso recorrente sobre a despolitização dos usuários da web, em especial das redes sociais. O senso comum sobre os usuários das redes parece reverberar a noção habermasiana de que a esfera pública burguesa se fragiliza diante da economia capitalista e dos meios de
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Cabe questionar o que é bem comum e se a esfera pública, conforme conceituada, atende ao bem comum. Dentro desde mesmo questionamento cabe refletir sobre estes interesses e mesmo se há interesses de fato ou se estes também pertencem, e isto fica mais evidente na internet, ao fluxo dos acontecimentos, diálogos e informações que circulam e se cristalizam na e através da esfera pública .
comunicação de massa. A despolitização percebida nas redes sociais seria então reflexo do esfacelamento gradual da esfera pública. Sintoma e, pensandose em termos de comunicação, causa deste mesmo fenômeno. Na internet esta lógica se torna mais profunda, considerandose que Habermas participa da discussão proposta por Marcuse sobre a institucionalização da razão instrumental na organização do Estado burocrático. Habermas destaca o argumento de Marcuse sobre a perda do caráter explorador e opressor da dominação nas sociedades capitalistas industriais avançadas (MARCUSE, 1982). Este argumento condiz, em última instância com uma ideologia de fundo tecnocrático, na qual as questões políticas se resolvem através da técnica e não mais através do diálogo, distendido na forma de negociação e luta. As mídias digitais e, mais especificamente, a internet aparecem então como argumento técnico definitivo. Tudo é possível através da digitalização e tudo circula na rede. Na defesa futurista utópica isto soa mais relevante do que a forma como os conteúdos são apropriados e a crítica que se tece a partir deles. A internet se torna ao mesmo tempo o argumento tecnocrático e mídia por onde este mesmo argumento circula. No pensamento habermasiano não se deve identificar emancipação humana e política ao progresso técnico; este, por si só, não conduz à emancipação humana. A técnica que liberta da natureza, não liberta da opressão, que aparece na forma de controle tecnológico. Noção semelhante aparece em Arendt (2007) quando ela fala da perda do espaço público como local privilegiado da prática da democracia e da degeneração (e aqui empregamos este termo deliberadamente) do homem de criatura política para Homo faber e depois para Animal laborans . A ação se exerce entre os homens sem a mediação de instrumentos, é, lato sensu , a condição política ( bios politikos ). A liberdade dos indivíduos se encontra exatamente aí. É nos organismos políticos que o homem cria coisas novas e se imortaliza. O trabalho é ação do Homo faber e remete ao artificialismo da existência. Substituemse os ciclos naturais por artefatos, criando um mundo distinto e mesmo apartado do natural, um mundo da técnica, para retomar ao termo utilizado por Habermas e Marcuse, um mundo dos artefatos digitais e da internet. Cabe questionar se a internet permite que a condição política seja largamente exercida. Tanto o argumento de Habermas quanto o de Arendt parecem convergir para o fenômeno contemporâneo – ou que se torna mais visível contemporaneamente – de fusão entre vida pública e privada através da internet e, sendo ainda mais específico, através das
redes sociais. A internet, ainda na época dos fóruns e listas de discussões, mantinha um caráter mais formal ou institucional. O texto de Habermas sobre os anos 90 indica isso. Há até o início dos anos 2000, uma distinção entre público e privado na internet, aqui grosseiramente representada pela distinção entre os fóruns, listas e chats de caráter institucional e aqueles de caráter pessoal. Esta divisão, resquício da origem militar e acadêmica da rede (e mesmo esta linha divisória que estabelecemos aqui é, de certa maneira, arbitrária e imprecisa), esfacelase com a web 2.07, com as ferramentas de autoração e publicação. Esta distinção é marcada particularmente a partir dos blogs, que de diários pessoais se convertem em relevantes nós na rede, e das das redes sociais, casos em que subvertese a distinção inicial entre institucional e pessoal na rede. Primavera, origens e cartografia geral dos acontecimentos Real e virtual nos processos políticos se completam, aliás como em todas as esferas da vida dos sujeitos atualmente. Nestas primeiras décadas do século XXI tem havido uma ubiquação entre estes espaços antes considerados antagônicos. Quando as mídias digitais começam a ser utilizados em larga escala entre finais dos anos 80 e ao longo dos anos 90, elas são apropriadas pelos sujeitos como um “outro”, dispositivos alienígenas recém chegados ao cotidiano, o que inaugura o discurso do antagonismo. Em pouco tempo, contudo, estes dispositivos se naturalizam e os sujeitos que nasceram da última década em diante, pelo menos nas metrópoles do mundo ocidental, não terão vivido sem alguma forma de acesso a dispositivos digitais e, por extensão à web. Não há então como separar estas mídias das experiências dos sujeitos, de modo que a vivência política passa cada vez mais pelo digital, estando ou não estruturada por ações de ciberativismo, termo que implica em ação consciente e sistemática. As dimensões desta articulação são novas e no mundo inteiro acontecem fenômenos semelhantes, pelo menos desde a o início do movimento “Marcha das Vadias” e “Occupy Wall Street”, depois generalizado como “Occupy”, que saem às ruas respectivamente em 11 de abril de 2011, em Toronto, e em 17 de Setembro de 2011, em Nova Iorque. Ambas podem ser consideradas as primeiras de uma série de ocupações pontuais em espaços públicos ao redor do mundo. Em comum entre estes dois movimentos está a articulação via redes sociais, 7
Segunda fase de uso da rede, marcada pelas ferramentas de busca e redes sociais.
levada às ruas por organizadores independentes e não necessariamente vinculados a partidos políticos (este ponto aparece com muita clareza em determinado momento da Primavera Brasileira8). Em termos de temática, o descontentamento com o regime sócioeconômico aparece em ambos: no primeiro, como oposição de mulheres e homens à heteronormatividade, misoginia e opressão contra as mulheres; no segundo como oposição ao poder econômico do capital. Nos dois casos aparece o apelo à cidadania e às liberdades civis individuais (o que remonta os movimentos de direitos civis nas décadas de 60 e 70, evocados em termos de discurso e iconografia tanto na rede quanto nas ruas) e à reordenação de um sistema político econômico que provoca exclusão, violência e que parece insustentável. Ambos os movimentos se tornaram mundialmente conhecidos via redes sociais digitais, especialmente a Marcha das Vadias, que tem recebido menor atenção das mídias tradicionais9. Facebook e Twitter têm sido catalizadores deste movimentos. Em função das redes sociais, diversas Marchas das Vadias e Occupy foram e tem sido organizadas ao redor do mundo, especialmente via Facebook, plataforma que apresenta mais funcionalidades em relação a troca de conteúdos, discussão e agendamento de eventos. A Primavera Árabe10 se refere diretamente às liberdades individuais e ao direto à comunicação, mais especificamente ao direito de uso da internet. Neste sentido o termo Primavera se refere às liberdades individuais. Foi a proibição de acesso aos meios de comunicação em 28 de janeiro de 2011 e a necessidade de buscar informações vis a vis (conforme Habermas) que levou muitos egípcios às ruas e mobilizou pessoas dentro e fora do país. Posteriormente, em Damasco, situação semelhante aconteceu em 03 junho de 2011
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Mais a frente se verá uma discussão sobre o termo. Contudo, tal movimento também é conhecido – numa nomeclatura que julgamos mais adequada – como Jornadas de Junho. No Brasil, a Marcha das Vadias foi alvo de cobertura midiática por ocasião de um protesto realizado durante a visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro em julho de 2013, muito mais por manifestantes (segundo os organizadores da Marcha estes não teriam nenhuma vinculação direta com o grupo, aparecendo espontaneamente) que quebraram imagens sacras do que pelas causas do movimento em si. O nome Primavera Árabe evoca a Primavera de Praga em 1968 e se refere ao conjunto de mobilizações populares ocorridos no Oriente Médio e Norte da África a partir de Dezembro de 2010, quando um jovem tunisiano ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto contra às condições de vida em seu país. Em função deste ato, manifestações ocorreram na Tunísia, culminando com a fuga do presidente Zine ElAbdine Ben Ali, para a Arábia Saudita. Com o sucesso da empreitada tunisiana, revoltas eclodiram na Argélia, Jordânia, Egito, Iêmen, Líbia e Síria, entre outros países. Como resultados parciais, além da fuga do presidente tunisiano, houve a renúncia do presidente do Egito, Hosni Mubarak em fevereiro de 2011 após 18 dias de protesto, renúncia do governo da Jordância e a morte do presidente da líbia, Muammar alGaddafi, além de indicações do presidente do Iêmem, Ali Abdullah Saleh, Sudão, Omar alBashir, e do premiê iraquiano, Nouri alMaliki, de que não concorreriam a reeleições. Em comum entre todas as manifestações está o papel da internet e, mais especificamente, das redes sociais, em viabilizar as mobilizações e permitir a circulação de informações dentro e fora destes países.
quando o governo Sírio proibiu acesso à internet por 24h, na tentativa de coibir as manifestações me massa. Especificamente em relação ao Egito, Wael Ghonim, jovem executivo do Google preso por um breve período durante as manifestações, proferiu a seguinte frase “Se você quer uma sociedade livre, basta lhe dar acesso à internet”11. Neste país, parte do levante ou sua exacerbação ocorreu em função da proibição do então presidente Hosni Mubarak de interromper as comunicações via internet e redes de telefonia móvel12. A mobilização popular ganhou vulto a partir deste momento e a comunidade internacional, entendida aqui como governos e pessoas isoladamente, reagiu demonstrando solidariedade apoio, criando estratégias de disseminação dos conteúdos produzidos no Egito e fora dele. Neste momento fica claro que a internet começa a ser percebida, pelo menos no senso comum, como plataforma privilegiada de disseminação da informação. Se antes o ciberativismo era acusado de ineficiência, agora as ações via web ganham ares de relevância, de catalização de mudanças sociais, trazendo à tona conteúdos que estavam sendo mantidos ocultos em função de interesses particulares e / ou escusos. Houve, em relação à Primavera Árabe, o estabelecimento de um senso de identidade, como se sujeitos e grupos ao redor do mundo – leiase centros urbanos, com algum degrau de ocidentalização, conectados via web – compartilhassem as pautas e objetivos dos movimentos de cada país, que iam desde questões pontuais – como a defesa de direitos urbanos, manifesto pelos que defendiam o parque Gezi na Turquia –, ou mais genéricos – como o combate ao capitalismo, corporificado através do uso das máscaras de Guy Fawkes, personagem do HQ “V de Vingança,” imagem que aparece desde o Ocuppy Wall Street. Essa noção geral de interesses comuns, ou antes de uma luta em comum, antecede as manifestações desta virada da primeira para a segunda década do século XXI. Ao convocar os operários do mundo à união, Marx, sugere que há objetivos comuns nas lutas operárias de finais do século XIX. Esta noção de união, em última instância perpassada por uma ideia de humanismo que remonta o iluminismo (outro movimento, a seu tempo, de caráter global), permeia, grosso modo, os movimentos minoritários ou de esquerda. Sem entrar em detalhes sobre como este senso de 11
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Esta frase aparece em artigo de Navid Hassanpour para o Le Monde Diplomatique. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/print.php?tipo=ar&id=1114 Na sequência dos acontecimentos, as próprias empresas de serviço de web criaram soluções de acesso burlando as proibições. A Google, ofereceu uma forma de acesso ao Twitter pelo telefone e a SayNow, especializada em plataformas de voz elaborou um mecanismo para que mensagens sonoras enviadas via celular fossem convertidas em em mensagens de texto e postadas sob a hashtag #egypt.
identidade chega aos dias de hoje, podemos afirmar que na rede ele ganha velocidade e proporções inéditas, reforçado pela noção de Aldeia Global e esta, por sua vez, embastada na crença que ganha notoriedade a partir dos anos 90 com as discussões sobre meio ambiente, de que somos, mesmo em diferentes países, responsáveis uns pelos outros e pelos biomas, sistemas, econômicos e sociais que habitamos. De 2012 até os protestos acontecidos em julho de 2013, houve uma série de acontecimentos, ainda no âmbito estritamente digital, significativos para se perceber formas mais engajadas de uso das redes sociais pelos brasileiros. Muito espontaneamente os usuários passam a explorar um espaço de comunicação privado para tratar de questões públicas, antes pertencentes à polis . Estabelecendo um recorte, de certa forma arbitrário para os eventos sóciopolíticos que ganharam relevância nas redes sociais, temos que em maio 2011, um agendamento via Facabook levou às ruas o “Churrasco de Gente Diferenciada”, uma ironia à oposição de um grupo de moradoras do bairro de Higienópolis em São Paulo à construção de uma estação de metrô na avenida Angélica, uma das regiões mais valorizadas da capital. Em Janeiro de 2012 circulara no Facebook e Twitter (sob a hashtag #somostodospinheirinho) manifestações de apoio e cobranças de posicionamento do governo de São Paulo sobre o despejo violento de moradores da favela Pinheirinho, localizada na capital paulistana. Em novembro do mesmo ano, surge no Facebook um movimento de apoio ao povo GuaraniKaiowá, ocasião em que, para mostrar adesão e identidade (termo que insistiremos em utilizar aqui), usuários da rede adicionam o nome do povo indígena ao seu próprio sobrenome no perfil desta rede. Em abril de 2013 as redes sociais brasileiras são invadidas por memes13 ironizando o elevado preço do tomate, indício do aumento da inflação no país. Isso sem contar com o movimento “Feliciano não me representa”, iniciado em março de 2013 quando o deputado Marco Feliciano (PSCSP), conhecido por declarações homofóbicas, racistas e contra religiões de origem africana, foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, processo que culmina (embora não se encerre) com a saída do Deputado da Comissão em agosto de 2013, catalizada pela Primavera Brasileira14. 13
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Unidade mínima de conteúdo (geralmente uma imagem ou gif animado) passível de replicação na web. Costuma ser associado à comicidade e ironia. Também merece destaque a adesão de brasileiros à campanha contra o apedrejamento da iraniana Sakineh, acusada de trair o marido, que envolveu ativistas de todo o mundo. Em 2010 criouse a campanha “liga Lula”, para que o então presidente intercedesse junto ao presidente iraniano Mohammed Armadinejad, Embora tenha rejeitado à princípio, Lula acaba oferecendo asilo à mulher, proposta rejeitada pelo Irã. Contudo, em função da
Logo no início de 2013, o recémempossado prefeito de São Paulo, Fernando Haddad anunciou o aumento das tarifas de ônibus na cidade. Em maio, o Governo Federal publicou uma medida provisória que isentava o transporte público de PIS e COFINS como forma de segurar a inflação provocada pelo reajuste das tarifas no país. Mesmo assim, Haddad manteve o aumento, o que gerou protestos por parte do Movimento Passe Livre15 paulistano nos dias seis, sete e onze de junho. A cada dia, a causa ganhava mais adeptos dentro e fora das redes sociais em função da notoriedade que alcançou por conta das críticas uso do termo “vandalismo” feito pela grande mídia, com o qual os usuários das redes sociais tendiam a discordar, e da repressão policial violenta contra os manifestantes e membros da imprensa. Podese dizer que a tensão social que explode após a repressão policial violenta começa a se traçar – embora ganhe outros rumos ao ser disseminada em massa e ganhar as ruas – especialmente com estes dois últimos movimentos. A sensação de distanciamento dos políticos, não representação e o descontentamento geral com a inflação são temas retomados nos conteúdos compartilhados por usuários da rede durante as manifestações do Passe Livre, em especial as provocadas pelas agressões a manifestantes e jornalistas e, como decorrência delas, a polêmica instaurada ao porte de vinagre16. Além disso, o silêncio sobre os acontecimentos nas ruas e emprego do termo “vândalo” pelas mídias tradicionais, considerado inadequado pelos usuários das redes sociais, provocam inquietação e revolta. Neste contexto, Twitter e Facebook passam a ser utilizados explicitamente para “esclarecer mal entendidos”, falar de questões que por motivos ideológicos estavam sendo ignoradas pelos veículos de massa e “disseminar verdades”. Além dessas funções o Facebook passa a ser utilizado para organizar as passeatas que ocorreram em todo o país. Quando da eclosão do movimentos de São Paulo, o evento criado no Facebook para a cidade contou com mais de 270 mil adesões. No Rio foram mais de 70 mil confirmações. O mesmo padrão se repetiu nas demais capitais brasileiras. Além disso, o registro de imagens e vídeos postados na web foi fundamental para o acompanhamento
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pressão internacional, em janeiro de 2011, a pena de enforcamento (a pena de apedrejamento havia sido substituída por enforcamento por conta das críticas da comunidade internacional) é suspensa, decisão avisada à presidente Dilma Rousseff pela a deputada Zohre Elahian, presidente da Comissão de Direitos Humanos iraniana. Deixamos este caso à parte, pois ao contrário dos acima listados, referese a assuntos internacionais. Movimento que milita por isenção de tarifas e melhoria dos transportes públicos. Aparece em 2004 com a Revolta da Catraca em Florianópolis, hoje conta com núcleos em diversas capitais do país. Em São Paulo, a polícia chega a prender manifestantes que portavam vinagre, utilizado para combater os efeitos do gás de pimenta.
remoto das manifestações assim como para o monitoramento da segurança dos participantes e controle dos abusos policiais. O uso do Facebook por si só evidencia a fragilidade do termo “Primavera Brasileira”. Uma das críticas que se faz ao seu emprego é que no país não houve de forma mais evidente, como no Oriente Médio, disputa por liberdades individuais e de comunicação. Também não havia regimes ou ditadores contra os quais se lutar. Em março de 2013 eram 73 milhões de usuários brasileiros no Facebook e 32 milhões no Twitter17, nem um deles foi privado desta ou de quaisquer outras ferramentas de acesso e circulação de conteúdo na web. Pelo contrário, podese supor que durante o mês de julho, muitos usuários pela primeira vez experimentaram a esfera pública virtual. Dizse isso sem questionar o componente crítico de que fala Habermas. Não é possível, e nem é o objetivo deste trabalho, analisar a criticidade dos usuários, mas apenas como fizeram os conteúdos circularem. Cartografia como metodologia possível na rede A metáfora do mapa, explorada na abertura deste artigo tem sido sistematicamente aplicada, em termos teóricosmetodológicos, para a compreensão dos fenômenos do ciberespaço. Para melhor abordála, tratamos da noção de rizoma de Deleuze e Guatarri. O rizoma opõese à compartimentalização do conhecimento, conforme foi estabelecido no ocidente desde a antiguidade clássica, e, como decorrência a uma estruturação do pensamento em forma de árvore, isto é, à organização do saber em que há uma hierarquização do conteúdo que se origina em raízes, sobe pelo tronco e se esgalha. Esta forma se pensar o conhecimento é mecânica e, de certo modo arbitrária, uma vez que pressupõe a predominância de certos saberes – ou temas, termo que utilizamos neste trabalho – sobre outros. Para os autores não há um “tronco” que sustente o conhecimento, mas uma estrutura rizomática, horizontal em que os pontos se originam em qualquer parte e se dirigem para qualquer parte. Segundo eles: Falamos exclusivamente disto: multiplicidade, linhas, estratos e segmentaridades, linhas de fuga e intensidades, agenciamentos maquínicos e seus diferentes tipos, os corpos sem órgãos e sua construção, sua seleção, o plano de consistência, as unidades de medida em cada caso. Os Estratômetros, os deleômetros, as unidades CsQ18 de densidade, as unidades CsQ de convergência não formam somente uma quantificação da escrita, mas a definem como sendo sempre a medida de outra coisa. Escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.123). 17 18
Dados oferecidos pelas empresas e disponíveis nos seus sites. CsQ, é a abreviatura de Corpos sem Órgãos, termo utilizado pelos autores.
Deleuze (1980) esclarece ainda mais sua proposição com Guattari ao afirmar que o rizoma é “precisamente um caso de sistema aberto” e que um sistema é aberto “quando os conceitos são relacionados a circunstâncias e não mais a essências”. A partir destas noções é possível nos apropriarmos do conceito de rizoma metodologicamente. A forma como a apropriação do rizoma se dará será cartográfica, a imagem construída, no modelo de análise que aqui propomos, é criada pelo estabelecimento de vetores entre um conceito e outro – ou entre conjuntos de conceitos. Isso porque, segundo os autores, diferentemente da árvore ou da raiz “que fixa um ponto, uma ordem”, “qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sêlo” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.15). A utilização da cartografia tem sido muito recorrente nos estudos sobre o ciberespaço. Este apresenta por definição (a própria arquitetura das redes) uma estrutura rizomática. Tal noção se amplia com a teoria atorrede de Callon e Latour usada amplamente nos últimos anos para tratar dos fenômenos de interação social e/ou interação homemmáquina no escopo da digitalização. Latour argumenta que as redes não são amorfas, mas altamente diferenciadas. A ciência definida através do conceito de rede não se caracteriza por racionalidade, objetividade e veracidade dos fatos, como no paradigma tradicional, mas são efeitos, atingidos através das tensões – e não de parâmetros externos – próprias à rede. Sendo nela as conexões entre os atores performativas, de modo que suas propriedades mudam conforme novos atores sejam implicados ou outros deixem de atuar. Em texto proferido num seminário sobre a teoria das redes, o próprio Latour (2011, p. 796) admite que a noção de redes é imensa e tem uma extensão hegemônica. Ele continua afirmando que no sentido mais simples e mais profundo a noção de rede é útil sempre que a ação é redistribuída e que a habilidade do conceito de rede está em seguir o estranho movimento que vai das substâncias aos atributos e retorna num movimento contínuo. São justamente os vetores desenhados em um mapa que indicam este movimento contínuo (Ibidem, p. 797). As teorias de Deleuze e Guatarri e Latour tem sido utilizadas naquilo que se chama de análise da controvérsia. A lógica do rizoma condiz com conhecimentos que não são passíveis de hierarquização. Em “Cartography and War Machines”, Sguiglia e Toret (2010) compreendem a cartografia como um protótipo abstrato para a análise de um problema na forma de mapa ou, como preferimos pensar, diagramar problemas por meio de estruturas
vetoriais. Sendo que o termo problema deve ser entendido aqui como questão pontuada pelos usuários de determinado sistema. A cartografia, prosseguem os autores, permite a construção de mapas abertos de orientação, conectáveis em todas as suas dimensões, destacáveis, reversíveis e suscetíveis a modificações constantes (Ibidem, p. 2). Para explicar melhor seu argumento, Sguiglia e Toret (Ibidem) falam de “máquinas de guerra” (war machines). Os autores entendem máquinas de guerra como processos organizatórios capazes de transformar pontos em vetores (Ibidem, p. 2). Não nos parece o caso de explorar o conceito de máquinas de guerra – que parece específico ao arcabouço explorado por Sguiglia e Toret – contudo, o que é relevante para esta análise é a noção geral de que a não se trata de interpretar para organizar, mas de detectar os pontos capazes de compor um plano comum, um vôo coletivo (Ibidem). Contudo, esta noção pressupõe, de certa forma, que o vôo está adequadamente orientado. Pelo contrário, os mapas indicam possibilidades de planos, apontados pelos fluxos e pelos nós que se tornam evidentes em sua estrutura. Se o plano será orientado para a ação e, mais do que isso, para a ação consciente, só as formas de apropriação social dos conteúdos que circulam no mapa serão capazes de evidenciar. Para Sguiglia e Toret a cartografia permite identificar os pontos quentes ( hot spots ) dos conflitos contemporâneos, suas dinâmicas e atores (Ibidem). Indo mais além, permite identificar as tendências presentes nestas dinâmicas, observar movimentos de divergência e convergência, surgimento, crescimento e atrofia dos nós, enfim, o movimento mesmo dos fluxos sociais e dos indivíduos em suas relações, tensões e distensões. A produção de novos termos e conceitos, não é tarefa do militante, explicam os autores, mas sempre será um exercício coletivo de enunciação. Os autores consideram a cartografia (em conjunto com a noção de máquina de guerra) um conceito fundamental para compreender as limitações da pesquisa militante. A cartografia, entendida como a capacidade dos movimentos de investigarem e mapearam o real, funciona como atividade artesanal para detectar e dar aparência às interferências nas sociedades onde o consenso ressoa (Ibidem). São as interações suas dinâmicas que subsidiam os mapas e olhar para eles atentamente significa olhar para instantes das dinâmicas criadas. São como instantâneos de processos sociais que acontecem nos fluxos, manifestos na forma de termos – no caso da presente proposta – empregados pelos usuários nas suas relações. Neste sentido, o mapa pode ser utilizado de modo minucioso, permitindo ao pesquisador se aproximar dos micropoderes. De certo modo dá materialidade a
eles, embora não os esgote. A comunicação direta entre os sujeitos ganha visibilidade e pode ser estudada com mais clareza, além de, como impacto, os fluxos identificados nos mapas serem capazes de eventualmente impor novos termos ao poder vigente e à mídia de massa, como aconteceu no Brasil. Imagens de uma cartografia: desenho de fluxos nos protestos brasileiros Explorada a possibilidade de uso da cartografia para a análise do ciberespaço, em especial das redes sociais, tomaremos como ilustração o caso dos protestos brasileiros. Os mapas aqui utilizados foram retirados do site do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) que estuda “o impacto da cultura digital nos processos e práticas de comunicação contemporânea”19. Embora tenhamos utilizados mapas já prontos, há diversas ferramentas que produzem mapas. Um dos motivos de termos escolhido utilizar os mapas do Labic é que a coleta foi feita praticamente em tempo real. Tomamos então dados do artigo “A Batalha do Vinagre: por que o #protestoSP não teve uma, mas muitas hashtags” de Fabio Malini sobre os acontecimentos do dia 13 de junho em São Paulo, publicado no site do Labic já no dia seguinte. Embora reconheça o papel mobilizador do Facebook através da ferramenta eventos (28 mil usuários confirmaram presença no evento intitulado “Terceiro Grande Ato Contra o Aumento da Passagem”) a ênfase do autor recaí sobre o uso de hashtags e palavraschave que circularam no twitter nesta data. As principais foram: #passelivre #contraoaumento #vemprarua #changebrazil #tarifazero #indignação #occupySP #protestoSP #13jSP. O que segundo Malini (2013) indica uma multiplicidade de movimentos dentro do movimento. Analisandose o uso de termos sem hashtag, temse que “tarifa” dominou o Twitter na ocasião, sendo que entre 17h e 23h50, mais de 17 mil tweets contendo a palavra eclodiram na rede. Outras palavras recorrentes foram: protesto, jornalista, ônibus, rua, manifestantes, vinagre, bomba. Termos (com e sem hashtag) que foram replicados pelos usuários20.
19 20
Descrição disponível no site do Labic. No caso do Twitter esta ação é feita utilizandose a ferramenta retweet, identificada pela sigla RT
Figura 1: Rede de Rts contendo a palavra “tarifa” no Twitter, coletados entre 17h às 23h50 (MALINI, 2013) 21.
Considerandose a lógica da rede percebida na figura, temos que os termos emanam de focos do centro (nós mais visitados), para a periferia. No caso das manifestações de São Paulo (padrão percebido em muitas outras circunstâncias), temos que os nós de onde emanam a maioria dos fluxos (o que não significa, contudo que eles tenham os iniciado) se relacionam a formadores de opinião, daí que haja uma assimetria no volume de informações que circula entre os nós.
21
No original todas as imagens estão coloridas indicandose o fluxo de informações.
Figura 2: Fluxo de retweets de perfis mais centrais para os periféricos (MALINI, 2013).
Embora a lógica das redes seja notadamente horizontal, isso não evita que perfis de grupos e pessoas públicas se tornem pontos nodais da rede, de onde parte um maior fluxo de informações. Na figura acima, temos que são os perfis do Estadão (@estadao), da jornalista Silvana Bittencourt (@SilvanaBit), do deputado Jean Wyllys (@jeanwyllys_real), do VJ da MTV PC Siqueira (@pcesiqueira) e do escritor Marcelo Rubens Paiva (@marcelorubens) são os que recebem maior atenção dos usuários. Cabe, na medida em que os estudos sobre a cartografia do ciberespaço avençam explorar melhor as caracteristicas comportamentais dos usuários. Todo modo, o mapa indica que os usuários recorrem a diferentes fontes e emitem conteúdos para pontos diversos. Daí decorre uma característica que temos repetido: os mapas indicam estágios de um determinado fluxo, são instantâneos de dinâmicas diversas. No caso das manifestações de São Paulo, não só os agentes são relevantes, mas os acontecimentos têm impacto sobre os fluxos. Vejamos mais dois mapas produzidos, o primeiro indica o fluxo de tweets durante a passeata do dia 13, antes do confronto com a PM:
Figura 3: Fluxos de tweets sobre a passeata antes do confronto com a Polícia Militar (MALINI, 2013).
O segundo mapa mostra a intensificação dos fluxos com a eclosão da violência policial. A reação dos usuários da rede aos acontecimentos nas ruas foi imediata.
Figura 3: Fluxos de tweets sobre a passeata durante o confronto com a Polícia Militar (MALINI, 2013).
Fato a se notar é que a maioria dos usuários não estava fisicamente presente na manifestação (a assimetria entre o número de tweets e os manifestantes nas ruas mostra isso), porém, podese pressupor, considerandose o uso de pacotes de dados em dispositivos móveis e a atualização dos acontecimentos em tempo real – leiase antes das midias tradicionais – que muitos tweetaram diretamente do protesto. Considerações finais A análise cartográfica dos incidentes de junho de 2013 (e não apenas destes mapas, mas da multiplicidade de mapas que podem ser construídos com o uso de diferentes termos) é relevante para se compreender as formas de utilização das redes sociais na construção de uma esfera pública virtual. Neste sentido é válido mesmo revisitar – quantas vezes for necessário – a noção de esfera pública e além dela, como insistimos neste texto ainda que sem nos aprofundarmos, sobre a crítica presente no comportamento dos agentes. Há aí um grande
problema para as pesquisas futuras: é possível medir a crítica dos agentes? Passada a onda de protestos – físicos e virtuais, nas suas mais diversas manifestações – paira sobre os usuários da rede uma sensação de que nada mudou. Ditadores não foram depostos, como na primavera árabe (não que a deposição implique mudança; o Egito Mubarak foi substituído na sequência dos fatos por uma junta militar). O ativismo de sofá e de rua, teve, contudo, alguns ganhos (ou resultou em paliativos para as tensões sociais?). Porém, estes foram mais lentos do que os descontentes queriam, o passe livre ou a redução de passagens entrou na pauta de algumas gestões municipais, a PEC 37 foi rejeitada e Feliciano deixou o cargo. É possível que esta sensação de insucesso seja fruto das pautas difusas que apareceram ao longo do período mais acalorado das manifestações. É possível que seja fruto de uma imaturidade da esfera pública virtual no Brasil e que o passo seguinte seja converter esta energia em mecanismos de ação. É possível que seja resultado do comportamento acrítico dos usuários – ou de uma parcela significativa deles – convertido em comportamento de manada (eu faço porque todos fazem). Sobretudo, é possível que seja conjunto destes múltiplos fatores. Sguiglia e Toret (2010, p. 2) acreditam na habilidade dos sujeitos políticos nos movimentos de construírem máquinas coletivas grandes e potentes. Não obstante, acreditam que isso não acontecerá sem que a dinâmica da pesquisa participativa seja combinada com dispositivos de organização que deem conta do real. Além disso, defendem que a potência dos movimentos está justamente na capacidade de ligar conhecimentos singulares e de fazêlos funcionar como uma máquina de guerra vetorizada. Estas máquinas devem ser capazes de construir processos de empoderamento ganhando batalhas concretas e transformando problemas sociais a partir de relações horizontais. Os fluxos e implicações dos movimentos acontecidos em junho de 2013 são complexos e a respeito deles ainda há muito a ser explorado, mas é possível antever que a internet brasileira não será mais vista de forma jocosa ou secundária pela mídia tradicional. Aliás, a forma como ela é vista pela mídia tradicional tenderá a perder importância. Embora nos mapas analisados o @estadão ainda tenha sido um ponto nodal, há outros fluxos relevantes e, sobretudo vida própria na periferia: usuários produzindo conteúdos para si e seus pares de forma dispersa mas significativa quando consideramos o volume desta produção. Não estamos mais no limiar de uma mudança. A mudança está em curso. De forma acelerada os usuários evidenciam seu desejo de protagonismo nessa fase da rede, dentro e for a dela. A
nós, pesquisadores, cabe acompanhar estas mudanças sem afetações e, como propõem Sguiglia e Toret, sem que seja necessário nos privarmos de participar delas. Bibliografia ARENDT, Hannah. A condição humana . 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede . São Paulo: Paz e Terra,1999. v. 1. DELEUZE, Giles. Mil platôs não formam uma montanha. : depoiment. Debate com Christian Descamps, Didier Eribon e Roberto Maggiori, publicado no jornal Liberación em 23 de outubro de 1980. Disponível em: . Acessado em 10 de set de 2013. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da Esfera Pública . Rio de Jnairo:Tempo Brasileiro, 1984. LATOUR, Bruno. Reflections of an ActorNetwork Theorist. International Journal of Communication , v.5, 2011. Disponível em: . Acessado em 10 de set de 2013. MALINI, Fábio. A Batalha do Vinagre: por que o #protestoSP não teve uma, mas muitas hashtags . 2013. Disponível em: . Acessado em 10 de set de 2013. MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial . Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
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