A propósito da coleção do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro: Reflexões sobre a escultura brasileira oitocentista

June 15, 2017 | Autor: A. Martín Chillón | Categoria: History of Sculpture, Sculpture, History of Collections, ESCULTURA, Coleccionismo y Museos
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história da arte: coleções arquivos e narrativas

org. ANA MARIA PIMENTA HOFFMANN ANGELA BRANDÃO FERNANDO GUZMÁN SCHIAPPACASSE MACARENA CARROZA SOLAR

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HISTÓRIA DA ARTE: COLEÇÕES, ARQUIVOS E NARRATIVAS Organizadores

ANA MARIA PIMENTA HOFFMANN ANGELA BRANDÃO FERNANDO GUZMÁN SCHIAPPACASSE MACARENA CARROZA SOLAR

INSTITUIÇÕES ORGANIZADORAS DAS VIII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE COLEÇÕES, ARQUIVOS E NARRATIVAS:

COMITÊ CIENTÍFICO André Tavares | Universidade Federal de São Paulo Jens Michael Baumgarten | Universidade Federal de São Paulo Fernando Guzmán | Universidad Adolfo Ibáñez, Chile Paola Corti | Universidad Adolfo Ibánez, Chile Giovanna Capitelli | Università di Calabria, Itália COMITÊ ORGANIZADOR Ana Maria Pimenta Hoffmann | Universidade Federal de São Paulo Angela Brandão | Universidade Federal de São Paulo Elaine Dias | Universidade Federal de São Paulo Isabel Margarita María Alvarado Perales | Museo Historico Nacional, Chile Raquel Abella | Museo Historico Nacional, Chile Macarena Carroza | Centro de Restauración y Estudios Artísticos CREA Marcela Drien | Universidad Adolfo Ibáñez, Chile

Apoio:

EDITORA URUTAU LTDA RUA INOCÊNCIO DE OLIVEIRA, 411 JARDIM DO LAGO 12.914-570 BRAGANÇA PAULISTA-SP

Tel. [ 55 11] 94859 2426 [email protected] WWW.EDITORAURUTAU.COM.BR

EDITORES ANA ELISA DE ARRUDA PENTEADO TIAGO FABRIS RENDELLI WLADIMIR VAZ

Imagem da capa Dados Internacionais de Catalogação na Almeida Júnior (Itu, SP, 1850 - Piracicaba, SP, 1899) Publicação (CIP)19 A Pintura (alegoria), 1892 (det.) óleo sobre tela, 250 x 125 cm Nogueira, André. Acervo damanifesto Pinacoteca do/ Estado de São Paulo, Brasil. Transferência Museu N778m O lenitivo André Nogueira. -- Bragança Paulista-SP Paulista, 1947. : Editora Urutau, 2015. 208 p.; 14x19,5 cm Crédito fotográfico: Isabella Matheus ISBN: 978-85-69433-00-2 1. Poesia brasileira. 2. Poesia contemporânea. 3. Literatura NOTA DE ESCLARECIMENTO: brasileira. I. Nogueira, André, 1987-. II. Titulo. A revisão dos textos e a autorização para a publicação das imagens são de responsabilidade exclusiva dos autores.CDD: B869.1 CDU: 82-1/9

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Hoffmann, Ana Maria Pimenta; Brandão, Angela; Schiappacasse,Fernando Guzmán e Solar, Macarena História da arte: coleções, arquivos e narrativas / vários autores.Bragança Paulista-SP : Editora Urutau, 2015. 584 p.; ISBN: 978-85-69433-07-1 1. História. 2.História da arte. I. vários autores. II. Titulo.

Qualquer pessoa remotamente interessada na política da civilização saberá que os museus são os repositórios dos artigos dos quais a Civilização Ocidental deriva a riqueza do seu conhecimento, que lhe permite dominar o mundo. Da mesma forma, quando um colecionador autêntico, de cujos esforços dependem esses museus, reúne seus primeiros objetos, quase nunca se pergunta qual será o destino final de seu tesouro. Quando os primeiros objetos coletados chegaram às suas mãos, os primeiros colecionadores genuínos – que mais tarde viriam a expor, organizar e catalogar suas coleções (nos primeiros catálogos, que foram as primeiras enciclopédias) – nunca reconheciam o valor real desses artigos. Orhan Pamuk. O museu da inocência.

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COLEÇÃO DE DESENHOS DA PRINCESA ISABEL NO MUSEU IMPERIAL DE PETRÓPOLIS E NO MUSEU MARIANO PROCÓPIO: EXPRESSÃO DE UM SENTIMENTO RELIGIOSO. Maraliz de Castro Vieira Christo

201 |

A PROPÓSITO DA COLEÇÃO DO MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO: REFLEXÕES SOBRE A ESCULTURA BRASILEIRA OITOCENTISTA Alberto Martín Chillón

213 |

VISCONTI NOS ACERVOS MUSEOLÓGICOS DO BRASIL Mirian Nogueira Seraphin

231 |

APONTAMENTOS SOBRE O GÊNERO DO RETRATO, O COLECIONISMO E A PRESENÇA DE ARTISTAS ESTRANGEIROS NAS EXPOSIÇÕES GERAIS DA ACADEMIA IMPERIAL DE BELAS ARTES BRASILEIRA Elaine Dias

239 |

CICCARELLI: PAISAGEM EM CONTRADIÇÃO Valeria Esteves e Samuel Quiroga

259 |

O COLECIONADOR PORTUGUÊS LUIZ FERNANDES E A DOAÇÃO DE OBRAS PARA O ACERVO DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO. Maria do Carmo Couto da Silva

269 |

A IMPORTÂNCIA DE AGREMIAÇÕES ARTÍSTICAS E DO COLECIONISMO DE PORTUGAL NA CONSTITUIÇÃO DA COLEÇÃO DE ARTE PORTUGUESA DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO Arthur Valle

coleções e museus

A propósito da coleção do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro: Reflexões sobre a escultura brasileira oitocentista

Alberto Martín Chillón

Doutorando no programa de pós-graduação em Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista de pesquisa do PNAP, Fundação Biblioteca Nacional.

Como bem afirma o catálogo do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, a configuração da coleção de escultura do século XIX não resultou de uma politica artística governamental ou da própria Academia, originadora do núcleo artístico fundador da coleção, nem de uma série de aquisições programadas ou relativas aos desejos museológicos e expositivos da instituição, mas de “obras acumuladas no início do ensino oficial da arte, com os acréscimos eventuais, institucionais na sua maioria, e particulares, situação nunca modificada desde o início do século XIX até hoje”1.

A coleção do Museu Nacional de Belas Artes pode ser considerada como a mais importante coleção de escultura imperial brasileira, ainda que poucas de suas peças possam ser exibidas. Sem dúvida a maior coleção do país, originada no centro artístico mais importante do Império, a Academia Imperial de Belas Artes, tem muito a dizer sobre o período, os artistas, as políticas culturais, o mecenato e outros múltiplos aspectos. Assim, nesta comunicação pretendemos realizar uma aproximação à dita coleção além de tratar de entendê-la como um documento excepcional sobre a escultura brasileira imperial, desde sua origem na Academia Imperial de Belas Artes, depois Escola Nacional de Belas Artes, que anos depois, em 1937, sofrerá uma divisão para formar duas coleções: a do Museu dom João VI e a do Museu Nacional de Belas Artes. Em um primeiro momento, ainda na Academia de Belas Artes, podemos falar do labor colecionador do acaso e do tempo, um pequeno agrupamento de “peças criadas por professores e alunos, deixadas no prédio por LUSTOSA, H (coord.). “Acervo Museu Nacional de Belas Artes”. São Paulo: Museu de Belas Artes, 2002, pág. 96.

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razões desconhecidas”2. De acordo com o catálogo descritivo das obras de pintura e escultura de 18933, sob a presidência do escultor Rodolpho Bernardelli, somente constam sete esculturas, todas elas de Bernardelli, e um busto original de Antinoo, o que resulta estranho, pois, ainda que a Academia não se caracterizou por um forte interesse colecionador, seria impensável considerar que, até a chegada de Bernardelli, a instituição apenas guardasse uma escultura, aspecto este reforçado na leitura do catálogo de 19234, no qual são registradas 65 esculturas e 56 moldagens em gesso. Destas peças, numa revisão dos catálogos da Academia, podemos rastrear a presença de algumas dos irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, como, por exemplo uma escultura em terracota representando América com seus atributos, situada no vestíbulo5; de Marc Ferrez, o Busto de dom Pedro I, o Busto da baronesa de Sorocaba e dois Medalhões em gesso com os retratos de Martim Francisco Ribeiro e Carlos de Andrada Machado; e somente de autoria de Zéphyrin Ferrez, os modelos em cera sobre placa de louça para as Medalhas da Academia, com a imagem do imperador, e o Busto de D. Pedro II, 1846, fundida em bronze em Paris por Peulvé. Outras obras de professores da Academia apareciam nas coleções, como as de Francisco Manoel Chaves Pinheiro ou Honorato Manoel de Lima: o primeiro com uma figura de José Bonifácio e a estátua equestre do Imperador dom Pedro II na rendição de Uruguaiana, doada em 1870 pelo escultor; e o segundo com um Busto de Domingos Jose Gonçalves de Magalhaes. Outros escultores professores também doaram suas obras, como a Herma de homem, de José da Silva, 1858. Além das obras dos professores, existem outras de grandes escultores não ligados à Academia, como o Relevo de José Clemente Pereira, de Ferdinand Pettrich e a imponente efigie em mármore de Dom Pedro I, 1828, obra em mármore de Francesco Benaglia. Outras obras chegaram à Academia através dos envios ou encomendas aos seus pensionistas, dos que somente três viajaram na modalidade de escultura: Francisco Elídio Pânfiro, que não aparece representado na coleção, pelo menos a exibida, Cândido Caetano Almeida Reis, com seu envio de primeiro ano, O Paraíba, 1866, e Rodolfo Bernardelli, com suas obras A 2

LUSTOSA, Op. Cit: pág. 98.

“Catálogo explicativo das obras expostas nas galerias da Escola Nacional de Bellas Artes”. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Belas Artes, 1893.

3

“Catálogo geral das galerias de pintura e de esculptura da Escola Nacional de Bellas Artes”. Rio de Janeiro, O Norte, 1923

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5

LUSTOSA, Op. Cit: pág. 98

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Faceira, 1880, Vênus Calipigia, 1882, Vênus de Médicis, 1885, e Cristo e a adúltera, 1884.

Também Manuel de Araújo Porto-Alegre, em 1857, solicitou ao governo a compra de 20 estátuas e várias moldagens em gesso com fins didáticos. Esta preocupação pela compra de moldagens em gesso será contínua e constituirá uma coleção escultórica muito mais estruturada, respondendo a uma ideologia e necessidades básicas num estabelecimento acadêmico, o aprendizado dos modelos clássicos e renascentistas. Assim, uma das primeiras compras da Academia seria precisamente a coleção de gessos de Marc Ferrez, trazida junto com ele da Europa, e que foi adquirida pelo mesmo preço que o escultor pagou, em pequenas quotas mensais extraídas do reduzido orçamento para despesas miúdas. O diretor «julgou indispensável fazer a compra da nova coleção de gessos que se vê exposta na Classe de Escultura, entre os quais contam-se: o Gladiador inteiro, o tronco do Laocoonte, e muitos bustos formosos»6.

Já em 1859, o diretor Tomaz Gomes dos Santos assinala a importância dos modelos para diversas aulas da Academia, importância e necessidade reconhecida também pelo Governo, e solicita novos “modêlos de gêsso antigo; pois que os que possui a Academia, além de serem poucos, estão muito estragados pela poeira, pela humidade e pelo uso”7, modelos que deveriam vir de Paris. No ano de 1860, entraram na Academia Laocoonte e seus filhos, Antinoo do Capitólio, Amazona e Adonis, restaurados pelo escultor Quirino Antonio Vieira8.

Em 1866 chegou uma nova coleção de estátuas em gesso, moldagens de obras clássicas, que foi muito criticada por Chaves Pinheiro, que afirma que são obras moldadas sobre cópias infelizes de originais antigos; outras, vazadas em fôrmas já cansadas, gastas, e que apresentam defeitos9.

Uma parte dos gessos hoje existentes no Museu provém de uma doação pessoal do imperador, que Chaves Pinheiro restaurou em 1877. No momento, não sabemos se todas as peças provenientes de Paris que chegaram em 1877, um dos grupos mais numerosos que entraram na coleção, seriam todas uma doação do imperador, ou só uma parte delas. Já em 1878, GALVÃO, A. Notas sobre as moldagens em gêsso da ENBA da UB. Peças preciosas da coleção escolar. Arquivos da escola de Belas artes, 1957, pág. 128.

6

7 8 9

Ibid: pág. 129. Ibid: pág. 130. Ibid: pág. 130.

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Chaves Pinheiro restaurou outras obras como O centauro e o amor, o Fauno tocando flauta, a Estátua de Antínoo, a Estátua do Discóbolo, a Venus de Milo, a Diana caçadora, Os lutadores, e o Apolo sauroctono, entre outros. A própria imperatriz também doaria, em 20 de julho de 1880, a única peça clássica original da coleção, o Busto de Antínoo com atributos de Baco, encontrado nas escavações perto de Roma.

As doações foram uma das principais fontes de entrada de peças. Uma das maiores doações para as coleções de escultura foi a do pintor Henrique Bernardelli, quem doou quase 300 obras do seu irmão, Rodolpho Bernardelli, dentre elas 14 estátuas, 56 estatuetas, 31 bustos, 17 medalhões, 32 relevos, além de maquetes, telas e desenhos10, que constituem o maior volume na coleção. Posteriormente, em 1951, foram doadas duas obras de Chaves Pinheiro por Elio Pederneiras, a Alegoria do Império Brasileiro e Ceres e, em 1985, foi doado, por uma descendente do escultor José Berna, o busto em mármore de Zacarias de Goes e Vasconcelos.

Da mesma forma, obras de Almeida Reis chegaram ao Museu por doação. O positivista Generino dos Santos, guardião da obra do escultor após sua morte, no seu testamento, manda fundir em bronze Dante ao voltar do exílio e Alma Penada11, hoje na Galeria do século XIX, e as doa à Escola Nacional de Belas Artes em 193312. Além dessas obras, doaria todas as obras do escultor conservadas por ele, dentre elas dois modelos de caboclos em madeira, os fragmentos dO Crime ou Expiação. De grande importância para a coleção foi a grande Exposição de arte contemporânea e retrospectiva, que teve lugar no dia 13 de novembro de 192213, numa época de recuperação da arte imperial, quando algumas peças foram fundidas em bronze como O Paraíba, de Almeida Reis, ou Santo Estevão e Martyrio de S. Sebastião, de Rodolpho Bernardelli,14 conservadas em gesso até esse momento. Nesta exposição figuraram também várias obras de Correia Lima e a Maquete do monumento a dom Pedro I, de Louis Rochet, adquirida em 1882. Posteriormente, em 2009, foi adquirido o Busto 10

“Galeria Irmaos Bernardelli”. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes. [194-].

SANTOS, G, R. dos. “O estatuário brasileiro C. C. Almeida Reis”, vol. VII do Espólio literário de Generino dos Santos: Humaniadas: o mundo, a humanidade, o homem. Rio de Janeiro: Editor Typ. do Jornal do commercio, 1938, pág. 197. 11

12 13 14

SANTOS, Op. Cit: pág. 50.

O Paiz, 15 de novembro de 1922. O Paiz, 5 de março de 1921.

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de Marc Ferrez em gesso, modelo do realizado em mármore por Honorato Manoel de Lima, conservado no Museu dom João VI.

Precisamente Honorato Manoel de Lima, professor de escultura de ornatos da Academia, e especialmente este retrato do seu mestre Marc Ferrez, assinalado como o primeiro escultor brasileiro por seu domínio do mármore, foi o protagonista de um dos primeiros textos sobre escultura: um texto publicado na Illustração Brasileira em 185415, O novo estatuário, obra de Manuel de Araujo Porto-Alegre, quem pretende criar um texto fundador em vário sentidos. O desejo de outorgar o título de primeiro escultor brasileiro foi uma constante na genealogia da escultura imperial e foi outorgado em várias ocasiões, ao mestre Valentim, a Ferdinand Pettrich, a Honorato Manoel de Lima, a Almeida Reis e a Rodolfo Bernardelli. Muitas outras vezes foram nomeados os primeiros escultores, dignos desse nome, em terras brasileiras. Sobre Almeida Reis, em 1870, lia-se na imprensa da época: “Se até agora não tinhamos um digno representante na estatuaria, podemos de hoje em diante affirmar que encontramos um homem”16. O caráter renovador e moderno será um fato decisivo na hora de nomear o primeiro escultor brasileiro. Assim, do mesmo modo que Honorato Manoel de Lima se destacava por seu domínio da nova técnica, Almeida se destacava por seu caráter, segundo a crítica, antiacadêmico e moderno, destacado especialmente na sua obra prima, O Paraíba, 1866.

O mesmo aconteceria anos depois com o jovem Rodolpho Bernardelli, considerado como o verdadeiro renovador da escultura brasileira, apresentado como inovador, um artista livre das prescrições e das normas acadêmicas17, que se constituiu como um ponto de inflexão, um ponto de ruptura, o iniciador de uma nova escola. Igualmente ao Busto de Marc Ferrez e aO Paraíba, Cristo e a mulher adúltera “inaugurou uma nova era para a escultura no Brazil, já que até esse momento só haviam existido reproduções de modelos clássicos, seguindo a arte grega”18.

O academismo ou classicismo será o elo condutor do desenvolvimento da escultura carioca, fosse destacando ou atacando os preceitos clássicos. E precisamente esse conceito nos leva ao que tradicionalmente se considera 15 16

Illustração Brasileira, julho de 1854, pp. 139-141.

MORAES FILHO, M. A Reforma, 18 de março de 1870.

DAZZI, C. O moderno no Brasil ao final do século 19. Revista de História da Arte e Arqueologia, v. 11, 2012, pág. 91. 17

18

O Paiz, 21 de novembro de 1885.

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como um ponto chave na arte brasileira, a criação de um ensino regrado e a Academia de Belas Artes sob os moldes europeus, com a chegada da conhecida como Missão Francesa, em 1816, que grande parte da historiografia considerou como uma espécie de início da arte brasileira. Este início se reflete também na lógica expositiva da coleção, que quase começa com as obras da Missão, excetuando as poucas talhas religiosas em madeira adquiridas a finais do século XX. A preocupação pela escultura brasileira anterior à Missão Francesa foi inaugurada por Manoel de Araujo Porto-Alegre, a grande figura na formação da arte nacional, quem, apenas dois anos depois do Novo estatuário, dentro da Iconographia brasileira, pensada como uma série de imagens junto com apontamentos biográficos com a intenção de criar um pensamento nacional, começada em 1852, dedicou um texto ao Mestre Valentim, na revista do Instituto Histórico Brasileiro. Araujo resgata a figura de Valentim de Fonseca e Silva, representante da “arte borromínica”, cuja recuperação teria sido impossível apenas 15 anos atrás “sem desafiar os animos d´aquelles que seguiram a escola chamada clássica”19. Assim, Araujo se ocupa de reclamar o lugar do mestre Valentim, junto com outro artistas cariocas, na história da escultura brasileira, na procura de uma arte autenticamente nacional, destacando, em contraposição, a escassa atenção que Araujo dedica aos integrantes da Missão Francesa.

A construção do nacional e o denominado «projeto civilizatório», intimamente ligados, são uma das principais ideias que aparecem no estudo da arte e da escultura brasileira. Já desde seus inicios, a Academia foi uma ferramenta de civilização e progresso. Nesta preocupação do Império as artes terão um papel fundamental, por ser fonte de riqueza, já que as Belas Artes eram «o influxo de todas as industrias, as bases de toda a perfeição manufactureira»20, e seriam as geradoras da indústria, por sua vez geradora do comércio. O mais importante defensor desse projeto, que procurava equiparar o Brasil com os países civilizados, seria o próprio imperador, empenhado na reforma intelectual. Este desejo será de extrema importância no estudo da escultura imperial, uma vez que orientará o rumo da escultura quase até finais do Império, e dele se derivarão vários problemas e traços definidores desta arte. PORTO-ALEGRE, M. Iconographia Brazileira. Revista do Instituto histórico e Geographico do Brazil, tomo XIX, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1856, pp. 369-370. 19

20

O Brazil Artístico, 1857, pp. 17-18.

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Em um primeiro momento, a Missão Francesa foi uma resposta a esta necessidade, criando a Academia de Belas Artes. No entanto, este primeiro período se caracteriza por um caráter mais efêmero, como bem assinala Porto-Alegre, para quem esta época produziu vários “trabalhos plásticos que havião figurado nas festas nacionaes, porém estes fructos de uma pompa transitoria não havião deixado nada de permanente, nem fixado sobre o solo um pensamento nobre e duravel como os trabalhos da actualidade”21. Estes trabalhos da atualidade aos que se refere o autor faziam parte de um projeto ou iniciativa22 desenvolvida entre a década de 40 e de 60 para erigir uma série de monumentos, inspirados em grande parte por ele mesmo, com o apoio político de José Clemente Pereira, e que se iniciou com a chegada do escultor alemão Ferdinand Pettrich.

Neste projeto, o labor do escultor seria fundamental, pois seria o estatuário “quem demonstra ao mundo intelligente o estado moral do povo para quem elle trabalha; se opera para immortalisar o heroismo, ou outra virtude social, a sua obra magnifíca o paiz em que elle está, exorna o solo em que se mostra, e ensina na praça publica o culto de todos os dotes da moral eterna”23. O estatuário se converte num historiador, “o historiador do passante, do peregrino e do povo” e “a sua obra domina o pedestal em que repousa, extorna o nicho em que se eleva, ennobrece os typanos que anima, e sagra os altares em que colloca as suas magestosas representações”24. “As estatuas individualisam as grandes virtudes, e os escriptos as generalisam e perpetuam”25. Uma vez realizadas as obras de Pettrich na Santa Casa da Misericórdia, destacáveis por inaugurar uma nova época na arte e na civilização, era necessário dar um passo a mais, logrando erigir o primeiro monumento público, já que “o vento que lava a estatua do heróe na praça publica, leva em si aos confins do império um fluido regenerador, um principio vital mais amplo, mais universal do que aquelle que respiramos no ar do interior de um edificio, como o da santa casa, ou do hospicio Pedro II, onde em breve PORTO-ALEGRE, M. O Novo estatuário. Illustração Brasileira, julho de 1854, pp. 139141. 21

MIGLIACCIO, L. A escultura monumental no Brasil do século XIX. A criação de uma iconografia brasileira e as suas relações com a arte internacional. Anais do XXIII Colóquio do Comité Brasileiro de História da Arte, 2003, pág. 240. 22

23 24 25

PORTO-ALEGRE, 1854, O novo estatuário, Op. Cit: pág. 353. Ibid: pág. 353. Ibid: pág. 353.

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se collocará em marmore o resumo historico do provedor José Clemente Pereira”26. A estátua equestre de dom Pedro I era “a primeira pagina solemne que a cidade e provincia do Rio de Janeiro offerecem para a edificação do futuro, e testemunho de gratidão nacional”27. O escultor se converte no “traductor da gratidão nacional, o ostentor da gloria, o que perpetua a memoria do homem, e o que o immortalisa”28.

Este projeto civilizatório derivará em várias questões relevantes para a escultura. A necessidade de produzir e dominar os materiais nobres da escultura, mármore e bronze, dominará grande parte das preocupações artísticas e políticas, levando o governo a “importar” escultores estrangeiros, o que provocará uma reação nacional em defesa dos artistas, materiais e indústria local, uma tensão que dominará grande parte da cronologia imperial. Araujo Porto-Alegre destaca esta importância, assinalando como, até a chegada de Ferdinand Pettrich, o cetro da estatuária não estava no Brasil, já que todas as obras coloniais e do primeiro reinado vieram do estrangeiro, e o país contava com poucas obras em mármore, trazidas pelos esforços individuais do imperador, com a falta de um gosto e de um mercado local. Neste momento, segundo Araujo, começaram “as primeiras negociações entre Carrara e o Brasil, entre a arte americana e a Italia; principou esse commercio de marmores, que na estatistica das nações civilisadas demonstra o grau de perfeição da esculptura e da industria, e que hoje denota um seguro estado de civilisação”29. Não à toa o grau mais elevado da produção escultórica seria o de estatuário, o homem do mármore e do bronze, o que motivaria que muitos dos estatuários fossem chamados do exterior, como o caso de Luigi Giudice, outro importante escultor oitocentista, encarregado junto com outros três artistas genoveses de localizar e explorar os recursos nacionais de mármore e que acabará realizando outras obras escultóricas, diante do fracasso do projeto. Também Leon Despres de Cluny, francês, Camillo Formilli e José Berna, italianos, ou Blas Crespo Garcia, espanhol, 26 27 28

PORTO-ALEGRE, 1856, Op. Cit: pág. 352. Ibid: p. 352.

PORTO-ALEGRE, 1856, Op. Cit: pág. 352

PORTO-ALEGRE. M. Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, feitos por ordem de Sua Magestade Imperial o senhor dom Pedro II, imperador do Brasil, pág. 33. In: MELLO JÚNIOR, D. Manuel de Araújo Porto-alegre e a Reforma da Academia Imperial das Belas Artes em 1855: a Reforma Pedreira. Revista Crítica de Arte, n.4, 1981, pp. 139-140. 29

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se assentaram durante maior ou menor tempo em terras cariocas por conta do domínio do mármore.

Esta hegemonia provocaria uma forte resposta nacional, que se sentia especialmente desprotegida frente às encomendas estrangeiras, que já assinala Porto-Alegre, quando apresenta o novo estatuário Honorato Manoel de Lima, que, uma vez alcançada a destreza no material, só esperava as encomendas dos brasileiros. Uma situação na qual «o próprio Govêrno manda vir da Europa estátuas e outros objetos para ornar os jardins e edifícios públicos; os monumentos nacionais são arrematados por artistas estrangeiros e executados na Europa»30, como o monumento a dom Pedro I, fundido na França por Rochet, da mesma forma que o monumento a José Bonifacio, anos depois. Como parte desse projeto nacional, estava a necessidade de construir uma imagem, mas feita por nacionais, e solucionar a situação na qual “a maior parte dos nossos jovens conhecem mais as riquezas e as tradições alheias do que as proprias; conhecem mais os individuos estranhos do que os nacionaes”31.

A modo de conclusão, podemos dizer que a coleção de escultura do Museu Nacional de Belas Artes supõe um documento excepcional para entender o panorama escultórico do século XIX, ainda mais levando-se em consideração a escassa conservação das criações oitocentistas, em sua maioria realizadas em gesso, que, pela fragilidade do material somado ao desinteresse para a sua conservação e o escasso mercado, fez com que as peças conservadas não fossem muitas, e raramente obras de grande porte e grupos. A coleção, formada em origem pelas obras da antiga Academia Imperial, sem uma lógica colecionadora definida, foi sendo complementada com a recuperação posterior da arte imperial, fundindo em bronze várias peças e resgatando muitas outras que se encontravam disseminadas pela cidade, para posteriormente incluir algumas peças anteriores à Missão Francesa, estabelecendo um percurso expositivo desde a arte colonial até a figura de Bernardelli, que cria um ponto de inflexão na produção escultórica, dando passo à galeria de arte brasileira moderna e contemporânea.

A compreensão da coleção e da escultura resultaria impossível sem entender algumas das preocupações da época, que tentamos ilustrar aqui, como o projeto civilizatório e suas repercussões artísticas, com as iniciativas AZEVEDO, M. “O Rio de Janeiro. Sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades”. Rio de Janeiro: Garnier, 1877, pág. 198. 30

31

PORTO-ALEGRE, Op. Cit: p. 352.

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de Manuel de Araujo Porto-Alegre, e sua reflexão, sobre a escultura e seus artífices e seu papel para a sociedade e para a nova nação, que marcaria a escultura. São importantes as necessidades imperiais para, além de civilizar, criar uma imagem e uma consciência nacional coletiva, na qual a escultura teve um papel principal, e como esta necessidade definiu a escultura por sua necessidade de mão-de-obra qualificada que dominasse os materiais nobres, criando una situação paradoxal: a criação de uma imagem nacional com materiais e escultores estrangeiros, que provocou amplas reações em defesa, justamente, do nacional. Bibliografia AZEVEDO, M. “O Rio de Janeiro. Sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades”. Rio de Janeiro: Garnier, 1877. DAZZI, C. O moderno no Brasil ao final do século 19. Revista de História da Arte e Arqueologia , v. 11, 2012. GALVÃO, A. Notas sobre as moldagens em gêsso da ENBA da UB. Peças preciosas da coleção escolar. Arquivos da escola de Belas artes, 1957. LUSTOSA, H (cord.). “Acervo Museu Nacional de Belas Artes”. São Paulo: Museu de Belas Artes, 2002. MIGLIACCIO, L. A escultura monumental no Brasil do século XIX. A criação de uma iconografía brasileira e as suas relações com a arte internacional. Anais do XXIII Colóquio do Comité Brasileiro de História da Arte, 2003. MORAES FILHO, M. A Reforma, 18 de março de 1870. PORTO-ALEGRE, M. O Novo estatuário. Illustração Brasileira, julho de 1854. PORTO-ALEGRE. M. Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, feitos por ordem de Sua Magestade Imperial o senhor dom Pedro II, imperador do Brasil, pág. 33. In: MELLO JÚNIOR, D. Manuel de Araújo Porto-alegre e a Reforma da Academia Imperial das Belas Artes em 1855: a Reforma Pedreira. Revista Crítica de Arte, n.4, 1981.

História da Arte: Coleções, Arquivos e Narrativas 210

PORTO-ALEGRE, M. Iconographia Brazileira. Revista do Instituto histórico e Geographico do Brazil, tomo XIX, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1856. SANTOS, G, R. dos. “O estatuário brasileiro C. C. Almeida Reis”, vol. VII do Espólio literário de Generino dos Santos: Humaniadas: o mundo, a humanidade, o homem. Rio de Janeiro: Editor Typ. do Jornal do commercio, 1938. “Catálogo explicativo das obras expostas nas galerias da Escola Nacional de Bellas Artes”. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Belas Artes, 1893. “Catalogo geral das galerias de pintura e de esculptura da Escola Nacional de Bellas Artes”. Rio de Janeiro, O Norte, 1923. “Galeria Irmaos Bernardelli”. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes. [194-]. Illustração Brasileira, julho de 1854. O Paiz, 21 de novembro de 1885. O Brazil Artístico, 1857. O Paiz, 15 de novembro de 1922. O Paiz, 5 de março de 1921.

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