A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE E A ENTREGA DE MEDICAMENTOS NO DIREITO BRASILEIRO

May 31, 2017 | Autor: Felipe Scalabrin | Categoria: Public Health, Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Direito à Saúde
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A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE E A ENTREGA DE MEDICAMENTOS NO DIREITO BRASILEIRO

Felipe Scalabrin1 Greice Kelly Rodrigues Carlos2

RESUMO O presente texto tem por objetivo analisar o direito à saúde previsto no texto constitucional brasileiro, bem como destacar que a entrega de medicamentos pelo Estado é um desdobramento desse direito sindicável através do Poder Judiciário. Palavras-chave: Saúde. Medicamentos. Direitos Fundamentais. Direitos Sociais

1. INTRODUÇÃO O advento do Estado Democrático de Direito3 trouxe uma gama de responsabilidades para o Ente Público e um feixe ainda maior de direitos para o cidadão. De fato, a Constituição Federal foi profícua na enunciação de direitos4 e garantias das mais variadas dimensões.5 Se antes o dever do Estado era apenas assegurar as liberdades individuais, nesta quadra da história, cabe-lhe também a promoção de uma pauta ampla de prestações positivas. A postura passiva do Estado evoluiu para um ativo dever de dar ao cidadão boas condições de convivência através de direitos que se relacionam com o coletivo (e não apenas com o individual). Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), vinculado à linha Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos. Membro do Grupo de Pesquisas em Direito Processual Civil vinculado ao CNPQ “O processo civil contemporâneo: do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito”. Professor do curso de Direito das Faculdades Integradas São Judas Tadeu e coordenador do projeto “O impacto do Novo Código de Processo Civil na garantia do contraditório enquanto desdobramento da dignidade da pessoa humana” na mesma Instituição; professor do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS). 2 Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. 3 Estado Democrático de Direito é aquele fundado nas seguintes premissas: “a) o Direito deve ser compreendido com um caráter transformador da realidade; b) a Constituição possui caráter dirigente e compromissório, possuindo, assim, legitimidade material e aplicação imediata; c) na esfera política, o indivíduo é dotado de uma cidadania ampla e com alto grau de participação no múnus público, sendo insuficiente a representatividade e d) cobra-se uma proteção e realização dos mais variados direitos fundamentais, inclusive aqueles oriundos da relação processual (garantias processuais).” (SCALABRIN Felipe, Causa de Pedir e Atuação do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014, p. 44.) 4 Aliás: “O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 7ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 07). 5 Sobre gerações e dimensões entende Ingo W. Sarlet: “(...) é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo “gerações” por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais têm o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais (...).” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 45) 1

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Dentre tantos direitos ditos “sociais”, a saúde se revela como exemplo privilegiado de categoria que deve ser alçada à noção de direito fundamental.6 Nesse sentido, pretende-se apresentar, em linhas gerais, um verdadeiro esboço7 do direito à saúde enquanto direito fundamental, considerando, também que não há plena concretização deste direito sem que o Estado aja para assegurar a sua implementação através, por exemplo, da entrega de medicamentos. 2.

A

SAÚDE

ENQUANTO

DIREITO

FUNDAMENTAL

SOCIAL

CONSTITUCIONALIZADO Cumpre, então, aprofundar o estudo do direito fundamental social à saúde8 na Constituição Federal de 1988,9 especialmente porque possui lugar de destaque e assegura aos indivíduos melhores condições de subsistência, reduzindo desigualdades, bem como proporcionando uma concretização da justiça social. Trata-se de declarado objetivo à prestação positiva do Estado em benefício dos cidadãos.10 Direitos Fundamentais são aqueles tão relevantes para o cidadão de forma individual, como também para o desenvolvimento do indivíduo na sociedade. Assim, entende José Afonso da Silva que “Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas” (Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 175 e178). Já Celso Ribeiro Bastos refere que “sua significação exata não pode ser apreendida senão avaliando-se o lento processo pelo qual se deu a sua aquisição” (Curso de direito constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 141). Ingo Wolfgang Sarlet faz a seguinte distinção: “os direitos humanos (como direitos inerentes à própria condição e dignidade humana) acabam sendo transformados em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporando-os ao sistema de direito positivo como elementos essenciais, visto que apenas mediante um processo de ‘fundamentalização’ (precisamente pela incorporação às constituições), os direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica e seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito de um Estado Constitucional” (A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 32). Em arremate, Canotilho aponta que “os direitos do homem arrancariam da própria natureza e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 529). 7 É preciso deixar claro que não há qualquer pretensão de exaurimento do tema em debate, notadamente em razão da sua amplitude. O que se pretende é trazer uma indicação mínima de sentido para uma adequada compreensão do direito fundamental social à saúde. 8 Segundo Roger Raupp Rios “Dizer que o direito à saúde é um direito fundamental significa dizer, em primeiro lugar, que ele vincula os Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) e que ele não pode ser subtraído da Constituição, nem mesmo por emenda constitucional; também implica admitir que, no exercício desses poderes e dentro dos limites da realidade, o Estado brasileiro deve fazer o possível para promover a saúde” (Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos em demandas judiciais por medicamentos. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 31, agosto. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2015) 9 Assim: “Ao contrário do que ocorre com as normas infraconstitucionais, a Constituição não retira o seu fundamento de validade de um diploma jurídico que lhe seja superior, mas se firma pela vontade das forças determinantes da sociedade, que a precede” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 197). 10 JUNIOR, Edilson Pereira Nobre. O controle de políticas públicas: um desafio à jurisdição constitucional. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.19, ago. 2007. Disponível em: 6

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Nesse cenário, aponta Ingo Sarlet que a Constituição Federal de 198811 é a pioneira em inovações no que tange aos direitos fundamentais, trazendo à baila direitos que não eram consagrados nas constituições anteriores.12 Discorre ainda que o texto constitucional resultou de um amplo processo de redemocratização uma vez que surgiu após mais de vinte anos de ditadura militar13. Por outro lado, José Afonso da Silva aponta que “o tema não era tão estranho ao nosso Direito Constitucional anterior, que dava competência a União para legislar sobre defesa e proteção da saúde, mas isso tinha sentido de organização administrativa de combate às endemias e epidemias”14. O direito fundamental à saúde é inegável direito social15, no seguinte sentido: São direitos sociais aqueles de prestação positiva do Estado, que obrigam o poder público à tomada de atitudes em face de algumas exigências sociais ou carências concernentes ao pleno desenvolvimento da personalidade humana. Em outras palavras, os direitos sociais incrementam o rol dos chamados direitos fundamentais, porque tratam basicamente dos chamados direitos de segunda geração16.

No que diz respeito aos direitos sociais, José Afonso da Silva explica que são prestações positivas, devidas pelo Estado, ainda que indiretamente, são verdadeiras “normas constitucionais que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais” e ainda, “criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”.17 Tem-se, assim, que o direito à saúde está incluso nos direitos de segunda dimensão, bem como se trata de um direito positivo18, ou seja, o cidadão possui direito a prestações materiais por . Acesso em: 17 mar. 2015. 11 Segundo Luis Roberto Barroso: “A partir da Constituição Federal de 1998, a prestação do serviço público de saúde não mais estaria restrita aos trabalhadores inseridos no mercado formal. Todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício, passaram a ser titulares do direito à saúde” (BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: . Acesso em 07 abr. 2015). 12 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, op. cit. 13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 47. O mesmo autor discorre acerca da historicidade do direito fundamental social à saúde nas constituições brasileiras: para exemplificar, antes de 1988, a proteção do direito à saúde ficava restrita a algumas normas esparsas, tais como a garantia de “socorros públicos” (Constituição de 1824, art. 179, XXXI) ou a garantia de inviolabilidade do direito à subsistência (Constituição de 1934, art. 113, caput). SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Disponível em: . Acesso em 25 fev. 2015. 14 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 308. 15 ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro. Lumen Juris: 2002, p. 265 16 ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional, op. cit., p. 265. 17 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 286-287. 18 Germano citando Lenir Santos e Guido Carvalho informa que: “O direito à saúde é direito protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais.

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parte do Ente Público. Deve, portanto o Estado atuar, isto é, realizar uma conduta positiva para consagrá-lo. Além disso, tais serviços devem ser prestados de forma adequada às exigências sociais. Quanto à classificação dos direitos sociais, o direito à saúde integra os relativos à seguridade social19, tendo em vista estar disposto na Seção II, do Capítulo II (Da Seguridade Social), sob o Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição Federal de 1988. No que toca aos princípios que envolvem o direito à saúde, revela-se de suma importância o princípio da dignidade da pessoa humana. Como bem leciona Cláudio José Amaral Bahia: A formulação principiológica da dignidade da pessoa humana, embora não lhe determine um conceito fixo, atribui-lhe a máxima relevância jurídica, cuja pretensão é a de ter plena normatividade, uma vez que colocada, pelo constituinte brasileiro, em um patamar axiológico-normativo superior, verdadeira fonte da hermenêutica constitucional contemporânea20.

Além da fundamentação na dignidade da pessoa humana, Geisa de Assis Rodrigues acrescenta outros princípios decorrentes do direito sanitário, como o princípio da universalidade do direito à saúde, que diz respeito ao acesso irrestrito do cidadão à prestação do atendimento de saúde, sem o dever de contraprestação ou de preenchimento de requisitos, e menciona, ainda, o princípio da responsabilidade estatal, o qual enfatiza que o Poder Público é quem deve garantir, por meio de políticas públicas, a prestação, promoção e proteção do direito à saúde, no que tange ao princípio da integralidade das ações, este significa que todas as medidas de prevenção e de reparação devem estar ao alcance de todos para que as condições sanitárias sejam adequadas 21. Somam-se aos já mencionados, os princípios da liberdade de iniciativa da prestação de serviços à saúde, o princípio do tratamento humanitário dos pacientes, princípio da informação e do consentimento do paciente, os quais por sua denominação evidenciam seus principais efeitos, observa-se que não se deseja aqui esgotar a narrativa acerca dos princípios decorrentes do direito à saúde, contudo, uma breve narração dos princípios mais proeminentes se faz necessária22. Diz-se, pois, que é direito de status negativus e de status positivus, sendo certo que não raro se convertem uma na outra ou se co-implicam mutuamente a proteção constitucional positiva e negativa. SCHWARTZ, Germano André Doedelein. A saúde como direito público subjetivo e fundamental do homem e sua efetivação. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n 83, set 2001, p. 188, citado por CARVALHO, G. I. de SANTOS, L. Sistema Único de Saúde: comentários à lei orgânica da saúde (Lei 8.080/90 e Lei 8.142/90), 2 ed. Atualizada e ampliada. São Paulo: HUCITEC, 1995, p. 58-59. 19 Todavia, revelam-se, segundo José Afonso da Silva, em seis classes: 1) direitos sociais relativos ao trabalhador; 2) direitos sociais relativos à seguridade; 3) direitos sociais relativos à educação e à cultura; 4) direitos sociais relativos à moradia; 5) direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso e 6) direitos sociais relativos ao meio ambiente. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 287. 20 BAHIA, Claudio José Amaral. A justiciabilidade do direito fundamental à saúde: concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. In: Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v.99, n.892 (fev. 2010), p.39. 21 RODRIGUES, Geisa de Assis. Direito Sanitário. In: Nunes Júnior, Vidal Serrano (coord). Manual de direitos difusos. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 291. 22 RODRIGUES, Geisa de Assis. Direito Sanitário, op. cit., p. 291.

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Outra frisante característica do direito à saúde é que ele se reveste de dupla fundamentalidade: a formal e a material. Sobre o tema, destaca-se que a fundamentalidade material diz respeito à importância que o direito a ser tutelado possui perante a Constituição, neste caso o direito à saúde é requisito para a manutenção da vida, bem como serve de aparato para os demais direitos fundamentais ou não, tendo em vista que o direito à saúde facilita o desenvolvimento social da pessoa. A fundamentalidade formal trata-se do direito fundamental positivado. No nosso ordenamento, esses direitos ocupam o topo, trata-se de direitos de elevada categoria. Outrossim, encontram-se imbricados aos limites formais (procedimento mais rigorosos para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (cláusulas pétreas), bem como são direitos diretamente aplicáveis, enlaçando o poder estatal e particulares ao cumprimento destes, nos termos do §1º e §2º do artigo 5º.23 Apresentadas as características e a fundamentação, pode-se destacar que o direito social à saúde enlaçado aos direitos fundamentais foi positivado na Constituição de 1988 de forma detalhada, alcançando elevada hierarquia normativa e tendo que as demais normas ajustarem-se aos direitos fundamentais, tornando-se, com isso, cláusula pétrea. De fato, o direito fundamental social à saúde está previsto na Constituição Federal em diversos dispositivos. Todavia, nem todos tratam especificamente do direito à saúde, mas sim dos direitos fundamentais em geral, com isso o direito à saúde (enquanto direito fundamental), é beneficiado de tais garantias. Sem pretensão de exaurir o tema, alguns dispositivos constitucionais merecem especial destaque. Cita-se, inicialmente o artigo 5º, §1º da CF/88 que menciona a aplicabilidade imediata dos diretos e garantias fundamentais. Neste contexto, entende Roger Raupp Rios, que a não observância deste princípio tendo como base a falta de previsão de políticas públicas definidas previamente pelo Poder Executivo e Legislativo, acarretaria a limitação da eficácia imediata prevista na Constituição Federal, bem como não seria condizente com as normas previstas. Outrossim, dialoga no sentido da força desta norma e na importância que os direitos fundamentais ensejam na atualidade.24 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988, op. cit.. Nessa linha, Mariana Filchtiner Figueiredo aponta que “a fundamentalidade material do direito à saúde está calcada na relevância da saúde como condição essencial para a manutenção da vida humana, bem como para a fruição de todos os demais direitos pelo indivíduo, fundamentais ou não. (...) De sua vez, a fundamentalidade formal do direito à saúde decorre do regime jurídico de proteção reforçada que lhe foi outorgado pelo texto constitucional, abrangendo: a) a superior hierarquia axiológica de que gozam os direitos fundamentais (…); b) a especial proteção do direito à saúde na hipótese de reforma constitucional (…); c) a aplicabilidade direta e imediata das normas constitucionais que consagram e densificam o direito à saúde (FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito á saúde. 2 ed., Bahia: JusPodivim, 2011, p. 27-28). 24 RIOS, Roger Raupp. Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos em demandas 23

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Sobre a aplicabilidade imediata, destaca Gilmar Mendes: O significado essencial dessa cláusula é ressaltar que as normas que definem direitos fundamentais são normas de caráter preceptivo, e não meramente programático. Explicita-se, além disso, que os direitos fundamentais se fundam na Constituição, e não na lei - com que se deixa claro que é a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais, não o contrário. Os direitos fundamentais não são meramente normas matrizes de outras normas, mas são também, e sobretudo, normas diretamente reguladoras de relações jurídicas25.

Assim sendo, Edilson Pereira Nobre Jr. destaca que é “importante ressaltar que a aplicabilidade direta a que se refere o dispositivo não se confunde com sua execução imediata. Mesmo se reconhecendo caráter normativo a toda a Constituição, não se pode ter como consequência a de que seja sempre exequível por si mesma, uma vez que o surgimento de problemas quanto a direitos cujo exercício está necessariamente condicionado à edição de legislação integrativa.”26 Observa-se também que o direito à saúde está previsto expressamente nos artigos (todos da Constituição Federal de 1988): 6º, 23, II, 24, XII, 30, VII, 34, e, 35, III e os artigos 193 a 204 encontram-se embutidos no Título Da Ordem Social. Destaca-se, desde logo, o artigo 6º segundo o qual “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” , ou seja, há um rol não taxativo acerca dos direitos sociais27 (Capítulo II), estando estes previstos na esfera dos direitos e garantias fundamentais (Título II). Acerca disso, cumpre ressaltar a lição de Ingo Sarlet a respeito: [...] a nossa constituição vigente, afinada com a evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, não só agasalhou a saúde como bem jurídico digno de tutela constitucional, mas foi mais além, consagrando a saúde como direito fundamental, outorgando-lhe, de tal sorte, uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria. Assim, a saúde comunga, na nossa ordem jurídicoconstitucional, da dupla fundamentalidade formal e material da qual se revestem os direitos e garantias fundamentais (e que, por esta razão, assim são designados) na nossa ordem constitucional28.

No que tange aos artigos 23, II, 24, XII, 30, VII, 34, e 35, III, estes estão elencados no Título III, Da Organização do Estado, diante disso, são normas que preveem o modo operante judiciais por medicamentos, op. cit. 25 MENDES, Gilmar Ferreira (e. al.). Curso de direito constitucional, op. cit., p. 251. 26 JUNIOR, Edilson Pereira Nobre. O controle de políticas públicas: um desafio à jurisdição constitucional, op. cit. 27 Neste sentido, basta interpretar o § 2º, do artigo 5º da CF/88, que menciona que os direitos e garantias previstas nesta constituição não excluem outros advindos da própria Constituição e de Tratados Internacionais. Constituição Federal de 1988. 28 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do Direito à saúde na Constituição de 1988. Disponível em: Acesso em: 02 mar. 2015.

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do Estado. Tem-se que com relação ao artigo 23, II, este define competência comum entre todos os entes públicos de “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras e deficiência”. Outrossim, quanto ao artigo 24, XII, este declara a “competência concorrente entre os entes para legislar sobre a previdência social, proteção e defesa da saúde”. No artigo 30, VII, o legislador atribuiu aos Municípios

“prestar, a cooperação técnica e

financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população”. Ainda, o artigo 34, e, fala da exceção para casos de intervenção da União nos Estados, com isso observa-se que a União intervirá caso não seja observado o princípio constitucional da “aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”. Assim, após breves comentários, pode-se concluir que todos os entes públicos, União, Estados e Municípios são responsáveis pela prestação adequada de atendimento de saúde ao cidadão, percebendo-se que a União, por sua vez, possui caráter fiscalizatório, quando a lei faz menção autorizando a intervenção na gestão Estadual ou Distrital, com o fito de assegurar a aplicação do mínimo exigido nas ações de saúde e serviços públicos de saúde. Por derradeiro, cumpre ainda uma referência aos artigos mantidos no Título da Ordem Social. Do artigo 193, extrai-se que o objetivo da ordem social, além de primar pelo trabalho, tem o intuito de buscar o bem-estar e a justiça social em prol do cidadão. Logo adiante, no artigo 194 (Capítulo da Seguridade Social), estão mencionados os objetivos que deverão ser observados explicitando que a iniciativa para a concretização efetiva dos direitos sociais deverá partir do Poder público e da sociedade, com o fito de assegurar os direitos relativos à saúde dentre outros29. Quanto ao artigo 194 da CF/88, Marco Aurélio Serau Junior refere que, tendo em vista que a saúde integra o módulo da seguridade social, está abarcada por todos os princípios constitucionais contidos naquele artigo, desta forma, além do princípio da dignidade humana, de alta relevância aos direitos sociais, incluindo o direito à saúde, também se fazem presentes outros princípios, tais como o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, sendo base de

Art. 194 da CF. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. 29

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muitas ações judiciais, tendo em vista seu caráter universal, ainda, está previsto o princípio da seletividade e distributividade o qual prevê a melhor forma de distribuição dos recursos econômicos, tendo, com isso, a tutela judicial que pormenorizar essas diferenças, retificando eventuais tortuosidades existentes por parte do Estado.30 No que diz respeito ao artigo 195 da CF/8831, este enfatiza como se dará o financiamento da seguridade social, na qual o direito à saúde está inserido32. Os artigos 196 a 204 tratam de forma mais específica acerca do direito à saúde. Quanto ao artigo 196 da Constituição Federal33 34, José Afonso da Silva destaca que: A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula “a SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Aspectos processuais do acesso a medicamentos e tratamentos médicos: tutela judicial do direito fundamental à saúde. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 902, p. 67, dez. 2010. 31 Art. 195 da CF. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º - produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º - As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10 - A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11 - É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12 - A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. § 13 - Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. 32 Apesar de relevantíssimo o papel das limitações orçamentárias e financeiras para o direito à saúde, não se pretende tratar o tema neste breve estudo. 33 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 34 Os dispositivos acerca da saúde (artigos 196 a 200) foram regulamentados pela Lei 8.080/90, a qual dispôs sobre a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços. 30

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saúde é direito de todos”, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo “todos”, que é signo de universalização, mas com destinação precisa aos brasileiros e estrangeiros residentes [...], e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula “a saúde é dever do Estado”, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da Administração indireta35.

Ainda no tema, Roger Raupp Rios leciona que é dotado de caráter programático36 e deve

ser cumprido pelos entes públicos, sob pena de o mesmo tornar-se meramente uma ilusão, tendo em vista as expectativas geradas pelos cidadãos, diante disso, seria um ato contraditório aos deveres fixados na lei, consequentemente, estaria sendo violado o que determina o Estado por meio das leis fundamentais37. Destaca-se que o direito à saúde por ser um direito do cidadão e um dever do Estado (digase União, Estados e Municípios), imputa-se-lhe um direito positivo, ou seja, uma obrigação de fazer, já que deve proporcionar ao cidadão atendimento digno no que tange às suas necessidades, tanto na dispensação de medicamentos quanto na realização de exames e cirurgias, etc. Com efeito, tem-se entendido que a obrigação de fornecer tratamento de saúde adequado ao cidadão necessitado é solidária entre as três esferas da federação.38 Na segunda parte do artigo 196, o legislador menciona “políticas públicas”. Segundo Germano Schwartz “estamos diante de um Estado interventor, e, também, diante da primazia da ação estatal positiva na defesa do direito à saúde -e jamais da inércia- e, conectando-se, essencialmente, à idéia de um direito social à saúde (como efetivamente também o é)” de modo

35 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 782. 36 Por outro lado, entende José Afonso da Silva que “(...) para que não se tenha o direito reconhecido como programático apenas, a norma aperfeiçoa o direito, consignando-lhe garantia. (...) o direito é garantido por aquelas políticas indicadas, que hão de ser estabelecidas, sob pena de omissão inconstitucional, até porque os meios financeiros para o cumprimento do dever do Estado, no caso, são arrecadados da sociedade, dos empregadores e empresas, dos trabalhadores e de outras fontes” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição, op. cit., p. 782). Quanto ao conteúdo programático do artigo 196, Luis Roberto Barroso aponta que: “A possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente de mediação legislativa, o direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de positivação do artigo 196, que claramente defere a tarefa aos órgãos executores de políticas públicas (BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, op. cit.). 37 RIOS, Roger Raupp. Direito à saúde, universalidade, integralidade e políticas públicas: princípios e requisitos em demandas judiciais por medicamentos, op. cit. 38 Recentemente, em decisão do STF (RE 855178) que teve Repercussão geral reconhecida, foi discutido o tema da responsabilidade solidária dos entes federados no que tange as ações relacionadas a prestação de direito à saúde. Por maioria, no mérito, entendeu o Tribunal por reafirmar a jurisprudência dominante, com isso, há responsabilidade solidária entre os entes federados, bem como, o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. De outro lado, Albuquerque Netto discorre que “esse fundamento da responsabilidade solidária, em razão de o direito à saúde estar na competência comum e ser dever do Estado, fere toda a sistemática da Constituição federal. O constituinte, influenciado pelo movimento sanitarista, teve por escopo a descentralização do sistema de saúde prevendo a repartição das atribuições de cada ente federado. Desse modo, não há que se falar em solidariedade num sistema em que distribui a responsabilidade de cada ente federado (NETTO, José Affonso de Albuquerque. O direito à saúde no federalismo: repartição de competência na assistência farmacêutica. ano 10, n. 10, Editora Fórum: Belo Horizonte, 2011, p. 14).

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que se o Estado cumprisse seu papel, “desnecessário seria ter de se garantir a saúde, a vida e a dignidade humana”. 39 Ainda sobre políticas públicas, entende Edilson Pereira Nobre Junior que “[…] política pública deve ser compreendida não como ato ou atos isolados, mas como um conjunto de atuações do Poder Público. [...] Acrescenta que toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos [..], tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos da mais variada espécie. O que dá sentido a esse conjunto seria o objetivo eleito pelos órgãos estatais ou imposto pela Constituição” 40

Diante de tais pontuações, é possível concluir que sendo o direito à saúde um direito fundamental do ser humano, tem o Estado o dever de, por meio de suas políticas públicas, fornecer ao cidadão condições adequadas de saúde, uma vez que estão positivados na Constituição Federal. Quanto aos artigos 197 e 198, estes tratam acerca da regulamentação, da fiscalização e do controle por parte do Poder Público, no que concerne às ações e aos serviços de saúde. Ainda, o artigo 197 menciona que a execução de tais ações poderá ser realizada diretamente pelo Ente Público ou por terceiros. Outrossim, revelou a possibilidade da execução por meio de pessoa jurídica de direito privado ou pessoa física. Enfatizou-se, no artigo 198, o estabelecimento do SUS (Sistema Único de Saúde)41, informando tratar-se de uma rede regionalizada, hierarquizada e organizada por meio de diretrizes.42 Com isso, foi criado com o intuito de realizar o dever estatal SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 97. 40 JUNIOR, Edilson Pereira Nobre. O controle de políticas públicas: um desafio à jurisdição constitucional. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.19, ago. 2007. Disponível em: Acesso em: 18 mar. 2015. 41 “Tendo sido estabelecido e regulamentado pela própria Constituição de 1988, que estipulou os princípios pelos quais se estrutura e os objetivos a que deve atender, além de consistir no resultado de aperfeiçoamentos efetuados a partir de experiências anteriores frustradas e, de outra parte, consistir em reivindicação feita pela sociedade civil organizada, sobremodo no Movimento de Reforma Sanitária que precedeu à elaboração do texto constitucional, o SUS pode ser caracterizado, enfim, como uma garantia institucional fundamental” (SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988, op. cit.) 42 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento; II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º; II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com 39

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do direito à saúde.43 No que diz respeito aos artigos 199 a 204, estes tratam da prestação da saúde pela iniciativa privada, as atribuições do SUS44 quanto à participação, fiscalização e controle da estrutura do direito à saúde, bem como as regras da Previdência Social – temas que obviamente escapariam da proposta deste estudo. Por derradeiro, se percebe que o direito à saúde está muito bem assegurado na nossa Constituição, tendo sido elevado ao topo como direito fundamental, além de receber o adjetivo de direito social. Entendeu-se que pode ser caracterizado por dois vieses: direito prestacional (direito positivo) ou direito de defesa (direito negativo), e que ambas as formas buscam a prestação adequada do direito à saúde em favor do cidadão. Além disso, o direito à saúde enquanto direito social fundamental possui princípios próprios, diretrizes organizativas e, principalmente, aplicabilidade imediata. Cumpre então, cotejar tal direito com o dever de entrega de medicamentos pelo Estado. 3. A ENTREGA DE MEDICAMENTOS COMO COROLÁRIO DO DIREITO À SAÚDE

saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. 43 De outra banda, Albuquerque Netto enfatiza que “a implementação de um sistema público de saúde no Brasil efetivamente teve início a partir da ditadura militar de 1964, com um modelo concebido na lógica do seguro (bismarckiano). Tal sistema se concretizou com a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), uma autarquia federal, que concentrou todas as atribuições de prestar diretamente, ou através de serviços contratados, o atendimento à saúde da população que contribuísse para a Previdência Social.” NETTO, José Affonso de Albuquerque. O direito à saúde no federalismo: repartição de competência na assistência farmacêutica, op. cit., p. 02. 44 Sobre a organização do SUS, leciona Albuquerque Netto que “para implementar as normas constitucionais e respeitar o federalismo, o Legislador criou a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) com o fim de estabelecer a forma de organização e funcionamento do Sistema Único de Saúde, a União, em cooperação com os entes federados, criou portarias estabelecendo especificamente a atribuição de cada ente no financiamento, na aquisição e na dispensação dos medicamentos e insumos. NETTO, José Affonso de Albuquerque. O direito à saúde no federalismo: repartição de competência na assistência farmacêutica, op. cit., p. 15. No mesmo sentido, leciona Luis Roberto Barroso “Logo após a entrada em vigor da Constituição Federal, em setembro de 1990, foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90). A lei estabelece a estrutura e o modelo operacional do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento. O SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta. A iniciativa privada poderá participar do SUS em caráter complementar” (BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, op. cit.)

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A entrega de medicamentos45 é tema que merece especial reflexão, pelo que será abordado o tema dos medicamentos em si e não outro direito relacionado à saúde, ou seja, analisar-se-á a prestação de medicamentos como forma de efetivação do direito à saúde brasileira.46 Conforme salientado anteriormente, o direito à saúde está incluído no catálogo de direitos fundamentais sociais. Outrossim, o direito do cidadão ao recebimento de medicamentos está embutido no direito à saúde47, tendo em vista que, para a efetivação deste direito, uma das consequências é a adequada prestação medicamentosa. Nas palavras de Maria Inês Dolci, “a responsabilidade essencial do acesso ao medicamento é indelegável e inerente ao Estado e isso é inquestionável. A formulação de políticas farmacêuticas nacionais, a regulamentação farmacêutica, o estabelecimento de normas para diversas profissões da área da saúde, a garantia de acesso aos medicamentos essenciais e a promoção do uso racional de medicamentos é papel do Estado. De acordo com a Constituição Brasileira, os medicamentos essenciais deveriam ser garantidos para todos”.48 Com isso, demonstra-se também, através do estudo realizado por Alyne da Silva Portela, que o Estado vem criando formas para que o cidadão tenha maior acesso aos medicamentos pela via administrativa, o que não quer dizer que sejam plenamente eficazes. Assim, a autora discrimina as transformações sofridas pelo setor farmacêutico nos últimos anos: [...] o setor farmacêutico brasileiro tem passado por importantes transformações, nos

últimos quarenta anos, destacando-se entre elas a criação da Central de Medicamentos Segundo Ramiro Nóbrega: “O Brasil é exemplo de várias iniciativas quando o assunto é acesso a medicamentos. A atuação do Brasil é referida em âmbito internacional no tratamento de doenças como AIDS e diabetes, que demandam grande organização e articulação para a dispensação de medicamentos excepcionais. No âmbito nacional, várias iniciativas merecem destaque. Normas como a Política Nacional de Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Resolução n. 338/2004 – CNS/MS) demonstram uma organização e articulação importantes entre diversas esferas do governo. Também merecem menção os programas de estímulo à produção de medicamentos genéricos e para a venda de medicamentos fracionados.” (O direito achado na rua: Acesso a medicamentos: direito garantido no Brasil? Disponível em: . Acesso em: 30 mar 2015). 46 Entendem João Agnaldo Donizeti Gandini, Samantha Ferreira Barione e André Evangelista de Souza, que: “O direito à saúde deve ser encarado como direito fundamental social subjetivo, passível de ser tutelado judicialmente caso o Estado não promova as prestações materiais necessárias à sua completa realização. A intenção de se atribuir a determinados direitos a qualificação de fundamentais não pode se restringir à satisfação de objetivos meramente acadêmicos, despreocupada de qualquer consequência prática. Ao revés, todo direito fundamental é acima de tudo uma norma de caráter principiológico, dotada de força normativa, e cuja aplicação não se restringe a casos pontuais e específicos, estando apta para promover a máxima eficácia dos valores garantidos pela Constituição Federal”. GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial – critérios e experiências. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 49, jan 2008. Disponível em: . Acesso em 02 abr 2015. 47 A “saúde e medicamentos estão estreitamente ligados em nossa sociedade. È difícil pensar a saúde ou a doença sem pensar em medicamentos” (NÓBREGA, Ramiro. O direito achado na rua: Acesso a medicamentos: direito garantido no Brasil?, op. cit.) 48 DOLCI. Maria Inês. Buscando uma política de medicamentos para o Brasil. Disponível em: . Acesso em 30 mar. 2015. 45

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(CEME), a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), a aprovação da Política Nacional de Medicamentos (PNM), a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a Lei dos Genéricos e, mais recentemente, a realização da Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, a criação do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF), e a aprovação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Pnaf) [...] 49.

Além dos mecanismos citados acima, segundo Fernanda de Castro Nakamura, há a Farmácia Popular, que disponibilizada medicamentos ao cidadão de forma menos custosa, além disso, ocorre o fornecimento gratuito de medicamentos específicos para alguns tipos de doenças como a tuberculose, diabete, hipertensão arterial, entre outras. O programa é desenvolvido em parceria entre a União, os Estados e Municípios.50 Diante de tamanha importância do tema, percebeu-se a necessidade de uma maior regulamentação a este direito, sendo assim, foi editada a Lei 8.080/90, que, segundo Alyne da Silva Portela, organiza os serviços da saúde, no que diz respeito à gestão e direção, o que caberia a cada Ente Público prover ao cidadão, mencionando que, no artigo 6º da referida lei, está descrito que o Estado deve promover a assistência terapêutica integral e a assistência farmacêutica51. Ainda, em 1998 foi lançada a Política Nacional de Medicamentos52, aprovada pela Portaria n. 3.916 do Ministério da Saúde53, com o fito de proporcionar ao cidadão uma maior eficácia, segurança e qualidade dos medicamentos. Outrossim, tal Política prevê a distribuição das

PORTELA, Alyne da Silva (et. al.). Políticas públicas de medicamentos: trajetória e desafios. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, Disponível em: . Acesso em: 02 abr 2015. 50 NAKAMURA, Fernanda de Castro. Medicamentos e o dever do Estado de tutelar a saúde. Disponível em: . Acesso em: 07 abr. 2015. 51 PORTELA, Alyne da Silva (et. al.). Políticas públicas de medicamentos: trajetória e desafios, op. cit. 52 “Com efeito, ao gestor federal caberá a formulação da Política Nacional de Medicamentos, o que envolve, além do auxílio aos gestores estaduais e municipais, a elaboração da Relação Nacional de Medicamento (RENAME). Ao Município, por seu turno, cabe definir a relação municipal de medicamentos essenciais, com base na RENAME, e executar a assistência farmacêutica. O propósito prioritário da atuação municipal é assegurar o suprimento de medicamentos destinados à atenção básica à saúde, além de outros medicamentos essenciais que estejam definidos no Plano Municipal de Saúde. [...] A União em parceria com os Estados e o Distrito Federal ocupa-se sobretudo da aquisição e distribuição dos medicamentos de caráter excepcional, conforme disposto nas Portarias nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006, e nº 1.321, de 5 de junho de 2007. Assim, ao gestor estadual caberá definir o elenco de medicamentos que serão adquiridos diretamente pelo Estado, particularmente os de distribuição em caráter excepcional.” BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, op. cit. 53 O objetivo da Política de Medicamentos: “o seu propósito precípuo é o de garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. A Política de Medicamentos aqui expressa tem como base os princípios e diretrizes do SUS e exigirá, para a sua implementação, a definição ou redefinição de planos, programas e atividades específicas nas esferas federal, estadual e municipal.” Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998. Outrossim, a Política Nacional de Medicamentos “[..] é considerada o primeiro posicionamento formal e abrangente do governo brasileiro sobre a questão dos medicamentos no contexto da reforma sanitária. Formulada com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde [...]”. PORTELA, Alyne da Silva (et. al.). Políticas públicas de medicamentos: trajetória e desafios, op. cit. 49

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responsabilidades inerentes aos órgãos estatais, observando quais

prioridades devem ser

atendidas54. Ainda, quanto à elaboração de leis referentes ao tema, teve o Estado do Rio Grande do Sul valiosa contribuição quando da edição da Lei Estadual nº 9.908/9355, determinando o fornecimento gratuito de medicamentos excepcionais a pessoas carentes de recursos, a qual já instigava o ajuizamento e o deferimento de ações nesse sentido56. Todavia, caso o Ente Público não forneça o medicamento pleiteado na via administrativa, o cidadão terá a opção de acionar a Justiça (Federal ou Estadual) com o fito de ter seu direito à saúde garantido, assim leciona Barroso, quando diz que “A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço de saúde”57. Quanto a quem figurará no pólo passivo dessa demanda, entende-se que todos os Entes Públicos terão responsabilidade no que diz respeito ao fornecimento do medicamento requerido, uma vez que se trata de responsabilidade solidária. Nesse sentido, leciona Marcos Maselli Gouveia: Acerca da legitimidade passiva já houve ocasião de se discorrer de modo exaustivo: do ponto de vista da divisão interna de tarefas, União e Estados possuem funções subsidiárias em relação ao Município, notadamente em relação àqueles que já tiveram a Gestão Plena da atividade-fim do SUS reconhecida através de portaria do Ministério da Saúde. Esta divisão, porém, não serve de óbice para que o cidadão possa pleitear solidariamente, de qualquer dos entes, os medicamentos necessários ao seu tratamento: posteriormente, já garantida a entrega do medicamento, poderiam União, Estados e Municípios equacionar os dispêndios havidos com a aquisição dos remédios, compensando-se os gastos havidos pelos dois primeiros com os repasses que seriam encaminhados aos Municípios58.

Assim, conclui-se que o Ente Público através de seus programas e leis tenta realizar o devido fornecimento de medicamentos, todavia, isto nem sempre é possível devido a fatores diversos, como por exemplo, a má gestão das políticas públicas ou a falta de orçamento59. Diante NÓBREGA, Ramiro. O direito achado na rua: Acesso a medicamentos: direito garantido no Brasil?, op. cit. Lei Estadual nº 9.908, de 16 de junho de 1993: Dispõe sobre o fornecimento de medicamentos excepcionais para pessoas carentes e dá outras providências. 56 GOUVEIA, Marcos Maselli. O direito ao fornecimento estatal de medicamentos. Disponível em: http://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id2.htm. Acesso em: 07 abr 2015. 57 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, op. cit. 58 GOUVEIA, Marcos Maselli. O direito ao fornecimento estatal de medicamentos, op. cit. Aliás, sobre o tema: “O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros” (Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 704067/DJ. 23.05.2005 p. 240. Rel. Min. Eliana Calmon). 59 GOUVEIA, Marcos Maselli. O direito ao fornecimento estatal de medicamentos, op. cit. 54 55

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disso, o cidadão se vê desprovido de seu direito e atenta-se ao ajuizamento de ações, através das quais busca o fornecimento do medicamento necessário para a mantença de sua saúde. Eis aí o grande benefício de se considerar o direito à saúde como direito fundamental social. É que se a entrega de medicamentos – desdobramento natural da proteção à saúde – não for realizada pelo Ente Público responsável, poderá o cidadão se valer da proteção jurisdicional do seu direito, utilizando o direito de ação e acionando o Poder Judiciário para, não apenas reconhecer o direito alegado, como também realizar os atos práticos necessários à efetiva entrega do bem da vida perseguido, isto é, obrigar o Estado – enquanto gestor público – a providenciar medicamentos para o indivíduo. 4. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS O presente texto buscou apresentar, ainda que de forma breve, o direito à saúde na Constituição brasileira de 1988. Elucidou-se, também, que se trata de direito fundamental social especialmente protegido. Além disso, é direito de tamanha relevância que cabe a todos os entes públicos – de forma solidária – a sua promoção e proteção. De outro giro, pretendeu-se evidenciar que a entrega de medicamentos compõe inevitavelmente este direito. De fato, sem tratamento adequado, a saúde pode ser debilitada e o fármaco é elemento concreto hábil a manter a pessoa. É possível concluir, também, que se a entrega de medicamentos é dever do Estado, diretamente vinculada ao direito à saúde, e este é compreendido como direito fundamental (e, portanto, de aplicabilidade imediata), a inação do Estado autoriza a provocação da função jurisdicional (Poder Judiciário) para que, coativamente, haja o cumprimento do dever constitucional. 5 REFERÊNCIAS BAHIA, Claudio José Amaral. A justiciabilidade do direito fundamental à saúde: concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. In: Revista dos tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v.99, n.892 (fev. 2010), p.37-86 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf. Acesso em 26 mar 2015. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em

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