A PRODUÇÃO CAFEEIRA EM PATROCÍNIO-MG: AGRICULTURA CIENTÍFICA GLOBALIZADA E ESPECIALIZAÇÃO TERRITORIAL PRODUTIVA

May 24, 2017 | Autor: Glaycon Souza | Categoria: Agronegócios
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XVII Encontro Nacional de Geógrafos, AGB, Belo Horizonte, julho de 2012

A PRODUÇÃO CAFEEIRA EM PATROCÍNIO-MG: AGRICULTURA CIENTÍFICA GLOBALIZADA E ESPECIALIZAÇÃO TERRITORIAL PRODUTIVA Glaycon Vinícios Antunes de Souza Instituto de Geografia - UFU, bolsista FAPEMIG. [email protected] Mirlei Fachini Vicente Pereira Instituto de Geografia – UFU. [email protected] A produção agrícola moderna no Brasil aumentou extraordinariamente desde a década de 1970, transformando por completo a configuração territorial e as relações sociais de produção no campo. A região mineira que merece destaque como espaço de referência para a modernização agrícola é sem dúvida a região do cerrado, onde está localizado o município de Patrocínio, que há alguns anos destaca-se dentre os maiores produtores de café do Brasil1. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010, Patrocínio foi o maior município produtor de café do país, com uma produção de 60.228 toneladas. No atual período de globalização cada vez mais se intensifica a competitividade entre os lugares e empresas, seja no meio urbano, seja no campo. O espaço geográfico cada vez mais é dotado de técnica, informação e de um conteúdo crescentemente científico que garante a reprodução do sistema capitalista. É neste período que surge no território brasileiro uma tipo de agricultura que Milton Santos (2002a) denominou como “agricultura científica e globalizada”, que muda por completo as relações de produção e também a relação entre o campo e as cidades (que, quanto mais moderno, é cada vez mais dependente de bens e serviços especializados, cuja oferta e gestão ocorrem principalmente no meio urbano). Nosso objetivo é mostrar como essa agricultura científica foi introduzida no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, a partir do exemplo de Patrocínio, visando compreender o papel das técnicas e da articulação política na definição de um espaço especializado na produção cafeeira. Essa região produtora de café que se estabelece no

1

Pesquisa em andamento, realizada com auxílio financeiro da FAPEMIG (Edital Primeiros Projetos, 2011-2013).

cerrado mineiro2, conhece a partir dos anos 1970 um processo de estruturação econômica e espacial para alcançar a condição atual de uma das principais regiões produtoras de café do Brasil. Nesse sentido, poderíamos indagar - quais foram os vetores que proporcionaram o surgimento da agricultura científica nesta região? Quais inovações técnicas e quais ações políticas conformam a região produtiva e garantem sua inserção no mercado externo? Visando elucidar tais questões, avaliamos dois períodos de desenvolvimento agricultura cafeeira nesta região. O primeiro compreende, aproximadamente, os anos 1970 até o início da década de 1990, período em que houve a incorporação de um novo sistema de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 2002b) que propiciam o surgimento da moderna produção cafeeira. O segundo período afirma-se na década de 1990 e se estende até os dias atuais, quando ocorre a consolidação da cafeicultura científicaglobalizada na região, quando a atividade começa a ser organizada por instituições que proporcionam uma nova de forma de organização produtiva baseada no associativismo e muito mais orientada para o competitivo mercado externo. A constituição de uma região produtora de café: do desenvolvimento técnico à prática de uma agricultura científica Na década de 1960, segundo Ortega (2008a. p.177), inicia-se um projeto político de modernização da cafeicultura brasileira cujo lema era “Renovar para Salvar”, tendo como objetivo erradicar as plantações de café com baixa produção, com uma política que priorizava a implantação de cafezais de maior qualidade e produtividade, resultando em uma diminuição de cerca de 49% dos cafeeiros nacionais3. Estas circunstâncias, somadas a problemas de ordem climática (intensas geadas) que atingiram os dois principais estados produtores de café da época (São Paulo com uma produção de 1.344.918 ton. e Paraná com uma produção de 1.635.122 ton.), acarretaram na criação do Plano de Renovação e Revigoramento dos Cafezais (PRRC). Este programa, ainda segundo Ortega (2008, p.177), foi idealizado pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC) e pelo Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura (GERCA), com apoio financeiro do Tesouro Nacional e do Banco Brasil, entre outros órgãos financeiros. O PRRC tinha como objetivo 2

Estamos considerando a região do cerrado mineiro como o espaço que compõe as mesorregiões Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e Oeste Mineiro, definidas pela divisão regional proposta pelo IBGE. 3 S. Frederico (2011, p.3) também destaca que “(...) foram erradicados, entre as décadas de 1960/70, cerca de 2 bilhões de cafeeiros tradicionais (Bourbon e Comum), e substituídos pelas variedades (Mundo Novo e Catuaí) de alto rendimento e sensíveis ao uso dos insumos químicos e mecânicos”.

elevar a produção de café e sua produtividade através da implantação de cultivos racionais em áreas climaticamente favoráveis, com menor propensão a geadas [...] o PRRC concedia o financiamento para plantio, formação de mudas e poda; compra de fertilizantes, defensivos químicos e equipamentos; infra-estrutura” (ORTEGA, 2008. p.178).

Assim, podemos verificar que o PRRC é um dos principais vetores que propiciam o surgimento da produção de café de forma intensiva na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, que se torna alvo de políticas que estimulam a expansão dos cultivos. A região está localizada no “Domínio dos Cerrados”, domínio morfoclimático onde raramente há ocorrência de geadas, com regime de chuvas bem definido (três a cinco meses com baixos índices pluviométricos e seis ou sete meses com índices pluviométricos elevados - média anual de 1300 a 1800 mm) e temperaturas médias que variam entre 20 a 24° C (AB’SABER, 2003. p. 39). Outra característica deste domínio é a presença de chapadões, onde “(...) ocorre a maior macissividade, extensividade e homogeneidade relativa de formas topográficas planálticas do Brasil intertropical” (AB’SABER, 2003. p. 122). Tais condições climáticas e geomorfológicas do domínio de cerrado são oportunas para produção moderna de café, garantindo normalmente um período seco (maio a setembro) para as colheitas, chuvas entre setembro e abril (importantes para a formação dos grãos) e um relevo (em geral plano) que facilita a mecanização. Participando

diretamente

das

políticas

de

renovação/modernização

da

cafeicultura no Brasil, a produção de café na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba ganha importância econômica apenas a partir dos anos de 1970 (ORTEGA, 2008. p.179). Antes disso, a produção de café na região ocorria basicamente para o consumo próprio, sem a intenção de comercialização em grande escala. Além das condições propícias já citadas, temos que destacar o papel de outras políticas públicas e o papel da ciência e das técnicas para a produção do café. O Estado brasileiro foi um dos principais vetores para o desenvolvimento da produção agrícola moderna no cerrado durante a década de 1970, com inúmeras políticas de incentivo à ocupação da nova fronteira agrícola, como o Sistema Nacional de Crédito Rural. Outras políticas públicas foram: O Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba (PADAP), implementado em 1973 pelo governo mineiro, [...] além do PADAP, foram lançados, pelo governo federal, o Programa desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), em 1975, e o Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER), de 1976. (ORTEGA, 2008a. p.179).

Como conseqüência dessas políticas públicas houve uma migração de produtores do Sul e do Sudeste para a região do cerrado mineiro, principalmente paulistas e paranaenses. É importante observar quanto o estado influencia e comanda a organização do território com tais políticas, orientando o desenvolvimento técnico-científico da agricultura. Um dos vetores que possibilitou a modernização e expansão da área de produção de café na região foi o desenvolvimento do conhecimento científico aplicado à agricultura, destacando a biotecnologia (com desenvolvendo plantas que se adaptam melhor ao cerrado, facilitam a colheita mecanizada, etc.) e a química (herbicidas, fungicidas, fertilizantes, correção de solos, etc). Entre os principais institutos de pesquisa estão Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), criada em 1978, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), criada em 1974, e o Instituto Agronômico de Campinas (AIC), essas instituições “criaram variedades próprias (café) convenientes à aplicação de métodos e práticas culturais que favoreciam as qualidades físico-químicas do solo” (ORTEGA, 2008. p.181). A Epamig realiza pesquisas nos cerrados de Patrocínio desde 1975, quando inicia experimentos em propriedades privadas (contando hoje com estação experimental própria) (EPAMIG, 2010, p.35). O estado de Minas Gerais ainda conta com um grande número de técnicos e pesquisadores especialmente voltados à cultura cafeeira, muitos dos quais atuando nas universidades federais de Lavras e Viçosa (SIMÕES; PELEGRINI, 2010, p.18). Incorporando tais práticas, a situação das modernas áreas de cultivo do café no cerrado minério exemplifica a agricultura científica globalizada praticada no país (SANTOS, 2002a. p.89). A mecanização da colheita foi outro importante vetor que possibilitou a expansão da produção de café e confere caráter técnico-científico à produção. A mecanização da cafeicultura começa a ser praticada no Brasil a partir da década de 1970, quando há o desenvolvimento de equipamentos acopláveis aos tratores, como roçadeiras, carretas, pulverizadores, derriçadeiras, etc. A região do cerrado mineiro foi espaço de referência neste tipo de mecanização, processo que mais tarde alcança outras regiões produtivas do país. A década de 1980 consolida o processo, quando surgem as máquinas automotrizes (ORTEGA, 2008a. p.183-184). Segundo a Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio (ACARPA, 2012), houve durante a década de 1980 um crescimento de 50% do parque cafeeiro em

Patrocínio, comparado com o existente na década de 1970. Esta é uma das características deste primeiro momento da cafeicultura moderna no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, onde há uma expansão acentuada na área de produção e na quantidade produzida, que se intensificam ainda mais na década seguinte. Segundo Ortega (2008a, p.189), na safra de 1995/96 houve um crescimento da área de produção de café de cerca de 150%, quando comparado com a safra de 1984/85, e, neste mesmo período, houve aumento de 40% no número de propriedades dedicadas à cultura. Ainda neste período, cerca de 63% das propriedades da região tinham mais de 50 hectares; 31% possuíam de 10 a 50 hectares; e as demais propriedades até 10 hectares. Tal situação culmina numa especialização territorial produtiva, já configurada no inicio dos anos 1990. A colheita mecanizada intensifica-se na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, sendo Patrocínio um dos municípios que mais empregam tal técnica. Em meados de 1990 há fabricação de máquinas no país (marca Jacto), bem como se intensifica a entrada de máquinas importadas (marcas Case e Korvan), mecanização esta financiada pelo governo federal, via BNDES (ORTEGA, 2008a. p.184). Ainda nesta década (anos 90) havia na região cerca de 80 colhedeiras mecânicas, número que aumenta para 280 máquinas em 2001 (ORTEGA, 2008, ap.184), alcançando, no final da década, cerca de 420 colheitadeiras de café no cerrado mineiro4 (JESUS; ORTEGA, 2010. p.9), tanto próprias como as de uso alugado. A modernização agrícola de certo modo se completa com a implantação no cerrado mineiro, a partir dos anos 1990, de sistemas técnicos que garantem a irrigação da lavoura (o que hoje proporciona uma produtividade em média três vezes maior do que a cafeicultura de sequeiro) (IRRIGAZINE, 2012, p.12) e, ainda mais recentemente, com as práticas comumente denominadas de agricultura de precisão (com avaliação das propriedades do solo em cada talhão, uso de SIGs para controle de pragas, etc.). Tais acréscimos de técnica e ciência remodelam as formas de plantio (reorganizando a produção e melhorando produtividade, adequando/adensando o número de plantas nos cafezais, otimizando a colheita e dispensando mão de obra humana, etc.). Mas a situação geográfica que expressa tal especialização territorial 4

Em 2005, A. C. Ortega alertava para a capacidade de substituição da mão de obra por tais máquinas colheitadeiras “Essas máquinas colhem, em média, 60 sacos de café por hora, num período entre 18 e 22 horas por dia, sem contar o tempo necessário para manutenção e abastecimento. Uma dessas colheitadeiras pode substituir mais de cem trabalhadores em um dia de serviço, haja vista que o ser humano precisa repor as energias após um período de intensa atividade e colhe em média seis sacas diárias”. O valor comercial dessas máquinas variada entre R$ 150 a 300 mil (ORTEGA, 2008a, p.187).

produtiva e a realização de uma agricultura científica em Patrocínio e região não resulta exclusivamente do desenvolvimento técnico. É necessário avaliar os contextos políticos que oportunizam o desenvolvimento da cafeicultura na região e definem a especialização do lugar. Os imperativos da globalização: o novo arranjo institucional e as novas orientações produtivas na cafeicultura do cerrado mineiro Com o fim do intervencionismo do Estado (extinção do IBC, em 1990), e com o fim do Acordo Internacional do Café - AIC, em 1989 (ORTEGA, 2008a, p.193), a cafeicultura brasileira passava por uma crise, e a década de 1990 foi marcada pela criação de várias instituições de pesquisas e programas para o desenvolvimento do café, dando novo ímpeto à atividade no território brasileiro. Em 1996, é criado o Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento do Café; pouco mais tarde (1997) é criado o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café (CBP&D/Café, hoje denominado Consórcio Pesquisa Café), bem como uma unidade da Embrapa voltada para esta cultura (Embrapa café, em 1999) (EMBRAPA, 2012). São as estratégias de organização da produção e do território visando uma inserção competitiva no mercado globalizado. A região do cerrado mineiro também conhece importantes transformações no que se refere à produção cafeeira. A especialização produtiva, que ao mesmo tempo produz e resulta de uma acentuação da divisão territorial do trabalho, forja, a partir da década de 1990, uma nova situação geográfica da produção cafeeira na região do cerrado mineiro, situação esta muito marcada por um novo arranjo institucional (com a organização de associações, um conselho de associações e cooperativas de produtores) e uma nova orientação produtiva (visando uma produção muito mais valorizada e voltada para mercados distantes, a partir de processos de certificação / indicação de origem). A iniciativa original de articulação política dos produtores têm origem alguns anos antes, em 1986, quando houve a criação da primeira associação de cafeicultores do cerrado mineiro, no município de Araguari – a Associação dos Cafeicultores de Araguari (ACA). Ainda na década de 1980, foi fundada a Associação de Apoio aos Produtores Rurais de São Gotardo (ASSOGOTARDO) no município de mesmo nome. A partir de então, e já na década de 1990, ocorre a organização e surgimento de várias associações em diferentes municípios na região do cerrado mineiro,

Em 1990, foi criada, no município de Patrocínio, a Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio (Acarpa); em 1991, foram instituídas a Associação dos Cafeicultores de Carmo do Paranaíba (Assocafé), a Associação dos Cafeicultores de Monte Carmelo (Amoca), a Associação dos Cafeicultores de Coromandel (Assocoró). As últimas associações criadas na região foram a Associação dos Cafeicultores de Campos Altos e Região (Accar), em 1993; a Associação dos Cafeicultores do Nordeste Mineiro (Acanor), em 1997; e a Associação dos Cafeicultores de Sacramento (Acasa), em 1998 (ORTEGA, 2008a. p.192).

Novos sistemas de ações se estabelecem com a criação, em Patrocínio, no ano de 1992, do Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (Caccer)5, visando a solução estratégica para uma nova coordenação que tornasse a produção mais competitiva e valorizada. No ano de 1995, é criada a Central de Cooperativas dos Cafeicultores do Cerrado (Expocaccer), também com sede em Patrocínio, viabilizando a comercialização das cooperativas. Desde então, e por sediar novas instituições articuladoras da produção regional, o município de Patrocínio atua com bastante centralidade na configuração e condução deste novo contexto da produção cafeeira no cerrado mineiro. O Caccer, instituição que a partir de 2009 tem sua razão social alterada para Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro, tem por objetivo canalizar os interesses comuns dos produtores de café, visando maior representatividade nos campos político, comercial, de pesquisa e marketing. Sem dúvida uma das maiores conquistas da instituição foi o reconhecimento da denominação de origem do produto no ano de 1995, quando o então Conselho começou a emitir a certificação de origem “Café do Cerrado”, que, a partir de 2011, muda sua denominação para “Região do Cerrado Mineiro”6. A região do cerrado mineiro foi a primeira região com produção cafeeira demarcada no Brasil, com indicação geográfica de origem, registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, cuja garantida de qualidade é o “Certificado de Origem” (ORTEGA, 2008b. p.7). Além de emitir e gerenciar o sistema de certificação Jesus e Ortega (2009, p.9) reconhecem o Caccer como “Uma experiência resultante de uma nova etapa do associativismo rural no Brasil, em que os agricultores se organizam em função do produto na qual se especializaram e da região em que atuam. Essas organizações representativas, de caráter especializado, retiram boa parte do protagonismo da representação de interesse rural, antes exercido por organizações sindicais de caráter unitário”. 6 No ano de 2011 a denominação da indicação geográfica “Café do Cerrado” foi alterada para “Região do Cerrado Mineiro”. A partir de informações divulgadas no 19º Seminário do Café, organizado pela Acarpa em Patrocínio (em setembro de 2011), a nova denominação visa valorizar não apenas o produto (café), mas toda a região que acolhe sua cadeia produtiva. Ao mesmo tempo, a antiga denominação (Café do Cerrado) parecia insuficiente para “demarcar” a região do cerrado mineiro, tendo em vista que há outras regiões produtores de café nos cerrados do oeste da Bahia e mesmo no leste de Rondônia. 5

da “Região do Cerrado Mineiro”, o antigo Caccer, atual Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro, atua junto aos produtores oferecendo serviços como [...] instalação de terminais de acompanhamento on-line das bolsas de mercadorias; a especialização de seus técnicos quanto às regras dos mercados de alta qualidade; a participação na Specialty Coffee Association e em outros eventos anuais. (ORTEGA, 2008a. p.197).

A denominação de origem7 é um importante diferencial para agregação de valor à produção realizada no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, e é claramente direcionada a abertura de novos mercados para a produção, visando atender exigências de consumidores externos, sobretudo da Europa, EUA e Japão, onde há nichos específicos para produtos diferenciados em termos do que o mercado hoje denomina “responsabilidade social” e, sobretudo, “sustentabilidade ambiental”. Assim, e conforme a proposição de Samuel Frederico (2011, p.6), “As novas formas de produzir e consumir assumem, contraditoriamente, características de uma espécie de anticommodity”, resultado da diferenciação do produto que, aos poucos, não é apenas tratado em termos de volume de produção. Daí a importância dos selos de certificação e, no cerrado mineiro, para além da própria denominação de origem, certificações estrangeiras (que atuam junto a grandes grupos do setor, como Cargill, Nestlé, entre outros) são cada vez mais buscadas por cafeicultores da região8, ainda que isso exija o cumprimento de uma série de normas e procedimentos, além da relação com outros novos no circuito produtivo9.

“A ‘Denominação de Origem’, além de designar o local de produção do produto, também está relacionada às características do produto, também está relacionada às características naturais e culturais ímpares que, combinadas, conferem uma qualidade diferenciada ao produto. A denominação de origem do café se apropria das particularidades de uma região histórica, com uma identidade cultural própria, e fundamenta a criação de uma circunscrição administrativa para conferir maior competitividade a uma fração de espaço” (CASTILLO; FREDERICO, 2010. p.20). 8 Dentre as principais certificadoras estrangeiras com atuação no cerrado mineiro (que atuam na maioria dos casos sobre vários agentes do circuito produtivo do café), inclusive com serviços de rastreabilidade das mercadorias (uso de códigos de barra para acompanhamento logístico), estão a Rainforest Aliance (instituição estadunidense, fundada em 1987 que visa certificar produtos produzidos através de sistemas que levem em consideração a preservação dos recursos e a questão ambiental); Fairtrade International (certificadora sediada na Alemanha que desde 1997 atua na certificação de práticas justas de comércio, especialmente entre pequenos produtores, valorizando questões ambientais e sociais); a UTZ Certified (organização holandesa que certifica produções desde 1999, atuando nos circuitos do café, cacau e chá pautados em aspectos ambientais e trabalhistas), a 4C Association (fundada em 2003 na Alemanha, valorizando a sustentabilidade da produção do café). 9 As regras definidas, por exemplo, pela Federação dos Cafeicultores para a concessão do selo de origem, incluem, entre outros procedimentos, uso de equipamentos de proteção pelos trabalhadores durante a pulverização, proibição de uso de mão de obra infantil, respeito à uma série de normas ambientais, manutenção de reservas e matas ciliares, cuidados especiais na utilização de produtos tóxicos, etc. (JESUS; ORTEGA, 2009. p.18). 7

A cafeicultura brasileira sempre esteve vinculada ao mercado externo, e hoje é cada vez mais influenciada pelas demandas de atores hegemônicos de expressão internacional. Tal condição é imposta à produção do cerrado mineiro, visto que cerca de 80% do “Café do cerrado” produzido é exportado (ACA, 2012; ACARPA, 2012) para países da União Européia, Japão e Estados Unidos (ORTEGA, 2008b, p.14). Assim, grande parte das exigências de certificação, por exemplo, atende aos reclamos de atores hegemônicos globais, o que de fato, e até o momento, tem garantido um ganho a mais para os produtores, mas sobretudo uma nova estratégia de acumulação para as grandes traddings que finalizam o processo de produção (com a industrialização e distribuição há muito tempo realizados fora do país), já que o setor necessita de produtos diferenciados e com maior valor agregado. Outra instituição importante para a cafeicultura da região é a Central de Cooperativas dos Cafeicultores10 (Expocaccer), instituída em 1995, também em Patrocínio, para operacionalizar a comercialização das cooperativas filiadas. A primeira cooperativa cafeeira que aparece na região em 1993 é a Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado de Patrocínio Ltda. (Coocacer Patrocínio), sendo em 1999 incorporada pela Expocaccer; posteriormente é criada em 1994 a Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado Araguari Ltda. (Coocacer Araguari). Outras cooperativas que integram a Expocaccer e atuam junto à Federação dos Cafeicultores do Cerrado são: a Cooperativa Agropecuária de Araxá Ltda (CAPAL), a Cooperativa Agrícola de Monte Carmelo (Copermonte), a Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado Monte Carmelo (Coocacer Monte Carmelo) Cooperativa Agrícola de Unaí (Coagril) e a Cooperativa Agropecuária de Patrocínio Ltda (Coopa). Deste modo, e somado às inovações técnicas que garantem uma produção científica do café (com novo volume e qualidade do que é produzido) e o surgimento da Caccer, atual Federação dos Cafeicultores do Cerrado, com suas ações de fortalecimento da “Região do Cerrado Mineiro”, juntamente com a Expocaccer, foram fundamentais para tornar o meio geográfico instrumentalizado para uma produção competitiva que visa maior participação no mercado externo. São as possibilidades do técnico-científico-informacional (SANTOS, 2002b), com a 10

utilização

de

máquinas

agrícolas

modernas,

intensificação

de

pesquisas

A Expocaccer possui um complexo estrutural que supera 37.000 m², tendo armazéns com capacidade de armazenagem de 600.000 sacas. Fazendo ainda rebeneficiamento do café com máquinas que tem a capacidade de processar 4.000 sacas de café por dia. Estão associados juntos da Expocaccer cerca de 359 pessoas (EXPOCACCER, 2011).

(biotecnologia) para melhoramento da qualidade do café e um uso e controle estratégicos da informação, além dos esforços políticos locais e externos que buscam, por meio da inserção de novas competências produtivas, processos de certificação geridos por instituições externas, rastreabilidade da produção, etc. garantir a inserção facilitada do café produzido em Patrocínio e região num mercado globalizado. A composição técnica do território e sua organização política confere, aos municípios do cerrado mineiro voltados à produção cafeeira, a condição daquilo que Castillo e Frederico (2010) e Frederico (2011) denominam como “região competitivo agrícola”, que, a nosso ver, e para a região em estudo, tem como centro de articulação e comando (ainda que apenas em sua dimensão local/regional) a cidade de Patrocínio. É Patrocínio que sedia um conjunto de atentes políticos fundamentais à organização da produção (Federação dos Cafeicultores, Expocaccer, cooperativas e associações das mais atuantes), além de um conjunto bastante expressivo de agentes (locais e externos) que oportunizam o necessário consumo produtivo do campo moderno11, conferindo potencialmente à Patrocínio a condição de cidade do campo moderno (SANTOS, 2002), ou aquilo que Elias (2006) denominou mais recentemente como “cidade do agronegócio”. Como já fora apontado, o comando externo da produção (já que boa parte da produção nacional é voltada para o mercado externo) não é novidade na cafeicultura brasileira, mas estamos a observar novas formas de controle e dependência de estruturas ditadas por agentes externos ao país (desde os grandes grupos que controlam a produção de insumos, até as formas ditas sustentáveis de inserção do produto no mercado externo) 12. Há que se atentar para as novas condições de subordinação dos produtores nacionais, e de todo o aparato construído para o funcionamento de um circuito produtivo que permite a realização da produção brasileira em suas características atuais. Referências AB’SABER, A.N. Os Domínios de Natureza no Brasil Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio (ACARPA). Disponível em: . Acesso em: 20 de Mar. de 2012. 11

Em Patrocínio, e pelos dados que levantamos até o momento, há mais de uma centena de atividades num terciário especializado (comércio e prestação de serviços), voltados ao funcionamento e viabilização da produção e distribuição do café produzido no município e região. 12 Nas palavras de Milton Santos (2002a, p.89) “a agricultura científica, moderna e globalizada acaba por atribuir aos agricultores modernos a velha condição de servos da gleba. É atender a tais imperativos ou sair”.

Associação dos Cafeicultores de Araguari . Acesso em 20 de Mar. 2012.

(ACA).

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em:

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