A PROTEÇÃO CIVIL EM ÂMBITO MUNICIPAL: OS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E DA PUBLICIDADE PARA A GESTÃO DE CRISES AMBIENTAIS (A PARTIR DA ANÁLISE DAS SECAS COMO DESASTRE).

October 2, 2017 | Autor: J. Costalima de Q... | Categoria: Gestion De Riesgos Y Desastres
Share Embed


Descrição do Produto

A PROTEÇÃO CIVIL EM ÂMBITO MUNICIPAL: OS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E DA PUBLICIDADE PARA A GESTÃO DE CRISES AMBIENTAIS (A PARTIR DA ANÁLISE DAS SECAS COMO DESASTRE). José Helcio Costalima de Queiroz1 (PG) 1 Bacharel em Direito, Especialista em gestão de desastres e Especializando em Direito Ambiental, Universidade de Fortaleza, Fortaleza-CE. [email protected]

RESUMO A sociedade hodierna se caracteriza por sua organização complexa, como domínio das forças naturais e o aprimoramento de tecnologias que repercutem em elevação do potencial de riscos. A concentração populacional em áreas urbanas cria vulnerabilidades e exige planejamento de políticas públicas para a prestação adequada dos meios de subsistência da população. A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída pela Lei nº 12.608, de 12 de abril de 2012, estabelece competências para a gestão de desastres. A recente crise de água em municípios cearenses, como consequência do colapso no sistema urbano de fornecimento de água potável, levanta questões acerca das responsabilidades do Poder Público no planejamento de ações emergenciais. Nestas, a população é podada do processo decisório, o que repercute em descrédito nos serviços e obnubila o envolvimento ativo e colaborativo. A Administração se volta para ações impositivas, geradoras de tensão, de modo a proporcionar incremento da instabilidade social. O artigo 8º da Lei nº 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC, textualiza as competências do município e cita o dever de informar à população sobre os riscos. A abordagem ao tema é bibliográfica, pura quanto aos resultados, qualitativa e descritiva nos seus objetivos. Conclui-se que a ausência de espaço autorizativo à coletividade para exercício de seu dever repercute em lesão aos direitos humanos e garantias fundamentais em um ambiente ecologicamente equilibrado. Palavras-chave: Direito Ambiental. Desastre. Crise hídrica. Princípios. Dignidade humana.

1. INTRODUÇÃO As mudanças do clima surgem em regiões localizadas, mas refletem diretamente na vida de cada um de nós. Quando as condições das comunidades se tornam insalubres ou ameaçadoras, aparece então a migração das populações. As instituições regionais é que enfrentam isso. É por isso que as cidades, como grandes organizações humanas, precisam ir muito além das limitações dos tradicionais referenciais econômicos (SAMTEN, 2014).

1

A sociedade hodierna está diante de uma encruzilhada, momento no qual se encerram etapas de sua construção histórica, desde a economia exploratória da natureza até as bases de sua ciência. Sua cultura dominante, engessada pelo pensamento mecanicista newtoniano, vê-se invadida por questões inapreensíveis para sua racionalidade linear e compromete a explicação de novos fenômenos que passa a vislumbrar. De todos os fenômenos observados, um repercute diretamente sobre a existência humana, numa relação causal: o modelo econômico de exploração dos recursos naturais que tem repercutido em mudanças climáticas prejudiciais à vida no planeta. São inúmeros os efeitos, dentre os quais a sensível alteração do sistema hidrológico mundial, cuja principal repercussão é o incremento de secas e inundações. A cidade de São Paulo sofre, atualmente, a maior seca de sua história, cujos efeitos ainda não têm previsão para terminar; a tendência é sua continuação por alguns anos, a comprometer diretamente o modo de vida e de produção econômica, com danos irreparáveis e consequências ainda mais caras para a saúde e a paz social. Da mesma forma, o Nordeste brasileiro já entra no seu terceiro ano de seca e no Estado do Ceará são 176 municípios diretamente afetados, dos quais 22 apresentam situação insatisfatória de abastecimento em suas sedes. O Estado do Ceará, embora historicamente afeito às crises hidrológicas, a população em geral ainda sofre as consequências e compromete sua economia. Concretamente, as cidades são estruturas ambientais que se caracterizam por uma concentração de pessoas em sistemas integrados de moradia, transporte, produção econômica, lazer etc. São as urbes e seus cidadãos um ponto nevrálgico da organização social atual, de modo que sua estrutura pode gerar vulnerabilidades e determinar maiores riscos à paz social. Em assim sendo, pensar as cidades e os riscos construídos, estudar os meios de mitigação destes, bem como o envolvimento ativo de seus habitantes, é tarefa intrincada e exige determinação de setores públicos. A crise hídrica vivenciada pelos habitantes de cidades como São Paulo e do interior cearense, como Quiterianópolis e Irauçuba, tem em comum o fato de terem o sistema urbano de fornecimento de água tratado em colapso, em maior grau para as cidades cearenses, que já estão no terceiro ano consecutivo com abastecimentos de água potável distribuída por carros-pipas na sede municipal. Se houve lapso de planejamento, ausência de mecanismos de alerta ou qualquer deficiência anterior, este não é o caso em discussão. Discute-se, antes, a qualidade da resposta do serviço público à seca já instalada e o grau de participação social nas decisões. Trata-se de atividade imprescindível para garantir o equilíbrio das relações socioambientais no ambiente urbano e permitir a redução das vulnerabilidades. De fato, quanto às crises hídricas vivenciadas pelos brasileiros no Nordeste e em São Paulo, o relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC) abaliza: In many regions, changing precipitation or melting snow and ice are altering hydrological systems, affecting water resources in terms of quantity and quality (medium confidence).

2

Glaciers continue to shrink almost worldwide due to climate change (high confidence), affecting runoff and water resources downstream (medium confidence). Climate change is causing permafrost warming and thawing in high-latitude regions and in high-elevation 1 regions (AR5, 2014, p. 6) .

Assim, depreende-se que as crises hídricas ora presentes na realidade brasileira podem ser efeito das alterações climáticas, não de forma pontual, mas como fenômeno permanente e comprobatório das alterações climáticas e de seus efeitos sobre a organização social brasileira, com tendências para se tornarem cada vez mais frequentes. Tais alterações exigem um tratamento adequado por parte do Poder Público e, para isso, o Direito proporciona a base jurídica para direcionar as ações necessárias. A partir do acima exposto, questiona-se se as ações desenvolvidas pelo Poder Público diante das estiagens e secas, se têm cumprido o mandamento legal e se suas ações são abertas à participação popular. Quais são os elementos principiológicos determinantes para a devida informação à população e sua participação no processo decisório? Como esses elementos principiológicos determinam ao Poder Público a continuidade das ações? O tratamento ao assunto deve partir da análise de gestão de riscos e da avaliação do contexto normativo que abrange a atuação pública para os desastres, do tratamento dado pelo Poder Público e do grau de envolvimento da população diretamente afetada. 2. METODOLOGIA Quanto ao tipo, a pesquisa é bibliográfica, com inferência a partir de alguns casos reais; é pura quanto aos resultados, pois pretende indicar o necessário aperfeiçoamento dos princípios da proteção à pessoa; na abordagem, a pesquisa é qualitativa por sua efetivação a partir de princípios constitucionais; nos seus objetivos, a pesquisa é descritiva. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Exsurge no contexto jurídico nacional a compreensão do desastre como associação a um déficit regulatório do Direito Ambiental, tanto decorrente da “ocupação irregular de áreas de proteção permanente, pelo descumprimento de padrões preventivos previstos nos licenciamentos ambientais, pela ocupação desordenada do solo, ou pela injustiça ambiental” e se afirma categoricamente que “um Direito Ambiental eficaz tem relação direta com a gestão dos desastres” (CARVALHO, 2014).

1

“Em muitas regiões, a mudança na precipitação ou no derretimento de neve e gelo estão alterando sistemas hidrológicos, afetando os recursos hídricos em termos de quantidade e qualidade (precisão média). As geleiras continuam a encolher em quase todo o mundo devido às alterações climáticas (precisão alta), afetando os recursos de escoamento de água e jusante (precisão média). A mudança climática está causando o aquecimento e descongelamento das geleiras permanentes em regiões de alta latitude e em regiões de alta altitude.” (Tradução do autor). 3

Sampaio (2014, pp. 27-31), para conceber a forma como as intempéries naturais provocam alterações no Direito, considera que as mudanças climáticas, a partir de suas consequências diretas sobre a sociedade, agem como ‘irritações’ na estrutura sistêmica do Direito e proporcionam mudanças essenciais, a partir das comunicações que os conflitos ambientais lhe informam, e que ameaçam o futuro da humanidade. A definição legal de desastre dada no art. 2º, II, Decreto nº 7.257/2010, apresenta-o como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre. um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”. Assim tratado, o desastre, uma vez apresentado como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem”, assume forma a partir de suas forças primárias, por meio de adversidade externa, condição que se vê como prejudicial a sua compreensão jurídica; a distorção se dá em virtude de essas forças primárias naturais integrarem fenômenos originários e o homem sempre conviveu com os mesmos e sempre sofreu perdas. A questão referente aos desastres envolve outros elementos para sua compreensão, essencialmente nas condições do ambiente humano em resistir e se recompor após a incidência de adversidade natural. Tal posição desloca a compreensão do desastre para seus efeitos. De tal modo, em tese, a ótica mais apropriada para a compreensão jurídica do desastre se dá a partir de seus efeitos, pois é nesse campo que os bens tutelados pelo Direito são afetados, dados seus resultados “sobre um ecossistema vulnerável”, de modo que a atuação estatal exigível é a mitigação dos efeitos sobre o ambiente, que determina tacitamente a mobilização social. Diante do desastre juridicamente estruturado a partir dos efeitos sobre determinado grupo social, onde estão os bens tutelados pelo Direito, vislumbra-se também nesse campo do dever da atuação do Poder Público, nos termos da PNPDEC. É nesse campo que a tutela estatal sobre o meio ambiente e sobre as relações sociais e a produção de seus bens de estabelece e torna possível o exercício do dever da coletividade. Artigo da “International Journal of Academic Research”, ao abordar um modelo básico de participação comunitária para a gestão de desastres, indica: Basically, the disaster cannot be prevented entirely, but the risk can be minimized when its faced by a good preparation and preparedness. In that context, the community must change a mindset, from less conscious of the disaster becoming more aware of the disaster. Awareness which is already formed should be followed by concrete steps to prepare for 2 everything, when the disaster actually occurs. (RIZAL, RAKHMAT, & TAHMIR, 2014)

2

“Basicamente, o desastre não pode ser totalmente evitado, mas o risco pode ser minimizado quando seu enfrentamento por meio de uma boa preparação e prontidão. Nesse contexto, a comunidade deve mudar a mentalidade de menor consciência acerca do desastre para se tornar mais consciente do desastre. A Consciência que foi formada deve ser seguida de medidas concretas para se preparar para tudo, quando o desastre ocorre, na verdade” (Tradução do autor). 4

O foco da atuação pública, portanto, se dá sobre a comunidade, de modo a lhe preparar e mobilizar para respostas efetivas, principalmente na prevenção. As forças naturais não podem ser evitadas, mas sim a capacidade de comunidades em trabalharem essas forças. Isso reforça a necessidade de focar o dever público na redução das vulnerabilidades e na maximização da resiliência. Tal mobilização da comunidade é adequada ao mandamento constitucional do art. 22, XVIII, por estabelecer a competência da União para “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”, condição a exigir o espaço para a participação de atores nas diversas ações protetivas, condição imprescindível para um planejamento adequado. Realmente, a Lei nº 12.608/2012, ao instituir a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), estabelece no art. 9º as competências comuns dos entes federados, cujos incisos tratam a mobilização da sociedade a partir de medidas como o desenvolvimento de uma cultura nacional de prevenção de desastres, o estímulo a comportamentos de prevenção capazes de evitar ou minimizar a ocorrência de desastres, dentre outros. Então, o dever da coletividade somente se realiza se o Poder Público instrumentalizar esse exercício, através de sistemas de educação e mudança cultural. É preciso que a sociedade seja conscientizada dos riscos efetivamente existentes em sua localidade. Mas a mobilização social tem pontos de resistência, em parte reflexo de uma política mundial, ideologicamente a gravitar o capital, com base em projetos e vida individualizados, empancados em uma ‘síndrome consumista’ na qual a cultura contemporânea se rende cada vez mais, em uma sociedade produtivista, de tal modo que se “destronou a duração, promoveu a transitoriedade e colocou o valor da novidade acima do valor da permanência” (BAUMAN, 2009, p. 83). Segundo Freitas (2012), há vícios políticos no Brasil que inviabilizam a politica para concretização do princípio da sustentabilidade, semanticamente definidos como “aquelas disfunções que afastam a política da governança conducente, intertemporalmente, ao bem de todos, impedindo a justiça intra e intergeracional” (2012, p. 175). Carvalho afirma que “os desastres envolvem também outra espécie de participação humana: o fracasso do sistema legal para enfrentar eficazmente os riscos” (2014, p. 34). Mas o fracasso do sistema legal é, em si, uma antevisão dos desastres que podem advir, pois os marcos regulatórios, mesmo quando presentes, encontram um Estado vulnerável tanto pela insuficiência dos meios para efetivar seu dever, como pelos vícios acima referidos. Valencio, ao tratar o assunto no contexto da organização do Poder Público para gerir os desastres, credita as dificuldades à burocracia complexa da coisa pública no Brasil. Faz uma severa crítica às questões técnicas ao apontar um centralismo decisório que suscita a embriagues da vaidade, bem como a indisposição ao diálogo. Aponta o vício para confecção de planos 5

escritos, com prejuízo à sua disseminação como conhecimento necessário às comunidades que sofrem os efeitos dos riscos (Valencio, 2012, pp. 20-34). Faz ainda assentar: Uma vez ocorrido o desastre, o contexto de precariedade das bases materiais pra a comunicação, para o acesso a suprimentos e para o provimento de condições infraestruturais mínimas é o caldo em que emergem os conflitos entre regulações, regras e estruturas diversas de autoridade das instituições envolvidas, o que faz com a tomada de decisões seja apoiada por graus crescentes de subjetividade e conhecimento tácito, ampliando o ambiente de incertezas (VALENCIO, 2012, p. 39).

Deste ponto, percebe-se que a construção decisória em torno dos desastres deve afastar o Poder Público de uma decisão meramente técnica, centralizada nos órgãos de gestão. No Ceará, quando da instituição dos Comitês integrados de combate a estiagem, em 02 de maio de 2012, o tema passou a ser tratado publicamente, com a presença de representantes dos diversos municípios cearenses afetados pela estiagem, em reuniões semanais, onde fatores relacionados à seca eram discutidos e aprofundados, aberta a sessão para a participação popular ou de representantes dos municípios. Tal fato permitiu a publicidade dos atos de gestão em andamento, bem como desencadear outras ações de socorro e assistência. Em um primeiro momento, percebe-se que o Comitê permitiu a participação popular, mas essencialmente através de representantes dos municípios. A questão principal, no que diz respeito aos desastres, é a necessidade de envolvimento direto das pessoas afetadas, de modo que as necessidades possam ser apresentadas diretamente à população, com espaço para esta se manifestar e sugerir encaminhamentos. Dentre as competências municipais, a PNPDEC estabelece, em seu artigo 8º, inciso IX, a competência local do município em manter seus munícipes informados sobre a ocorrência de eventos extremos, conforme se lê: Art. 8o Compete aos Municípios: ... IX - manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de desastres;

Mas a realidade dos municípios brasileiros, apesar de sua autonomia política em patamar de igualdade com a União e os Estados, “a participação popular, no Brasil, ainda não se manifesta com a amplitude desejada, não sendo possível negar que constitui uma ferramenta essencial ao exercício da democracia, em especial, quando relacionada ao poder local” (CABRAL, 2013, p. 139). Há de algum modo, um hiato cultural no Brasil que afasta o assunto coletivo dos interesses individuais, talvez o resultado do processo de colonização ainda recente na história do país. Ainda, somente na Constituição Federal de 1988 é que os municípios galgaram autonomia no molde atual. 6

Quanto a organização do Comitê Integrado de Combate a Seca ter se efetivado em suas ações em nível estadual, em nível local há dúvidas quanto ao alcance da população no processo de participação, pois nos municípios havia como uma dependência das ações do Estado, tanto por limitações financeiras, quanto por desestruturação dos serviços emergenciais. Algumas audiências públicas foram realizadas em municípios do interior do Estado do Ceará, mas percebia-se a presença de muitos empresários e políticos diretamente envolvidos com a questão, talvez

movidos

por

interesses

econômicos

particulares.

De

certa

forma,

o

modelo

institucionalizado de resposta do Poder Público apontado por Valencio (2012) parece ter se repetido em nível municipal nas cidades cearenses. Veyret (2007, p. 55) afirma que os objetivos de uma gestão aceitável e consensual dos riscos deveria apoiar-se em três elementos: (i) a separação entre especialistas e autoridades, (ii) a separação entre avaliação de riscos e sua gestão e (iii) a transparência da gestão e a participação efetiva do público. Os especialistas indicam os dados técnicos, mas são as autoridades políticas que avaliam suas consequências, principalmente que no tange ao nível de conhecimento público e o grau de mobilização. Desse ponto infere-se o seguinte elemento, isto é, a necessária separação entre os trabalhos daquele que avalia os riscos (técnicos) e aqueles que fazem sua gestão (autoridades). A duplicidade dessa dinâmica de gestão pública (técnicos e autoridades gestoras) é fundamental para garantir o aprofundamento técnico necessário e a sensibilidade para perceber as repercussões sociais das decisões a serem tomadas. Desse duplo grau público de administração dos riscos, com os dois atores fundamentais (técnico e político), surge o terceiro ator que participa dessa gestão: a comunidade. Essa é alvo dos riscos e deve ser informada das condições e grau do perigo a ser suportado. Com base nessa condição, e no direito ao ambiente saudável garantido na Carta Federal de 1988, artigo 225, exsurge a obrigatoriedade do Poder Público em informar o grau dos riscos, as medidas de controle exercidas pelos técnicos e a resposta que deve ser dada pelas pessoas direta ou indiretamente afetadas. Nesse espaço entre o conhecimento da autoridade e o conhecimento público surge um conflito de interesses que devem ser sopesados: considerando o princípio da incompletude3: deve o grau de conhecimento da comunidade alvo ser integral acerca dos riscos, mesmo diante de incertezas inconsistentes e não comprovadas? De fato, há certos riscos que detém elevado grau de incerteza, de modo que a projeção de efeitos danosos futuros é obnubilada pela ausência de comprovação científica, mas decorrente da absoluta inexistência de instrumentos que possam projetar o dano futuro.

3

Princípio citado em CASTI,John, O colapso de tudo. Rio de Janeiro: Intríseca, 2012. Nesse princípio, a racionalidade humana é incapaz de conhecer todos os encadeamentos possíveis de um risco, isto é, apenas a lógica da racionalidade não é suficiente. 7

Nessa situação, Carvalho (2013, pp. 34-41) se determina pela necessária transformação do Estado a partir de seu pilar democrático: “há um verdadeiro enfraquecimento da democracia representativa em prol de formas de participação direta dos cidadãos” (2013, p. 39). Desse modo, o Estado se funda sobre um pilar democrático de participação direta no qual o ambiente, com toda a sua complexidade, é ponto de inferência de valores que devem ser permanentemente discutidos, incluídos nesse contexto os riscos produzidos e os efeitos a serem suportados. A essa conjuntura denomina Estado de Direito Ambiental, no qual o processo democrático se daria pela distribuição dos riscos, e não apenas pela distribuição dos bens. Em sua concepção, é necessário o afastamento de tecnicismos na tutela ambiental e deve-se confiar na construção de uma gestão participativa e democrática. É sob esse teto de incerteza que surge o princípio da precaução, o qual motiva para neutralizar o fenômeno que se tem como incerto e se evitar seu desencadeamento. Como exemplo, cita-se o caso dos transgênicos, que destarte o posicionamento ‘científico’ de que inexiste relação causal danosa sobre a vida, isso é impossível ser determinado em virtude de seus efeitos somente se conformarem em futuro impreciso, talvez após décadas. Nesse caso, o princípio da precaução determinaria a não liberação dos transgênicos para uso, posicionamento adotado por alguns pesquisadores. Com base na percepção da pesquisa com comunidade alvo em Makassar, Indonésia (RIZAL, RAKHMAT, & TAHMIR, 2014), percebe-se o foco da atuação pública sobre uma coletividade como o principal instrumento de mitigação dos desastres, a lhe preparar e mobilizar para respostas efetivas, principalmente na prevenção. As forças naturais não podem ser evitadas, mas sim a capacidade de comunidades em trabalhar essas forças, antes que elas aconteçam. Ora, ao considerar uma possibilidade de existência dos resultados de uma adversidade em determinado grupo social, o terreno sobre o qual se estrutura o conhecimento preventivo é a possibilidade da ocorrência, campo onde se encontram o risco e a incerteza. A população, por conseguinte, deve ser informada e formada acerca dos riscos existentes na área onde desenvolve suas atividades, de modo que a sedimentação do conhecimento repercuta em efetiva atuação durante o desencadeamento do desastre. Tal sedimentação é crucial para um nível de resposta adequado, uma vez considerada a necessidade de o Estado ‘lutar contra a ausência de Direito’ (Austin Sarat, Apud Carvalho, 2013, p. 408), condição possível quando uma população afetada por desastre está desprovida de conhecimento sobre a matéria e desconhece os sistemas de resposta do Poder Público, mas encontra destreza para buscar sua sobrevivência a qualquer custo. Logo, se há um dever do Poder Público, onde a incerteza não é óbice para a adoção de medidas preventivas, e estas contém a participação popular, surge um novo direito: o direito de ser informado, preparado e mobilizado para enfrentar os desastres. O dever do Poder Público é 8

efetivar esse direito, mesmo considerado que o risco possa estar no campo da incerteza. Não pode haver óbice à configuração deste direito e pode-se, desde já, evocar a responsabilidade subjetiva do gestor que se omite na adoção das medidas necessárias. Assim, a partir dos efeitos futuros possíveis, há uma construção jurídica de deveres presentes para evitar danos futuros: o presente é o campo do dever do Poder Público para mobilizar comunidades humanas e desenhar condutas futuras diante de desastres e seus riscos e incertezas. Assim, a concretização dos direitos ao ambiente seguro e sadio dependem da eficácia normativoconstitucional ditada pelo artigo 225, isto é, de efetiva atuação do Poder Público na mobilização social para o exercício de seu dever na proteção ao meio ambiente sadio e na preparação para os desastres.

CONCLUSÃO O dever do Poder Público na tutela ao meio ambiente é o terreno sobre o qual se estrutura e se efetiva o dever da sociedade, através de mecanismos de informação e mobilização, conforme preceito do art. 9º, da PNPDEC. Ao município compete manter informada a população sobre os riscos, conforme letra do artigo 8º, inciso IX, PNPDEC. O dever da coletividade somente se efetiva a partir da abertura do poder político no exercício das funções públicas. A ineficácia normativa para garantir os efeitos de planejamento e mobilização social para os desastres repercute em um desastre preliminar. 4. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. (2007). Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes. AR5, I. W. (2014). Climate change 2014: impacts, adaptation and vulnerability. Sumary for policemakers. IPCC. BAUMAN, Z. (2009). Vida líquida (2ª ed. ed.). (C. A. Medeiros, Trad.) Rio de Janeiro. BECK, Ulrich. (2010). Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: 34. BRASIL, T. d. (2012). TC 025.143/2013-1. Brasília - DF. _______, M. d. (24 de agosto de 2012). Instrução Normativa nº 01. Brasília, DF, Brasil. CABRAL, L. M. (2013). Autonomia municipal e desenvolvimento econômico local. São Paulo : Fiuza. CAPRA, F. (2006). O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix. CARVALHO, D. W. (2013). Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental (2 ed.). Porto Alegre: Livraria do Advogado.

9

____________. (18 de março de 2014). Direito Ambiental e a gestão dos desastres naturais. (IHUOn-Line, Entrevistador) ____________, & DAMACENA, F. D. (2013). Direito dos desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado. CASTI, J. (2012). O colapso de tudo: os eventos extremos que podem destruir a civilização a qualquer momento. (I. Korytowski, & B. Alexander, Trads.) Rio de Janeiro: Intrínseca. FREITAS, J. (2012). Sustentabilidade: direito ao futuro (2 ed.). Belo Horizonte: Fórum. GIRARD, R. (2011). O tempo das catástrofes: quando o impossível é uma certeza. (L. L. Silva, Trad.) Rio de Janeiro: Realizações. JONAS, H. (2006). O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. (M. Lisboa, & L. B. Montez, Trads.) Rio de Janeiro: PUC-Rio. MENDES, G. F., COELHO, I. M., & BRANCO, P. G. (2007). Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. RIZAL, S., RAKHMAT, H. A., & TAHMIR, S. (March de 2014). Natural disaster management - based model of community participation in Makassar. International Journal of Academic Research. SAMPAIO, A. d. (2014). A gestão dos riscos globais das mudanças climáticas pelo estado de Direito Ambiental. Porto Alegre: Nuria Fabris. SAMTEN, P. (Novembro de 2014). Pensamentos mais amplos. Vida Simples, 68. VALENCIO, N. (2012). Para além do dia do desastre: o caso brasileiro. Curitiba: Apris. VEYRET, Y. (2007). Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto.

5. AGRADECIMENTOS Ao indizível, inefável, mistério muito além do horizonte de minha compreensão: a Ti oferto toda a construção de um limitado pensamento humano. Em Ti, e somente em Ti, a experiência existencial mais profunda e que ouso chamar de Amor. A minha esposa, Sofia Coeli, cuja amizade, companhia e conselhos têm sido refrigério para a dor desta vida material. Aos meus filhos Rafael e Lucas, cujos voos em seus destinos me orgulham e me fazem perceber que não existe distância quando se ama.

10

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.