A primeira fase das obras do sistema de saneamento separado na cidade do Porto 1903 — 1907 O sistema Shone

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A primeira fase das obras do sistema de saneamento separado na cidade do Porto 1903 — 1907 O sistema Shone Mário Bruno Pastor Mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho

Resumo: Estudo sobre a contratação e processo de instalação dos primeiros troços de saneamento separado na cidade do Porto, pelos empreiteiros Hughes & Lancaster, de Londres; utilização e funcionamento do sistema de injectores Shone; impactos sociais e políticos das obras de 1903 e 1907; legado patrimonial industrial das primeiras instalações da rede de saneamento integrado no Porto. Palavras chave: Obras de saneamento; políticas higienistas, sistema e injectores de Shone; empreiteiros Hughes & Lancaster; Central das Sobreiras; história da cidade do Porto.

Introdução A iniciativa em torno da valorização, divulgação, preservação e salvaguarda do património dos caminhos de ferro é talvez um dos exemplos pioneiros na valorização da arqueologia industrial em Portugal. Mas ideia, concretizada no final da década de 70 e manifestada desde os anos de 1950 e 1960, tinha ensaiado já, pelo menos desde 1906, pequenas realizações ilustrativas dos postulados museológicos dominantes. A produção e o escoamento de detritos domésticos têm sido problemas centrais em todos as concentrações de povoados humanos desde o início da urbanização dos espaços. As primeiras soluções variaram ao longo dos séculos, desde as grandes cloacas romanas, passando pelos sistemas a céu aberto das cidades medievais, pelos despejos directos na rua¹ e pelo recurso às calhandreiras. Contudo, nenhuma dessas soluções mais antigas foi suficientemente satisfatória para minimizar os impactos negativos que as efusões e contaminações dos detritos marcavam na salubridade das cidades e na saúde pública em geral.

Arqueologia Industrial, 4ª Série, 2010, VI (1-2), 31-43.

Com efeito, a própria sensibilização das autoridades e da opinião pública para as questões relacionadas com o escoamento de detritos, bem como a consciencialização dos seus efeitos nocivos na saúde dos cidadãos, na sua própria expectativa média de vida e até as suas implicações económicas, é um fenómeno relativamente recente², que poderemos classificar como fruto do racionalismo iluminista e até do positivismo científico comtiano, que preconizaram os conceitos de salubridade e de higienismo associados ao desenvolvimento cultural e económico das sociedades, ou, numa palavra tão cara aos pensadores de oitocentos, associaram esses conceitos ao Progresso, entendido assim, com maiúscula, segundo o ímpeto desenvolvimentista da época. No caso da cidade do Porto, as primeiras preocupações modernas dos poderes da cidade face ao problema do saneamento integrado começaram a ganhar forma na década de 1890. Cabe aqui clarificar o conceito de saneamento integrado, distinto dos sistemas comuns de escoamento de águas. O saneamento integrado consiste num sistema de esgoto de detritos separado do sistema de escoamento de águas pluviais que,

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tores desenhado pelo engenheiro Isaac Shone. Os injectores de Shone recorrem, em termos genéricos, a um sistema de ar comprimido, assente em pequenos canhões de ar, que são integrados na rede de saneamento separada, permitindo, através de descargas de ar periódicas, empurrar os detritos através da canalização, em áreas planas das cidades até a um ponto terminal. No caso do Porto, o ponto de escoamento proposto seria em Nevogilde, na Foz, passando ao longo de toda a área ribeirinha da cidade. A Hughes & Lancaster havia empregue Fig. 1. Litografia de Hare, esquematizando o sistema de Shone num cenário idealizado, in The Sanitary Record, artigo New Inventions, p. 151, Londres, 15 de Setembro de 1890.

comummente, servia para escoar em simultâneo os detritos domésticos. Este sistema misto, decalcado das cloacas romanas, muito dependente das estações pluviais, do declive do terreno e de cursos de água (subterrâneos, encanados ou não) é vulgarmente designado por sistema tout a l’egout³, e era ainda bastante comum nos finais do século XIX em cidades como Londres, Paris, Lisboa e até o próprio Porto⁴. Os sistemas mistos, como foi referido, não ofereciam soluções eficazes para o escoamento das cidades. A sua dependência das águas pluviais tornavam-nos bastante ineficazes nos períodos secos. A título de exemplo, refira-se o que nos diz José Ferreira de Macedo Pinto, a propósito do surto de febre amarela, no Verão de 1857, em Lisboa: «Os canos se achavam obstruidos e entupidos de tal modo, que nem a picarêta ou o machado lhes entravam (…)»⁵. A par desta dependência das águas pluviais, os sistemas mistos de escoamento tout a l’egout tornavam-se manifestamente incapazes de acompanhar o aumento do volume das descargas provocado pelo crescimento demográfico da segunda metade do século XIX. Assim, tendo em vista um sistema moderno de saneamento integrado (o próprio Ricardo Jorge, enquanto médico municipal e chefe da repartição de higiene, elaborara em 1896 um projecto de saneamento⁶), começara a Câmara Municipal do Porto, ainda antes da bubónica de 1899, a perscrutar o mercado em busca de uma solução eficaz⁷. A escolha recaíu sobre os empreiteiros londrinos Hughes & Lancaster, que haviam patenteado, ainda no final da década de 1870, e aperfeiçoado durante os anos seguintes, o seu sistema de injec-

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Fig. 2. Páginas 28 e 29 de Saneamento da Cidade do Porto – Londres, 1897.

com sucesso os seus injectores nas redes de saneamento de várias cidades um pouco por todo o globo (ver figuras 2, 3 e 4), desde 1880, construíndo um currículo sólido e virtualmente monopolista na área dos sistemas de saneamento urbano, abrangendo locais tão díspares como o Rio de Janeiro e a Nova Zelândia, passando pelo sistema de saneamento das próprias Casas do Parlamento, em Londres. Deste modo, a primeira proposta apresentada à Câmara Municipal do Porto para a abertura da rede de saneamento veio precisamente da Fig. 3. Páginas 30 e 31 de Saneamento da Cidade do Porto – Londres, 1897.

casa Hughes & Lancaster e foi entregue no dia 30 de Junho de 1897, sendo presidente da Câmara Municipal do Porto o célebre académico Wenceslau de Lima⁸. Fazia parte da proposta uma grande planta da cidade do Porto (inspirada na célebre planta de Teles Ferreira, de 1892) onde vinham assinalados os troços previstos para a instalação das condutas, os colectores, as câmaras de injectores, as guaritas e as colunas de ventilação, não só para as áreas baixas e ribeirinhas da cidade, mas também para as áreas mais elevadas, a Norte e a Oriente do perímetro municipal⁹. A par da planta, foi também entregue à Câmara Municipal do Porto um relatório detalhado, em português, com a descrição dos princípios de funcionamento do sistema Shone e uma listagem das obras já efectuadas pela Hughes & Lancaster¹⁰. Na verdade, ainda que a planta contemplasse já a construFig. 4. Página 32 de Saneamento da Cidade do Porto – Londres, 1897.

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Fig. 5. Corte de um injector Shone, apresentado em The Shone Hydro-Pneumatic System of Sewerage, The Manufacturer and Builder, Vol. 19, (Maio de 1887), pp. 104-105.

Fig. 6. Corte de coluna de ventilação ornamental, remodelagem do original da Hughes & Lancaster, efectuada pelo gabinete de desenho dos SMAS do Porto, em 1994. O ventilador original foi instalado no Largo do Ouro, em 1904.

ção de uma rede de saneamento para toda a cidade, o relatório incidia apenas nas áreas a intervencionar numa primeira fase, correspondendo, grosso modo, ao percurso entre a Praça da Ribeira e a Foz do Douro, juntamente com declives adjacentes a Norte, das freguesias da Vitória, Miragaia e Massarelos. Do ponto de vista técnico, o sistema era composto por canos de grés de 175 mm de diâmetro por onde passavam os detritos, e que eram, ao mesmo tempo, interceptados por uns outros largos canos de ferro fundido, cujo diâmetro variava entre os 750 e os 250 mm (os canos seriam colocados a uma profundidade de 1,30 m acima da maré baixa média, excepto no começo do percurso, a 22,696 m e nos tanques de despejo na Foz, a 10 m); estes canos de ferro conduziriam os detritos até aos vários depósitos, os canos-syphão, onde era colocado um expulsor Shone que, mediante um período de tempo variável de acordo com as dimensões dos depósitos (pois podia ir de 12 a 24 horas), ejectava os detritos automaticamente até ao próximo sifão. Cada um desses depósitos estaria a uma distância máxima

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Fig. 7. Corte de guarita e escadaria de acesso à câmara de expulsão, remodelação do original da Hughes & Lancaster, efectuada pelo gabinete de desenho dos SMAS do Porto, em 1994. O original foi construído em 1904, no Largo do Ouro.

um do outro de 100 m¹¹. Outra questão fundamental, era a alimentação de ar comprimido até aos expulsores Shone. Os engenheiros ingleses propuseram, ainda em 1897, a construção de uma central nas Sobreiras, onde vários compressores a vapor gerariam o ar comprimido que era canalizado em canos de ferro¹² de 125 mm de diâmetro máximo, esses canos iam sendo afunilados ao longo do percurso. Quando finalmente entravam nos expulsores de Shone, o seu diâmetro era de 80 mm, provocando uma pressão de 1,90 kg por cm², sendo considerada a suficiente para expelir os detritos ao longo dos próximos 100 m. O próprio ar comprimido que escapava dos expulsores era rentabilizado, pois podia ventilar as entradas e os canos próximos da estação expulsora, os ventiladores eram estruturas fixas numa designada coluna ornamental¹³ junto à estação, um sistema de vácuo faria com que os ventiladores transportassem para a atmosfera ar puro, no lugar dos vapores inquinados das canalizações. Além da estação central das Sobreiras para

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a compressão de ar, estava prevista a construção de várias estações intermediárias ao longo do percurso já referido. As estações incluiam a casa das máquinas, a casa das caldeiras, a casa para o carvão e uma chaminé em tijolo. A casa das máquinas deveria acolher duas máquinas a vapor, cada uma delas comprimindo 9,75 m³ de ar comprimido por minuto a uma pressão de 1,89 kg por cm². As máquinas compressoras, de dois cilindros de ar cada, funcionavam com válvulas anuladoras de entrada e saída de baixo movimento, um sistema patenteado também pelo engenheiro Shone. Para evitar o ruído, cada um destes dois cilindros estaria cercado por água. A casa das caldeiras albergaria duas caldeiras cilíndricas, de fogo interior, seguindo o mesmo sistema usado em Cornwall, ou seja, caldeiras com uma potência de 400 kg de água por hora a uma pressão de 8 atmosferas. O depósito de carvão teria capacidade para dois meses, correspondendo a 50 t de carvão. A chaminé proposta seria circular ou octogonal, com uma base quadrangular com 6 m máximos de altura, a altura total da chaminé seria de 38 m e com um diâmetro de abertura menor de 0,75 m. O projecto proposto em 1897, tanto no relatório da empresa, como na planta apresentada à Câmara Municipal do Porto, previa a construção de dez pequenas estações com os injectores, apetrechadas de guaritas e escadarias de acesso subterrâneo à câmara da maquinaria. Destas pequenas estações acabou por se construir apenas uma, no Largo do Ouro, a Estação Central de Sobreiras, em Lordelo do Ouro alimentava todos os injectores. Ainda no que concerne às especificidades técnicas da proposta inglesa, o problema referente ao escoamento e eliminação total dos resíduos apresentava diferentes hipóteses. A primeira seria de aproveitamento dos detritos urbanos para a agricultura, seguindo o exemplo do que se fazia nos solos arenosos dos arredores de Berlim, ou em Karachi, na Índia, porém, no caso do Porto a situação era referida como sendo diferente, os solos dos arrabaldes a Norte do Douro eram considerados como impróprios para assimilar os detritos, apenas os da margem Sul, bem mais arenosos, se prestariam a este tipo de fertilização. Cientes deste facto, os engenheiros ingleses referiam então que o transporte dos detritos para a margem Sul seria uma empreitada bastante cara, fosse através de barcos, ou mesmo, como

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Fig. 8. O engenheiro John Hughes, retrato publicado em The Evolution of Greater Britain's Antiseptic House & Town Sewage-Drainage Systems of The Twentieth Century (…), de Isaac Shone, Spon Lda., London, 1914.

também chegou a ser previsto, através de um túnel sob o rio Douro¹⁴. Ambas as soluções eram praticamente descartadas no próprio relatório, pelo que a solução apresentada para a eliminação dos detritos do Porto seria a sua explusão directamente para o rio Douro, numa primeira fase (a fase posterior previa o despejo no mar, em Nevogilde), através dos colectores construídos nas Sobreiras, junto à central, o que perfazia uma distância total das canalizações entre a Ribeira e as Sobreiras de cerca de 1,5 km apenas. O tanque colector previsto para o fim do percurso dos dejectos deveria despejar os cerca de 15.000 m³ de detritos diários do Porto através de duas descargas por dia. Durante a maré cheia, esse tanque poderia ser descarregado (c. de 8.000 m³) em duas horas. Considerava-se então que a rápida oxigenação dos detritos feita em contacto com a água, seria o suficiente para evitar a contaminação do mar.

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Fig. 9 e 10. Tampa de saneamento inglesa tipo 1 e 2, fotografada in loco, na Rua Capitão Henrique Romero e na Rua do Rou.

Fig. 11. Central de Sobreiras, vista actual.

Fig. 12. Os dois compressores a vapor e o compressor eléctrico da Central de Sobreiras, in S.M.A.S., Saneamento, Central de Sobreiras, Memória Descritiva, 1945.

Fig. 13. Corte e planta de câmara e injector Shone da Rua da Alfândega, in SÁ, Adriano, O Novo Systema de Exgottos do Porto, 1907.

Fig. 15. Fotografia aérea actual do Largo do Ouro sobreposta com a planta anterior.

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Fig. 14. Planta de 1904 do Largo do Ouro, onde se vê a guarita, a coluna de ventilação, o colector e a tubagem de escoamento para o Douro (remodelação de 1994, do Gabinete de Desenho dos SMAS, Porto).

Fig. 16. Guarita de acesso à Fig. 17. Coluna de câmara de expulsão Shone, ventilação de 1904, Largo de 1904, Largo do Ouro (cf. do Ouro (cf. ilustração 6). ilustração 7).

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Fig. 18. Carro do Saneamento no Carnaval de 1905 no Porto, 1905.

Fig. 19. Carnaval dos Fenianos, andor alegórico, 1907 (fotograma esquerdo de estereografia de Aurélio da Paz dos Reis).

Por outro lado, para além da descrição do processo técnico de sanemanto integrado, o relatório de 1897 que acompanhava a proposta da Hughes & Lancaster, procurava definir de modo objectivo, mas também publicitário, as vantagens efectivas da utilização de um sistema moderno de saneamento. A ênfase explorada no relatório pode ser sintetizada em termos da questão economicista das vantagens do saneamento, nomeadamente através do cálculo dos custos para a edilidade por cada morte prematura. De facto, o relatório apela, em primeiro lugar, à questão humanitária, em favor da saúde pública: «O horror piedoso á ideia de

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deixar os habitantes morrer de doenças que se podem evitar, por lhes parecer um como que assassino organizado.»¹⁵, no entanto, depois da questão mais ou menos piedosa, a argumentação incide no estudo estatístico de William Farr, o célebre epidemiologista inglês, percursor da ciência estatística médica. Segundo o relatório de Shone e Ault, citando a Estatística Vital de Farr¹⁶, o valor médio da vida de um indivíduo é calculado através do rendimento anual per capita, o que, segundo os valores da época apresentados, equivaleria a £5100; as despesas anuais com um doente seriam aproximadamente de £15,90 e o custo médio de um enterro orçaria as £5. Usando a equação de Farr, Shone e Edwin Ault concluem que uma redução de apenas 1‰ na taxa de mortalidade apontada para a cidade do Porto, de 32,91‰ para 31,91‰, pouparia ao município, num período de dois anos e meio, cerca de £49,26 por cada indivíduo. O relatório conclui ainda que com a poupança representada pela salvação de mil habitantes anualmente, aplicada com uma capitalização média de 5% de juros (comum nos depósitos bancários da época), o investimento anual de £982,10 em obras de saneamento seria o limite para que o município viesse até a ter lucro. Não obstante o cálculo economicista apresentado por Shone e Ault no seu relatório, o número que cabe aqui ressalvar é o da taxa de mortalidade do Porto apontada pelo estudo dos ingleses, muito próxima dos 33 indivíduos em cada mil. Por outro lado, as médias nacionais para o período entre 1886 e 1925¹⁷ , eram de 20‰ a 22‰, ou de 21‰ a 25‰, para o perído de 1860 a 1890¹⁸. O relatório de 1917, de Armando Marques Guedes, confirma aproximadamente os valores do relatório inglês, citando um artigo de 1914 de Ricardo Jorge, que indica uma taxa de mortalidade no Porto entre 1880 e 1910¹⁹, a rondar os 35‰, por oposição aos 14‰ de Londres, ou os 29‰ de Moscovo, chegando o autor a afirmar que «(...) o Pôrto é, dentro de Portugal, a cidade onde se morre mais.», tendo lhe, inclusivamente, atribuído o epíteto de Cidade Cemiterial. Desta feita, podemos considerar que o Porto debatia se com um grande problema de saúde pública ainda antes de 1899. A questão da salubridade e do saneamento era pois um tema que estaria em cima da mesa do executivo camarário de Wenceslau de Lima, quando a proposta inglesa de Junho de 1897 chega ao Porto, contudo, este não era ainda o momento para o arranque das obras.

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Fig. 20. Vista geral das obras ocorridas depois das cheias do Rio Douro, 1909-10, fotografia de Domingos Alvão.

Nas primeiras semanas do Verão de 1899, mais concretamente no início de Junho, um surto epidémico ainda mal identificado começara a grassar na Ribeira do Porto. Ricardo Jorge, eminente higienista portuense, à época médico do próprio município, detectou e identificou o surto como sendo de peste bubónica, chegava a anacrónica Peste Negra. Até ao final do Verão, sensivelmente até ao dia 24 de Setembro, Jorge identificou 89 casos, 37 dos quais mortais. A polémica em torno da classificação da epidemia e, sobretudo, das medidas de contenção propostas por Ricardo Jorge, nomeadamente o cordão sanitário que isolou a cidade, custaram a popularidade do médico portuense e tiveram repercussões económicas negativas no tecido comercial da cidade. O debate sobre a necessidade do cordão sanitário (e até sobre a própria existência do surto) foi bastante aceso na época e, de certo modo, continua até aos dias de hoje, contudo, essa polémica, que não cabe aqui desarrolhar, terá, em todo o caso, acelerado o processo de reflexão sobre as obras de saneamento e relembrado ao novo executivo, agora presidido pelo investidor e comerciante João Baptista de Lima Júnior, a urgência de dar resposta ao problema. Não fora, porém, ainda desta que o executivo camarário avançaria com a adjudicação da obra à Hughes & Lancaster. O cenário político centralista da governação de ditadura de Hintze Ribeiro, em Lisboa, que era chefe do governo desde 1900, limitou a cedência de verba para as obras. Apenas nos finais de 1903, já durante o mandato de Manuel de Sousa Avides (professor de medicina na Escola Médico-Cirúrgica), é que a contratação dos empreiteiros ingleses avança. A

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adjudicação foi oficializada no dia 30 de Novembro de 1903. Para subsidiar os trabalhos, o município contraiu um empréstimo amortizável em 74 anos (seria liquidado, portanto, em 1977)²⁰. O valor total da obra terá ficado por 1.800.000$000 réis (mil e oitocentos contos)²¹. Uma das cláusulas mais criticadas do contrato e que viria, na verdade, a ter consequências desastrosas, previa que a empresa inglesa fosse responsável apenas pela rede geral de saneamento, as ligações domésticas não eram da sua competência, podendo ser feitas por outros empreiteiros²². O momento oficial de início dos trabalhos foi numa Sexta Feira, 11 de Dezembro de 1903, quando a Câmara Municipal do Porto recebeu o depósito de 22.925$000 réis, no Crédit Franco Portugais, efectuado como garantia dos empreiteiros Hughes & Lancaster “Engineers & Contractores, manufactures of Shone Water n’Sewage Ejectors, air compressing machinery, air n’sewage valves, patente air meters, compressed air tramcars, hydro-pneumatic lifts, etc.”²³. Este depósito foi somado a uns 5.146$000 réis efectuados na véspera, perfazendo a garantia da Hughes & Lancaster a quantia de 28.071$000 réis (vinte e oito contos e setenta e um mil réis), o que a uma taxa de câmbio de 42¾ libras por cada mil réis dava a quantia bem considerável de £5000. No mesmo documento, manuscrito em papel timbrado da empresa, ainda com a morada londrina, Albany Buildings, 47 Victoria St., Westminster. S. W., London²⁴ o representante em Portugal da firma, J.

Fig. 21. Retrato de Isaac Shone, por Maul e Fox, em The Evolution of Greater Britain's Antiseptic House & Town Sewage-Drainage Systems of The Twentieth Century, Londres, 1914, frontispício.

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Meyer, pede à Câmara Municipal o recibo do referido depósito de garantia. As primeiras valas de sondagem começam a ser escavadas entre as Sobreiras e Massarelos a partir de 29 de Dezembro de 1903, é curioso destacar que o pedido de autorização para a abertura destas sondagens prevê a colocação de grades e iluminação nocturna, definida como uma lanterna vermelha, para os buracos de sondagem. Os buracos foram abertos de 50 em 50 m, e tinham o «tamanho necessario para um homem poder trabalhar n’elles para excavações»²⁵. Cabe aqui referir que, apesar de todas as licenças e autorizações para a abertura de valas um pouco por toda a área baixa da cidade, e também ao longo do Campo Alegre, Rua da Restauração e Rua D. Pedro V²⁶, não detectamos nenhuma notícia em relação a um esporádico achado arqueológico, o que, ainda que considerando a insensibilidade da época em relação a materiais arqueológicos mais recentes ou considerados menos preciosos, nos leva a concluir que a necessidade de acelerar o processo de construção da rede de saneamento terá impedido o salvamento de alguns inevitáveis achados. O ofício número 10, de 27 de Janeiro de 1904²⁷, é onde pela primeira vez se fala na construção de um edifício para servir de central das máquinas, a petição é feita à câmara para a construção de um edifício que mostre aos portuenses a existência «d’um tão grande melhoramento para a cidade», referindo-se Meiyer às obras de saneamento. Realçamos, apesar de tudo, que, não obstante o factor propagandístico da construção da Central das Sobreiras, a Câmara Municipal do Porto ignorou durante meses o ofício de 27 de Janeiro de 1904, pois em Março do mesmo ano, o director geral no Porto da Hughes & Lancaster, Mr. Edwards²⁸, continuava a pedir uma resposta ao ofício número 10²⁹. Em Abril de 1904 são colocados os primeiros tubos de grés. De referir que o contrato de adjudicação previa, pela cláusula 24.ª, que a empresa inglesa estivesse isenta de taxas alfandegárias e isenta de pagamento de direitos de importação de material e maquinaria que não houvesse em Portugal, fosse mais caro ou não fosse provido atempadamente³⁰. Esta situação permitiu que alguns dos tubos de grés instalados viessem de Inglaterra, prejudicando a indústria cerâmica portuense que contava com as encomendas inglesas. De referir também que, segundo o relatório de Adriano de Sá, engenheiro camarário responsável pela fiscalização da obra,

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refere que «a morosidade (na entrega dos tubos de grés pela indústria nacional) é incompatível com o andamento dos trabalhos», indica «ainda que o material português fosse melhor do que o inglês em relação à robustez, os acabamentos eram piores»³¹. Este facto levou a Hughes & Lancaster a importar, nesta primeira fase, muito material cerâmico. O que acabou por se tornar assunto polémico³², visto que colidia directamente com os interesses industriais locais. Ao contrário do que havia sido projectado na planta e no relatório de 1897, as obras reais, decorridas basicamente entre Abril de 1904 e meados de 1907, não contemplaram a construção de uma linha de dez pequenas estações a vapor. Foram instalados oito injectores Shone, e adicionado mais um, depois de 1909. A Estação Central das Sobreiras seria suficiente para gerar energia e potência para todos os injectores instalados, o sistema de fornecimento energético adoptado não foi, contudo, baseado apenas no carvão, mas num sistema misto, com um compressor eléctrico e dois compressores a vapor. A área da cidade abrangida na primeira fase destas obras, a fase inglesa, digamos assim, corresponde a toda a linha marginal entre a Praça da Ribeira, na freguesia de São Nicolau e as Sobreiras, em Lordelo do Ouro, passando pela marginal de Miragaia e Massarelos. Nas vertentes sobranceiras do rio, as obras estenderam-se sensivelmente até aos pontos altos entre Miragaia e Vitória e Massarelos, nomeadamente toda a área e bairros envolventes das ruas da Restauração e D. Pedro V. Nesses troços de grande inclinação não foram instalados injectores, o escoamento é simplesmente gravítico. De uma maneira geral, ainda hoje é possível acompanhar o traçado da primeira fase das obras seguindo as tampas de saneamento deixadas pela empresa inglesa, facilmente identificadas pela legenda circular Hughes & Lancaster London. A grande obra emblemática deste período é a Central das Sobreiras, que integra actualmente uma ETAR, das Águas do Porto, SA. No frontão do edifício das Sobreiras é possível ver as datas de 1903 e de 1907, correspondentes ao período que durou a adjudicação das obras de saneamento à Hughes & Lancaster nesta primeira fase do projecto. Os problemas relacionados com o atraso das obras eram comuns. A imagem de uma cidade esburacada, em permanente remodelação fazia parte do imaginário colectivo de então e,

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não raras vezes, era alvo da crítica e do escárnio populares. Manifestações como os cortejos de Carnaval dos Fenianos, muito populares na cidade do Porto naqueles primeiros anos do século XX, eram o palco ideal para a explosão galhofeira e satírica, mas também crítica dos portuenses. Logo no Carnaval de 1905, praticamente um ano imediatamente a seguir às primeiras obras da casa Hughes & Lancaster, surge o primeiro carro alegórico alusivo ao tema do saneamento. A fotografia, editada como bilhete postal³³, mostra-nos a chuvosa Terça Feira de Carnaval, de 7 de Março de 1905, onde um grupo abrigado de populares observa, no Palácio de Cristal, o carro alegórico do Saneamento. Pela imagem, não conseguimos discernir muitos detalhes do carro em si, nem do conteúdo satírico transmitido, no entanto, ressaltam os muitos gigantones com uniformes da guarda civil que escoltam o carro. Serão figuras porventura alusivas ao policiamento das várias ruas interrompidas por causa das obras e consequentes incómodos gerados na população. Mais explícito, por outro lado, foi a composição alegórica do Saneamento, que desfilou no Carnaval de 1907, no dia 12 de Fevereiro, a poucas semanas da suspensão das obras pelo município. A composição é composta por dois andores, cada um transportado por quatro homens. O andor posterior é alusivo aos serviços da água, vendo-se um tubo encimado por uma torneira aberta e um balde. Do bocal do tubo espreita uma toupeira. Não é possível ler a legenda lateral do tubo. No entanto, do andor da frente, cujo tema é de facto o saneamento, podemos retirar algumas informações preciosas. O andor é composto também por um grande tubo circular, encimado por uma placa, um conjunto de escombros, simulando um rebentamento do tubo e um frasco de perfume. Do bocal do tubo vê se a representação dos detritos e uma legenda circular que diz «saneamento». Na placa por cima do tubo lê se «Rua eternamente impedida»; no frasco de perfume «Triple Extra Mal Cheiroso» e na lateral do tubo «Quer queiram Quer não queiram Vou ao Mar, que remédio! (Aqui torce a porca o rabo)». Toda a composição visual e as próprias inscrições satirizam os impactos e os problemas que as obras de saneamento estavam a nutrir na cidade e na população. Por um lado a questão do

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arrastamento das obras e o impedimento das ruas tido então como ad æternam, por outro lado, a questão da salubridade do ar que, durante o processo de instalação das tubagens haveria de ser problemático, contrastando com o discurso higienista sobre saúde e salubridade que acompanhava as justificações das obras, por fim, a questão do percurso do traçado da tubagem, cuja proposta original previa o escoamento no mar, mas que na época parecia não poder avançar para além das Sobreiras, junto à Foz do Douro, mas aquém da barra propriamente dita. Apesar de tudo, as críticas e os problemas chacoteados no início de 1907 eram ainda o começo de uma epopeia de desilusões e de retrocessos. No final do triénio do mandato de Sousa Avides, nos finais de 1906, e com a tomada de posse do novo executivo, desta feita encimado pelo conhecido industrial Jacinto da Silva Pereira Magalhães (1907 – 1910), pela chamada Lista da Cidade, a adjudicação das obras de saneamento à Hughes & Lancaster foi suspensa e um questionário camarário foi lançado para averiguar sobre as vantagens ou desvantagens de uma nova contratação da empresa inglesa. Os engenheiros João Von Hafe e Bazílio A. Sousa Pinto, da Câmara Municipal do Porto, ter-se-ão pronunciado positivamente em relação à continuidade da empreitada inglesa «há inegavelmente vantagem em que seja preferida a casa Hughes & Lancaster para a conclusão de todas as obras desta instalação, que ficarem definitivamente a cargo do Município»³⁴, no entanto, mesmo tendo em conta o parecer positivo dos engenheiros camarários, a lei previa a abertura de um concurso público para a construção da obra. Contudo, chegado o final do prazo de inscrição no referido concurso, a empresa inglesa simplesmente não apareceu, o que possibilitou a entrega das obras do saneamento a empreiteiros portugueses, a empresa Agostinho Rodrigues Monteiro, que viria a firmar contrato com a Câmara Municipal a 23 de Dezembro de 1909, ficando com a responsabilidade de retomar os trabalhos deixados pela Hughes & Lancaster e efectuar as ligações domésticas que não faziam parte do contrato original de 1903. Esta nova adjudicação a uma empresa nacional, levou o engenheiro Tito Fontes, da Câmara Municipal, a questionar a experiência da Agostinho Rodrigues Monteiro neste tipo de trabalhos (cf. nota 34). As razões que levaram à não inscrição da Hughes & Lancaster no novo contrato

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prenderam-se, segundo Guedes, com as novas condições do contrato, motivando até um protesto da empresa inglesa contra os novos cadernos de encargos. Adicionando estas novas contingências à continuação e conclusão eficaz das obras de saneamento, as grandes cheias do final de 1909 (que ironicamente começaram logo três dias depois da assinatura do novo contrato, em 26 de Dezembro), vieram destruir parte do trabalho que a Hughes & Lancastar havia feito na marginal do Douro (ver figura 19), dificultando mais o novo arranque dos trabalhos e inquinando ainda mais as relações com os ingleses, já que ninguém quis assumir os custos dos trabalhos de reparação das instalações. As conturbações decorrentes da mudança de regime, em 1910, deixaram novamente as obras em suspenso durante cerca de mais seis anos. Em 1916, integrado no plano de modernização e alargamento que a Câmara Municipal estava a lançar, em grande medida pela mão do vereador Elísio de Melo, são retomadas as obras de saneamento. É até definido um novo regulamento para as instalações, que segue muito de perto o regulamento de 1903. Armando Guedes, após um período longo de renegociações e de apaziguamento, conseguiu um novo contrato de quatro anos com a Hughes & Lancaster, para o arranque da segunda fase. O contrato, apresentado a 7 de Setembro de 1916 previa o recomeço das obras logo em Janeiro do ano seguinte, assegurando agora uma multa de 20$00 por cada dia de atraso nas obras³⁵ O programa de instalação de saneamento na cidade do Porto prosseguiu ao longo das décadas seguintes, tendo tido um novo momento de grande impulsionamento na década de 1960, permitindo alargar ainda mais o número de habitações servidas pela rede de saneamento. Actualmente, a prioridade da Águas do Porto, SA passa por despoluir o Douro, procurando evitar que continuem a existir despejos directos para o rio. Para além da manutenção necessária da rede existente, podemos concluir que hoje o Porto parece ter concluído esta longa e nem sempre evolutiva jornada de 100 anos que foi a instalação da rede de saneamento integrado da cidade. A memória deste percurso, escondida sob as artérias da cidade, mas também escondida entre o pó dos arquivos e o silêncio relativo da historiografia, mereceria ser reabilitada e integra-

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da no contexto da valorização patrimonial, nomeadamente do património industrial, não só pela sua vertente eminentemente técnica e pelo seu legado na engenharia e até em algum mobiliário urbano, mas sobretudo pelo seu legado civilizacional, fruto do impulso modernizador da ciência e da consciencialização dos poderes e das populações para as questões da saúde pública. O valor total do contributo destas obras para a melhoria da qualidade de vida das populações, para o aumento da sua expectativa média de vida, para o desenvolvimento humano e económico das sociedades, só poderia ser aferido se, de um momento para o outro, a cidade fosse privada da sua rede de saneamento. Não é de estranhar, portanto, que o próprio engenheiro Shone, quando em 1914³⁶ faz um balanço do seu trabalho e da sua vida, notavelmente considera, logo no título da obra, que os seus sistemas de drenagem de saneamento eram para o século XX and After – For All Time.

Notas ¹ Ainda nas cidades de meados do século XIX, e um pouco até por toda a Europa, o grito de água vai continuava a ser ouvido com regularidade (cf. História da Vida Privada em Portugal, A Idade Moderna, Vol. II, dir. MATTOSO, José, coord. MONTEIRO, Nuno Gonçalo, pp. 266-267, Círculo de Leitores, 2011. ² De referir, em todo o caso, que na Antiguidade, alguns urbanistas, como o célebre Vitrúvio, já integravam no seu pensamento preocupações que poderemos classificar de proto-higienistas, no entanto, uma abordagem científica e fundamentada a este tema é, de facto, um fenómeno da contemporaneidade. ³ JORGE, Ricardo, O saneamento do Porto e a canalização dos esgôtos –Verdades ao alcance de todos, Typographia a vapor da Empreza Literaria e Typographica, Porto, 1903, p.5. ⁴ As grandes capitais europeias, como Londres ou Paris, possuiam redes gigantescas de grandes esgotos que utilizavam este sistema. Ainda hoje essas estruturas permanecem, formando no subsolo das cidades, labirínticos canais que são efectivamente navegáveis. No caso do Porto, ainda que a uma escala menor, o curso de água do rio da Vila, encanado e coberto pela Rua Mouzinho da Silveira, nas décadas de 1870 e 1880, é um exemplo deste tipo de sistema de escoamento misto.

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⁵ JORGE, Ricardo, ob. cit., p.8. ⁶ CARDOSO, António, O Arquitecto José Marques da Silva e a arquitectura no Norte do País na primeira metade do séc. XX, FAUPpublicações, Porto, 1997, p. 620. ⁷ De relembrar que na mesma época, a cidade estava a viver um certo furor de natureza modernizadora, as obras de colocação de carris de eléctrico ampliavam-se desde 1895, no mesmo ano começavam-se as obras de demolição do Convento de São Bento de Avé Maria para permitir trazer o comboio até ao centro da cidade, que chega logo em 1896. Dez anos antes inaugurara-se a Ponte Luís I. ⁸ Além de presidente da CMP entre 1896 e 1898, Wenceslau de Sousa Pereira de Lima, chegou a ser Presidente do Conselho de Ministros do Reino por uns escassos meses, em 1909, enquanto dissidente do Partido Regenerador. A retumbante vitória do Partido Republicano nas eleições municipais de Novembro de 1909 acabou por fragilizar o seu governo, que acabou por cair. Contudo, Wenceslau de Lima destacou-se sobretudo como académico, nomeadamente na geologia e na paleontologia vegetal. ⁹ Esta planta encontra-se actualmente emoldurada no gabinete do arquivo das Águas do Porto e está autografada com os nomes de Isaac Shone, John Hughes e Meyer, o delegado em Portugal da Hughes & Lancaster. ¹⁰ SHONE e AULT, Saneamento da Cidade do Porto -Pelo systema separado com o emprego dos expulsores de Shone, Londres, 1897 ¹¹ Ibidem, pp. 13 a 15. ¹² Aquando das obras de requalificação da área envolvente da Alfândega Nova, em Miragaia, em 1999, foi-nos possível observar o levantamento de alguns desses canos de ar comprimido da Hughes & Lancaster, infelizmente, não tivemos oportunidade de fotografar esse material. ¹³ SHONE e AULT, Ibidem. p. 19. ¹⁴ Uma curiosidade interessante sobre a questão dos detritos sólidos é referida no mesmo relatório, no que diz respeito ao caso de Londres, com uma população em 1900 de cerca de cinco milhões de habitantes, os detritos sólidos já não podiam ser deitados directamente no Tamisa, como havia sido feito até 1886, pois o percurso de 56 km da cidade até ao Mar do Norte era demasiado longo para que os detritos fossem escoados, ao fim de 25 ou 30 km a enchente do mar trazia de novo os detritos até à cidade. Com uma quantidade média de 900.000 m³ de detritos diários, a poluição no Tamisa era de tal ordem que as autoridades alertadas resolveram o

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problema com uma solução pragmática, o Conselho de Londres deliberou que se separassem os resíduos sólidos dos resíduos líquidos e se construissem grandes tanques dos dois lados do rio para reter os detritos, onde aguardariam que navios a vapor, equipados também com tanques, os recolhessem para os despejar no Mar do Norte. Só em 1896, mais de dois milhões de m³ de detritos terão sido lançados ao mar, a uma distância de 80 km da costa. ¹⁵ Ibidem, p.7 ¹⁶ Ibidem, pp. 7-8 ¹⁷ CÓNIM, Custódio, Portugal e a Sua População (I), pp. 155-156, Alfa, Lisboa, 1990 ¹⁸ História da Vida Privada em Portugal, A Idade Moderna, Vol. III, dir. MATTOSO, José, coord. VAQUINHAS, Irene, Círculo de Leitores, 2011, p. 178. ¹⁹ GUEDES, Armando Marques, O Saneamento no Pôrto, relatório, Typographia a vapor da empresa Guedes, Porto, 1917, pp. 7-8. ²⁰ SOUSA, Fernando, Os Presidentes da Câmara Municipal do Porto, Vol. II, Ed. CEPESE, Porto, 2009, p. 338 (de referir que Guedes cita a data de 20 de Novembro). ²¹ GUEDES, Ibidem, p. 17. ²² GUEDES, Ibidem, p. 18. ²³ AHMP, Livro 25 do Suplemento às Próprias, SANEAMENTO, 1903-1907, folha 1 ²⁴ A delegação portuense da Hughes & Lancaster passou a sediar-se, ainda em Dezembro de 1903, no nº. 7 do Largo do Viriato ²⁵ AHMP, Ibidem, folha 5 ²⁶ Uma das grandes críticas levantadas à Câmara no início do século, foi a de não ter incluído toda aquela área da Boavista em direcção ao mar nas obras de saneamento, visto que esse espaço da cidade estava, por volta de 1900, em franca expansão e valorização imobiliária. ²⁷ AHMP, Ibidem, folhas 9 e 10 ²⁸ John H. Edwards é descrito pelo próprio Shone, no seu sugestivo The Evolution of Greater Britain's Antiseptic House & Town Sewage-Drainage Systems of The Twentieth Century and After – For All Time, Spon Lda., Londres, 1914, como sendo um dos seus assistentes with great zeal, assiduity and fidelity, desde 1890, pp. 9-10. ²⁹ AHMP, Ibidem, folha 17 ³⁰ GUEDES, Armando Marques, Ibidem, pp. 40-41. ³¹ GUEDES, Armando Marques, Ibidem, pp. 42. ³² GUEDES, Armando Marques, Ibidem, p. 17.

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³³ Trata se, de facto, de um postal muito popular na época, editada por Alberto Ferreira, serviu, no verso, para publicitar algumas casas comerciais, como o Café Lisbonense. ³⁴ GUEDES, Armando Marques, Ibidem, p. 23-27. ³⁵ GUEDES, Armando Marques, Ibidem, pp. 48-49. ³⁶ SHONE, Isaac, Ibidem. Fontes e Bibliografia Fontes Manuscritas: Arquivo Histórico Municipal do Porto Livro 25 do Suplemento às Próprias, SANEAMENTO, 1903 – 1907 Fontes fotográficas: Centro Português de Fotografia/DGARQ /SEC PT/CPF/ALV/004681 PT/APR/0905 PT/CBP/043 Jornais e outros periódicos The Manufacturer and Builder, Vol. 19, (Maio de 1887) The Sanitary Record, 15 de Setembro de 1890 Bibliografia: História da Vida Privada em Portugal, A Idade Moderna, dir. MATTOSO, Círculo de Leitores, 2011 CÓNIM, Custódio, Portugal e a Sua População (I), Alfa, Lisboa, 1990 GUEDES, Armando Marques, O Saneamento no Pôrto, relatório, Typographia a vapor da empresa Guedes, Porto, 1917 JORGE, Ricardo, O saneamento do Porto e a canalização dos esgôtos –Verdades ao alcance de todos, Typographia a vapor da Empreza Literaria e Typographica, Porto, 1903 SHONE e AULT, Saneamento da Cidade do Porto -Pelo systema separado com o emprego dos expulsores de Shone, Londres, 1897 SHONE, Isaac, the Evolution of Greater Britain's Antiseptic House & Town Sewage-Drainage Systems of The Twentieth Century and After – For All Time, Spon Lda., Londres, 1914 SOUSA, Fernando, Os Presidentes da Câmara Municipal do Porto, Vol. II, Ed. CEPESE, Porto, 2009

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ABSTRACT: In the first years of the 20th century, between 1903 and 1907, Oporto’s municipality had begun the long process of installation the first sections of sewage and drainage system in the city. The British contractors, Hughes & Lancaster, from London, used their new injection system, designed by Isaac Shone, that is now part of one of Oporto’s most peculiar industrial legacy. RÉSUMÉ: Entre 1903 et 1907, la municipalité de Porto avait commencé son longue procès de installation des premières sections de drainage moderne de la ville. Les contractants Anglais, Hughes & Lancaster, ont utilisé leur nouveau système d'injection, conçu par The Shone System, qui est maintenant une des plus singuliers pièces du patrimoine industriel de Porto.

Agradecimento especial ao Arquitecto Mário Mesquita e à Drª. Elizabete Neves, das Águas do Porto.

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