A problemática das variantes fonéticas da vibrante múltipla /r/ no Português Europeu cantado

May 23, 2017 | Autor: Tania Valente | Categoria: Portuguese, Phonetics and Pronunciation, Singing
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A problemática das variantes fonéticas da vibrante múltipla /r/ no Português Europeu cantado Tânia Sofia Gomes Valente Doutoranda em Música e Musicologia na Universidade de Évora Resumo “r múltiplo” ou “r velar” é uma problemática articulatória com que os cantores líricos se debatem sempre que têm cantar em línguas como alemão, francês e também em português. Muitos pedagogos defendem a aplicação do “r múltiplo” à língua portuguesa, apesar de esta não ser a regra padrão, apresentando como inegáveis vantagens a sua melhor audibilidade e facilidade de articulação no contexto dos restantes sons. Porém o chamado “r velar” não terá talvez tantas desvantagens quanto se possa julgar no contexto da língua portuguesa, para além de lhe conferir mais “autenticidade”. Neste texto serão apresentadas razões a favor e contra as duas variações fonéticas no contexto da voz cantada em português europeu, baseadas num estudo de caso com 6 informantes, e, no final, serão formuladas hipóteses para optar por uma ou a outra variante, dentro de vários contextos específicos.

O português europeu conhece duas grandes classes de consoantes: as oclusivas, onde há uma obstrução total à passagem do ar, e as constritivas, onde a obstrução à passagem do ar é apenas parcial. Dentro desta última classe existem três tipos de consoantes: as fricativas, que incluem [v], [f], [ʒ] e [ʃ] e os fricativos sibilantes [z] e [s], as laterais [l], [ʎ] , [ɫ] e as vibrantes, onde se encontra a letra /r/ com as suas variações fonéticas. As consoantes laterais e vibrantes são também chamadas de líquidas, pela sua fácil vocalização e pela presença de “formantes” e de uma altura sonora (características da vogais) na sua articulação : “A proximidade fonética entre as laterais e os sons não-consonânticos (que permite a sua fácil semivocalização), bem como a natureza das vibrantes, e a sensação de fluidez que, segundo os foneticistas tradicionais, provocam estes dois grupos de consoantes, levou a que recebessem em conjunto, na tradição fonética latina, a denominação de líquidas.”1

As vibrantes recebem esta designação pelo “facto de o órgão articulador móvel utilizado na sua vibração «vibrar» ou tocar repetidamente no outro articulador”. 2 No caso do /r/ múltiplo, o articulador móvel que entra em vibração é a ponta da língua em contato com os alvéolos. Esta pronúncia, que se representa por [r~], não corresponde à pronúncia do português padrão da palavra “carro”, mas aparece nalguns dialetos. Na pronúncia padrão, esta vibrante “é pronunciada com a vibração da parte de trás da língua junto do velo (/r/velar), e é representada por [R].” 3 A terceira variação de pronúncia da letra /r/ é o chamado /r/ simples, que é produzido “com uma única obstrução provocada pela ponta da língua junto dos alvéolos”. 4 Em inglês esta vibrante alveolar corresponde ao “one-tap roll” ou “flipped r” que, em dialetos americanos, é a consoante que surge no meio da palavra “letter”. 5 Existe ainda um quarto tipo de pronúncia do /r/, que é carateristicamente americano mas que também está presente nalgumas variações do português do Brasil. É o chamado “retroflex r” [ɚ], no qual a língua se enrola atrás , e é um som que surge frequentemente quando alguém de origem estrangeira tenta pronunciar o /r/ simples do português (ex: caro, soa a [kaɚɔ] ).

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Mateus, 1990, p.49 Mateus, 1990, p.49 3 Mateus, 1990, p.49 4 Mateus, 1990, p.49 5 Mateus, 1990, p.49 2

Em termos históricos, “o R era antigamente chamado a letra dos cães, porque estes animais parecem pronunciá-la, ao rosnar”.6 Colombat d’Isére, citando de nome M. Amman, considera-a a letra mais difícil de pronunciar, devido ao grande esforço que exige dos músculos vocais. 7 Pensa-se que a vibrante múltipla seria a “original do português” enquanto a segunda “resulta de uma introdução mais recente (documentada no século 19, e admissivelmente não muito anterior a essa época) estando presentemente a tomar o lugar da primeira na opinião de alguns dialetólogos”. 8 Esta vibrante múltipla ainda é a norma usada por algumas pessoas mais idosas ou provenientes do Norte de Portugal, enquanto as pessoa mais jovens e do litoral tendem a utilizar a norma-padrão do [R]. No canto existe alguma discussão em torno de qual a melhor pronúncia para o /r/ múltiplo. O Prof. José de Oliveira Lopes efetuou um estudo científico que consistia na realização de testes percetivos sobre as duas formas de articulação do /r/ múltiplo (uvular e apical) nas línguas francesa, alemã e portuguesa. Para apresentar os resultados do referido estudo, o Prof. elaborou quadros onde são indicadas as percentagens de auditores que melhor percecionaram o /r/ apical e o /r/ uvular respetivamente dentro de universos que continham entre 52 a 61 indivíduos. Nas três línguas chegou-se à conclusão que a esmagadora maioria dos auditores (à volta de 90% na média dos três estudos) percecionava melhor o /r/ apical ou alveolar [~r]. 9 De fato, este tipo de articulação consegue produzir bastante ruído, mesmo que não exista fonação, e muitos pedagogos concordam que este tipo de produção de vibrante alveolar é mais benéfica na qualidade do som vocal. “ …the italian rolled [r] (…) carries a little better and does not disrupt good vowel production”.10 Para além de ser mais sonoro, Oliveira Lopes recomenda a substituição do [R] uvular pelo [r] apical porque o primeiro “ desvia, recuando ainda que por brevíssimo instante, o ponto de colocação da voz da máscara, desiderato atinente a todo o cantor”. 11 Também Richard Miller, autor de vários livros sobre pedagogia vocal, recomenda o [~r] múltiplo como forma de relaxar a base da língua e, consequentemente, a laringe: “When the tongue is rapidly thrilling in the region of the alveolar ridge it cannot be held rigid in its body or at its base. This ensures that no tongue tensions affect the larynx or inhibit the changing shapes of the vocal tract. Tongue trilling can be a liberating device.”12 No entanto, apesar destas inegáveis vantagens, no contexto da língua portuguesa o [~r] apical ou alveolar apresenta duas desvantagens. Em primeiro lugar, não é um som caraterístico desta língua e, como já foi dito, não corresponde à pronúncia padrão. Por isso, embora seja mais audível, o seu uso no canto descaracteriza a língua, sobretudo se a ele se juntarem outras “modificações”: “ Quem não reparou já nos aspectos verdadeiramente caricaturais que toma o português na boca dos nossos artistas líricos e ainda na boca dos chamados «artistas ligeiros»? Aa indevidamente abertos, rr exageradamente rolados, ss impropriamente sibilados, ditongos adulterados, consoantes falseadas no seu valor, uma permanente afectação, um possidónio temor de cacofonias (…) dão-nos a sensação de estarmos a ouvir uma língua diferente e estranha, algo que participa a um tempo do brasileiro, do italiano e do espanhol, uma coisa incaracterística, que será tudo menos o português que se fala naturalmente e que muito naturalmente devia ser também cantado.” 13 6

Daciano, 1928, p.39 Colombat, 1831, p. 343 8 Henrique, 2011, p.706 9 Adaptado de Oliveira Lopes, 2011, pp. 119-122 10 Vennard, 1967, p.174 11 Oliveira Lopes, 2011, p.145 12 Miller, 2004, p.98 13 Lopes-Graça, 1959, pp. 57-58 7

Também William Vennard, autor da obra Singing, the mechanism and the technic, referindo-se às línguas francesa e alemã, onde o [R] uvular é um fonema caraterístico, considera que este som confere mais autenticidade a estas línguas (podendo o mesmo raciocínio aplicar-se ao português): “ This is a more difficult skill to master for those who did not grow up in France or Germany. If you can do it well, it will give an authentic flavor to your singing in these languages”. 14 De salientar ainda que na língua alemã e em palavras como “doch” e “brauchen” (em que “ch” lê-se [x] ou [R]) é mesmo impossível fugir ao [R] uvular, pelo que um cantor que interprete “Lied” ou óperas de Mozart tem que saber articulá-lo. Na língua francesa, Colombat d’Isére afirma que, na articulação do [R], é necessário ter algum cuidado com a ação da língua e com a abertura do maxilar inferior: « I1 faut avoir, de plus, soin, pour éviter le grasseyement proprement dit, do laisser dans l'inaction la plus complète la base de la langue, et de faire en sorte que les lèvres et la mâchoire inférieure ne fassent aucun mouvement. »15 A segunda desvantagem do [~r] apical reside no facto de nem todos os falantes o conseguirem produzir, sobretudo falantes que não têm este som na sua língua, como acontece com os portugueses. Muitos apenas conseguem produzir a versão uvular [R] e, em casos mais complicados, nem isso: “A sluggish tongue sometimes fails to form the [l] or the [r] and [w] is the result. Thus a child who intends to say ‘real little’ [riɘl lɪtəl] says ‘wee wittow’ [wi wɪtoʊ] instead. The semi-vowels become glides.”16 No entanto, o mesmo autor afirma que a capacidade de rolar o /r/ pode e deve ser adquirida, se a pessoa tem a finalidade de cantar: “Any normal person can roll his [r]’s, but if he has not been taught to do so before, should certainly acquire the skill for singing purposes.” 17 Concordando com os autores acima citados no que diz respeito à melhor sonoridade do [r] rolado e de como este som pode comprometer menos o fluxo contínuo das vogais, entendemos porém que o [R] uvular, para além de dar mais autenticidade à língua, pode ainda não ser tecnicamente prejudicial, se o cantor o souber utilizar da melhor forma . Observemos o que acontece à língua na produção de uma e da outra modalidade de /r/: [~r] : “ a língua com a sua raiz um tanto levantada em direcção ao véu do palato e pré-dorso cavado em forma de colher, toca com o seu ápice, recurvado, adelgaçado e tenso a parte posterior dos alvéolos, quase no limiar do pré-palato.” [R] : “ Esta modalidade é fisiologicamente determinada pelo relaxamento dos músculos que accionam a ponta da língua. Quando este relaxamento se opera, a ponta da língua recolhe-se e abaixa-se e, pelo contrário, seu pós-dorso ergue-se aproximando-se do véu palatino com o qual forma um estreitíssimo canal.” 18

14

Vennard, 1967, p.174 Colombat, 1831 , p.244. Tradução : É preciso , além disso, para evitar o seu engrossamento propriamente dito, deixar a base da língua na mais completa inação, e garantir que os lábios e maxilar inferior não se movem. 16 Vennard, 1967, p.175 17 Vennard, 1967, p.174 18 Guimarães, 1927, pp. 74-75 15

Se fizermos um teste, falando e cantando a palavra “raia” (do “Menino da sua mãe” de LopesGraça) utilizando os dois tipos de /r/, facilmente observamos que: 1- A passagem para a vogal [a] é mais rápida em [R] do que em [~r] 2- O facto de a ponta da língua baixar-se em [R] faz com que a abertura ou espaço bucal mais à frente seja maior, consequentemente a vogal /a/ fica mais aberta, isto é, no primeiro caso temos o som [ɒ] (como na palavra “mal”) e no segundo [a] (como em “má”). Observemos agora, na prática, o que acontece à consoante /r/ e à vogal que se lhe segue quando 6 cantoras – todas sopranos - articulam uma e outra forma de [R] na palavra “roupa” (não ditongada). Esta palavra faz parte da Trova “O meu amado menino” de Fernando Lopes-Graça e o excerto estudado é o seguinte:

As gravações foram efetuadas no estúdio do INESC- Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (IST). O estúdio era composto por uma cabine insonorizada e uma sala de controlo, onde as gravações eram monitorizadas. As pessoas de ambas as salas estavam em contacto, através de microfones. A cabine insonorizada estava equipada com o seguinte material: • um microfone Studio Projects T3 Dual Triode ; • um filtro anti-pop ; • um microfone sonda Brüel & Kjær Type 2230 ; • um monitor LCD; • um par de auscultadores; • um pequeno espelho na parede. A sala de controlo estava equipada com computadores, dois monitores LCD , uma mesa de mistura RME Fireface 800 digital, auscultadores e microfones para comunicação com a cabine insonorizada. As gravações foram captadas com o software Audacity e analisadas com o software Praat, versão 5.3.42. Procurou constituir-se um grupo de informantes heterogéneo, em termos de idade e níveis de desenvolvimento. Assim temos:  Cantora 1, profissional consagrada, 55 anos;  Cantora 2, amadora que estuda canto, 64 anos;

 

Cantora 3, profissional consagrada, 54 anos; Cantora 4, profissional, investigadora da fonética da Língua portuguesa no canto, 33 anos;  Cantora 5, profissional, brasileira do Nordeste (habituada a uma forma de /r/ retroflexa), vencedora de um Prémio de Interpretação de Música Portuguesa, 22 anos;  Cantora 6, estudante de canto há 4 anos e membro de um coro juvenil, 18 anos. No quadro em baixo apresentamos as frequências médias em Herz (calculadas a partir de uma experiência com um grupo de falantes, realizada pela Prof. Dra. Raquel Delgado Martins) dos 3 primeiros formantes dos sons vocálicos [o], [ɔ] e [a] na fala. Vogal a ɔ o

F1 626,04 530,70 425,53

F2 1325,77 993,91 863,59

F3 2439,03 2407,03 2414,06

Na análise dos espetrogramas das informantes, calculamos a frequência fundamental (altura do som, F0) e as frequências dos 4 primeiros formantes, sendo que os dois primeiros são os que definem a identidade da vogal, o 3º é onde se encontra a frequência que dá projeção à voz (entre 2800 e 3200 Hz, o chamado “Formante do Cantor”) e o 4º formante é aquele que mais depende do tamanho do trato vocal. As linhas vermelhas são as linhas dos formantes. A linha amarela é a da intensidade, enquanto a azul é a da linha melódica.

Cantora 1, [~r]

Frequência de [o], F0:501, F1: 523, F2: 1146, F3: 3133, F4: 3723

Cantora 2 [R]

Frequência de [o], F0:453, F1:476, F2: 937, F3: 2306, F4: 3450

Cantora 3, [r~]

Frequência de [o], F0:492, F1:552, F2:1201, F3:2964, F4: 3437

Cantora 4, [R]

Frequência de [o], F0: 493, F1: 551, F2: 990, F3: 3305, F4: 3820 Os resultados obtidos só com estas 4 informantes podiam levar-nos a crer que [~r] sobe a frequência de F2 da vogal seguinte, ficando esta com valores próximos da vogal [a], em vez do [o]. Isto significa que a ponta da língua encontra-se mais à frente, como seria de esperar, o que leva a que a vogal subsequente tenha a frequência do 2ªformante mais próxima de uma vogal mais palatal. Por outro lado, estes resultados, excluindo a cantora 2, que não é profissonal, também nos levam a suspeitar que o 3ºformante da vogal seguinte tem frequências mais elevados com [R]. A cantora 4, apesar de apresentar uma quebra na intensidade, consegue quase manter uma altura sonora, vinda das vogais adjacentes, quando articula o [R] uvular. Considerando, no quadro das vogais de Delgado Martins, que as frequências expectáveis de um [o] em posição tónica andam em formo de 425Hz para F1 e 863Hz para F2, e considerando também que o F0 desta vogal está acima do valor expectável de F1, logo os valores de F1 e F2 terão que ser um pouco mais elevados, podemos afirmar que [R] parece afectar menos as frequências das vogais subsequentes. Em contrapartida, o “r múltiplo” afecta menos a intensidade e a altura do som. Os resultados das cantoras 5 e 6, que também articularam as duas formas, lançam alguma confusão sobre os resultados anteriores. Cantora 5, [r~]

Frequência de [o], F0:502, F1:502, F2: 1010, F3: 2864, F4: 3968 Cantora 6, [R] sem altura sonora

Frequência de [o], F0:476, F1:538, F2:998, F3: 1926, F4: 3375 Cantora 6, [r], com altura sonora

Frequência de [o], F0: 472, F1:589, F2:988, F3: 2224, F4: 3494

A Cantora 5 conseguiu fazer coincidir F0 com F1. Isto significa que é possível não mover a posição da laringe depois de entoar um [~r]. Na Cantora 6 aconteceu o contrário. No caso de F2, as frequências foram próximas, ainda assim um pouco mais baixas nos dois [R]’s da cantora 6. O 3ºformante foi bastante baixo na cantora 6, como também acontecera com a cantora 2. Isto indica que as cantoras iniciantes ou não-profissionais não só tendem a não rolar o “r” (a não ser quando advertidas para o fazer) como produzem uma forma de [R] que, tecnicamente, coloca a língua numa posição posterior, com a ponta igualmente recuada, o que baixa a frequência de F3. “The second-formant frequency is particularly sensitive to the shape of the tongue, the thirdformant frequency to the position of the tip of the tongue.”19 Chamamos ainda a atenção que na situação em que [R] da cantora 1 perdeu o “pitch”, as frequências dos formantes da vogal foram menos afetadas. De resto, parece-nos que as linhas dos formantes das vogais são mais direitas, com a consoante uvular [R], enquanto as linhas de altura do som e intensidade apresentam quebras maiores nesta mesma forma de vibrante.

Conclusões finais: Assim concluímos que, enquanto a forma de “r” múltiplo afeta menos a intensidade, a altura do som e possivelmente também a posição da laringe, a forma uvular afeta menos a vogal seguinte. Se for articulada com ressonâncias anteriores (ou como se diz em linguagem de técnica vocal, “à frente”), o [R] não afeta muito estes parâmetros, em que /r/ múltiplo oferecia vantagens, pelo menos nesta tessitura (si médio). Em termos de som da vogal seguinte, esta soa mais “aberta” (ou com mais brilho) depois de um [R] uvular, enquanto após a forma múltipla soa, geralmente, mais “coberta”. Alguns pedagogos poderão preferir o som mais coberto, outros preferirão um som mais “forward”. Qualquer das opções é tecnicamente válida, por isso há que atender a outros fatores na escolha de um ou outro. Para já, por uma questão técnica, queremos sugerir que a vibrante [R] seja pronunciada com uma sonoridade próxima à do som [x] que encontramos na palavra “ach” em alemão. Porquê esta opção? Por o som [x] alemão tem semelhanças como o [R] uvular português, porém a articulação assemelha-se mais à da fricativa glotal [h] e, mais importante, este fonema contém ressonâncias da vogal [ɑ], como explica W.Vennard: “ The ach [x] sound is basically the resonance tone of the vowel [ɑ], but in order to produce enough friction to sound it, the tongue and the velum are partially approximated, as when one «clears the throat».” 20 No ataque de uma nota, a articulação do som [h], ou como neste caso, de um som articulatoriamente semelhante, como [x], apresenta várias vantagens técnicas antes de vogal, nomeadamente: 1- Fecha as cordas vocais na vogal devido ao efeito de Bernoulli 21: “The attack which develops freedom in the laryngeal adjustment is the one in which the flow of breath begins first, and then the glottis is closed to meet it. The vibration actually begins with the Bernoulli Effect, and the adjustment of the muscles that bring the vocal cords together need never be as tense as with the glottal plosive. The result is truly «singing on the breath». In the Bernoulli Effect, we find the scientific explanation of this classic empirical concept.”22 2- Promove o relaxamento na laringe e nas cordas vocais (ver citação anterior); 3- Relaxa a válvula: 19

Sundberg, 1977, p. 109 Vennard, 1967, p.172 21 “ EFEITO de BERNOULLI”: no momento que o fluxo em alta velocidade passa pela glote, uma pressão negativa perpendicular é criada, desencadeando um efeito de sucção que aproxima as pregas vocais (fechamento da glote). 22 Vennard, 1967, p.44 20

“I believe in deliberately using an exaggerated [h] in many cases. It makes sure of a relaxed valve. In contrast the it is followed by a sudden, firm, loud vowel. In staccato work the valve is then immediately loosened again before tenseness has time to develop.” 23

4- Na passagem de uma nota grave para uma aguda, pode ajudar a reduzir tensões na laringe: “…one often hears a singer insert an aspirate in making an ascending leap on the same vowel. This is poor in performance, but profitable in practice. Without the aspirate the singer may simply drive to the upper tone with the same laryngeal adjustment as he had on the lower leap, just increasing the tension in it. With the aspirate the lower tone is released and a new adjustment is achieved for the higher one.”24 Como explica o autor das passagens acima citadas, o [h] é apenas uma espécie de “muleta” que poderá ser usada para ajudar um aluno a aprender a fazer o ataque correto. Com o tempo, o som [h] deverá ser substituído por um “h imaginário”. O que nos interessa aqui é tirar partido das vantagens do som aspirado, combinando-o com o /r/ uvular, produzindo o som alemão [x]. Se fizermos a experiência de cantar uma nota (ou mais) com as sílabas “ ra-ra-ra” e em seguida com as sílabas “ha-ha-ha”, iremos de certo notar que os dois sons não são auditivamente muito diferentes, podendo até quase confundir-se. Por isso, como sugestão de trabalho, um cantor pode começar por substituir o /r/ uvular por um /h/ e aos poucos ir introduzindo uma curta vibração uvular, com ressonância palatais, no início do som. Desta forma a língua portuguesa cantada não foge totalmente às regras fonéticas padronizadas e, de um ponto de vista de técnica vocal, não estamos a prejudicar o som, estamos apenas a fazer uma “modificação” , como Gustavo Romanov Salvini, autor de um “Cancioneiro Musical Português” sugeria no Prólogo desta obra para melhor acomodar a língua portuguesa ao canto lírico 25 (embora o próprio sugerisse que os /r/’s fossem rolados, como faziam os italianos). De notar que esta é apenas uma opção técnica e fonética, não uma regra. Os factores que poderão ditar a escolha de cantar um /r/ alveolar ou um /r/ uvular por parte de um cantor podem ser um dos seguintes: 1- FATORES FISIOLÓGICOS: se um cantor não consegue articular uma das formas de /r/, até que aprenda (se conseguir) deverá obviamente condicionar a sua voz ao fonema que lhe é possível produzir ou que lhe é mais cómodo para manter a qualidade do som vocal. Não existindo esta condicionante, passamos aos fatores seguintes; 2- FATORES FONÉTICOS: se pronunciarmos o [R] como o acima mencionado [x] teremos ressonâncias da vogal [ɑ]. Assim, em palavras onde a letra /r/ é seguida da vogal /a/, esta opção articulatória não será, em princípio, desconfortável. O mesmo poderá aplicar-se às vogais próximas de [ɑ] no trapézio vocálico (isto é, /e/ e /o/ ). Já em palavras onde /r/ é seguido de /i/ ou /u/, que correspondem a sons vocálicos muito fechados, a mesma opção articulatória já poderá ser um pouco desconfortável por serem necessárias mais vibrações uvulares para dar sonoridade à consoante, (embora não deva deixar de ser uma opção viável). A título de exemplo, se experimentarmos cantar as palavras “rima” ou “rumo” articulando um [R], notaremos que a quantidade de vibrações uvulares que produzimos é um pouco superior à da palavra “rama”. Neste caso, havendo algum desconforto, poderá optar-se pelo /r/ múltiplo. 3- FATORES ACÚSTICOS: como comprovam os estudos mencionados do Prof. Oliveira Lopes, o /r/ alveolar ou apical é mais audível, por isso ele poderá ser a melhor opção quando um cantor tem a necessidade de projetar a voz num espaço grande. Num espaço mais pequeno, o cantor poderá optar entre uma ou outra forma de /r/, condicionado talvez por um dos fatores a seguir;

23

Vennard, 1967, p.44 Vennard, 1967, p.44 25 Salvini, Prólogos, ver referência completa no final 24

4- FATORES MUSICAIS: o repertório de ópera exige uma maior projeção de voz, e o próprio desenvolvimento do texto é por vezes mais lento que numa canção, devido a melismas mais longos sobre uma única sílaba (ex: ária da Segadilha “Senhora que o velho”, na ópera Guerras do Alecrim e Manjerona de António Teixeira). Por isso, nos momentos em que há articulação de consoantes, esta articulação tem que ser mais audível e precisa. Já no repertório de canções, que se baseiam muitas vezes em poemas literários ou em trovas e quadras populares, o /r/ uvular será uma opção mais “natural” (“o português que se fala naturalmente e que muito naturalmente devia ser também cantado” 26) e apropriada para a declamação de um poema, neste caso sob a forma de canção. Opção semelhante defende Pierre Bernac, referindo-se ao repertório em língua francesa: “We have the authority of Pierre Bernac to the effect that the rolled [r] is used in all serious singing (art songs, opera, etc.) in French and the uvular [R] only in popular singing.”27 5- FATORES HISTÓRICOS: na obra de 1927 Fonética Portuguesa: Compêndio da ortologia nacional de Luís de Oliveira Guimarães, nós encontramos esta citação no capítulo dedicado á vibrante alveolar múltipla: “ Na pronúncia citadina o r múltiplo, em vez de alveolar, é geralmente velar. (…) Embora esta mudança de processo articulatório seja alheia à tradição da língua, tende a generalizarse e por isso se não considera dissonante”. 28 Esta citação mostra que em 1927 o [R] ainda não era uma regra fonética padrão, era apenas um uso citadino com tendência a generalizar-se, como de fato acabou por acontecer. O mesmo fenómeno é explicado na Breve Gramática do Português Contemporâneo de Cunha e Cintra: “Classificamos a vibrante forte ou múltipla [R] como velar, ou [ - ANTERIOR, CORONAL], por ser esta a sua pronúncia mais corrente, no português de Lisboa (Pode-se dizer mesmo que é a pronúncia mais corrente no português normal contemporâneo, ao contrário do que sucedia há relativamente poucos anos, segundo a descrição de foneticistas) e do Rio de Janeiro. A antiga VIBRANTE ALVEOLAR MULTIPLA [~r] mantém-se, no entanto, viva na maior parte de Portugal e em extensas zonas do Brasil, como, por exemplo, o Rio Grande do Sul.”29 Nas obras Fonética, Fonologia e Morfologia do Português de 1990, e na mais recente Fonética e Fonologia do Português (2004), ambas da autoria da reconhecida linguista e antiga Professora da FLUL Mª Helena Mira Mateus, o [R] é já referido como regra padrão. Podemos por isso calcular que, nas obras compostas antes de 1927 e nalguns anos posteriores sobre textos em português, os compositores possivelmente estariam à espera de escutar os /r/’s articulados de forma múltipla, não só porque esta era a regra fonética de então, mas talvez também por influência da tradição musical italiana que, até esta data, era muito forte. Com a evolução fonética da língua, os compositores de obras posteriores a 1927, como Fernando Lopes-Graça, assim como compositores que trabalharam sob influência ou a partir de obras de música popular, possivelmente já teriam a expectativa de ouvir nas suas obras em português o [R] uvular. Por isso, se quisermos seguir uma interpretação historicamente informada, devemos tentar ir de encontro à pronúncia da época da obra que estamos a cantar, até porque a própria forma como o compositor musicou um texto poderá ajustar-se melhor à variante fonética que era caraterística à data da composição da obra musical. No caso de uma obra musical contemporânea baseada num poema de Camões a melhor opção será perguntar ao compositor o que tem em mente, se a pronúncia portuguesa da época do escritor ou a pronúncia moderna.

26

Lopes-Graça, 1959, pp. 57-58 Vennard, 1967, p.174 28 Guimarães, 1927, pp.74-75 29 Cunha e Cintra, 1998, p. 46 27

Bibliografia: Colombat d’Isére, Marc, Du bégaiement et de tous les autres vices de la parole : traités par de nouvelles méthodes, Paris : Mansut Fils editeur, 1831 Cunha, Celso; Cintra, Lindley, Breve Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições João Sá da Costa, 1998. Daciano, Bertino, A língua portuguesa e a música e a música na sua relação filológica: com uma análise à fonética da língua portuguesa, Famalicão: Minerva, 1928. Guimarães, Luís de Oliveira, Fonética Portuguesa: Compêndio da ortologia nacional, Coimbra: Coimbra Editora, 1927. Henrique, Luís L., Acústica Musical, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. Lopes-Graça, Fernando , A música portuguesa e os seus problemas II, Compilação de escritos publicados em várias revistas e jornais entre 1944 e 1957., Lisboa, Edição do Autor, 1959, reeditado na colecção Obras literárias, com o n.º 7, Caminho, 1989. Martins, Maria Raquel Delgado, Análise acústica das vogais tónicas em português, Lisboa: Centro de Estudos Filológicos, 1973. Mateus, Mª Helena Mira; Brito, Ana Maria; Duarte, Inês Silva; Faria, Isabel Hub, Gramática da Língua Portuguesa: Elementos para a descrição da estrutura , funcionamento e uso do Português actual, Coimbra: Livraria Almedina, 1983. Mateus, Mª Helena Mira; Andrade, Amália; Viana, Mº do Céu; Villalva, Alina, Fonética, Fonologia e Morfologia do Português, Lisboa: Universidade Aberta, 1990. Mateus, Mª Helena Mira; Falé, Isabel; Freitas, Maria João, Fonética e Fonologia do Português, Lisboa: Universidade Aberta, 2005. Mckinney, James C., The Diagnosis & Correction of Vocal Faults, Long Grove: Waveland Press Inc., 1994 (1st Ed.) , 2005 (Reissued). Miller, Richard, Solutions for Singers: Tools for performers and Teachers, NY: Oxford University Press, 2004. Salvini, G.R., Cancioneiro musical portuguez : Quarenta melodias na lingua portugueza com acompanhamento de piano : Letra dos principaes poetas portuguezes, Lisboa : David Corazzi, 1866 (1ª ed.) Leipzig : Imp. Breitkopf e Hartel, ,2ªed,1884. Salvini, G.R, As minhas lições de canto : notas ao "vaccai" : para uso dos portugueses, Porto : Edição dos Herdeiros do autor, 1931. Sundberg, Johan, “The Acoustics of the Singing Voice” (ensaio), March 1977. Vennard, William, Singing – The mechanism and technic, New York: Carl Fisher, 1967.

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