A Promoção e a Proteção da Democracia no Continente Americano: reflexões sobre as organizações de integração regional e as cláusulas democráticas [Artigo Completo]

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Descrição do Produto

ORGANIZADORES Eduardo Biacchi Gomes Fernando César Costa Xavier Tatiana de A. F. Rodrigues Cardoso Squeff

GOLPES DE ESTADO NA AMÉRICA LATINA E A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

1ª Edição - Curitiba - 2016

Instituto Memória Editora CENTRO DE ESTUDOS DA CONTEMPORANEIDADE

© Todos os direitos reservados

Instituto Memória Editora & Projetos Culturais Rua Deputado Mário de Barros, 1700, Cj. 117, Juvevê CEP 80.530-280 – Curitiba/PR. Central de atendimento: (41) 3016-9042

www.institutomemoria.com.br

Editor: Anthony Leahy Projeto Gráfico: Barbara Franco

Revisão linguística e técnica realizada pelos próprios autores. ISBN: 978-85-5523-0 X, X. TÍTULO. AUTOR. Curitiba: Instituto Memória. Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2016. 00 p. 1. 2. 3. I. Título.

CDD:

Autores Participantes Mini-currículos em ordem alfabética AMANDA CAROLINA B. RODRIGUES Advogada e professora universitária. Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito, Logística e Negócios Internacionais pela PUCPR. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Uninter. Bacharel em Direito pela PUCPR. Pesquisadora do NEADI ? Núcleo de Estudos Avançados de Direito Internacional e Desenvolvimento Sustentável. Pesquisadora do NUPESUL - Núcleo de Pesquisa em Direito Público do Mercosul. Membro da ANET - Academia Nacional de Estudos Transnacionais.

ANDRÉA BENETTI CARVALHO DE OLIVEIRA Doutoranda em Políticas Públicas na UFPR, Mestre em Ciência Política (UFPR), Especialista em Direito Internacional (PUC/PR), Bacharel em Direito e em Relações Internacionais (UTP). Professora dos cursos de Ciência Política e Relações Internacionais no Centro Universitário Internacional (UNINTER), e Tutora dos mesmos cursos na modalidade EaD. Professora de Pós-Graduação em Relações Internacionais na Universidade Positivo (UP). Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI/UFPR) e do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR). Endereço Eletrônico para contato: [email protected]

ANE ELISE BRANDALISE GONÇALVES Atualmente é mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia no Centro Universitário Autônomo do Brasil - UNIBRASIL (2015) e pesquisadora do Grupo PATRIAS. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR (2012), aluna bolsista PIBIC-PUCPR (2008-2010) e graduação em Relações Internacionais pela UNINTER (2012-2015), aluna bolsista de pesquisa científica-UNINTER (2013-2014). Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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ARTHUR ROBERTO CAPELLA GIANNATTASIO Professor Doutor em Tempo Integral da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Campus Higienópolis (FD/UPM). Professor Convidado do Global Law Program da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP). Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP). Foi bolsista de Doutorado-Sanduíche da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES - Doutorado Sanduíche) e da Ryoichi Sasakawa Young Leaders Fellowship Fund (SYLFF), para Jovens Líderes em Direito e Relações Internacionais. Também é membro da Academia Brasileira de Direito Internacional (ABDI), tendo atuado como membro do Comitê Científico e de Avaliação, e da Academics Stand Against Poverty (ASAP), Chapter Brazil, tendo atuado como Secretário-Executivo da II Conferência Internacional ASAPBrazil. Foi Professor Visitante Convidado no Programa de Mestrado em Direito (Master of Laws - LL.M Programs) da Koç University Law School (Turquia), em 2015 e pesquisador contratado da Università Telematica - La Sapienza (UNITELMA), em 20132014. Foi Pesquisador Visitante no Institut d'Histoire du Droit (IHD) e do Institut de Droit Comparé (IDC) da Université Panthéon-Assas (Paris II), no período 2011/2012, Pesquisador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP), do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) e da Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e PósGraduação (ANDHEP).

EDGAR RENGIFO Especialista em Direito Internacional pela Escola Paulista de Direito – EPD. Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Ibero-Americano - SP. Membro de Academia Brasileira de Direito Internacional. Professor e Tradutor Espanhol & Português.

EDUARDO BIACCHI GOMES É graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 1993, possui Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000), Especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal de Santa Catarina, 2001 e Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2003). É Pós-Doutor em Estudos Culturais junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estudos realizados na Universidade de Barcelona. Desenvolveu pesquisa na Universidade de Los Andes, Chile. Atualmente é professor-adjunto integrante do quadro da UniBrasil , Graduação e Mestrado em Direito. Priofessor Titular de Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor Adjunto do Curso de Direito Uninter e Professor coladorador do Mestrado em Direito da mesma instituição .Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional e Direito da Integração, Direitos Humanos, atuando principalmente nos seguintes temas: blocos econômicos, direito comunitário, direito internacional público, direito da integração, mercosul e direito constitucional, foi consultor jurídico do MERCOSUL em 2005 e 2006. Foi Editor Chefe da Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, vinculado ao Programa de Mestrado em Direto do UNIBRASIL, Qualis A2, desde a sua fundação. Atualmente é vice coordenador do Programa de Mestrado em Direito da UniBrasil. [email protected].

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FERNANDO CÉSAR COSTA XAVIER Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal do Pará (2003), Graduação em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Pará (2004), Mestrado em Direitos Fundamentais e Relações Sociais pela Universidade Federal do Pará (2006) e Doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2012). É Professor Adjunto da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Professor Permanente e Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Amazônia (PPGDRA), Nível Mestrado, da UFRR. Membro do Comitê do Programa de Iniciação Científica (PIC) da mesma instituição. Pesquisador líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ovelário Tames (NEPOT), que tem enfoque em direito internacional e direitos humanos. Email: [email protected].

IVANA NOBRE BERTOLAZO Mestre em Ciência Jurídica (UENP).Especialista em Filosofia Política e Jurídica (UEL). Especialista em Metodologia de Ação Docente (UEL). Bacharel em Direito (UEL). Professora (FACNOPAR). Advogada (OAB-PR). Professora no Curso de PósGraduação Latu Sensu de Direito Internacional e Econômico (UEL). Professora nos Curso de Pós-Graduação Latu Sensu (FACNOPAR). Coordenadora e colaboradora em projetos de ensino e extensão (FACNOPAR). Autora de livros e artigos.

JULIANA FERREIRA MONTENEGRO Doutoranda em Gestão Urbana - Linha de Pesquisa de Políticas Públicas na Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR. Mestre em Direito e Sustentabilidade pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCPR. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR. Professora da PUCPR e da Faculdade Dom Bosco. Advogada (OAB-PR). Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e Direitos Humanos (PUCPR). Colaboradora em projetos de pesquisa e extensão (NEADI). Autora de livros e artigos.

JULIANA KIYOSEN NAKAYAMA Doutoranda em Estudos da Linguagem (UEL). Mestre em Direito Negocial (UEL). Especialista em Educação à distância (SENAC). Bacharel em Direito (UEL). Professora (UEL). Advogada (OAB-PR). Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu de Direito Internacional e Econômico (UEL). Coordenadora e colaboradora em projetos de pesquisa e extensão (UEL). Autora de livros e artigos.

LAURA GARBINI BOTH Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Especialista em Educação Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Professora Pesquisadora Permanente do Mestrado no PPGD (Programa de PósGraduação em Direito) do Centro Universitário UniBrasil em Curitiba/PR. Tem experiência no ensino, pesquisa e extensão em: Direito, Diferença, Discriminação e Desigualdade, com ênfase em gênero, geração, classe e questão étnica-racial; Direitos Culturais e Cidadania; Direito à Educação; Educação em Direitos Humanos; Sociologia e Antropologia do Direito; Ensino e Metodologia da Pesquisa em Direito. E-mail: [email protected]

LUIS ALEXANDRE CARTA WINTER Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1984), Especialização em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1988), Mestrado em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (2001) e Doutorado em Integração da América Latina pelo USP/PROLAM (2008). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná na graduação (onde foi Coordenador entre 1987 a 1989), na pós lato sensu onde coordena a especialização em Direito, logística e negócios internacionais, e no strito sensu, no mestrado e doutorado. Ex-professor titular e exCoordenador "(2005-2010) do Curso de Direito da Faculdade Internacional de Curitiba e professor titular do Centro Universitário Curitiba. Advogado militante deste 1984 e consultor jurídico, atuando principalmente nos seguintes temas e áreas: contratos; integração regional; Mercosul; relações internacionais; direito marítimo; direitos humanos; direito humanitário; legislação aduaneira; direito internacional econômico e direito internacional. Coordenador do NEADI (www.neadi.com.br). Membro de Centro de Letras do Paraná e do Instituto de Advogados do Paraná.

LUCIANO MENEGUETTI PEREIRA Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino (ITE). Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP). Graduado em Direito pelo Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO). Professor de Direito Internacional e Direitos Humanos no Centro Universitário Toledo (UNITOLEDO) e na Associação de Ensino de Cultura do Mato Grosso do Sul (AEMS). Advogado. Email: [email protected]

MARCO ANTONIO ROCHAEL FRANÇA Advogado, mestrando em Educação - Unversidade de Jaén - Espanha; pós graduado em Direito Internacional -EPD; especialista em Derecho de Los Negocios Internacionales - UCM - Espanha; Especialista em Direito Empresarial e Contratos e em Relações Internacionais/Comércio Exterior - UNICEUB; Professor de Direito Internacional Publico e Privado e em MBA - Mediação e Arbitragem.

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MARINA SANCHES WÜNSCH Doutoranda em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Professora da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul e do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER). Participou de Programa de Cooperação Acadêmica da CAPES-PROCAD UFPA/UNISINOS/ UNICAP. Colaboradora em projetos de pesquisa e extensão. Atua como advogada e estuda temas relacionados ao Direito Internacional com ênfase nos Direitos Humanos.

TATIANA SQUEFF

DE

ALMEIDA

FREITAS

RODRIGUES

CARDOSO

Doutoranda em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com período sanduíche junto a Universidade de Toronto, Canadá. Possui Especialização em Língua Inglesa pelo Centro Universitário La Salle (UNILASALLE). Possui Especialização em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Relações Internacionais Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora de Direito Internacional Público e Privado na Graduação em Direito e em Relações Internacionais do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) e da Faculdade São Francisco de Assis (UNIFIN). Professora Substituta concursada na Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nas disciplinas de Direito Internacional Público e Direito do Consumidor. Professora de Pós-Graduação na Feevale; no Verbo Jurídico; na FADERGS; na FACOS; na UFRGS e na Escola Superior de Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESMAFE-RS) nas disciplinas de Direito Internacional. E-mai: [email protected]

THOMAZ FRANCISCO SILVEIRA DE ARAUJO SANTOS Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela UFRGS. É professor convidado no curso de especialização "O Novo Direito Internacional" na UFRGS, e foi professor nos cursos de Relações Internacionais da UFRGS, do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing/Sul (ESPM/Sul). Atualmente, é professor adjunto do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

VANESSA DE OLIVEIRA BERNARDI Mestre em Direito Público na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). PósGraduanda em Relações Internacionais pela Verbo Jurídico. Professora de Direito Internacional Privado na União das Faculdades Integradas de Negócios (UNIFIN). Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) e Integrante do grupo de Pesquisa sobre Tribunais Internacionais do UNIRITTER. Advogada e parecerista.

Sumário Capítulo 1 - GOLPE DE ESTADO:NOTAS CONCEITUAIS..............00 Profa. Dra. Laura Garbini Both Capítulo 2 - RECONHECIMENTO DE GOVERNO, DEMOCRACIA E SOBERANIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERSPECTIVA LATINOAMERICANA........................................................................00 Andréa Benetti Carvalho de Oliveira Ane Elise Brandalise Gonçalves Capítulo 3 - CLÁUSULA DEMOCRÁTICA DA OEA: CONDICIONANTES PARA O RECONHECIMENTO DE GOLPE DE ESTADO.............................................................................................00 Eduardo Biacchi Gomes Amanda Carolina Buttendorff Rodrigues Beckers Capítulo 4 - A SUSPENSÃO DE MEMBROS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS: UMA QUESTÃO PROCEDIMENTAL?..........................................................................00 Tatiana de A. F. R. Cardoso Squeff Vanessa de Oliveira Bernardi Capítulo 5 - A PROMOÇÃO E A PROTEÇÃO DA DEMOCRACIA NO CONTINENTE AMERICANO: REFLEXÕES SOBRE AS ORGANIZAÇÕES DE INTEGRAÇÃO REGIONAL E AS CLÁUSULAS DEMOCRÁTICAS.......................................................00 Luciano Meneguetti Pereira

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Capítulo 6 - A LEGALIDADE E A LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE PÚBLICA INTERNACIONAL DA OEA NOS CASOS BRASIL E VENEZUELA:DO SOFT POWER A UM DIREITO POLÍTICO INTERNACIONAL..............................................................................00 Arthur Roberto Capella Giannattasio Capítulo 7 - UNASUL, O CASO LUGO E A DEMOCRACIA.............00 Juliana Kiyosen Nakayama Ivana Nobre Bertolazo Capítulo 8 - DEMOCRACIA E DIREITO: O CASO DO PARAGUAI E O PAPEL DA CLÁUSULA DEMOCRÁTICA DO MERCOSUL.........00 Marina Sanches Wünsch Capítulo 9 - A ATUAÇÃO DO BRASIL FRENTE AO GOLPE MILITAR EM HONDURAS EM 2009..................................................00 Fernando César Costa Xavier Capítulo 10 - A CRISE HONDURENHA DE 2009: UMA ANÁLISE JURÍDICO-POLÍTICA.........................................................................00 Thomaz Francisco Silveira de Araujo Santos Capítulo 11 - SURINAME E GUIANA: A REALIDADE DEMOCRÁTICA DE UMA OUTRA AMÉRICA DO SUL...................00 Luís Alexandre Carta Winter Juliana Ferreira Montenegro Capítulo 12 - PERU: FUJIMORI E O AUTOGOLPE DE 1992...........00 Edgar Rengifo Marco Antonio Rochael França

Capítulo

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A PROMOÇÃO E A PROTEÇÃO DA DEMOCRACIA NO CONTINENTE AMERICANO: REFLEXÕES SOBRE AS ORGANIZAÇÕES DE INTEGRAÇÃO REGIONAL E AS CLÁUSULAS DEMOCRÁTICAS Luciano Meneguetti Pereira “...não há governo no mundo, por mais ditatorial que seja, que não se tenha autoqualificado de democrático”. Jean Michel Arrighi

1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS A partir do final da Segunda Guerra Mundial o mundo tem uma nova configuração, em diversos aspectos. Um deles são as mudanças ocorridas no âmbito das relações internacionais, que passaram a ser fortemente marcadas por um aprofundamento da cooperação internacional e pela relativização do conceito de soberania. Nesse contexto, o Direito Internacional também experimentou uma evolução sem precedentes, evidenciada, v.g., pela codificação do direito costumeiro e pela proliferação dos tratados internacionais, pelo surgimento e ampliação do número de cortes e tribunais internacionais (globais e regionais), pelo incremento do quadro clássico dos sujeitos internacionais, pelo fortalecimento do sistema de arbitragem internacional, pela proteção internacional

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conferida à pessoa humana (nascimento do Direito Internacional dos 126 Direitos Humanos), dentre diversos outros fatores. Neste cenário de expansão e profundas alterações nas relações internacionais e também no denominado Direito Internacional clássico, destacam-se a partir de meados do século XX, três importantes fenômenos: (i) a ascensão e a multiplicação das organizações internacionais; (ii) a intensificação dos processos regionais de integração política e econômica; (iii) e, a luta pela democracia, evidenciada pelo interesse e esforço comum da sociedade internacional (nas esferas global e regional) na implantação e consolidação da democracia em diversos países e regiões do globo. O objetivo precípuo deste ensaio é apresentar um quadro analítico acerca destes fenômenos, focando-se a análise pretendida no continente americano que, apesar de estar inserido no contexto de um movimento mundial de democratização que se verifica a partir do segundo pós-guerra, conviveu durante décadas com golpes militares e tem experimentado constantes crises democráticas ao longo dos tempos em diversos países da região. Respostas internacionais têm sido dadas a este quadro de déficit democrático nas américas e uma das propostas do presente texto é analisar algumas delas, o que se fará especialmente por meio da análise das chamadas cláusulas democráticas. Em um primeiro momento o trabalho examina duas constatações específicas: o surgimento e a proliferação das organizações internacionais, notadamente a partir da criação da 126

SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 26; GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2010, pp. 112-116. Guido F. S. Soares destaca que o mundo reorganizado depois da 2ª Guerra Mundial “se traduziria pela regulamentação da paz, por meio da diplomacia multilateral institucionalizada: (a) em primeiro lugar, pela abertura do Direito Internacional além da Europa, inclusive a Turquia e a América, igualmente a novos Estados da Ásia, da África e da Oceania; (b) em segundo lugar, pela instituição de uma organização cimeira, a Organização das Nações Unidas, aberta a todos os Estados, de quaisquer continentes, com quaisquer conformações ideológicas ou religiosas e com uma competência generalizada para quaisquer assuntos que interessem à paz; (c) em terceiro, pela extraordinária proliferação de organizações intergovernamentais especializadas, algumas com jurisdição internacional, outras regionais, com competências para assuntos especializados, e que abarcam toda gama de campos de interesse das relações internacionais...” (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 32).

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Organização das Nações Unidas (ONU); e a intensificação dos movimentos de integração regional desencadeados também a partir deste período, mas especialmente após o final da Guerra Fria, contexto em que se verificará a expansão e o fortalecimento dos blocos regionais e das organizações de integração regional (OIRs). No desenvolvimento deste tópico também serão evidenciados dois propósitos bem delineados dos processos integracionais: a salvaguarda dos direitos humanos e a promoção e defesa da democracia. A seguir será analisado o fenômeno das organizações de integração regional nas américas e a luta pela democracia, o que será feito por meio da apreciação de três organizações específicas: a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), abordando-se os principais documentos internacionais e mecanismos que têm sido editados e implementados no âmbito destas organizações nas últimas décadas, voltados à promoção e proteção dos regimes democráticos. Por fim, o trabalho abordará o fenômeno das cláusulas democráticas no âmbito destas organizações de integração regional americanas, analisando-se os principais aspectos desse mecanismo de promoção e defesa da democracia, conforme os tratados internacionais que as estabeleceram, bem como o seu papel na consolidação democrática dos países do continente americano. 2 BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS, OS MOVIMENTOS DE INTEGRAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA E A DEMOCRACIA Fruto de um movimento histórico bem definido127, o fenômeno das organizações internacionais, tal como hoje são conhecidas, “espelha um propósito de melhor estruturação da sociedade internacional, escolhendo-se outro parceiro internacional para ombrear com os Estados”128, que por muito tempo detiveram o 127

Sobre a origem e evolução das organizações internacionais vide: CRETTELA, NETO, José. Teoria Geral das Organizações Internacionais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 43-79.

128

GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público, op. cit., p. 113.

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monopólio e protagonizaram as relações internacionais, figurando como únicos sujeitos do Direito Internacional. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, notadamente a partir da segunda metade do século XX, tais organizações passaram a ser gradativamente criadas pelos Estados, com vistas ao atendimento das novas e crescentes exigências e necessidades, bem como em razão de interesses diversos que começaram a surgir e se proliferar no âmbito das relações internacionais. Estes fatores fizeram com que estas organizações apresentassem um extraordinário crescimento em número e em 129 amplitude funcional e operativa a partir deste momento histórico. Conforme Cançado Trindade, nos últimos tempos, “a crescente atuação das organizações internacionais tem sido um dos fatores mais marcantes na evolução do direito internacional 130 contemporâneo”. De acordo com os trabalhos preparatórios de codificação do Direito dos Tratados, empreendidos pela Comissão de Direito Internacional (CDI) da Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização internacional é uma associação de Estados estabelecida por meio de tratado, dotada de uma constituição e de órgãos comuns, possuindo personalidade jurídica distinta da dos Estados que a compõe, e que tem status de sujeito de Direito Internacional com 131 competência para concluir tratados. Nesse sentido, Thomas Buergenthal e Sean D. Murphy explicam que, as organizações internacionais de carácter público – também conhecidas como organizações intergovernamentais – normalmente são: (1) instituições estabelecidas por um tratado, às vezes denominado como “Carta” – que serve como “Constituição” da organização; (2) compostas por membros que sejam Estados ou organizações internacionais; (3) reguladas pelo Direito Internacional; e (4) dotadas de personalidade jurídica e, portanto, geralmente podem se envolver em contratos, e

129

CRETELLA NETO, José. Teoria Geral das Organizações Internacionais, op. cit., p. 81.

130

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacionais. 3. ed. Rio de Janeiro: Del Rey, 2003, p. 9.

131

das

Organizações

FITZMAURICE, Gerald Gray. Annuaire de la Commission du Droit International (1956). Volume 2. Nova Iorque: Nation Unies, 1957 (p. 110, art. 3, b). Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2016.

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podem processar e ser processadas em tribunais nacionais, sujeitas 132 a certas imunidades. (tradução nossa) Com a criação ONU, por meio da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, surge a principal organização internacional do globo, de amplitude universal, com a responsabilidade de manter a paz e a segurança internacionais, desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, alcançar a cooperação internacional para resolução dos problemas internacionais e constituir um centro destinado a harmonizar as ações dos países para a consecução de objetivos comuns. A partir de então se desencadeia um rápido crescimento do número de organizações internacionais, acompanhado por uma 133 extraordinária variedade da modelos, formas, eficácia e propósitos , fazendo surgir uma extensa gama de outras organizações, de amplitude universal e regional; gerais e especializadas; de cooperação e integração política, econômica, social, técnica, dentre outros modelos e arranjos, que somavam por volta de 400 organizações na virada do séc. XX para o séc. XXI.134 Outro fenômeno que se verifica a partir de meados do século XX é a intensificação dos processos regionais de integração econômica, fruto da intensificação da globalização nos últimos tempos e das profundas transformações econômicas mundiais ocorridas a partir do segundo pós-guerra. Esse movimento integracionista é hoje verificado em diversas partes do mundo: União Europeia, MERCOSUL, NAFTA, Comunidade Andina etc. María Carmen Ferreira e Julio Ramos Oliveira definem essa integração como um processo de mudança social voluntária, mediante o qual, a partir da existência de problemas, interesses e objetivos comuns, as nações se associam e adotam estratégia de ação conjunta para

132

BUERGENTHAL Thomas; MURPHY, SEAN D. Public International Law in a Nutshell. 4. ed. St. Paul: Thomson/West, 2007, e-book.

133

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 44.

134

CRETELLA NETO, José. Teoria Geral das Organizações Internacionais, op. cit., p. 73.

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melhorar seu status, o de suas respectivas comunidades, e sua 135 inserção no sistema estratificado internacional. (tradução nossa) Promovidos por Estados soberanos mediante a celebração de tratados internacionais, estes processos de integração regional têm como finalidade precípua a abolição de barreiras para a promoção da 136 livre circulação de bens, pessoas, mercadorias e capitais. É neste contexto que tem lugar os blocos regionais, sinteticamente definidos como “esquemas criados por Estados localizados em uma mesma região do mundo, com o intuito de promover a maior integração entre as respectivas economias e, 137 eventualmente, entre as suas sociedades nacionais”. São também conhecidos como “mecanismos de integração regional”, “blocos econômicos regionais”, “blocos regionais econômicos” ou “blocos 138 econômicos”, sendo bastante comum a utilização da expressão blocos regionais, mais coerente em face da conjuntura de integração regional verificada nas diversas partes do globo atualmente, uma vez que o processo de integração não se verifica apenas no âmbito da economia, mas estende-se para várias outras áreas (v.g., na política, na tecnologia, nas relações sociais, culturais etc.). Atualmente os blocos regionais estão inseridos no âmbito 139 daquilo que tem se denominado Direito Internacional da Integração e, assim como as organizações internacionais em geral, surgem a partir de tratados internacionais multilaterais celebrados entre os Estados que buscam o processo de integração, passando posteriormente a funcionar não apenas dentro do marco dos atos internacionais que os constituiu, mas também de acordo com normas 135

FERREIRA, María Carmen; OLIVEIRA, Julio Ramos. Las Relaciones Laborales en el Mercosur. Modevideo: Fundação de Cultura Universitária, 1997, p. 10.

136

GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 327. Sidney Guerra destaca que “encarar um processo de integração regional suscita a alteração de princípios estruturais e essenciais dos Estados, acarretando modificações em alguns pontos do Direito Internacional clássico”, tal como a soberania (p. 328).

137

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 162.

138

MACHADO, Diego Pereira; DEL´OLMO, Florisbal de Souza. Direito da Integração, Direito Comunitário, Mercosul e União Europeia. Belo Horizonte: JusPODIVM, 2011, pp. 52-54.

139

GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público, op. cit., p. 327.

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fixadas por outros tratados e por modalidades normativas peculiares, concebidas no bojo de suas atividades, tais como diretrizes, regulamentos, resoluções e decisões que surgem no âmbito dos próprios blocos. A junção das concepções trazidas anteriormente (organizações internacionais, processos de integração regional e blocos regionais) oportuniza algumas breves considerações sobre as organizações de integração regional (OIRs), uma espécie de organização internacional de vocação regional, criadas pelos Estados por meio de tratados, com personalidade jurídica internacional própria e em regra, com o poder de celebrar tratados, e que têm por finalidade específica a promoção da integração dos Estados Membros que as compõem, em diversos setores da vida internacional, notadamente no âmbito econômico e político. Estas organizações são resultado de um aprofundamento da cooperação internacional e de um nítido processo integracionista, caracterizador da sociedade internacional, que se inicia a partir de 1945 e se intensifica com o fim da Guerra Fria. Uma análise histórica e mais aprofundada das OIRs, permite a afirmação de que elas são estabelecidas inicialmente com o principal objetivo de promover a prosperidade econômica em âmbito regional, por meio da abertura das economias dos Estados Membros um ao outro, criando-se zonas econômicas privilegiadas. 140 Conforme explicam Gaspare M. Genna e Taeko Hiroi, os países fundem as suas economias por meio da liberalização do comércio de bens e serviços, pela redução das barreiras para capitais intra-regionais e fluxos de investimentos, e pela harmonização de critérios de imigração para a mobilidade dos 141 trabalhadores. (tradução nossa) No entanto, conforme já mencionado anteriormente e como se verá mais adiante, especificamente pela análise das chamadas cláusulas democráticas, os processos e os objetivos da integração regional transcendem o caráter econômico, dando ênfase também a um inter-relacionamento integracional de viés político, técnico, social e cultural, dentre outros, que bem demonstra a preocupação com a proteção de diversos valores comuns aos sujeitos internacionais 140

SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e da Integração. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 44.

141

GENNA, Gaspare M.; HIROI, Taeko. Regional Integration and Democratic Conditionality. New York: Routledge, 2015, p. 1.

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partícipes do processo de integração, tais como a democracia, os direitos humanos e a estabilidade política. Em contornos temporais mais específicos, pode-se afirmar que o término da Guerra Fria “conferiu à democracia e aos direitos humanos a condição de valores universais e inquestionáveis em 142 todas as partes do globo” , valorização que atualmente se evidencia pelo grande número de Estados que adotam o regime democrático, bem como pela ampla produção normativa no plano internacional, que estabelece o compromisso para os sujeitos internacionais no tocante ao respeito pelas instituições democráticas e pelos direitos humanos. Como bem coloca Alberto Ricardo Dalla Via, não há direitos humanos sem democracia e não há democracia sem direitos humanos, pois o princípio democrático é fundamental para 143 dimensionar e interpretar o alcance dos direitos humanos. Nesta mesma linha, Jack Donnelly afirma que a “democracia, o desenvolvimento e respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais são interdependentes e se reforçam mutuamente”, concluindo que as “normas internacionais de direitos humanos requerem governos democráticos” para que possam ser efetivadas.144 A preocupação com o estabelecimento e a proteção universal dos direitos humanos está hoje amplamente consagrada nos diversos tratados internacionais sobre a temática que foram estabelecidos nas últimas décadas, sendo que os direitos protegidos contam hoje com um bem arquitetado sistema de proteção em nível global (ONU), bem como em níveis regionais (OEA, UE e UA), além da proteção que lhes é conferida pelas jurisdições domésticas dos Estados, tendo 145 como base as suas constituições.

142

SILVA, Fernando Fernandes da. Direito Internacional e Consolidação Democrática. In. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 3, jan./jun. – 2004, p. 480.

143

DALLA VIA, Alberto Ricardo. Los Derechos Politicos en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos, p. 21. Disponível em: . Acesso em 18 jul. 2016. Esta assertiva se encontra consagrada no art. 7º da Carta Democrática Interamericana.

144

DONNELLY, Jack. Universal Human Rights in Theory and Practice. 3. ed. Ithaca: Cornell University Press, 2013, e-book.

145

LANDMAN, Todd. Human Rights and Democracy: The Precarious Triumph of Ideals. London: Bloomsbury Publishing, 2013, p. 31.

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Conforme afirma Jack Donnelly, “os direitos humanos tornaram-se uma ideia política hegemônica na sociedade internacional contemporânea, um padrão amplamente aceito de 146 legitimidade política internacional”. (tradução nossa) No âmbito das OIRs, a preocupação com os direitos humanos se verifica por meio dos tratados institutivos e das diversas disposições normativas internacionais pertinentes ao assunto, sendo tema recorrente na agenda política dos Estados Membros de muitas organizações, conforme se verá adiante. A ideia de democracia (originária da Grécia antiga)147, tal como é conhecida atualmente, como se sabe demandou muito tempo 148 para surgir, evoluir e ser assumida nos últimos tempos como um compromisso e valor universal.149 Como aponta Gustavo Zagrebelsky, 150 “a democracia nunca gozou de tão boa saúde como agora”. Conforme explica Amartya Sen, não se deve identificar a democracia apenas com a regra da maioria, pois trata-se de uma temática que envolve demandas muito mais complexas, tais como o voto e o respeito pelas eleições, a proteção e o respeito dos direitos e

146

DONNELLY, Jack. Universal Human Rights in Theory and Practice, op. cit.

147

SEN, Amartya. Democracy as a Universal Value. In. Journal of Democracy, Vol. 10, Issue 3, July 1999, p. 4.

148

A sua concepção e gradual desenvolvimento passou por muitas etapas históricas, desde a Magna Carta de 1215, passando pelas revoluções francesa e americana no século XVIII, pelo seu alargamento na Europa e na América do Norte no século XIX, até a sua consolidação, no século XX, como uma forma “comum” de governo a que tem direito qualquer nação do globo. Vale aqui destacar que apesar de seu crescimento e sua popularidade, a democracia continua sendo um “conceito essencialmente contestado”, sendo muitos os debates ainda existentes sobre definições, componentes e significados do termo democracia (LANDMAN, Todd. Human Rights and Democracy, op. cit., p. 25). Falando sobre a democracia na atualidade, Zagrebelsky afirma ser “a ideologia do nosso tempo, talvez não por convicção, nem por hábito, mas por falta de alternativas (...) A ambiguidade é o caráter da democracia de nossos tempos (...) A nossa época, enfim, não é a da glorificação da democracia, mas a da crítica à democracia que evidenciou impiedosamente seus limites, seus lados obscuros e suas mistificações” (ZAGREBELSKY, Gustavo. A Crucificação e a Democracia. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 36).

149

SEN, Amartya. Democracy as a Universal Value, op. cit., p. 4. A sustentação de democracia como um valor universal é feita pelo autor do texto, especificamente nas páginas 11 a 15.

150

ZAGREBELSKY, Gustavo. A Crucificação e a Democracia, op. cit., p. 35.

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das liberdades, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa 151 etc. No entanto, pode-se afirmar que a ideia central de democracia é de que as pessoas comuns querem governar a si 152 mesmas e são capazes de fazer isso , uma concepção que envolve a noção de soberania popular e/ou ampla participação política popular, que hoje está presente em todos os cantos do globo, sendo que o número de pessoas que vivem em sociedades democráticas tem aumentado significativamente nas últimas décadas. A partir do século XX, mais precisamente após o término do Segunda Guerra Mundial, a sociedade internacional passou a experimentar um movimento global em prol da democratização, notadamente pela importante mudança do paradigma vigente até então: “um país não deve ser considerado apto para a democracia; 153 pelo contrário, ele deve tornar-se apto através da democracia”. Esta ascensão da democracia e os esforços internacionais pela implementação de regimes democráticos em volta do globo é institucionalizada e ganha força com a criação das Nações Unidas, em 1945. Três anos mais tarde, um dos mais importantes documentos editados no âmbito da ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consagrou a democracia como um ambiente fundamental para a proteção e realização efetiva dos direitos humanos (art. XXIX). Para a ONU, a democracia é um ideal reconhecido universalmente e um de seus valores fundamentais, valores estes que estão “incorporados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e mais desenvolvidos no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que consagra um conjunto de direitos 154 políticos e liberdades civis que sustenta a democracia”.

151

SEN, Amartya. Democracy as a Universal Value, op. cit., pp. 9-10.

152

GREENBERG, Edward S.; PAGE, Benjamin I. The Struggle for Democracy. 11. ed. Londres: Pearson, 2012, p. 6. É comumente aceita na atualidade a ideia de democracia como o governo do povo, pelo povo e para o povo, que revela a noção de soberania popular, ou seja, um regime de governo onde todas as decisões políticas importantes são tomadas pelo povo, por meio de seus representantes eleitos por meio do voto ou diretamente.

153 154

SEN, Amartya. Democracy as a Universal Value, op. cit., p. 4.

Disponível em: . Acesso em 18 jul. 2016.

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Em resolução adotada em 18 de dezembro de 2009, a Assembleia Geral da ONU reafirmou que “a democracia é um valor universal, baseado na livre expressão da vontade dos povos de determinarem os seus sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e a sua plena participação em todos os aspectos de suas 155 vidas” , (tradução nossa) conforme já havia anteriormente afirmado 156 por ocasião da Cúpula Mundial de 2005, em seu documento final. Mas não é apenas no âmbito da principal organização universal do mundo que a democracia constitui um dos maiores objetivos a serem alcançados e efetivados. O ideal democrático também se encontra regionalizado e está insculpido em diversos tratados internacionais constitutivos de muitas organizações regionais que surgiram a partir de 1945, conforme se verá no tópico a seguir, onde se dará ênfase a algumas organizações surgidas nas Américas. 3 O FENÔMENO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS REGIONAIS NAS AMÉRICAS E A LUTA PELA DEMOCRACIA Desde o final da Segunda Guerra Mundial o número de organizações internacionais tem crescido num ritmo notável. Atualmente, pouquíssimos países do mundo não são membros de pelo menos uma organização internacional.157 Os processos de integração regional também se intensificaram, fazendo ascender a figura dos blocos regionais e ocasionando o surgimento das organizações de integração regional. No continente americano há hoje inúmeras organizações internacionais de cooperação política e econômica, tais como a OEA, a CELAC, a UNASUL, a ALBA, o PETROCARIBE, a ALADI, o SELA, a ODECA, o MCCA, a CARICOM, a NAFTA e o MERCOSUL, dentre outras. Um traço comum à grande maioria destas organizações é a exigência de regimes democráticos como condição para o ingresso, permanência e plena participação em seus órgãos e atividades (condicionalidade democrática). Nesse contexto, a democracia aparece como uma espécie de valor regional supremo, indispensável 155

Disponível em: . Acesso em 18 jul. 2016.

156

Disponível em: . Acesso em 18 jul. 2016.

157

GENNA, G. M.; HIROI, Taeko. Regional Integration and Democratic Conditionality, op. cit., p. 1.

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para a estabilidade política, a paz e o desenvolvimento dos países e dos processos integracionais do continente americano, bem como para a proteção dos direitos humanos nas américas. Esta assertiva será demonstrada e fundamentada pela análise de três importantes organizações do continente americano: a OEA, o MERCOSUL e a UNASUL. 3.1 A ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA) Principal organização do continente americano, a OEA surgiu no ano de 1948158, por ocasião da IX Conferência dos Estados Americanos, em Bogotá, na Colômbia, quando foram adotados três importantes textos: (i) a Declaração Americana dos Direitos e 159 Deveres do Homem, de caráter principiológico ; (ii) o Tratado Americano sobre Soluções Pacíficas (“Pacto de Bogotá”), um texto jurídico que dispôs sobre os processos decisórios; (iii) e, a Carta da Organização dos Estados Americanos (“Carta de Bogotá”), de cunho organizacional e que representa o tratado constitutivo da OEA.160 A Carta da Organização dos Estados Americanos é um tratado internacional multilateral e aberto, instituidor de organização internacional (art. 1º), sendo também o tratado constitutivo de uma organização regional, nos termos do art. 52, § 1º, da Carta da ONU. Nela, os Estados americanos, além de instituir uma organização

158

Há quem remonte os antecedentes do Sistema Interamericano ao Congresso do Panamá, convocado por Simón Bolívar, no ano de 1826, mas é no ano de 1889 que os Estados americanos decidiram se reunir periodicamente e criar um sistema compartilhado de normas e instituições (ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos. Barueri: Manole, 2004, pp. 8-14).

159

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem foi o documento que abriu o caminho para a adoção de outro importante texto internacional, que mais tarde se tornaria o principal instrumento de salvaguarda dos direitos humanos no continente americano, a Convenção Americana da Direitos Humanos, adotada em San José, na Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.

160

A Carta da OEA entrou em vigor em dezembro de 1951 e reformada quatro vezes: (i) pelo “Protocolo de Buenos Aires”, em 1967; (ii) “Protocolo de Cartagena das Índias”, em 1985; (iii) pelo “Protocolo de Washington”, em 1992; e, (iv) pelo "Protocolo de Manágua", em 1993. O Protocolo de Washington, em vigor desde 1997, foi o responsável por introduzir na Carta da Organização dos Estados Americanos, normas destinadas à proteção do regime democrático (ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., pp. 21-24).

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161

internacional regional de cooperação política , também deixaram claro que a democracia é um dos valores fundantes da organização e um objetivo político primordial. No preâmbulo da Carta, os Estados Membros da organização afirmam estarem seguros de que “a democracia representativa é condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região” (grifo nosso), atestando ainda a certeza de que “o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro senão o de consolidar” na região continental, “dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade individual e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem” (grifo nosso). O art. 2º da Carta, que cuida dos propósitos da organização, dispõe que para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas obrigações regionais de acordo com a Carta das Nações Unidas, a OEA terá como propósitos essenciais a promoção e a consolidação da democracia representativa, respeitando-se o princípio da não-intervenção. O mesmo dispositivo também consagra como propósito essencial da organização a erradicação da pobreza crítica, que constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do continente. Ao reafirmarem os princípios da organização, os Estados concordam que a “solidariedade entre os Estados americanos e os altos fins a que ela visa requerem a organização política dos mesmos, com base no exercício efetivo da democracia representativa”, entendendo que a “eliminação da pobreza crítica é parte essencial da promoção e consolidação da democracia representativa e constitui responsabilidade comum e compartilhada dos Estados americanos” (art. 3º) (grifos nosso). Vale ainda ressaltar que o art. XXVIII da Declaração Americana consagra que “os direitos do homem estão limitados pelos direitos do próximo, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem-estar geral e do desenvolvimento democrático”. Conforme se nota, a Carta da OEA enfatiza a democracia representativa como forma de organização política dos Estados Membros da organização e como condição indispensável para o 161

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais, op. cit., pp. 280295.

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processo de integração regional nas Américas. Nesse sentido, Jean Michel Arrighi destaca que “a Carta consagra o compromisso dos Estados americanos com a prática da democracia representativa, assim como a intenção da Organização (se não a sua obrigação) de trabalhar para garantir essa prática”.162 Portanto, rupturas democráticas não são toleradas e deverão ser combatidas, inclusive mediante eventuais intervenções da OEA em assuntos internos dos Estados afetados. Nesse sentido, Ricardo Seitenfus afirma que a “possibilidade de uma intervenção nos assuntos internos dos Estados-Membros, apesar de refutada textualmente, torna-se possível. E esta possibilidade ocorre na 163 proporção direta da indefinição das iniciativas de prevenção” , delineadas no art. 2º da Carta. Neste ponto deve-se ressaltar que a delicada natureza do princípio democrático e a dificuldade em conciliá-lo com o dever de não-intervenção, estabelecido textualmente, têm sido uma das maiores fontes de inquietações no âmbito da OEA. A reafirmação e o reforço do compromisso com a democracia por parte dos Estados Membros da OEA se deu com a adoção da 164 Carta Democrática Interamericana , no ano de 2001, documento que realça sobremaneira a importância da democracia no continente americano, afirmando que ela é e deve ser a forma de governo 165 comum a todos os Estados das Américas. O documento constitui 162

ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., p. 115.

163

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais, op. cit., pp. 281282.

164

Formalmente trata-se de uma Resolução da Assembleia Geral da OEA, que “define várias situações possíveis que permitem o funcionamento da organização para preservar a democracia em um Estado membro”, conforme estabelecido nos arts.17 a 22 da Carta. (ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., p. 122)

165

A preocupação com o fortalecimento e com a promoção da democracia no âmbito da OEA já havia sido evidenciada na Declaração de Santiago, adotada em 1959, por ocasião V Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores, em Santiago, no Chile. No ano de 1991, também em Santiago, durante o 21º período ordinário de sessões da Assembleia Geral da OEA, o princípio de proteção ao regime democrático também foi contemplado por duas importantes resoluções: o Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovação do Sistema Interamericano, que reafirmou a necessidade de defender e promover a democracia representativa e reiterou o vínculo entre a democracia, respeito aos direitos humanos, segurança e desenvolvimento; e, a Resolução n. 1.080 (AG/RES. n.

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um compromisso coletivo com vistas ao fortalecimento e preservação do sistema democrático na região, conforme estabelecido pelo art. 1º da Carta da OEA, segundo o qual “os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la”. A Carta Democrática Interamericana surgiu logo após o momento de superação do difícil período que a antecedeu, marcado por regimes ditatoriais caracterizados em vários países do continente americano nas décadas anteriores. Também nasceu como resposta à necessidade de se enfrentar diversos problemas de instabilidade e deficiente desempenho de alguns regimes democráticos, evidenciados pelas frequentes crises políticas que assolam vários países da região.166 Trata-se, sem dúvida, de um importante marco normativo na defesa e na promoção da democracia no continente americano, pois estabelece meios de ação conjunta para o enfrentamento de crises e para o oferecimento de respostas às ameaças contra a ordem constitucional democrática dos Estados Membros da OEA. À guisa de uma conclusão parcial, afirma-se que a democracia é um dos pilares da OEA167, sendo evidente a preocupação com a sua promoção e defesa no âmbito dos Estados americanos, como meio de remover as condições que, de outro modo, poderiam possibilitar a eclosão de focos de agitação e o 168 comprometimento da própria estrutura regional constituída. Não há 1.080/91 XXI-0/91), intitulada Democracia Representativa (Representative Democracy), que imediatamente teve grande transcendência prática, autorizando a criação de mecanismos regionais no caso de rompimento do regime democrático em um Estado Membro da OEA (ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., pp. 116-119). 166

A Carta Democrática Interamericana surge como uma resposta à uma necessidade de se abordar novos tipos de ameaças democráticas além do golpe militar clássico, tais como confrontos intragovernamentais entre ramos do governo, atores armados não estatais (v.g., facções criminosas, facções militares rebeldes, insurgências armadas ou paramilitares), atores não estatais não armados, incluindo-se protestos sociais em massa e bloqueios.

167

Visão que resta evidenciada pela análise do conjunto normativo integrado pela Resolução n. 1.080, pelo art. 9º da Carta da OEA (incorporado pelo Protocolo de Washington e que será objeto de análise mais adiante) e pela Carta Democrática Interamericana.

168

Neste ponto, apenas para citar-se um exemplo, basta um olhar para a Venezuela e seu conturbado relacionamento com a OEA, v.g., sua retirada do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos; a recente (31.05.2016)

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dúvidas no âmbito da OEA de que regimes antidemocráticos violam os princípios em que se baseia a organização e colocam em risco a paz, a solidariedade e as boas relações no continente, bem como atentam contra os direitos humanos. 3.2 O MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL) A instituição do MERCOSUL (ou MERCOSUR) constitui o momento mais marcante do processo de integração regional dos 169 países sul americanos. Esta OIR nasce por meio do Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (“Tratado MERCOSUL” ou “Tratado de 170 Assunção”), concluído em 26 de março de 1991. Este tratado internacional pode ser considerado o fundamento da estrutura do MERCOSUL, locus onde estão positivados os seus princípios 171 elementares. Em 17 de dezembro de 1994 foi celebrado o Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL (“Protocolo de Ouro Preto”), que teve por objetivo ampliar a estrutura institucional do MERCOSUL, anteriormente estabelecida pelo art. 9º de seu tratado constitutivo. Em complemento, em 18 de fevereiro de 2002 foi celebrado o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul, pertinente à solução de controvérsias no âmbito da organização e responsável pela criação de uma instância decisória permanente, o Tribunal Permanente de Revisão, cuja natureza é de um tribunal arbitral, com competência para decidir sobre a interpretação, aplicação e convocação pelo Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro, de uma “sessão urgente” do Conselho Permanente da instituição para discutir a crise institucional na Venezuela, invocando a Carta Democrática Interamericana. 169

Para um estudo mais aprofundado acerca de gênese do MERCOSUL vide: GARDINI, Gian Luca. The Origins of Mercosur: Democracy and Regionalization in South America. New York: Palgrave Macmillan, 2010, pp. 17-102.

170

São membros originários do MERCOSUL: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Atualmente também integra a organização a Venezuela, após o seu polêmico ingresso no ano de 2012. Sobre a polêmica que envolveu a questão vide: LAFER, Celso. A Ilegalidade da Incorporação da Venezuela. In. Folha de São Paulo. Disponível em: . Acesso em 18 jul. 2016.

171

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 711.

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cumprimento das normas jurídicas do processo de integração regional sul-americano. Por meio destes três tratados internacionais de constituição do MERCOSUL, seus Estados Membros fixaram normativamente o objetivo de estabelecer de modo progressivo, um mercado comum, “convencidos de que a ampliação de seus mercados, através da integração, constituiria condição fundamental para acelerar o 172 processo de desenvolvimento econômico com justiça social”. O MERCOSUL nasce, portanto, com a finalidade de promover o desenvolvimento econômico por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores de produção; pela criação de tarifas externas comuns; pela criação de políticas macroeconômicas coordenadas e setoriais, bem como pela adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados; e pelo compromisso de harmonização das legislações domésticas nas áreas pertinentes. No entanto, não é possível afirmar que esta OIR tenha sido criada com objetivos meramente econômicos. À época de sua criação, os líderes políticos dos Estados Membros estavam cientes quanto à necessidade da estabilidade política doméstica de seus países para uma integração bem-sucedida e para o êxito do desenvolvimento econômico buscado. Alguns países, como Brasil e Argentina, haviam acabado de pôr fim a longos períodos ditatoriais, razão pela qual era latente a 173 busca pelo reforço de suas novas democracias. Portanto, não há como negar que o desejo de promover a consolidação democrática, em uma região que tem uma longa história de golpes militares e avarias democráticas, estava presente de maneira muito forte na gênese do MERCOSUL, cuja criação e desdobramentos posteriores enfatizam tanto uma integração econômica como política, notadamente por meio dos compromissos democráticos assumidos. Além disso, conforme ressaltam Gaspare M. Genna e Taeko Hiroi, uma “integração econômica cada vez maior sugere uma maior probabilidade e magnitude de que os efeitos colaterais de eventos 172 173

GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público, op. cit., p. 335.

A promoção da democracia tem suas raízes nas origens do MERCOSUL, notadamente a partir da redemocratização brasileira (1985) e argentina (1983), que sucedeu os regimes totalitários anteriores. Cumpre ainda lembrar que todos os membros fundadores do MERCOSUL experimentaram instabilidades políticas e governos autoritários no período pós-Segunda Guerra Mundial.

100

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ocorridos em um país membro tenham reflexos em outros países do 174 MERCOSUL”. (tradução nossa) Desse modo, a consolidação democrática tornou-se ainda mais urgente, uma vez que os Estados Membros se tornaram mais interdependentes com a criação da nova OIR. As iniciativas nesse sentido não tardaram em aparecer. No período que sucedeu a criação do MERCOSUL, declarações presidenciais foram editadas, onde os presidentes dos Estados Membros da organização, reafirmando os princípios e objetivos do Tratado de Assunção, acordaram que “a plena vigência das instituições democráticas é condição indispensável para a existência e desenvolvimento do MERCOSUL”. Citam-se aqui como exemplos a Declaração Presidencial de Las Leñas, de 27 de junho de 1992 e a Declaração Presidencial de Potrero de Los Funes, de 25 de junho de 1996. Embora as intenções manifestadas nestas declarações tenham sido bastante positivas no sentido de promover a democracia no âmbito da organização, ainda não eram suficientes, uma vez que em sentido técnico, tais declarações não constituíam tratados ou protocolos internacionais formais, destituídas, portanto, de força normativa vinculante para os Estados membros da organização. Em 24 de julho de 1998 foi firmado em Ushuaia, na Argentina, o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile, por meio do qual os Países membros do MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), juntamente com dois Estados associados (Bolívia e Chile), finalmente formalizaram o compromisso da organização com a ordem constitucional e com a democracia. Nele os Estados reconheceram por meio de um tratado internacional que “a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes” (art. 1º), de modo que, “qualquer interrupção da ordem democrática é considerada um obstáculo intransponível à entrada no bloco ou à continuação do processo de 175 integração”. (tradução nossa)

174

GENNA, G. M.; HIROI, Taeko. Regional Integration and Democratic Conditionality, op. cit., p. 127.

175

RAMOS, André de Carvalho. Derechos Humanos y el Mecanismo Híbrido del Mercosur: ¿Cómo Controlar la Aplicación de la Cláusula Democrática? In. Revista de la Secretaría del Tribunal Permanente de Revisión, Ano 3, N. 6; Agosto 2015, p. 59.

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101

Este instrumento consagra a cláusula democrática no âmbito do processo de integração mercosurenho, prevendo sanções a serem aplicadas em caso de ruptura democrática nos Estados membros da organização, não deixando nenhuma dúvida de que o sistema democrático de governo constitui condição indispensável para a adesão ou permanência de um Estado no MERCOSUL. O Protocolo de Ushuaia demonstra que ao longo do tempo o MERCOSUL evoluiu de um simples acordo comercial para um projeto de natureza política176 e, conforme afirma Ciuro Caldani, este importante instrumento de compromisso democrático “deve ser entendido como uma manifestação da correspondência entre integração e desenvolvimento econômico, por um lado, e da democracia, por outro; como uma integração axiológica entre 177 utilidade e justiça”. Já no marco de um MERCOSUL político, cabe ainda destacar a adoção do “Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia no MERCOSUL”, chamado por seus próprios subscritores de Ushuaia II, para demonstrar suas origens, firmado em 20 de dezembro de 2011, por ocasião da XLII Reunião do Conselho do Mercado Comum e Cúpula de Presidentes do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e Estados Associados 178 (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Neste novo tratado, que até o momento não entrou em vigor, estabeleceu-se um conteúdo semelhante ao seu antecessor (Ushuaia I), reafirmando-se o compromisso com a vigência e o respeito às instituições democráticas no âmbito do MERCOSUL. Contudo, o Protocolo de Ushuaia II reforça a cláusula democrática no ambiente mercosurenho, estabelecendo, v.g., que os Presidentes das Partes no tratado ou, na falta destes, os Ministros das Relações Exteriores, em sessão ampliada do Conselho do Mercado Comum promoverão, por meio da Presidência Pro Tempore, consultas imediatas com as autoridades constitucionais de uma Parte que tenha tido o seu regime 176

SOTO, Alfredo Mario; GONZÁLES, Flavio Floreal. Manual de Derecho de la Integracion. Buenos Aires: La Ley, 2008, p. 226.

177

CIURO CALDANI, Miguel Ángel. El Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático en el Mercosur (Integración, desarrollo y democracia). In. Revista Derecho de la Integración, N. 8, Rosario, Santa Fe, 1998, p. 20.

178

Vale novamente lembrar que atualmente também é um Estado membro do MERCOSUL, a Venezuela, desde 2012, conforme já mencionado anteriormente.

102

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democrático afetado, interporão bons ofícios e realizarão gestões diplomáticas para promover o restabelecimento da democracia no país afetado (art. 3º). Além disso, o novo tratado preenche um vazio jurídico deixado por seu antecessor, estabelecendo exemplificativamente algumas medidas que podem ser tomadas para promover o restabelecimento da democracia em um Estado 179 eventualmente afetado (art. 6º). 3.3 A UNIÃO DAS NAÇÕES SUL-AMERICANAS (UNASUL) A UNASUL (ou UNASUR), organização internacional de vocação regional e dotada de personalidade jurídica internacional, foi constituída por meio do Tratado Constitutivo da União de Nações Sul180 Americanas, firmado em Brasília, em 23 de maio de 2008. Sua criação representa um avanço no projeto de integração e cooperação entre os países do continente americano e, conforme afirma Thomas Andrew O’Keefe, “tem o potencial de desempenhar um papel crucial na facilitação do estabelecimento de uma comunidade das Américas”.181 (tradução nossa) O desenho institucional da UNASUL está fortemente marcado por traços da política externa brasileira, “responsável por influenciar a formação da organização desde a origem, em especial no que tange à esperança de torná-la uma potência tanto regional como global”182, 179

RAMOS, André de Carvalho. Derechos Humanos y el Mecanismo Híbrido del Mercosur, op. cit., p. 60.

180

Em suma, a UNASUL visa aprofundar e fortalecer os laços e as relações integracionais entre os doze países da América do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela) possibilitando ainda a participação, como observadores, de dois países da América Latina: México e Panamá. Tomas Andrew O’Keefe chama a atenção para o fato de que “um feito notável sobre a UNASUL é que ela incorpora a Guiana e o Suriname, que historicamente foram excluídos dos esforços anteriores de integração continental e de cooperação” (tradução nossa). (O’KEEFE, Thomas Andrew. Latin American and Caribbean Trade Agreements: Keys to a Prosperous Community of the Americas. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2009, p. 448)

181

O’KEEFE, Thomas Andrew. Latin American and Caribbean Trade Agreements, op. cit., p. 448.

182

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público, op. cit., pp. 716-717. A integração regional é prioridade para a diplomacia brasileira e constitui princípio regente das relações internacionais brasileiras, conforme expressamente previsto no parágrafo único do art. 4º da CRFB.

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o que se encontra refletido no preâmbulo do tratado constitutivo da 183 organização e constitui um de seus objetivos específicos (art. 3º, “a”). Não há dúvida de que a organização nasce como uma iniciativa de forte perfil político, que inclui a sua projeção internacional (conforme demonstra o amplo enunciado do art. 15 de seu tratado constitutivo) e que não exclui sua intenção de ampliação para o resto da América Latina (conforme de denota dos arts. 19 e 20 de seu tratado regente). Nesse sentido, Ricardo Seitenfus assinala que um dos principais objetivos da criação da UNASUL é a promoção de uma “inserção mais segura e competitiva dos Estados sul-americanos na 184 esfera internacional”. E ressalta ainda que “os aspectos econômicos constituem objetivos secundários, fazendo da UNASUL, uma organização regional voltada às esferas institucionais, 185 estratégicas e políticas para alcançar seus propósitos”. Trata-se de uma OIR que nasce com o propósito de integrar todo o continente sul-americano, tendo como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados (art. 2º).186 O compromisso da UNASUL com a democracia e com os direitos humanos está bastante latente em seu tratado constitutivo. Logo no preâmbulo, os Estados Partes ratificam que tanto a 183

Félix Peña afirma neste sentido que “según el Preámbulo del Tratado de Brasilia, la Unasur busca contribuir al fortalecimiento de la integración regional a través de un proceso innovador que permita ir más allá de la simple convergencia de los esquemas subregionales ya existentes”. (PEÑA, Félix. La Integración del Espacio Sudamericano ¿La Unasur y el Mercosur pueden complementarse? In. Revista Nueva Sociedad, N. 219, enero-febrero de 2009, p. 52)

184

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais, op. cit., p. 301.

185

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais, op. cit., p. 301.

186

Uma crítica feita pela doutrina ressalta que o amplo espectro de temas abarcados pelo tratado constitutivo da UNASUL sugere sua possível ineficácia (SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais, op. cit., p. 300).

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integração quanto a união sul-americanas fundam-se em diversos princípios basilares, dentre eles, a democracia. Ainda no preâmbulo, os Estados ratificam que a plena vigência das instituições democráticas e o respeito irrestrito aos direitos humanos são condições essenciais para a construção de um futuro comum de paz e prosperidade econômica e social e o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Membros. A democracia é um dos objetivos gerais a serem perseguidos pela organização (art. 2º) e os ajustes políticos entre os Estados Membros da UNASUL devem ser um fator de harmonia e respeito mútuo que afiance a estabilidade regional e sustente a preservação dos valores democráticos e a promoção dos direitos humanos (art. 14). O compromisso com a proteção e o fortalecimento da 187 democracia no âmbito desta OIR é reforçado com a adoção do Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL Sobre Compromisso com a Democracia, firmado em 26 de novembro de 2010. Este tratado internacional estabelece a cláusula democrática no âmbito da organização, com o nítido objetivo de desestimular aventuras antidemocráticas na região, incorporando à UNASUL um mecanismo multilateral concreto para a proteção, defesa e eventual restauração dos regimes democráticos dos Estados Partes da organização, eventualmente afetados. Reforçando o Tratado Constitutivo, o Protocolo cristaliza um entendimento regional, com natureza jurídica vinculante, quanto à necessidade de preservação das condições indispensáveis à governança democrática na América do Sul, inovando na abrangência de instrumentos dissuasórios que coloca à disposição dos Estados Membros da organização para coibir rupturas democráticas, especialmente se comparado a outros instrumentos internacionais da mesma natureza (v.g., Carta Democrática 187

Desde a sua criação a UNASUL está comprometida com a promoção e o fortalecimento da democracia, o que se evidencia por meio de suas atuações e importantes avanços na mediação de tensões regionais, v.g., na crise separatista do Pando (Bolívia, 2008), na crise entre Colômbia e Venezuela (2010), no apoio à ordem constitucional e democrática do Equador (2010), em sua atuação na crise desencadeada pela deposição do Presidente paraguaio Fernando Lugo (2012), na suspensão do Paraguai até que houvesse o pleno restabelecimento da ordem democrática no país (2013) e no contexto da crise desencadeada por protestos na Venezuela (2014). Disponível em: . Acesso em 20 jul. 2016.

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Interamericana e Protocolo de Ushuaia I). Isto porque, ele eleva expressivamente os custos políticos e econômicos de uma eventual ruptura democrática (na mesma linha do Protocolo de Ushuaia II), notadamente quando especifica medidas que podem resultar em um isolamento político, econômico e físico do Estado afetado (art. 4º). 4 AS CLÁUSULAS DEMOCRÁTICAS NAS ORGANIZAÇÕES DE INTEGRAÇÃO REGIONAL AMERICANAS COMO MECANISMOS DE PROTEÇÃO E FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA Diante do exposto até aqui, outra conclusão parcial a que se pode chegar é que as OIRs podem em muito contribuir para o reforço e consolidação da democracia no âmbito de seus respectivos Estados Membros, o que por consequência assegura a existência, evolução e o êxito das próprias organizações. No exercício de um dos pontos chaves de sua missão, que é a busca do fortalecimento dos regimes democráticos, as OIRs desempenham um papel significativo no fornecimento de elementos de apoio à democracia, notadamente por meio das chamadas cláusulas democráticas. Conforme se analisou, a difusão da democracia no continente americano tem sido um ato consciente das OIRs e as cláusulas democráticas são fundamentais para o sucesso deste esforço. Embora tais cláusulas estejam inseridas no contexto de um importante movimento de democratização em todo o mundo, no continente americano a sua presença é fundamental, dado o histórico contexto de muitos golpes militares (no sentido clássico), bem como outras formas de atentados contra regimes democráticos que se têm intensificado nos últimos tempos em diversos Estados americanos, tais como os golpes aplicados pelo próprio poder executivo eleito democraticamente (autogolpe), os confrontos intragovernamentais entre ramos do governo, processos de impeachments, atores armados não estatais (v.g., facções criminosas, facções militares rebeldes, insurgências armadas ou paramilitares), atores não estatais não armados, incluindo-se protestos sociais em massa e bloqueios,

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fatores que revelam a instabilidade e a fragilidade democrática na 188 região. 4.1 A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA As cláusulas democráticas constituem fenômenos relativamente recentes, tendo começado a surgir no plano internacional a partir do final do séc. XX, no âmbito dos espaços de integração regional no continente europeu e americano. Uma cláusula democrática pode ser definida como um conjunto de normas (regras e princípios), previstas em tratados internacionais, que tem por finalidade obrigar os Estados Partes à adoção, respeito, promoção e defesa da democracia e dos direitos humanos fundamentais consagrados em tratados internacionais e em suas próprias Constituições, sob pena de lhes serem aplicadas sanções que importarão na supressão ou restrição dos direitos e prerrogativas que possuem no âmbito de seus respectivos espaços institucionais de integração regional. Uma vez estabelecidas, as cláusulas democráticas passam a exercer uma influência independente na promoção e defesa das normas e instituições democráticas dos Estados Membros da OIR onde foi instituída, aumentando a transparência e a credibilidade do compromisso democrático, notadamente em razão das sanções previstas para os casos de sua violação. Nesse sentido, tais cláusulas contribuem para evitar golpes de Estado e também retrocessos democráticos. Além de atuarem fortemente na proteção dos princípios e valores democráticos e na defesa dos direitos humanos fundamentais, as cláusulas democráticas constituem também um mecanismo de suma importância para a garantia da estabilidade política no âmbito doméstico dos Estados Membros de uma OIR, que 188

Tomando a OEA como exemplo, Jean Michel Arrighi afirma que “regiões inteiras sofreram décadas e décadas de ditaduras sangrentas. Alguns Estados americanos não cumpriram o compromisso assumido e a Organização não pôde fazer grande coisa para promover a democracia no continente”. O autor também explica que “a realidade demonstrou que o golpe de Estado tradicional, perpetrado pelas Forças Armadas contra o poder civil (...) cedeu lugar a novas formas de ruptura da ordem institucional, mais sofisticadas”. (ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., p. 116)

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por sua vez constitui hoje um fator essencial para o sucesso da integração regional. Gaspare M. Genna e Taeko Hiroi definem a estabilidade política como um ambiente em que os procedimentos para a mudança de governo e formulação de políticas estão institucionalizados, não havendo, portanto, espaços para incertezas e arbitrariedades, e onde a ameaça ou uso da força para a tomada de 189 decisões políticas ou formulações de políticas estão ausentes. (tradução nossa) Trata-se de um fator de extrema importância para o sadio desenvolvimento dos Estados, bem como para a consolidação e fortalecimento da OIR, pois dentre outros aspectos, facilita a cooperação intra e inter-regional, incrementa os fluxos de investimentos, impulsiona o comércio e as transações econômicas, proporciona um ambiente onde os direitos humanos fundamentais são melhor protegidos, resguarda os regimes democráticos e fortalece a defesa dos valores democráticos. A instabilidade política do Estado Membro de uma OIR, verificada na maioria das vezes pelo desrespeito ou mesmo desprezo às regras do jogo democrático estabelecidas doméstica e internacionalmente, proporciona um quadro de desconfianças e incertezas, frustrando os esforços para o sucesso das negociações no âmbito da OIR e, por consequência, acaba por comprometer o próprio êxito da OIR. Portanto, a estabilidade política dos Estados Membros de uma OIR constitui “um bem coletivo necessário para uma integração próspera e bem-sucedida, e a consolidação democrática representa o melhor caminho para alcançar esse bem coletivo”.190 (tradução nossa) Conforme Amartya Sen, para além do valor normativo e sua aceitação internacional como forma “comum” de sistema político191, a democracia tem a capacidade de produzir uma estabilidade política 192 duradoura , e esse é um dos principais motivos que levam uma OIR a promover a democracia entre seus Estados Membros como uma 189

GENNA, G. M.; HIROI, Taeko. Regional Integration and Democratic Conditionality, op. cit., p. 2.

190

GENNA, G. M.; HIROI, Taeko. Regional Integration and Democratic Conditionality, op. cit., p. 2.

191 192

SEN, Amartya. Democracy as a Universal Value, op. cit., pp. 3-4.

GENNA, G. M.; HIROI, Taeko. Regional Integration and Democratic Conditionality, op. cit., p. 2.

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condicionante para o ingresso, permanência e participação na organização. Em síntese, pode-se afirmar que as cláusulas democráticas desempenham um papel crucial na promoção e na proteção da democracia, dos direitos humanos e da estabilidade política dos Estados Membros de uma OIR, contribuindo assim para a própria vigência, evolução e sucesso dos processos regionais de integração. 4.2 A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA NA OEA Um dos mais importantes passos em defesa da democracia no âmbito da OEA foi dado pela adoção do Protocolo de Reforma da Carta da Organização dos Estados Americanos (“Protocolo de 193 Washington”), firmado em 14 de dezembro de 1992. Referido documento normativo, alterando a Carta da OEA, em meio a outras modificações, nela introduziu o art. 9º, que constitui uma cláusula democrática a ser aplicada em eventuais casos de golpe de Estado nos países membros da OEA. Nos termos desta cláusula democrática, um Estado Membro da OEA, cujo governo democraticamente constituído seja deposto pela força, poderá ser suspenso do exercício do direito de participação nas sessões da Assembleia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das Conferências Especializadas, bem como das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos que tenham sido criados no âmbito da organização. A suspensão do Estado que sofre o golpe não é automática e constitui uma faculdade da organização, que somente poderá ser exercida quando as gestões diplomáticas por ela empreendidas, a fim de propiciar o restabelecimento da democracia representativa no Estado Membro afetado, tiverem restado infrutíferas. A decisão acerca da suspensão deverá ser adotada em um período extraordinário de sessões da Assembleia Geral da organização, sendo necessário o quórum afirmativo de dois terços dos Estados Membros nesse sentido. Uma vez alcançado o número 193

Jean Michel Arrighi lembra que, “embora seja um tratado, esse instrumento só obriga os países que o ratificaram, o que não inclui todos os Estados membros da Organização (ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., p. 120).

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de votos necessários, a suspensão entrará em vigor imediatamente após sua aprovação pela Assembleia Geral, sendo que o membro suspenso deverá continuar observando o cumprimento de suas obrigações junto à organização. Uma vez superadas as circunstâncias que ensejaram a suspensão, a Assembleia Geral poderá levantá-la, também mediante a aprovação de dois terços dos Estados Membros. A cláusula estabelece ainda que, embora seja aplicada a medida de suspensão, a OEA deverá procurar empreender novas gestões diplomáticas destinadas a coadjuvar o restabelecimento da democracia representativa no Estado afetado. Vale destacar ainda que, no exercício de aplicação da cláusula democrática, deverão ser observadas as demais disposições da Carta da OEA, notadamente os princípios e os propósitos essenciais da organização, estabelecidos nos arts. 2º e 3º da Carta. Vale ressaltar que Jean Michel Arrighi entende ser possível a invocação e aplicação simultânea da Resolução n. 1.080 (AG/RES. n. 194 1.080/91 XXI-0/91) , que tem um espectro mais amplo quanto às sanções possíveis de serem aplicadas aos Estados americanos em casos de ruptura democrática, e do art. 9º do Protocolo, mais limitado em termos de sanções possíveis, porém de hierarquia jurídica 195 superior. Depois do Protocolo de Washington, a luta pela democracia na OEA foi intensificada pela adoção da Carta Democrática Interamericana, já mencionada anteriormente. Especificamente o Capítulo IV deste documento, intitulado “Fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática”, prevê mecanismos a serem aplicados nos casos de ruptura da ordem democrática, reforçando e instrumentalizando as previsões contidas na Carta da OEA e no Protocolo de Washington. Um dos pontos importantes a se destacar aqui é que a Carta reconhece premissas mais amplas que permitem ações em defesa da democracia, tais como o governo de um Estado Membro considerar que está em risco o seu processo político institucional democrático ou o legítimo exercício do poder (art. 17), ou ainda quando num Estado Membro ocorrerem situações que possam afetar o desenvolvimento daquele processo (art. 18). 194 195

Vide nota n. 40 supra.

ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos, op. cit., p. 121.

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4.3 A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA NO MERCOSUL Os mencionados Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile (Ushuaia I), de 1998, e Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia no MERCOSUL (Ushuaia II), de 2011, estabeleceram a cláusula democrática do MERCOSUL. Nestes documentos restou consignado que a plena vigência das instituições democráticas, bem como o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são condições indispensáveis para a existência e para o desenvolvimento da organização. Assim, o imperativo que se estabelece é a promoção e proteção da democracia como condição para a vigência e evolução do processo de integração entre os Estados Membros e associados do MERCOSUL, bem como a necessidade de restabelecimento da ordem democrática eventualmente afetada, como condição para ingresso, permanência e plena participação nas atividades da 196 organização. Para alcançar tais objetivos, o art. 4º do Protocolo de Ushuaia I estabelece um sistema de consultas entre os Estados Partes, dispondo que no caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do tratado, os demais Estados iniciarão consultas entre 197 si e com o Estado afetado. Restando infrutíferas as consultas, os demais Estados Partes do Protocolo, no âmbito específico dos acordos de integração vigentes entre eles, deverão decidir sobre a natureza e o alcance das 196

De acordo com o art. 1º do Protocolo de Ushuaia II, o instrumento “será aplicado em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, de uma violação da ordem constitucional ou de qualquer situação que ponha em risco o legitime exercício do poder e a vigência dos valores e princípios democráticos”.

197

Vale ressaltar que o Protocolo de Ushuaia II constitui um aperfeiçoamento de seu antecessor, prevendo sua incidência nos casos de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, de uma violação da ordem constitucional ou de qualquer situação que ponha em risco o legitime exercício do poder e a vigência dos valores e princípios democráticos (art. 1º); dispondo sobre reuniões em sessões extraordinárias ampliadas do Conselho do Mercado Comum (art. 2º); estabelecendo um sistema de consultas imediatas com as autoridades constitucionais da Parte afetada, interposição de bons ofícios e realização de gestões diplomáticas para promover o restabelecimento da democracia no país afetado (art. 3º); e prevendo a possibilidade de o governo constitucional de uma das Partes solicitar colaboração para o fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática (art. 4º).

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medidas coercitivas a serem aplicadas (sempre aspirando o restabelecimento da ordem democrática afetada), levando em conta a gravidade da situação existente. O art. 5º do Protocolo estabelece que as medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos. As medidas previstas serão adotadas por consenso pelos Estados Partes do Protocolo, conforme o caso e em conformidade com os acordos de integração vigentes entre eles, e deverão ser comunicadas ao Estado afetado, que não participará do processo decisório pertinente. Tais medidas entrarão em vigor na data em que se fizer a comunicação respectiva (art. 6º). Conforme dispõe o art. 7º do Protocolo, as medidas eventualmente impostas cessarão com o pleno restabelecimento da ordem democrática no país afetado. O Protocolo de Ushuaia II, preenchendo um vácuo jurídico deixado pelas cláusulas abertas do Protocolo anterior, estabelece textualmente e de maneira exemplificativa (não se trata de um rol 198 exaustivo) , as medidas que poderão ser tomadas em casos de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte: (i) suspenção do direito de participar nos diferentes órgãos da estrutura institucional do MERCOSUL; (ii) fechamento total ou parcial das fronteiras; (iii) suspensão ou limitação do comércio, do tráfego aéreo e marítimo, das comunicações e do fornecimento de energia, serviços e abastecimento; (iv) suspenção da Parte afetada do gozo dos direitos e benefícios emergentes do MERCOSUL; (v) ações dos Estados Partes para promover a suspensão da Parte afetada no âmbito de outras organizações regionais e internacionais, bem como a suspensão dos direitos oriundos de outros acordos de cooperação; (vi) ações dos Estados Partes para apoiar os esforços regionais e internacionais, voltados ao restabelecimento, de forma pacífica e democrática, da ordem democrática no Estado afetado (v.g., no

198

A redação do art. 6º dispõe que “Em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática em uma Parte do presente Protocolo, os Presidentes das demais Partes ou, na falta destes, seus Ministros das Relações Exteriores em sessão ampliada do Conselho do Mercado Comum poderão estabelecer, dentre outras, as medidas que se detalham a seguir:” (grifo nosso). A expressão “dentre outras”, revela que o rol de medidas previsto é meramente exemplificativo, não se tratando de um rol numerus clausus.

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âmbito da ONU e da OEA); e, (vii) adoção de sanções políticas e diplomáticas adicionais. Conforme ressalta André de Carvalho Ramos, um dos objetivos do novo Protocolo é impedir que “o inocente pague pelo culpado”, de modo que as medidas eventualmente impostas devem ser proporcionais à gravidade da situação e não devem pôr em risco o bem-estar da população e o pleno gozo dos direitos humanos e das 199 liberdades fundamentais no Estado afetado. Embora o Protocolo de Ushuaia II não esteja ainda em vigor, suas disposições podem servir de norte para a atuação dos Estados componentes do MERCOSUL, pois nada impede que as medidas mencionadas acima possam ser adotadas no âmbito da organização ou ainda no bojo de suas próprias ações diplomáticas ou junto a outras organizações internacionais. 4.4 A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA NA UNASUL Conforme mencionado anteriormente, o Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL Sobre Compromisso com a Democracia, adotado em 26 de novembro de 2010, foi o tratado internacional responsável por introduzir a cláusula democrática no âmbito da UNASUL. De acordo com seu art. 1º, o Protocolo será aplicado nos casos de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, de uma violação da ordem constitucional ou em qualquer situação capaz de colocar em risco o legítimo exercício do poder e a vigência dos valores e princípios democráticos. Na ocorrência de qualquer destas situações, o Conselho de Chefes de Estado e de Governo ou, na falta deste, o Conselho de Ministros das Relações Exteriores se reunirá, em sessão extraordinária, convocada pela Presidência Pro Tempore, de ofício, a pedido do Estado afetado ou de qualquer outro membro da UNASUL (art. 2º). Uma vez reunido, a Conselho então considerará, por consenso, a natureza e o alcance das medidas a serem 199

RAMOS, André de Carvalho. Derechos Humanos y el Mecanismo Híbrido del Mercosur, op. cit., p. 61.

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eventualmente aplicadas, levando em conta todas as informações pertinentes à situação e respeitando a soberania e a integridade territorial do Estado afetado (art. 3º), sendo que tais medidas entrarão em vigor na data de adoção da respectiva decisão. À exemplo do Protocolo de Ushuaia II, o Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL Sobre Compromisso com a Democracia estabelece textualmente em seu art. 4º e de maneira 200 exemplificativa (rol não exaustivo) , as medidas que poderão ser tomadas: (i) suspenção do direito de participar nos diferentes órgãos da estrutura institucional da UNASUL; (ii) suspenção da Parte afetada do gozo dos direitos e prerrogativas emergentes do Tratado Constitutivo da UNASUL; (iii) fechamento total ou parcial das fronteiras; (iv) suspensão ou limitação do comércio, do transporte aéreo e marítimo, das comunicações e do fornecimento de energia, serviços e suprimentos; (v) ações dos Estados Partes para promover a suspensão da Parte afetada no âmbito de outras organizações regionais e internacionais, bem como para promover, junto a terceiros Estados e/ou blocos regionais, a suspensão dos direitos e/ou prerrogativas do Estado afetado, no âmbito dos acordos de cooperação em que seja parte; e, (vii) adoção de sanções políticas e diplomáticas adicionais. Ao lado das medidas eventualmente impostas, nos termos do art. 5º do Protocolo, o Conselho deverá interpor seus bons ofícios e realizar gestões diplomáticas na busca de promover o restabelecimento da democracia no Estado afetado, sendo que estas ações serão levadas a termo em coordenação com aquelas realizadas no âmbito de outros instrumentos internacionais relativos à proteção da democracia. O Protocolo estabelece ainda em seu art. 6º que, na hipótese de o governo constitucional de um Estado Membro considerar a existência de uma ameaça de ruptura ou alteração da ordem democrática que o afete gravemente, poderá recorrer ao Conselho de Chefes de Estado e de Governo ou ao Conselho de Ministros das 200

A redação do art. 4º dispõe que “O Conselho de Chefes de Estado e de Governo ou, na falta deste, o Conselho de Ministros das Relações Exteriores poderá estabelecer, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, entre outras, as medidas detalhadas abaixo, destinadas a restabelecer o processo político institucional democrático” (grifo nosso). A expressão “entre outras”, revela que o rol de medidas previsto é meramente exemplificativo, não se tratando de um rol numerus clausus.

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Relações Exteriores, por intermédio da Presidência Pro Tempore ou da Secretaria-Geral, com o fim de informar-lhes sobre a situação e requerer medidas concretas de cooperação concertadas, bem como o pronunciamento da UNASUL para defender e preservar suas instituições democráticas. Por fim, nos termos do art. 7º do Protocolo, uma vez verificado o pleno restabelecimento da ordem democrática constitucional, as medidas eventualmente aplicadas ao Estado Membro afetado cessarão, a partir da data de sua notificação. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme se verificou, o surgimento e a proliferação das organizações internacionais, bem como a intensificação dos processos de integração regional por meio dos blocos regionais e das OIRs, são características marcantes da sociedade internacional a partir do final da Segunda Guerra Mundial e, mais especialmente, com o fim da Guerra Fria. As abordagens realizadas sobre algumas das principais OIRs do continente americano (OEA, MERCOSUL e UNASUL), permitem a conclusão de que os processos (e os objetivos) da integração regional transcendem o mero caráter econômico, abarcando também um nítido inter-relacionamento de natureza política, social e cultural, dentre outras. No plano dos interesses comuns dos Estados partícipes dos processos integracionais interamericanos, verificou-se uma acentuada preocupação com a promoção e proteção de diversos valores comuns, tais como a democracia, os direitos humanos e a estabilidade política dos Estados Membros das OIRs. Evidenciou-se que um traço comum às organizações analisadas é a exigência da condicionalidade democrática (Democratic Conditionality), isto é, de regimes democráticos como condição para o ingresso e permanência, bem como para a plena participação nos órgãos e atividades da organização, uma exigência plenamente justificada, dado o contexto de golpes e instabilidades democráticas vivenciadas pela grande maioria dos países do continente americano ao longo dos tempos. Nesse contexto, conclui-se que a democracia é condição imprescindível e essencial aos processos integracionistas nas Américas, surgindo como uma espécie de valor regional supremo,

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indispensável para a garantia da estabilidade política dos Estados Membros das OIRs analisadas, bem como para a vigência, evolução e sucesso das próprias organizações. Regionalmente se reconhece hoje a existência de um “compromisso democrático” inarredável, em nome do qual as OIRs abordadas (OEA, MERCOSUL e UNASUL), vêm sendo autorizadas não apenas a se manifestar sobre questões relacionadas à promoção da democracia, mas também a agir na defesa e proteção dos regimes democráticos dos países que as integram, o que tem sido possível graças à instituição das cláusulas democráticas no âmbito das referidas organizações. Pela abordagem feita em relação às cláusulas democráticas, conclui-se que na atualidade tratam-se de mecanismos essenciais para a consolidação democrática no continente americano, uma vez que vinculam juridicamente os Estados não apenas em relação à adoção de regimes democráticos, mas também quanto a uma comprometida atuação na defesa destes regimes. Pela análise de seu conteúdo, restou evidente que referidas cláusulas podem atuar como importantes fatores de desencorajamento a golpes de Estado e constituem verdadeiros obstáculos a retrocessos democráticos. Por fim, no contexto interamericano é possível afirmar-se que a teoria e a prática têm se inclinado ao reconhecimento de um “direito à democracia”, fundamentado em sólidas normas jurídicas, conforme todo arcabouço normativo internacional analisado. Não se pode negar que o ideal democrático tem sido frequentemente violado no continente americano, mas é igualmente verdadeiro o fato de que ele persiste e tem sido fortalecido, não obstante às constantes investidas que lhe são dirigidas. Com as cláusulas democráticas, o mundo está a assistir a um novo método de institucionalização de normas e instituições democráticas: a democratização por meio da integração. REFERÊNCIAS ARRIGHI, Jean Michel. OEA: Organização dos Estados Americanos. Barueri: Manole, 2004. BUERGENTHAL Thomas; MURPHY, SEAN D. Public International Law in a Nutshell. 4. ed. St. Paul: Thomson/West, 2007, e-book. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 3. ed. Rio de Janeiro: Del Rey, 2003.

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GOLPES DE ESTADO NA AMÉRICA LATINA E A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

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