A proteção da natureza no Brasil: evolução e conflitos de um modelo em construção

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Ano VI • Nº 9 • Semestral • Janeiro de 2004 • Salvador, BA

Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano

INDEXAÇÃO: A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE é indexada por: – GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais < http//www.geodados.uem.br > – Universidad Nacional Autónoma de México CLASE Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades: < http://www.dgbiblio.unam.mx > A RDE foi classificada pelo QUALIS da CAPES como Nacional B pelas áreas de Planejamento Urbano e Regional/Demografia (área do Programa responsável pela sua edição) e Arquitetura e Urbanismo.

Depósito legal junto à Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas da Unifacs RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico. – Ano 1, n. 1, (nov. 1998). – Salvador: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas 2./ Universidade Salvador, 1998– v.; 30 cm. Semestral ISSN 1516-1684 Ano 1, n. 1 (nov. 1998), Ano 1, n. 2 (jun. 1999), Ano 2, n. 3 (jan. 2000), Ano 3, n. 4 (jul. 2001), Ano 3, n. 5 (dez. 2001), Ano 4, n. 6 (jul. 2002), Ano 4, n. 7 (dez. 2002), Ano 5, n. 8 (jul. 2003), Ano 6, n. 9 (jan. 2004). 1. Economia – Periódicos. II. UNIFACS – Universidade Salvador – UNIFACS. CDD 330

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A PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL: EVOLUÇÃO E CONFLITOS DE UM MODELO EM CONSTRUÇÃO

Rodrigo Medeiros1 , Marta Irving2 e Irene Garay3 Resumo No Brasil, a institucionalização política e administrativa da proteção da natureza se processou de forma lenta e gradual, se consolidando somente na primeira metade do século XX. Enquanto nos períodos colonial e imperial a visão predominante de proteção era tipicamente gerencial é somente na República que se inicia um processo de consolidação de um ideário protecionista no aparato jurídico-legal e institucional brasileiro que favoreceu a criação de áreas protegidas no país. Tal consolidação e evolução, grosso modo, como se procura analisar e discutir neste trabalho, foi decorrência de uma série de fatos e circunstâncias, dentre eles: a) o fortalecimento e aparelhamento do Estado; b) a participação e influência de diferentes segmentos da sociedade; c) o contexto internacional. Palavras-chave: Áreas protegidas; Unidades de conservação; Política ambiental; Políticas públicas; Geopolítica.

Abstract

to management. A protectionistic view in the legal and institutional apparatus only began to be consolidated throughout the Republic which favored the creation of several protected areas all over the country. Such consolidation and evolution as we analyze and discuss in this work were results of different facts and circumstances, among them: a) the strengthening and equipment of the State; b) the participation and influence of different segments of the society; c) the international context. Key words: Protected areas; Conservation units; Environmental policy; Public policies; Geopolitic.

Introdução A proteção da natureza tem se constituído em um dos desafios mais antigos das sociedades humanas cuja premência se acentua nos dias de hoje. No entanto, a rede complexa de motivações e contradições se exprime num apaixonante jogo, aliás de difícil solução, que se resume em abordagens com perspectivas

In Brazil, the political and administrative institutionalization of the nature protection occurred in a slow and gradual way, with its consolidation in the first half of the XXth century. The predominant vision of protection, during the colonial and imperial periods, was tipically turns RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

antagônicas: a natureza a serviço do homem ou o homem subordinado a ela? Em síntese, a natureza como externalidade ou internalidade? Ora,em que medida a evolução e o debate político incorporam ou superam esse antagonismo e, ainda, como o traduzem operacionalmente? Questões à base, elas perpassam os principais aspectos envolvidos numa prática, socialmente definida e normatizada como proteção da natureza, que o presente trabalho visa apresentar e discutir focalizada no caso brasileiro. No escopo aqui proposto, a problemática central “proteção da natureza” se congrega essencialmente em torno do referencial “área protegida” que representa, hoje, uma das principais estratégias de conservação. Área protegida que, no presente contexto, define-se como “uma área terrestre e/ou marinha especialmente dedicada à proteção e manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais associados, manejados através de instrumentos legais ou outros instrumentos efetivos” (IUCN, 1984).

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Doutor em Geografia. Pesquisador do Laboratório de Gestão da Biodiversidade e do Núcleo de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected].

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Doutora em Ecologia. Professora do Instituto de Biologia da UFRJ/Laboratório de Gestão da Biodiversidade. Pesquisadora Convidada no Depto. de Ecologia e Gestão da Biodiversidade do Museu Nacional de História Natural de Paris (França). E-mail: [email protected].

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Doutora em Oceanografia. Professora do Instituto de Psicologia/Programa EICOS. E-mail: [email protected].

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Para nortear a análise desta problemática e ponderar a sua complexidade, optou-se ainda por uma narrativa essencialmente historiográfica, estabelecendo os contrapontos e debates pertinentes, a fim de possibilitar uma interpretação seqüencial de como esta prática surgiu e se consolidou no cenário brasileiro. É importante enfatizar que este trabalho representa, além uma síntese, um convite à reflexão sem pretender esgotar debates e desdobramentos portanto essenciais à compreensão do rol das áreas protegidas para a proteção da natureza em território brasileiro.

A Construção de um Modelo Brasileiro de Áreas Protegidas O Brasil, país de megadiversidade biológica, é portanto considerado país estratégico no âmbito dos desdobramentos da Convenção da Diversidade Biológica. Contudo, o processo de elaboração e definição de uma política para os espaços territoriais considerados de alto valor em recursos renováveis é de fato muito recente. Durante os seus mais de 500 anos de existência, o país passou por diferentes formas de administração política – colônia portuguesa entre os séculos XVI e XVIII, um curto Império monárquico do século XVII ao XIX e, finalmente, República Federativa a partir do final do século XIX - experimentando diversas estratégias de apropriação e gestão dos seus recursos renováveis. Porém, a instituição de áreas protegidas, que é entendida como a delimitação de parcelas do território nacional para a preservação e/ou conservação da natureza, pelo ou com o aval do Estado, foi um fenômeno típico do período republicano, sobretudo no decorrer do século XX. Antes disso, nos períodos Colonial e Imperial, tal como vinha ocorrendo em outras partes do mundo - notadamente na 84

maioria dos Estados imperialistas europeus e suas colônias -, todas as iniciativas estavam focadas, em geral, sobre a proteção de recursos renováveis de reconhecida relevância econômica, principalmente, madeira para a construção civil e naval e minérios. Todavia, essa prática era exercida de maneira incipiente e desarticulada, por meio de poucos instrumentos legais, por vezes sem vinculação a uma política de Estado ou mesmo a uma estratégia geral clara e definida. Por fim, no século XX, a década de 30 representa um marco haja vista da criação de um conjunto mais amplo de instrumentos legais e de uma estrutura administrativa no aparelho do Estado voltada especificamente para a gestão das áreas protegidas. Estes avanços institucionais, acontecidos cerca de 40 anos após a proclamação da República, se processaram precisamente em função de um cenário favorável marcado por uma importante mudança no quadro político e social brasileiro até então dominado pelas elites rurais pois, com a Revolução de 30, inicia-se o processo de transição do país para um cenário dominado pela industrialização e urbanização crescentes, principalmente na região sudeste (CUNHA & COELHO, 2003). Na esteira das mudanças em curso, a questão ambiental se impôs na agenda de reformas que visaram o fortalecimento do Estado e de suas instituições, sendo incorporada no aparato jurídico e institucional brasileiro. Um fator preponderante foi, sem dúvida, o ambiente político propício ao processo de modernização que caracterizou o país nessa época. A partir dos anos 30, com Getúlio Vargas, diversas estratégias políticas foram adotadas com o intuito de colocar o Brasil rumo à modernidade: novas leis trabalhistas, incentivos à industrialização e à expansão e ocupação do oeste brasileiro ditaram o ritmo das mudanças. Neste cenário de ambiciosas transformações, o movimento ambientalista bra-

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sileiro, que pregava a criação de áreas protegidas para a preservação da natureza – uma tendência internacional - encontrou terreno fértil. A consolidação deste novo ideário de desenvolvimento para o Brasil ficou registrada na segunda constituição republicana brasileira de 1934. Nela, pela primeira vez, a proteção da natureza figurava como um princípio básico para o qual deveriam concorrer o Governo Federal, Estados e municípios. Em seu texto ficou definida como responsabilidade da União “proteger belezas naturais e monumentos de valor histórico e artístico”4. Com a incorporação na Constituição de 1934 de um ideário que outorgava à natureza um novo valor, i. e., ela passa a ser considerada como patrimônio nacional a ser preservado, sua proteção ganha um novo status na política nacional, consistindo em tarefa ou dever a serem cumpridos e fiscalizados pelo poder público. Desta forma, proteger a natureza entra definitivamente na agenda governamental brasileira, passando a configurar um objetivo complementar da política de desenvolvimento nacional. Com conseqüência disto, ainda em 1934, os principais dispositivos legais de proteção da natureza, que levariam inclusive à criação dos primeiros Parques Nacionais, são criados no Brasil. Entre eles destacamse o Código Florestal (1934), o Código de Caça e Pesca (1934), Código de Águas (1934) e o Decreto de Proteção dos Animais (1934). De todos eles, o Código Florestal se tornou um dos mais importantes instrumentos da política de proteção da natureza da época, pois definiu, em bases sólidas e concretas, um projeto brasileiro com este enfoque. Além disso, o Código Florestal está cultural e historicamente relacionado à tradição brasileira de proteção da natureza, uma vez que nele são estabelecidos, pela primeira vez, os crité4

Capítulo I, artigo 10.

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rios para a proteção dos principais ecossistemas florestais e demais formas de vegetação naturais do país além de introduzir a idéia de categorias de manejo em função dos objetivos e finalidades da área criada 5 (MEDEIROS, 2003). A partir dele houve, portanto, um cenário favorável para a formalização da criação dos primeiros Parques e Florestas Nacionais do Brasil, o que ocorreu três anos mais tarde, em 1937, com a criação do Parque Nacional de Itatiaia. A tradição brasileira de criação de espaços protegidos seguindo a lógica da categorização em função dos objetivos e finalidades da área criada, estabelecida pelo Código Florestal de 1934, foi uma de suas heranças mais importante. Todos os instrumentos legais de proteção posteriores, apesar de criados segundo dinâmicas e contextos específicos, seguiram essa mesma tendência, o que resultou, no país, em quase uma dezena de dispositivos voltados a criação de tipologias distintas de espaços protegidos (Tabela 1). Como conseqüência, instituiu-se no país até o início dos anos 90, um sistema de criação de áreas protegidas complexo e desarticulado, cuja conseqüência mais perversa era a sua precária gestão, com enorme desperdício de recursos e oportunidades. Esta situação fez com que, a partir do final dos anos 70, se iniciasse uma reflexão sobre a necessidade de concepção de um sistema mais integrado para a criação e o gerenciamento das áreas protegidas. Entretanto, esse sistema só se efetivou aproximadamente 20 anos mais tarde, em 2000, com a aprovação da Lei 9985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). O resultado prático deste processo de construção resultou, hoje, num modelo brasileiro que é composto basicamente por duas tipologias distintas de espaços destinados à proteção dos recursos naturais: a) as áreas protegidas territorialmente demarcadas e com dinâmicas de uso e ges-

Tabela 1: Categorias de Manejo e dispositivos legais com relação à criação de Áreas Protegidas no Brasil, anteriormente ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação em 2000 (Lei 9985/2000) .

tão bem definidas - genericamente denominadas de Unidades de Conservação (UCs) - e que fazem parte do SNUC (Lei 9985/00); e b) espaços protegidos através de instrumentos legais pelos seus atributos e serviços, sobretudo ecológicos, mas sem uma prévia delimitação territorial (como ocorre no caso anterior) – as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RL) – incluídas na segunda versão do Código Florestal de 1965 (Lei 4771/65). Tal distinção, deriva de uma idéia presente, desde o primeiro Código Florestal de 1934, reforçada na versão de 1965, a qual enfatiza que, no Pais, a proteção da natureza seria tarefa ou função executada solidariamente entre o Estado e a sociedade. Desta forma, caberia, não somente ao Estado, instituir áreas protegidas sob sua gestão em território estritamente de domínio público ou em áreas por ele adquiridas, materializadas inicialmente sob a forma de Parques Nacionais e Florestas Nacionais e, em seguida, pelas diversas outras categorias de manejo criadas. Mas essa responsabilidade caberia também ao conjunto da sociedade, nas áreas de domínio privado, onde a proteção se fizesse necessária, justificada tanto pela presença de sistemas e recur-

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sos biológicos cuja exploração é interdita, quanto para conter os excessos na exploração e ocupação em áreas de vegetação nativa. Tal princípio se mantém efetivo, até a atualidade, na política de proteção brasileira e é uma de suas principais marcas, como discutiremos em maiores detalhes a seguir. Porém, antes disso é preciso ainda salientar que, em certa medida, a iniciativa brasileira de institucionalização do tema de criação e gestão de áreas protegidas se inseriu e foi pressionada pelo crescente movimento internacional de criação de Parque Nacionais, segundo a ideologia preservacionista de proteção do “wilderness” que, iniciada nos Estados Unidos da América, no final do século XIX, já havia influenciado outros países da América Latina, vizinhos ao Brasil, como a Argentina (1903) e o Chile (1927). Entretanto, apesar de inspirado nestas iniciativas e integrado ao esforço global de diversos países das Américas de criação de áreas protegidas, o modelo de proteção desenvolvido no Brasil não se resumiu à “cópia” do modelo norte-americano, como alguns autores pretenderam demonstrar6. Em grande parte, isto se deu em resposta a diversos fato-

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O Código Florestal de 1934, declarava de “interesse comum a todos os habitantes do país” o conjunto das florestas existentes e demais formas de vegetação, classificando-as em quatro categorias: protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento.

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Entre eles destacam-se Diegues (2001), Ribeiro (2001) entre outros

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res, dos quais podem ser destacados: 1) a lógica da conservação e uso, com participação da sociedade civil, paralela à lógica da preservação; 2) a preservação – conservação como instrumento geopolítico e, por fim, 3) a necessidade de adequar o sistema de áreas protegidas à dimensão continental, pluri-cultural e megadiversa do Brasil. Como corolário emerge um modelo caracterizado pela diversidade de tipos de áreas protegidas, que é inclusive um instrumento geopolítico e que se expande ainda hoje por conta da singularidade do País. 1) Uma lógica diversificada de preservação – conservação Em sua gênese, o modelo brasileiro já expressava, desde seu primeiro instrumento legal, o Código Florestal de 1934, a idéia de criação de espaços protegidos que atendessem aos objetivos não só de preservação dos recursos renováveis, tal como privilegiava o modelo norte americano, mas também vinculados à sua conservação, englobando já a perspectiva de uso sustentável. Neste sentido, o modelo em evolução no país não rompia totalmente os laços que o ligavam a uma noção de proteção mais voltada ao manejo dos recursos, típica daquela criada pelos Estados Europeus e exportada para as suas colônias. Isso aconteceu, uma vez que grande parte da comunidade intelectual brasileira, tanto no período colonial quanto imperial, como aponta Pádua (2002), teve sua formação em escolas européias, sobretudo em Portugal (Lisboa e Coimbra) e na França (Paris). Em função deste contexto, a instituição de espaços protegidos que se iniciava no país, contemplava duas tradições distintas: uma, na qual os recursos renováveis poderiam ser explorados sob a concessão e controle do Estado (Florestas Nacionais), e outra, que privilegiava a noção de uma natureza sacralizada e “intocada”, que deveria ser mantida sob proteção do Estado (Parques Nacio86

nais). Uma outra característica importante do modelo brasileiro, já nesta fase, é que este vislumbrava o compartilhamento entre o poder público e a sociedade, na responsabilidade pela proteção dos recursos renováveis. Esta concepção se consolidou, inicialmente, pela figura jurídica das Reservas Legais, instituída pelo novo Código Florestal de 1965 e, em vigor até os dias atuais. As Reservas Legais, que representam porcentagens definidas das propriedades privadas para a proteção dos recursos renováveis, compulsoriamente determinadas pelo Estado, deve ter, em tese, a sua manutenção garantida pelos proprietários das terras onde elas se encontram. Nessa seqüência, somente muitos anos mais tarde, a criação das denominadas Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN’s) viria a estabelecer que a “proteção privada” também pode se realizar, de maneira voluntária, pela sociedade com o reconhecimento do Estado. 2) A conotação geopolítica Um outro fator importante é que o país passou por diversas mudanças políticas e sociais que alteraram a política de proteção dos recursos renováveis, condicionando-a a outros interesses internos, subordinados principalmente ao Estado. Neste sentido, a proteção da natureza adquiriu uma forte conotação geopolítica, sobretudo durante os 20 anos em que o país viveu sob uma ditadura militar (1964-1984). Durante este período, o expediente de criação de áreas protegidas compôs o instrumental estratégico utilizado pelo Estado nas ações de expansão, integração e controle do território nacional. 3) A singularidade territorial, biológica e sócio-cultural Finalmente, dadas às dimensões continentais e à grande heterogeneidade espacial, ecológica e cultural do país, o modelo brasileiro foi pressionado, progressivamente, a

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uma expansão do sistema, quantitativamente, em termos do número de novas áreas criadas e, qualitativamente, com relação a novas categorias de manejo, atingindo assim diferentes regiões e biomas, segundo as suas singularidades e demandas. Com isto, novas categorias de manejo, que não encontram equivalentes em outros países, acabaram sendo criadas. Neste sentido, a diversidade de biomas que se distribui pelo território brasileiro, em termos de biodiversidade e sócio-diversidade, contribuiu para conformar o atual mapa brasileiro de proteção dos recursos renováveis, tornando-o único e singular e, estabelecendo eixos e tendências prioritários. A Mata Atlântica, recobrindo boa parte das regiões nordeste, sudeste e sul, foi o primeiro grande eixo nacional de proteção dos recursos renováveis, basicamente em função de sua história de devastação. Mas, sem dúvida, a Floresta Amazônica, este imenso cobertor verde de floresta tropical sobre a região norte, ponto focal de disputas e valorização internacional, se consolidou como eixo principal das intervenções de proteção adotadas no país, pós década de 70, e tem atraído os principais investimentos externos até o momento.

As duas faces do processo de proteção no Brasil: as Unidades de Conservação e as Áreas de Preservação Permanente/Reservas Legais A terminologia “Unidades de Conservação” vem sendo historicamente utilizada no Brasil para designar todas as diferentes áreas protegidas criadas no país, à exceção de terras indígenas, seja pelo Poder Público ou pela sociedade civil, para atender aos objetivos específicos da proteção dos recursos renováveis. Mas, apenas recentemente, através da Lei 9985 de 2000, essa terminologia teve a sua conceituação legal definitivamente estabelecida. Conside-

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rando as especificidades das diferentes categorias de manejo – Parques Nacionais, Reservas Biológicas, Áreas de Proteção Ambiental, Florestas Nacionais, entre outras – o principal objetivo das designadas Unidades de Conservação é a instituição de uma nova dinâmica de proteção territorial nos espaços destinados à sua implementação, no processo que vai desde a sua criação/delimitação até a sua gestão. Portanto, as Unidades de Conservação constituem uma terceira via de percepção e apropriação do espaço pela sociedade. A partir dessa lógica, juntamente à dinâmica do “espaço urbano” e do “espaço rural/agrícola”, soma-se ou acomoda-se o espaço natural especialmente protegido pelo Estado. Isto ocorre, como argumenta Derani (2001:240), porque “onde há unidade de conservação, ou não há urbanização ou agricultura (unidades de proteção integral), ou estas atividades antrópicas submetem-se a limites e zoneamentos específicos (unidades de uso sustentável)”. Inicialmente objeto de diferentes leis, criadas em distintos momentos como resposta às demandas nacional e internacional de proteção, as categorias de manejo de Unidades de Conservação foram, em 2000, reconceituadas, agrupadas e apresentadas segundo uma visão estratégica e sistêmica, dirigida à gestão, em um único instrumento legal, o “Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)”, resultado de aproximadamente dez anos de discussões entre governo e sociedade, conforme discute Irving (2002). Segundo o SNUC, o principal objetivo das Unidades de Conservação é atender, de maneira precisa, a determinados imperativos da proteção como, por exemplo, a proteção de ecossistemas e espécies ameaçadas de extinção ou ainda de paisagens singulares, contemplando estratégias tanto de preservação quanto de conservação7. O SNUC divide as Unidades de Conservação no território nacional,

Tabela 2: Tipologias e Categorias de Unidades de Conservação Previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000) SNUC, 2000

em dois grandes grupos: as Unidades de Conservação de Proteção Integral e as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, o que mais uma vez ilustra a integração de percepções distintas da sociedade com relação ao significado da natureza: a percepção e a ideologia dos denominados “preservacionistas”, inspirada na intocabilidade dos recursos renováveis e, a concepção de inclusão social na gestão das áreas protegidas, originária do grupo dos denominados “socioambientalistas” (ver IRVING, op. cit.). Pelo SNUC são previstas 12 categorias de manejo distintas: – cinco de Proteção Integral e sete de Uso Sustentável. A responsabilidade pela criação, manutenção e gestão destas áreas é realizada majoritariamente pela União, através do Governo Federal, estados e municípios (11 das 12 categorias existentes atualmente), mas pode ser exercida voluntariamente pela sociedade civil, através das Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPNs. Entretanto, é importante salientar que a criação de novas categorias de manejo é também garantida no texto do SNUC, que reconhece, inclusive, aquelas criadas por estados e municípios, através de legislações específicas. A Tabela 2

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apresenta as tipologias e categorias de manejo previstas atualmente pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Por outro lado, as denominadas Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais, como anteriormente discutido, não se enquadram nas tipologias de Unidades de Conservação previstas no SNUC pois respondem a uma dinâmica de gestão diferente e foram instituídas por um outro instrumento legal, o Código Florestal de 1965. Inúmeras vezes modificado através de emendas e medidas provisórias, o Código Florestal foi um instrumento criado com o objetivo de estabelecer os marcos regulatórios da exploração dos recursos florestais em solo brasileiro. Entretanto, seguindo uma tradição já iniciada em outros países, ele também trata da proteção destes recursos e dos espaços onde os mesmos ocorrem, em determinadas circunstâncias, e em função de alguns atributos específicos. No texto de 19658, as “Áreas de Preservação Permanente” e as “Reservas Legais” são definidas como instrumentos de proteção das “florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem”.

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São comuns as dissonâncias no emprego dos termos “proteção”, “conservação” e “preservação” quando aplicados à questão das áreas protegidas. Enquanto “proteção” deve ser empregado como um conceito integrador e agrupador de diversas práticas e estratégias voltadas para a criação e implementação de espaços protegidos que gozam de um regime especial de uso e demarcação, “conservação” e “preservação” são entendidas como estratégias diferenciadas de proteção dos recursos naturais, visando exatamente estabelecer a práxis da proteção - (parcial, no primeiro caso e, integral, no segundo).

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Artigos 1°, 2°, 16 e 44.

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Porém, diferentemente de uma Unidade de Conservação, que prevê a intervenção sobre um espaço previamente delimitado e definido, com uso e fins específicos, visando a sua proteção através de um ato do Poder Público (lei, decreto, etc), as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais são decorrentes de um único instrumento legal, que colocou sob um regime de intocabilidade grandes parcelas do território brasileiro. Estas áreas são conceitualmente aquelas que ocorrem nas margens de cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios, montes e encostas (Áreas de Preservação Permanente), ou que consistem em parcelas (expressas em percentuais por bioma) de floresta nativa9, presentes no interior de propriedades privadas e que têm o corte e a exploração limitados (Reserva Legal). Toda a área que tipifica essas condições, segundo o Código Florestal, tem seu uso direto interditado pelo Poder Público, não havendo a necessidade de nenhum outro instrumento normativo específico para sua instituição. Os objetivos desta iniciativa eram prioritariamente assegurar que não houvesse a sobre-exploração do recurso madeireiro ou a substituição de ecossistemas ou biomas originais por áreas de pasto ou cultivo, sobretudo em áreas críticas para a manutenção de estoques de água e a integridade dos solos, e também garantir a preservação de significativas parcelas territoriais dos diversos biomas existentes no Brasil. Do ponto de vista preventivo ou da precaução, o Código Florestal, em tese, parece ter representado um bom instrumento para a preservação de biomas relevantes, já que colocou e vem mantendo sob proteção integral e permanente significativa parcela do território nacional. No entanto, ele tem sido alvo de inúmeras discussões pela sociedade brasileira, uma vez que afeta diretamente a dinâmica das áreas produtivas. Assim, além das Áreas de Preservação Permanente, que em sua maio88

Figura 1: Esquema da proteção pública e privada no Brasil em resposta aos dois principais dispositivos legais (Código Florestal e Sistema Nacional de Unidades de Conservação)

ria constituíam áreas públicas, o Poder Público impôs à sociedade, a proteção da natureza através de espaços territoriais de domínio privado, através das Reservas Legais, pelas quais os proprietários de terra são obrigados a manter preservados, no mínimo10 50% de suas propriedades (nas regiões Norte e parte da Centro-Oeste)11, e 20%, no restante do país12. No total, a sua abrangência geográfica, em termos quantitativos, acaba sendo, em teoria, muito maior do que o total do território protegido sob a forma de Unidades de Conservação. Assim, conforme esquematizado na Figura 1, pode-se afirmar que o modelo atual de proteção da natureza, no Brasil, está praticamente centrado nestes dois dispositivos le-

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gais – o SNUC (Lei 9985/2000) e o Código Florestal (Lei 4771/1965) – apesar da existência de diversos outros dispositivos legais que tratam da proteção dos recursos renováveis e da gestão ambiental que devem ser também considerados relevantes no cumprimento desta função. Dentre eles, chama a atenção a questão das Áreas Indígenas brasileiras que estão subordinadas a um outro arcabouço legal e institucional. Atualmente recobrindo cerca de 12% do território nacional (20% se considerada apenas a Amazônia), estas áreas não estão integradas formalmente à política de proteção da natureza expressa pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, apesar de sua inegável contribuição nesse sentido.

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Para fins de melhor diferenciação, no texto do Código Florestal de 1965, a idéia de floresta nativa é colocada apenas como contraposição às florestas plantadas ou cultivadas para o corte de madeira.

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Estes valores são os que constam no texto original da Lei que institui o Código Florestal em 1965 e são sistematicamente alterados por medida provisória pelo governo em resposta a diferentes pressões – como exemplo, a dos ruralistas, que sistematicamente buscam sua diminuição e, a dos ambientalistas, que frente aos crescentes índices de desmatamento em determinadas regiões, militam pelo seu aumento.

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Leia-se Floresta Amazônica.

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Leia-se Floresta Atlântica, Cerrado, Caatinga e os Campos Sulinos.

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Figura 2: Evolução da área acumulada das Unidades de Conservação por tipo de uso por quinqüênio.

O Mapa da Proteção no Brasil Desde a criação da primeira Unidade de Conservação federal no Brasil, após um longo período de discussão e de frustradas tentativas em anos anteriores, a instituição destes espaços passou a se tornar uma estratégia contínua e crescente, conforme ilustrado pela Figura 2. Na atualidade, não há uma só unidade da federação que não possua uma área protegida legalmente instituída pelo Poder Público. Coube essencialmente ao Estado a tarefa de criar e implementar áreas protegidas no país. Atualmente, segundo as estimativas mais recentes (IBAMA, 2003a), o total de Unidades de Conservação apenas sob controle e gestão do Poder Público (federal, estadual ou municipal) recobre o equivalente a cerca de 8% do território nacional. As Unidades de Conservação federais, que somam 256 áreas protegidas, correspondem a mais de 85% deste total, ou seja,

em torno de 6% do território, sendo, portanto, a parcela mais significativa do atual patrimônio nacional efetivamente protegido sob a forma de Unidades de Conservação (Tabela 3). As Unidades de Conservação de

domínio privado, registradas sob a forma de RPPNs, que hoje somam cerca de 300 unidades, representam ainda uma pequena porcentagem deste total mas tendem a um aumento progressivo.

Tabela 3: Número e área total (ha) de Unidades de Conservação Federais criadas no Brasil segundo a tipologia de uso e as categorias de manejo1

Fonte: Diretoria de Ecossistemas do IBAMA, dados atualizados em 15/06/2004 1

Classificação segundo o SNUC, 2000; 2 área expressa em hectares. As sobreposições entre as UCs foram processadas incluindo-as na categoria de maior restrição; 3 baseia-se na malha municipal digital do Brasil de 1996, fornecida pelo IBGE. Não inclui ilhas oceânicas.

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Entretanto, a maior extensão do território dirigida à proteção dos recursos renováveis, de domínio público ou privado no país, expressa pelas Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente, não está quantificada ou sistematizada com precisão13, nem tampouco dispõe de um sistema de gestão ou monitoramento integrado, à exceção de algumas experiências pontuais, como é o caso do Estado de Mato Grosso e outros da Amazônia Legal, que vem desenvolvendo esforços para o mapeamento e controle de desmatamento em Reservas Legais. Uma conseqüência perversa dessa dinâmica é que os ecossistemas que se encontram nestas áreas, e não são protegidos através da existência formal de uma Unidade de Conservação, são os que mais sofrem com a degradação, desmatamento, extinção de espécies e fragmentação. Esses espaços certamente deverão ser melhor incorporados às Políticas Públicas, principalmente no âmbito da Política Nacional de Áreas Protegidas, em construção no país.

Marcos históricos da construção de áreas protegidas e debate atual Na lógica da retrospectiva para a projeção de cenários futuros, de maneira resumida e em linhas gerais, a materialização das áreas protegidas no território brasileiro se expressou como o resultado de um longo e lento processo de aparelhamento e estruturação do Estado, o que conduziu ao gradativo desenvolvimento de uma Política Pública voltada para a proteção da natureza. Esta política teve pelo menos três momentos marcantes: a) a década de 30, b) o período da ditadura militar (19641984), c) o período pós 1985. a) A década de 30 O surgimento dos primeiros instrumentos legais voltados para a criação de áreas protegidas, que culmi90

na com a instituição do primeiro Parque Nacional do país em Itatiaia/RJ, sinaliza um marco institucional. Como conseqüência, outras Unidades de Conservação são gradativamente criadas no país. Esta evolução ocorre, basicamente, em resposta aos movimentos que, desde o período imperial, se mobilizam em torno da defesa de biomas, notadamente a Mata Atlântica, degradados pelo processo de colonização e ameaçados pelo avanço do espaço urbano e rural. Estes movimentos, liderados por personalidades públicas, políticas e a elite científica da época, apóia-se no movimento internacional de criação de áreas protegidas e seus discursos tradicionais. Contudo, sua expansão pelo território é limitada e fortemente concentrada no eixo sul-sudeste. b) O período que compreende a ditadura militar (1964-1984) É sobretudo na década de 70, quando os instrumentos políticos criados no período anterior são revisados e outros novos são instituídos. A criação de novas áreas protegidas toma uma dimensão nacional, fruto da estratégia do Estado de integrar e desenvolver todas as regiões do país. Nesta fase, a proteção dos recursos renováveis adquire um sentido geopolítico mais intenso, já que a criação de áreas protegidas é de forma recorrente utilizada e justificada pelo Estado nas ações de controle do território. Este período marca também a criação de organismos governamentais, i. e., o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal e a Secretaria de Meio Ambiente, instituídos especificamente para implementar e gerir a política ambiental. A crescente mobilização internacional em torno da questão ambiental, que se reflete no país, é também um importante ponto de pressão. Ironicamente, nessa fase, se estrutura a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei

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6938/81), que estabelece um Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e cria a figura do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), com participação prevista da sociedade civil. c) O período pós 1985 A redemocratização do país, a partir de 1985, e a posterior crise do Estado brasileiro, originaram uma nova fase de expansão e re-estruturação da questão ligada à proteção da natureza no país, com uma tendência clara à “simplificação” da política, mas com alguns avanços evidentes: i) a nova Constituição Brasileira (1988), com um capítulo especificamente dirigido à temática ambiental; ii) a criação de um único órgão vinculado ao Estado para implementação e administração das áreas protegidas (IBAMA); iii) o up grade da temática ambiental sob a ótica político-institucional, através da criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA); iv) a criação de um sistema integrado de áreas protegidas (SNUC), em 2000, com o objetivo simultâneo de reduzir as sobreposições e antagonismos da política anterior mas também expandir os objetivos da proteção. Neste cenário, cresce a participação dos movimentos ambientalistas - nacionais e transnacionais - na vida política nacional que, progressivamente se tornam importantes agentes, tanto no planejamento quanto na execução e gerenciamento de ações voltadas à política de proteção dos recursos renováveis. A cooperação internacional adquire nova face e se fortalece através de programas e projetos bilaterais ou multilaterais de desenvolvimento, num primeiro momento, e de conservação de recursos renováveis, posteriormente, através da negociação de complexos projetos/programas, entre os quais podem ser citados o Plano de Desenvolvimento Agroambiental de Mato

Pelas informações disponíveis é possível estimar que elas recubram cerca de 30% do território

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Quadro 1: Síntese do processo político-institucional de construção e consolidação da política brasileira de proteção da natureza

Grosso (PRODEAGRO), o Plano de Desenvolvimento Florestal de Rondônia, o Projeto de Desenvolvimento Turístico do Nordeste (PRODETUR), o Programa Piloto para a Proteção de Florestas Tropicais (PPG7) e, mais recentemente, o Projeto ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia). Por meio destas cooperações, novos aportes de recursos são destinados ao país e novas exigências são formatadas em direção ao fortalecimento da política de proteção de recursos naturais renováveis (IRVING, 2002 a). A construção deste arcabouço político-institucional que hoje, no país, funciona de maneira mais integrada e concentrada no que tange às ações voltadas para a proteção dos recursos renováveis, não foi decorrente apenas de uma ação isolada ou imposição do Estado. Diversas foram as exigências, setores e atores que se somaram, formando uma imbricada rede de interesses e demandas, atuando em diferentes níveis (nacional e internacional) e escalas (local, regional, nacional e planetária). No cenário internacional, a crescente percepção mundial dos proble-

mas ambientais, sustentada em pesquisas realizadas por diferentes grupos de cientistas, contribui para o surgimento de uma nova “ordem ambiental”, pós década de 70, que impõe uma agenda ambiental planetária, que se sobrepõe aos interesses nacionais e locais, com metas e estratégias comuns a vários países, na qual a questão da proteção dos recursos renováveis se apresenta como central. Tal percepção, também gera, em todo o mundo (e no Brasil, de maneira significativa), o surgimento de movimentos organizados em torno da questão ambiental. Estes movimentos, cuja expressão jurídica mais evidente são as ONGs, contribuem para estabelecer uma nova via de comunicação e representação da sociedade frente aos poderes políticos constituídos. Eles se organizam, inicialmente, em alguns países europeus e nos Estados Unidos, mas rapidamente internacionalizam suas atividades promovendo alianças com organizações locais e movimentos sociais distintos, em diversas partes do mundo. Em pouco tempo, a questão das minorias e os temas sociais passam a ser incorporados, assim, pelas polí-

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ticas ambientais e ganham “interlocutores” capazes de gerar uma forte influência sobre os processos decisórios. No Brasil, tais organizações começam a adquirir um relevante espaço de atuação a partir da década de 80, com a abertura política, se tornando influentes atores no processo, tanto de elaboração quanto de execução de políticas de proteção da natureza, em parceria com o Estado. Em alguns casos, estes se transformam em “poder paralelo”, em função de seus meios, sua agilidade e capacidade operacional. Neste cenário de mudanças, o Estado assume cada vez mais o papel de “arbitro”, tendo em vista a necessidade de serem contempladas todas as demandas e expectativas dos diferentes segmentos da sociedade. No caso das Unidades de Conservação, esse papel se traduz numa complexa rede de negociação com diferentes agentes atuantes no processo. O resultado prático de todo esta dinâmica, em cada um dos períodos indicados acima, é sintetizado no Quadro 1. Assim, desde a criação da primeira Unidade de Conservação federal no país e, ao longo dos últimos 70

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anos, houve uma mudança gradativa no papel exercido pelo Estado com relação à política de proteção dos recursos renováveis. No início do processo, o Estado era responsável pela concepção da política e principal implementador das diversas ações propostas (gestão, fiscalização, projetos experimentais, educação etc). Mas, gradativamente, seu eixo de atuação passou a se concentrar na concepção e coordenação de políticas e projetos voltados às Unidades de Conservação, delegando a execução de algumas das ações locais para diferentes parceiros institucionais (ONG’s, associações locais, Fundações, Universidades, entre outras). Este processo resultou do entendimento das dificuldades – sobretudo financeiras e estruturais - que se impuseram ao Estado na execução de todas as ações necessárias ao funcionamento e manutenção das unidades de conservação. A situação pode ser paulatinamente equacionada com o estabelecimento, em níveis nacional e internacional, de diversas parcerias com organismos e instituições de apoio ao desenvolvimento, que passaram a colaborar e garantir um maior aporte de recursos à proteção da biodiversidade (BID, BIRD, PPG7, GEF, Comunidade Européia, etc). Esta nova estratégia política de proteção se consolida, de maneira mais evidente, a partir dos anos 90 e se materializa, de forma definitiva, com a Lei 9985, que estabeleceu o SNUC e, posteriormente, com a Política Nacional de Biodiversidade (Decreto 4339/02). O maior desafio em Políticas Públicas, no momento atual, se refere à construção participativa e democrática da Política Nacional de Áreas Protegidas, prevista para 2005.

Conclusões O histórico de proteção da natureza, no caso brasileiro, reflete uma dinâmica de avanços e recuos, de 92

perdas e ganhos, e se concretiza num desafio sem precedente para os próximos anos. Apesar de toda a evolução empreendida no plano institucional, legal e de Políticas Públicas, o que resultou indiretamente na multiplicação e expansão das áreas protegidas pelo território nacional, são inúmeros os condicionantes históricos e indefinições que impedem o seu efetivo funcionamento e interferem em tendências futuras. Em particular, merecem ser destacados, em primeiro lugar, as limitações financeiras e de recursos humanos e, em seguida, os problemas ligados à integração da dimensão local e global. A falta de recursos humanos e financeiros constitui um problema crônico no modelo brasileiro que impôs sérias restrições ao funcionamento de muitas Unidades de Conservação. Muitas sobreviveram apenas “no papel”, sem que qualquer intervenção fosse realizada ou mesmo que seus Planos de Manejo fossem elaborados. Com isto, gerou-se um enorme passivo no sistema, traduzido sob a forma de áreas protegidas em mal estado de conservação, recentemente objetos de um enorme esforço do Estado, visando sua recuperação e reaparelhamento. Como conseqüência, apesar dos recursos para a proteção da natureza terem aumentado significativamente a partir de anos 80/90, provenientes de fontes externas (Projetos e programas bilaterais e/ou multilaterais ) e também oriundas do próprio orçamento da União, boa parte destes teve que ser investida na recuperação deste passivo. A inexistência de uma estratégia clara de integração da Unidade de Conservação à dinâmica local e às questões globais, ligadas aos principais acordos internacionais, gerou e gera diversos conflitos, em distintas localidades, conseqüentes, em geral, à criação e implementação de áreas protegidas, de forma autoritária e pouco negociada com os diferentes segmentos locais pelo Estado. Estes conflitos, em sua grande maioria, se

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estabelecem em função da dissonância de Políticas Públicas, que resulta, freqüentemente, no direcionamento de uso do mesmo espaço geográfico e apropriação da terra para diferentes formas de uso (cultivo, extrativismo, caça, exploração da madeira, implantação de assentamentos e áreas indígenas, construção de estradas, exploração mineral, etc), formas estas que contrariam o estatuto de proteção da área em questão. Além disso, temáticas recentes, como o uso e acesso à biodiversidade e sua exploração, por meio da biotecnologia ou usos industriais diversos, tem inspirado novas formas de conflitos e disputas, à medida que conferem uma tripla valorização, em alguns casos, aos espaços protegidos, expressa tanto em função do preço da terra quanto pelo valor dos recursos renováveis presentes ou, ainda, pelo patrimônio em saber acumulado pelas populações tradicionais que ali residem. No entanto, apesar destes conflitos gerarem, freqüentemente, efeitos perversos à consolidação do Sistema Nacional, eles tem contribuído também para o estabelecimento de uma “agenda positiva” para a proteção da natureza no país, que vem produzindo resultados significativos, tais como: 1) o incremento do processo participativo na criação e gestão da Unidades de Conservação, 2) a definição de novas categorias de manejo mais flexíveis diante das demandas sociais, 3) o desenvolvimento de modelos inovadores de gestão e parceria, 4) a articulação progressiva de Políticas Públicas, manifesta nas noções de “transversalidade” e “internalização” da Política Ambiental pelos demais ministérios. É importante assinalar, também, que a Política Nacional de Áreas Protegidas, a ser formalmente instituída em 2005, pelo Ministério do Meio Ambiente é decorrência do “amadurecimento” da sociedade brasileira, da difusão e discussão pública do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e dos desdobramentos políticos e institucionais

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da Política Nacional de Biodiversidade. A elaboração e consolidação desta futura Política Nacional de Áreas Protegidas certamente dará uma sustentação maior aos esforços empreendidos com esse objetivo. Efetivamente, o Estado, a partir dos anos 90, vem procurando desenvolver, de forma mais consistente, uma série de iniciativas nesta direção, ainda que, em pequena escala e, freqüentemente em caráter demonstrativo – como os projetos apoiados pelo FNMA14, o PROBIO15 etc, com resultados bastante satisfatórios e promissores. Há ainda que considerar que a Política de Áreas Protegidas só alcançará seus objetivos se ela for implementada, de forma integrada a outras ações do Estado (infra-estrutura, energia, planejamento, agricultura, questão agrária, saúde, educação etc). Apesar se vincular institucionalmente a um único ministério, o seu desafio maior será o de buscar a articulação e a transversalidade necessárias entre os diferentes níveis governamentais (federal, estadual e municipal) e seus diferentes setores, aumentando a colaboração e a sinergia entre os mesmos, condição sine qua non para o seu êxito. Da mesma forma, essa política não poderá negligenciar as demandas sociais e econômicas de um país emergente, em estado permanente de mutação, conforme discutido por Irving (2004). Finalmente, é necessário enfatizar que a temática da proteção da natureza no Brasil não pode se ater a modelos ou sistemas “importados” ou “pré-fabricados”, uma vez que a percepção do espaço e os modos de uso e apropriação da natureza se modificam com o tempo e com a complexa dimensão cultural, característica de um país de enorme diversidade humana. Assim, o futuro do Sistema Nacional de Áreas Protegidas, em seus diferentes aspectos, vai depender significativamente de ações integradas e sinérgicas do Governo brasileiro,

do aperfeiçoamento do sistema em termos conceituais e operacionais, da integração harmônica de Políticas Públicas mas, sobretudo, do fortalecimento de canais de diálogo entre os diferentes setores nacionais e internacionais, e da compreensão da perspectiva social associada à proteção da natureza. Este é um processo em franca construção, com desfecho imprevisível, mas que pode vir a estabelecer ou fortalecer modos de ação pautados cada vez mais na democracia e eqüidade política e social. Nesse contexto, certamente o modelo brasileiro poderá contribuir com lições aprendidas para o modelo global de proteção da natureza.

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Fundo Nacional do Meio Ambiente Projeto de Conservação e Utilização da Diversidade Biológica Brasileira

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A DESCENTRALIZAÇÃO DO SETOR SANEAMENTO DE ITABUNA: UMA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E MUNICÍPIO, UMA ABERTURA AOS ATORES SOCIAIS

Angela Gordilho Barbosa Resumo

Resumé

Este trabalho analisa a descentralização do setor saneamento de Itabuna que se traduz pela retomada da exploração dos serviços de água e esgotamento sanitário, concedida a EMBASA pelo município, desde o ano de 1971. O texto discute a transição do modelo centralizado para o modelo descentralizado da política de saneamento na década de 1990, destacando a interação entre estados e municípios e a emergência de atores sociais no debate para a reorganização do setor. Este processo de mudança é compreendido a partir de um referencial de análise que aborda a discussão do conflito de competência na política de saneamento, enfatizando-se a redefinição das relações intergovernamentais, considerandose as especificidades do federalismo brasileiro. O estudo de caso demonstra a consolidação da gestão local do serviço de saneamento de Itabuna e salienta os novos pactos políticos que vêm sendo desenvolvidos na região, a partir da instalação do Comitê da Bacia do Leste.

Ce travail analyse la décentralisation du secteur d’assainissement d’Itabuna qui se traduit par la reprise de l’exploitation des services d’eau et d’assainissement concédée à l’EMBASA par la municipalité, depuis 1971. Le texte discute la transition du modèle centralisé vers le modèle décentralisé de la politique d’assainissement, dans les années de 1990, en mettant en évidence l’interaction entre les états fédérés et les municipalités et l’émergence des acteurs sociaux dans le débat pour la réorganisation du secteur. Ce processus de changement est compris à partir d’un référentiel d’analyse qui aborde le conflit de compétence dans la politique d’assainissement, en ressortissant la redéfinition des relations intergouvernementales, en considérant les particularités du fédéralisme brésilien. L’étude de cas montre la consolidation de la gestion locale du service d’assainissement d’Itabuna et met en évidence de nouveaux pactes politiques qui

Palavras-chave: Setor saneamento; Conflito de competência; Relações intergovernamentais; Atores sociais; Comitê de bacia.

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sont en train de se développer dans la région depuis la mise en place du Comité du Bassin de Leste. Mots clés: Secteur d’assainissement; Conflit de compétence; Relations intergouvernementales; Acteurs sociaux; Comité de bassin.

A descentralização do setor saneamento no Brasil : uma negociação entre estados e municípios A política do setor saneamento, antes centralizada no governo federal pelo PLANASA – Plano Nacional de Saneamento Básico é atualmente configurada no PMSS – Projeto de Modernização do Setor Saneamento 1 que avança princípios de descentralização e flexibilização institucional, conferindo aos estados e municípios a possibilidade de escolher diferentes formas de exploração de seus serviços (IPEA/ PMSS, 1995). O setor saneamento sempre implicou o governo federal, o estado e

Define-se aqui “saneamento” como o conjunto de atividades e as respectivas infraestruturas para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Inclui também a drenagem de águas pluviais, a gestão dos dejetos e controle de vetores. Mais recentemente este termo passa a considerar os aspectos de meio ambiente, daí sua conotação mais ampla de saneamento ambiental. No entanto, neste trabalho, nos referimos basicamente aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

* Socióloga (UFBA, 1970); Mestre em Administração (UFBA,1992); Doutora em Urbanismo (Universidade ParisXII – França, 2004). Técnica da Prefeitura Municipal de Salvador.

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os municípios, de forma variada segundo o contexto histórico considerado2. No entanto, a posição de titular dos serviços é conferida aos municípios desde a Constituição de 1934 que estabelece a competência dos municípios para organizar os serviços públicos de caráter local. A Constituição de 1937 confirma a competência dos municípios (art.26 c), que permanece nas Constituições seguintes (BRASIL, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988). Até o surgimento do PLANASA em 1971, predominavam os serviços geridos pelos municípios de forma autônoma ou com o apoio do organismo federal – FSESP Fundação do Serviço de Saúde Pública, já existindo também municípios cuja exploração era feita pelos estados. O PLANASA conduziu a política de saneamento privilegiando a ação dos estados, com a criação das CESBs-Companhias Estaduais de Saneamento Básico que através de um contrato de concessão com os municípios assumiam a gestão dos serviços de água e esgoto. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, observa-se a hegemonia das CESBs na prestação do serviço de abastecimento de água. De um total de 5.507 municípios, as CESBs eram encarregadas da exploração de 3.701 municípios, ou seja, 67,2%. Esta superioridade era também sentida com relação às funções de regulação, coordenação e controle dos serviços que as CESBs também exerciam, dificultando os municípios de exercerem suas prerrogativas de poder concedente. Vários autores3 fizeram referência a este conflito permanente entre os estados e os municípios no modelo centralizado de governo, que se caracterizava pela valorização dos estados como prestadores dos serviços, em detrimento dos municípios enquanto titulares dos serviços. A partir de 1985 as discussões em torno da descentralização das políticas públicas no Brasil se tornaram freqüentes. Os modelos centraliza-

dos foram questionados, a exemplo do PLANASA, que não mais se adequava ao processo de descentralização e de redemocratização que se instalava no país com a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). Neste contexto sobressaem os atores (governadores, parlamentares, empresas privadas, associações profissionais, prefeitos, movimentos populares, sindicatos, instituições religiosas) e a nova relação de forças que se instala reforça as instâncias locais de governo (estados e municípios) que emergem como responsáveis pela condução das políticas públicas, devido à grande autonomia que lhes confere a Constituição de 1988. Com relação aos serviços de água e esgotamento sanitário a centralização exercida pelas CESBs passa a ser questionada pelos municípios e pelos grupos organizados da sociedade, uma vez que os prazos dos contratos de concessão estavam se expirando, o que possibilitava aos municípios a retomada da exploração e controle destes serviços. Para tanto, os municípios deveriam cancelar de forma unilateral os contratos de concessão assinados com as CESBs, o que provocaria custos financeiros e jurídicos elevados. Estas dificuldades favoreciam a manutenção das concessões com estas empresas, que por sua vez realizam investimentos para melhorar os serviços, mostrando-se mais eficazes para disputar a renovação dos contratos. Apesar disto, no início dos anos de 1990, período que coincide com a expiração do prazo da maior parte dos contratos de concessão, algumas experiências de municipalização dos serviços são efetuadas, sobretudo na região sul do país4. Estas

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experiências passam a constituir ameaça ao equilíbrio financeiro das CESBs, que é centrado no mecanismo da subvenção cruzada5. Com efeito, os municípios que tentavam retomar os serviços eram aqueles que geravam maior receita e que estavam insatisfeitos por terem que transferilas para os municípios deficitários. Esta questão acaba se constituindo em um primeiro ponto de conflito na relação das CESBs com os municípios mais rentáveis. Neste sentido, observa-se de início uma tensão no processo de descentralização do setor saneamento que se manifesta pelo conflito entre as concessionárias e os municípios concedentes. Santos (1993) e Rezende (1993) confirmam esta tendência, pois sugerem que na medida em que a descentralização não faz parte de uma ação mais ampla, coordenada pelo governo federal, a municipalização dos serviços públicos permanece como uma sucessão de negócios locais conduzidos a partir de negociações entre estados e municípios.

O conflito de competência: um referencial de análise O enfoque da descentralização do setor saneamento, aqui adotado, traduz a mudança de escala territorial das políticas públicas que sugere a redefinição de regras do jogo nas relações intergovernamentais, traduzindo o ato de delegar ou transferir as competências da União para os estados e municípios ou dos estados para os municípios. De acordo com Souza (1989) a experiência do federalismo brasileiro se caracterizou de um lado, pela importância dada à competência

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Esta análise é detalhada em Barbosa Gordilho (2004).

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Entre eles: Paula (1990), Peixoto (1994), Costa (1994), Britto (1995), Cordeiro (1995).

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Ver o caso do município de Diadema - São Paulo, em Vargas (1996), os casos de Novo Hamburgo, Carazinho no Rio Grande do Sul e Muriaé em Minas Gerais que são citados por Peixoto (1994) e Mauá - São Paulo e Angra dos Reis - Rio de Janeiro em Granja (1996).

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A subvenção cruzada significa uma margem de benefício obtida nas zonas mais ricas, onde as tarifas diferenciadas permitem investir nas zonas mais pobres.

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exclusiva principalmente exercida pela União, e de outro lado, pela prática da competência comum em que as três esferas de governo se confundem ou se ignoram no nível da prestação dos serviços, sobretudo no domínio social. A Constituição de 1988 amplia a lista dos serviços com competência comum às três esferas de governo, a exemplo dos setores de saúde, assistência social, educação, cultura, habitação, água e saneamento, meio ambiente, proteção ao patrimônio histórico, etc. No caso do setor saneamento, a Constituição no artigo 23, inciso IX, define como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. No parágrafo único menciona: « Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional». Nesse sentido, tanto a prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário, quanto o exercício de sua titularidade, sendo inicialmente de competência local, de acordo com a Constituição atual podem ser exercidos no nível do estado ou no nível federal. Isto faz com que exista uma possibilidade jurídica de que todos os níveis de governo assumam a responsabilidade de estabelecer as medidas normativas e administrativas necessárias para responder à demanda do setor. Esse posicionamento é referendado pelo quadro legal - institucional proposto para o setor saneamento, que considera que a titularidade deve ser exercida pelos estados, quando se trata de prestação de serviços que respondem a interesses comuns de dois ou mais municípios pertencentes a regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e micro-regiões (PLS 266/96- art. 4° inciso III). Diante disto, se justifica a discussão em torno do conflito 96

de competência que marcou o debate da política de saneamento, durante a década de 1990. Vários autores analisaram esta questão, a exemplo de Granja (1996) que chama atenção para a importância da articulação entre os níveis de governo, que representa um desafio cada vez maior, diante da necessidade de compatibilizar os Planos Diretores Municipais, aos Planos Regionais de Desenvolvimento e Planos de Bacias Hidrográficas. Isto requer, portanto, uma nova compreensão das regras do jogo nas relações intergovernamentais, o que exige uma reflexão do princípio da cooperação/conflito entre os níveis de governo, no sistema federativo brasileiro. Sendo assim é preciso levar em consideração outro elemento, ou seja, as especificidades que configuram a heterogeneidade da federação brasileira, que por sua vez tornam difícil a cooperação nas relações intergovernamentais. Partimos do pressuposto, que as normas mencionadas acima para regulamentar esta cooperação não são suficientes para harmonizar os conflitos de interesse entre a União, os estados e os municípios. Considerando de modo geral os sistemas federativos, Croisat (1995) considera que esta cooperação repousa na maioria das vezes sobre práticas políticas informais, que se situam fora das relações constitucionais em vigor e que variam segundo as modalidades particulares de cada federação. Da mesma forma Souza (1996) estima que não se pode pensar de uma forma estritamente normativa em um sistema federativo, como o sistema brasileiro, que apresenta grandes disparidades espaciais, como também econômicas e sociais. Neste sentido, esta autora considera que a competição no seio do federalismo defende interesses regionais, mas que deve também ser vista como necessária ao equilíbrio

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da federação. Nesse sentido, é preciso compreender que o conflito existente no setor saneamento, não pode ser harmonizado a partir de uma forma de cooperação baseada em aspectos estritamente jurídicos, mas como um pacto político estabelecido em função de negociação de interesses entre as partes. Em resumo, a heterogeneidade das situações econômicas, sociais e espaciais que caracterizam a federação brasileira torna difícil a conciliação entre os diferentes interesses em jogo, sobretudo quando dizem respeito a políticas públicas relacionadas aos serviços de interesse coletivo (IPEA/IBAM, 1994). Esta visão é reforçada no contexto atual de descentralização das políticas públicas, pois os conflitos se tornam mais visíveis, provocando ainda maiores disputas de poder entre as esferas de governo e entre grupos distintos da sociedade. Este fato é testado por Guimarães (2000) quando analisa os conflitos de decisão concernentes a transferência de recursos entre os estados e os municípios, na implantação da descentralização dos serviços de saúde no Estado da Bahia. Esta disputa de poder ultrapassa os limites da regulação legal, uma vez que se referem a afrontamentos entre as diferentes esferas de governo que podem ser complementares, mas também concorrentes. Os dispositivos legais são utilizados, se necessário, segundo os interesses que devem ser reforçados durante a negociação6. Diante da amplitude do conceito de saneamento, que prevê inevitáveis interfaces com os aspectos ligados a saúde pública, ao meio ambiente e a administração de recursos hídricos, Barat (1999) considera que a definição de competências entre os níveis de governo se torna ainda mais complexa, face o inevitável acréscimo de disputas de interesses

Esta situação é bem ilustrada na ocasião das discussões dos projetos de lei propostos para o setor saneamento, cujas opiniões divergiam em torno da titularidade dos serviços. Ver em Barbosa Gordilho (2004)

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setoriais. Sendo assim, o autor propõe que nos casos de ações governamentais integradas, seria importante identificar as complementaridades e os conflitos para se ter uma idéia mais clara das propostas possíveis.

A descentralização do setor saneamento de Itabuna: uma interação estado/município, uma abertura aos atores sociais. O contrato de concessão com a Embasa: ruptura e retomada dos serviços De acordo com o modelo PLANASA, a EMBASA – Empresa Baiana de Água e Saneamento foi criada em 1971, como uma empresa de economia mista, cujo capital majoritário pertence ao governo do estado (90%). Através um contrato de concessão, os municípios concedem a EMBASA o direito de implantar, de administrar e de explorar o serviço de saneamento durante o período de 20 anos. Com a assinatura do contrato, primeiramente com o DESEB –Departamento de Engenharia Sanitária do Estado da Bahia a partir da lei nº 751, (Art.1) de 15 de setembro de 1966, o Estado passa a ser concessionário dos serviços de água e esgotamento sanitário de Itabuna. Este contrato é transferido porteriormente para a SESEB – Superintendência de Engenharia Sanitária do Estado da Bahia, autarquia que substitui o DESEB, e através da lei nº 822 de 1 de outubro de 1968 ( art.1) é autorizada a explorar o serviço de Itabuna durante o período de 20 anos. A Lei nº 928, de 11 de novembro de 1971 autoriza o Prefeito Municipal a firmar com a EMBASA, termo aditivo e de re-ratificação ao contrato de concessão dos serviços de água e esgotamento sanitário celebrado anteriormente com a SESEB. Este contrato segue o mesmo modelo do contrato de concessão firmado pela EMBASA com os demais municípios do esta-

do, tendo como prazo de validade o período de vinte anos. A discussão favorável em torno da municipalização dos serviços de água e esgotamento sanitário no Estado da Bahia, durante a gestão dos governadores Waldir Pires e Nilo Coelho, respectivamente nos anos de 1987 e 1989, estimula propostas de retomada dos serviços por parte de alguns municípios baianos, fato que só veio a se concretizar efetivamente, no caso do município de Itabuna7. A rescisão do contrato de concessão com a EMBASA se verifica de forma amigável, entre o Prefeito de Itabuna, Fernando Gomes e o governador Nilo Coelho, ambos pertencentes ao PMDB, voltando o município a prestar os serviços de água e esgotamento sanitário, contando com a infra-estrutura que a EMBASA possuía no município. Logo de início observa-se reação contrária ao processo de municipalização dos serviços por parte dos técnicos e dos dirigentes da EMBASA, além do SINDAE - Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto do Estado da Bahia. Todos questionavam a validade de se transferir para o município um patrimônio que na sua maior parte pertencia a esta empresa, e enfatizavam: • a forma apressada e pouco transparente na condução deste processo, não se avaliando as condições financeiras, administrativas e técnicas do município e não se discutindo a decisão com os agentes envolvidos com o setor; • a possibilidade da municipalização facilitar a privatização dos serviços; • a preocupação em torno de demissões que poderiam vir a ocorrer, pois com a municipalização se diminuiria o número de sistemas a serem administrados pela EMBASA, uma vez que outros municípios poderiam seguir o exemplo

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de Itabuna, possibilitando a redução do quadro de pessoal da empresa. Em defesa da municipalização ressalta-se a falta de investimentos da EMBASA no sistema de abastecimento de água do município, fato justificado pelos prefeitos eleitos nos últimos 20 anos pertencerem a partidos contrários dos governadores. Outros motivos se referem à falta de integração dos serviços realizados pela empresa e a execução de obras da Prefeitura, além da aproximação do usuário com o órgão prestador dos serviços, no caso da gestão situar-se no nível local de governo, o que facilitaria o atendimento das solicitações e queixas de caráter emergencial da população. “A Embasa era um ente inatingível, apesar de presente no município”, cita um entrevistado. A consolidação da gestão local dos serviços: a criação da EMASA Apesar das justificativas para a retomada dos serviços não serem bem aceitas pelo grupo que criticava a municipalização dos serviços, este processo se consolida com a assinatura do contrato de comodato celebrado em 15 de agosto de 1989, entre a EMBASA e o município de Itabuna. Este fica autorizado, através do SAAE - Serviço Autônomo de Água e Esgoto a utilizar equipamentos e instalações de propriedade da EMBASA no município, por um prazo de 20 anos, portanto até 2009 (Cláusulas 1ª e 2ª). Este contrato retrata a relação que se estabelece entre o estado e o município para que os serviços de água e esgoto fossem prestados pelo SAAE, existente desde 1962. De acordo com as cláusulas 6ª e 13ª, a EMBASA fica assegurado o direito de fiscalizar o acervo deixado no município, podendo a qualquer tempo certificar-se de que o

Arretche (1998) constata a reduzida incidência de casos de municipalização da política de saneamento comparativamente à descentralização das políticas de saúde, habitação e serviços sociais nos Estados da Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul e Paraná entre o período de 1987 e 1994.

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mesmo está sendo utilizado e mantido corretamente, cabendo ao município impedir a realização de obras que venham por em risco o patrimônio da empresa. A EMBASA prestará assessoramento técnico ao município durante o prazo do contrato através da sua unidade de negócios, devendo o município ressarcir a EMBASA o valor das despesas correspondentes a estes serviços prestados (Cláusula 7ª - Parágrafo único). O municipio em nenhuma hipótese concederá isenção ou redução de tarifas na prestação dos serviços, enquanto utilizar os sistemas da EMBASA (Cláusula 8ª). A cláusula 15ª estabelece que no caso do contrato ser rescindido ou tenha seu prazo extinto, e não seja concedido novamente a EMBASA o direito de explorar estes serviços, o acervo será vendido ao município. De acordo com a Cláusula 10ª, caso o SAAE venha a ser extinto, o município dentro de 30 dias deverá criar outro órgão na sua estrutura organizacional para administrar os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Após a formalização da transferência dos serviços para o município, o Prefeito através ofício nº 162/ 89 convoca a Câmara de Vereadores para apreciar o projeto que cria a EMASA - Empresa Municipal de Águas e Saneamento S.A e outro projeto pedindo a contratação de empréstimos junto a Caixa Econômica, BIRD e Banco Mundial para a duplicação do atual sistema de Itabuna. Em 28 de agosto de 1989, a Câmara de Vereadores através a Lei nº 1.455 autoriza, em substituição ao SAAE, a criação da EMASA – Empresa Municipal de Agua e Esgoto de Itabuna, uma sociedade de economia mista por ações, vinculada à Prefeitura Municipal que tem por objeto executar a política de abastecimento de água e esgotamento sanitário do município de Itabuna. Esta empresa assume o patrimônio da EMBASA deixado no município e 98

cedido pelo contrato de comodato. Criada a empresa, em 5 de setembro de 1989, a Câmara de Vereadores através a Lei nº1456 autoriza o Prefeito Municipal de Itabuna a contratar os empréstimos solicitados. A continuidade da presença do Estado no Município Constava do plano de municipalização dos serviços, a presença da EMBASA como órgão fiscalizador e de assistência técnica ao município. No período anterior à municipalização dos serviços, já existia a prática de assinatura de convênios de cooperação técnica da Embasa com a Prefeitura de Itabuna, a exemplo do Convenio de Cooperação Técnica e Administrativa firmado pelo município com a EMBASA em 12/ 07/89, visando disciplinar a cessão feita por esta empresa, de técnicos de seu quadro de pessoal para execução de serviços técnicos na Prefeitura, mediante reembolso a Embasa dos valores correspondentes à remuneração deste pessoal cedido. (Cláusulas 1ª e 5ª). Este Convênio vigoraria até março de 1991 (Cláusula 8ª). Em 15 de agosto de 1989, na mesma data, portanto, da assinatura do contrato de comodato, outro convênio de cooperação técnica e financeira é firmado entre a Prefeitura Municipal de Itabuna e a EMBASA, com vistas à normalização da rede de abastecimento de água, competindo a EMBASA repassar recursos para a compra de equipamentos e máquinas, que integrariam posteriormente seu acervo no município, além de efetuar a montagem e supervisão da operação do sistema que ficaria a cargo da Prefeitura. Outro exemplo foi o convênio firmado entre o Estado, através da Secretaria do Desenvolvimento Urba-

no e a Prefeitura para execução de obras de saneamento em áreas de população de baixa renda (Jornal Oficial de 9 de setembro de 1989). Por este convênio, de acordo com a Cláusula Segunda, caberia ao Estado oferecer as garantias necessárias e exigidas para a contratação do financiamento junto à Caixa Econômica Federal - CEF, repassando os recursos para o município 48 horas após o recebimento dos mesmos. Ao município, de acordo com a Cláusula Terceira caberia ser o Agente Promotor dos Contratos, elaborando os projetos, realizando as licitações, gerenciando e fiscalizando a execução das obras e efetuando os pagamentos devidos às empresas contratadas. Esta mesma Cláusula obriga destacar o papel do Estado em qualquer divulgação, inclusive em placas de obras. Inicialmente a EMASA foi presidida pelo gerente da unidade de negócios de Itabuna8. Até maio de 1990 contou também com os técnicos da EMBASA para assessorar e treinar o seu corpo técnico para assumir o sistema. A crise da Emasa um ano depois O início da crise da EMASA vem à tona pela permanência das condições precárias dos serviços, refletidas na falta de água em alguns bairros da cidade e na sua contaminação pela falta de tratamento adequado e se agrava pelos problemas decorrentes das obras de captação da água no rio Almada9 pertencente ao município vizinho de Ilhéus. A execução dessas obras transformou-se numa batalha judicial ao ser revogada a liminar que tinha sido concedida a Ilhéus, que determinava a paralisação das obras, por trazerem prejuízos ao meio ambiente.

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Vale esclarecer que mesmo a EMBASA não mais prestando serviços à Itabuna, sua sede física como unidade de negócios da região sul, que se situa neste município, não foi desativada continuando a atuar em 23 municípios através escritórios regionais e em 14 distritos, perfazendo 37 localidades da região sul.

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Para o abastecimento de água da cidade utiliza-se como manancial o Rio Almada, com pontos de captação no município de Ilhéus nas localidades de Rio do Braço e Castelo Novo, que tem a função de suplementar a vazão nos períodos de estiagem, ocasião em que a vazão do rio diminui sensivelmente, necessitando de complemento para alcançar os 500 l/s de vazão nominal do sistema.

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De acordo com declarações do Movimento de Proteção ao Patrimônio Ecológico e Cultural de Ilhéus – MOPECI mantendo-se a captação da água do rio Almada “o mais provável é que haja a gradativa salinização do rio e não o rebaixamento do seu nível d’água como vêm colocando algumas pessoas desinformadas” (Jornal Agora 14/7 a 20/7/90). Com relação às condições de abastecimento de água são freqüentes as críticas da falta de água em alguns locais da cidade, a exemplo dos bairros de Califórnia, Santa Inês e Antique, conforme declarações de um morador, no Jornal Agora de 4/ 08 a 10/08 de 1990: “Só temos água aqui no Antique quando chove”. Da mesma forma um morador do bairro Califórnia reclama: “Por enquanto aqui só chegou a conta; água mesmo só quando Deus manda”. A credibilidade da EMASA torna-se mais vulnerável com as denúncias em sessão do dia 24/9/90 na Câmara de Vereadores sobre a falta de tratamento da água consumida pelos itabunenses, baseadas num relatório da EMBASA que constata também a falta de cloro na água em alguns bairros da cidade, e a inexistência de um laboratório de análises na EMASA, estando assim o produto sendo distribuído sem o menor controle de qualidade. (Jornal Agora nº401 de 27/10 a 02/11/90). No ano anterior, o Jornal Agora de nº 346 de 30/9 a 6/10 de 89 já havia publicado: “Na manhã de 3ª feira –26 de setembro os técnicos tratadores de água da Embasa foram embora para Ilhéu”. ...“Deus permita que saiamos vivos deste transe porque passa a cidade de Itabuna”. A crise da EMASA refletida agora no conflito EMBASA x EMASA denuncia o conflito maior, que se situa no nível da posição contrária à municipalização dos serviços de água e esgoto de Itabuna, por parte dos agentes envolvidos com o setor. Em janeiro de 1993 é eleito para a Prefeitura de Itabuna, Geraldo Simões do PT - Partido dos Trabalha-

dores que enfrenta dificuldades em consolidar o serviço municipalizado. Os débitos da EMASA continuavam a se acumular, basicamente com relação ao consumo de energia elétrica e queixas trabalhistas, devido à demissão em massa de funcionários antes pertencentes à gestão do antigo prefeito. Para suprir o quadro de pessoal da empresa foram contratados 365 funcionários através concurso, aumentando sua despesa com pagamento de salários e obrigações trabalhistas, agravando-se a situação financeira da empresa.

As tentativas de solução para a crise: via financiamentos, via privatização dos serviços. Fernando Gomes retorna como Prefeito de Itabuna para cumprir o seu terceiro mandato (1997 a 2000), desta vez pertencendo ao PTB e fortalecido com o apoio do PFL. Mais uma vez mantém um relacionamento favorável com o governo do Estado. A EMASA diante da crise financeira busca se habilitar a financiamentos junto ao Governo Federal, com recursos do FGTS e também através convênios com a FSESP e através do Programa Comunidade Solidária, já que o município integra a lista daqueles selecionados para serem contemplados por este programa do Governo Federal. Em 1996, a EMASA se inscreve na segunda etapa de financiamentos do Banco Mundial que estaria disponível para empresas de municípios a partir de 72.000 habitantes, através o PMSS II – Programa de Modernização do Setor Saneamento. Este projeto de financiamento encaminhado ao BIRD com intermediação do Ministério de Planejamento e Orçamento tinha como componentes: o Sistema de Abastecimento

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de Água, o Sistema de Esgotamento Sanitário e um Programa de Desenvolvimento Institucional (gerencial/ operacional) (EMASA, 1996). O projeto técnico foi aceito pelo Banco Mundial, mas o recurso que seria repassado através do governo federal não foi aprovado, por falta de garantias da EMASA, pois a maioria do seu patrimônio pertence a EMBASA, além de sua elevada dívida com o INSS e o Fundo de Garantia que torna limitada sua capacidade de endividamento, dificuldade que se agrava com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O problema da captação da água do rio Almada se complicava. Em 1997 os vereadores promoveram na Câmara uma reunião para tratar do assunto, com a participação da Universidade de Santa Cruz – UESC, através o Núcleo de Bacias Hidrográficas - NBH10, além da EMASA e da EMBASA concluindo-se pela necessidade de uma solução para um período de longo prazo. E aí se discutiu a possibilidade de se puxar água da barragem do Funil (Rio de Contas), pois se beneficiaria também os municípios de Guaraci, Itajuipe e Buerarema. Esta solução porém exigiria um montante de recursos que não poderiam ser disponibilizados pelo governo do Estado. Teve-se assim que adotar soluções paliativas, construindo-se pequenas barragens nas nascentes, para acumular água e tentar resolver o problema. Segundo um entrevistado: “Deu sorte porque choveu e acumulou água. Mas se desse uma estiagem de 60 a 90 dias a cidade ficava sem água”. A impossibilidade da EMASA em continuar assumindo os custos da captação de água do rio Almada foi utilizada como justificativa para uma proposta de concessão dos serviços a uma empresa privada. As dificuldades de obtenção de financiamentos e os elevados débitos da

O Projeto de Recuperação das bacias dos rios Almada e Cachoeira iniciado em 1996 e elaborado através o convênio UESC-NBH/SRH sugere intervenções nos municípios pertencentes a estas bacias , a exemplo de ações voltadas para mobilização comunitária e práticas de educação ambiental (SRH/UESC, 2001).

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EMASA, agravados pelo alto nível de inadimplência fortaleciam a decisão de mais uma vez transferir os serviços. Em 30 de janeiro de 1998 foi assinado um convênio de cooperação entre o Governo do Estado da Bahia, o município de Itabuna, a EMASA e a EMBASA para a realização do formato da participação da iniciativa privada na prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do município, que incluía: alocação de recursos para que o Estado, através da EMBASA, pudesse contratar uma empresa de consultoria para realizar o referido estudo, além da elaboração do marco regulatório e a preparação da documentação necessária à transição, ou seja, a Lei Autorizativa, o Edital de Licitação e o Contrato de Concessão. A concessão dos serviços à iniciativa privada: uma questão polêmica Em mensagem enviada à Câmara para apreciação do Projeto de Lei para concessão dos serviços de abastecimento de água e esgoto à iniciativa privada, o Prefeito enfatiza a necessidade de investimentos na ampliação do serviço de abastecimento de água, assim como na sua distribuição e captação, despoluição do rio Cachoeira, além da necessidade de construção de reservatórios e de trabalhos de represamento de água, concluindo que o município não teria condições de assumir o aval de um empréstimo do BIRD diante de suas condições de endividamento. Por sua vez, os vereadores manifestam a importância de ouvir a opinião de seus eleitores a respeito desta questão polêmica. O presidente da Câmara pertencente ao PMDB declara: “Até agora o povo não sabe praticamente nada sobre o projeto, e teme que aconteça com a água o mesmo que vem ocorrendo com a energia elétrica. O povo acha que após a privatização, o serviço da COELBA piorou”. O PSDB critica 100

a mensagem enviada à Câmara pela falta de detalhamento técnico do projeto, além da falta do Plano Diretor da cidade que deveria anteceder este processo. O PT e o PCdoB de imediato se posicionaram contra o projeto (Jornal Agora nº 862 de 4 a 10 de dezembro de 1999). O presidente da EMASA, convocado pela Câmara de Vereadores para justificar o projeto de privatização da empresa, salienta a falta de recursos para investimento no sistema de abastecimento de água, cuja produção deveria passar de 600 litros por segundo para 1,2 mil litros por segundo. O líder do governo na Câmara, em defesa do projeto ressalta que “não se trata de privatização e sim de concessão por 30 anos e que as tarifas, assim como o desempenho do sistema serão rigidamente fiscalizados pela Prefeitura e caso haja alguma insatisfação, o contrato será anulado e o serviço retornará ao município” (Jornal Agora nº 863 de 11 a 17/12/99). Apesar da grande polêmica que se instala para a votação do Projeto de Lei para concessão dos serviços, a Câmara de Vereadores em sessão do dia 29 de dezembro de 1999 aprova por 11 votos a 6 o projeto de lei que autoriza o prefeito conceder a uma empresa privada, por 30 anos, os serviços de água e esgoto do município, que se transforma na Lei municipal nº 1802 de 29 de dezembro de 1999. Em seguida, para viabilizar o processo, a Prefeitura contrata, através carta-convite nº007/2000 a Winners Engenharia Financeira S/C Ltda para realizar um levantamento dos “ativos permanentes” da empresa, constituída basicamente dos equipamentos para captação, tratamento e distribuição de água, bem como dos equipamentos para esgotamento sanitário, incluindo a estação de tratamento. Também se levantou o passivo financeiro, correspondente aos débitos com a COELBA, INSS, COFINS, FGTS, PASEP e Ações Cíveis. Com isto se estabeleceria um valor mínimo de outorga da concessão.

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Surge daí a indagação: Como a EMASA poderia efetuar a concessão dos serviços, se a maior parte do seu patrimônio pertencia a EMBASA? O montante do débito da EMASA não chegou a ficar totalmente esclarecido, assim como o detalhamento dos ativos, o que dificultava uma avaliação real do valor estipulado para a licitação. A população se mobiliza e se manifesta com “bate-lata” nas ruas contra esta proposta. O SINDAE, também se manifestou contrário ao processo, assim como os partidos de oposição. Uma liminar decretada pelo juiz da 2ª Vara Cível do município suspende a licitação para a privatização dos serviços afim de que alguns pontos da lei fossem melhor explicitados, provocando por três vezes o adiamento do prazo de abertura do Edital nº 02/2000 referente à licitação dos serviços, o que desestimulou as empresas a continuarem participando da concorrência. Por último o Prefeito envia mensagem para a Câmara dos Vereadores, acompanhada de um projeto de lei, revogando a lei que autoriza a concessão dos serviços.

O compromisso com a continuidade do serviço municipalizado. Pela segunda vez Geraldo Simões do PT é eleito Prefeito de Itabuna, pelo período de 2001-2006. Como sobreviver à crise dos serviços de água e esgoto, diante do compromisso em mantê-lo municipalizado? A situação financeira da EMASA se agrava diante das dívidas elevadas com a COELBA, como também face aos impostos devidos ao governo federal, ao grave problema de ter faturas em atraso, além do aumento de ligações clandestinas nas comunidades de baixa renda, tidas como áreas de “invasão”. Acresce a estes problemas o grande número de imóveis que não são equipados com hidrômetros, pagando a tarifa mínima.

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:Localização da barragem proposta

Figura 1 - Localização da barragem do Rio Colônia Fonte: UESC/NBH-2001

Os problemas de captação do rio Almada assumem maior amplitude, em virtude sobretudo dos custos elevados com os gastos em energia. Com efeito, é necessário bombear água a uma distância de 18 km da estação de tratamento, distancia à qual é preciso acrescentar 5 km quando é preciso captar água em Castelo Novo. Nestas condições, retoma-se a discussão iniciada no primeiro mandato do prefeito Geraldo Simões, concernente a implantação do projeto da barragem do rio Colônia no município de Itapé, próximo à confluência do rio Salgado (FIG. 1). Neste momento a discussão é ampliada face a mobilização das Associações

dos Usuários do Rio Colônia e da Associação dos Usuários do Rio Salgado, interessados em discutir os problemas de ordem política, econômica e técnica que o projeto da barragem do rio Colônia acarretaria. Diante do amplo alcance deste projeto, com impacto previsto para atingir grande número de municípios, inicia-se a discussão para a formação do Comitê das Bacias do Leste que engloba as bacias dos rios Cachoeira, (formada pelas sub-bacias dos rios Colônia e Salgado), Almada, Santana e Una/Aliança e que conta com a participação de 24 municípios (FIG. 2). Criado em 2002, o Comitê tem a estrutura composta:

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• pelos organismos públicos dos





tres níveis de governo, ou sejam: o Ministério da Agricultura, representado pela CEPLAC, a SRH, e Prefeituras de Ilhéus, Itabuna, Santa Cruz da Vitória e Una; pelos usuários, ou sejam: a EMBASA, os SAAEs, a EMASA, a NESTLE, a CARGIL (Exportadora de Cacau), o Hotel Transamérica , a Colonia de Pescadores, a Associação dos Usuários dos Rios Salgado e Colônia; pelas associações, ou sejam: a ORDEM (Organização de Defesa dos Manguezais) e a AMURC entidade que agrupa as prefeituras de 150 municípios da região do cacau e todo o resto da região sul;

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• pelos organismos de ensino e pesquisa, ou sejam: o Departamento da Bacia Hidrográfica da UESC e o Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da Faculdade de Ciência e Tecnologia – FTC. Como atividades deste Comitê destacam-se a realização do 1°Seminário que incluiu o « Curso de Educação Ambiental e Práticas Sustentáveis » e mais recentemente o 2° Seminário que discutiu as ações estratégicas do Plano das Bacias do Leste, à partir de um diagnóstico que aponta o saneamento básico dos municípios como ação prioritária a ser discutida e planejada.

Conclusão A política de saneamento no Brasil sempre esteve associada aos problemas de saúde pública, envolvendo portanto as atividades de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O avanço da proposta de articulação do setor saneamento à causa do meio ambiente, introduz alguns elementos de reflexão que nos reporta ao conceito ampliado de saneamento, que envolve além do abastecimento de água e de esgotamento sanitário, a drenagem de águas pluviais , os resíduos sólidos, o controle de vetores e as atividades do meio ambiente. Neste sentido o conceito sugere uma integração intersetorial, que prevê interfaces com demais políticas públicas, o que justifica atualmente a utilização da expressão saneamento ambiental em lugar de saneamento básico ou simplesmente saneamento. O reforço a intersetorialidade vem sendo inevitável face aos problemas de poluição das bacias e de crise de abastecimento de água que afetam os municípios brasileiros, sendo respaldada pela existência de financiamentos dos organismos multilaterais nos programas de saneamento e de antipoluição dos recursos hídricos11. Neste sentido, vale salientar a experiência dos Comitês de Bacias 102

Figura 2 - Localização da Bacia do Leste Fonte: SRH/GERIN - 2003

Hidrográficas que representam uma prática de gestão que vem aproximando as questões do saneamento básico, do debate da gestão dos recursos hídricos. De acordo com Machado (2003) o formato de gestão integrada e colegiada destes comitês constitui-se em um instrumento de enquadramento institucional de conflitos inevitáveis, num país continental com diversidade fisiográfica, hidrográfica, geomorfológica, hidrológica, socio-econômica e de grandes desigualdades sociais. Retomando o caso específico do Comitê das Bacias do Leste, observa-se que este abre um espaço de

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negociação entre municípios, fortalecido pela defesa de interesses comuns, o que sugere uma cooperação intergovernamental preferentemente horizontal. Constata-se também o debate em torno da integração intersetorial, diante dos problemas de poluição das bacias da região e da crise de abastecimento de água que como vimos afeta diretamente o município de Itabuna. Vale ainda acrescentar que este Comitê representa uma mudança na escala territorial de gestão, cujo formato vem estimulando a prática da co-gestão, através a participação dos usuários das bacias que tendem a

Este fato é reforçado pelo interesse do setor privado em investir nas Estações de Tratamento de Esgotos (ETE’s) que fazem parte do Programa de Despoluição das Bacias Hidrográficas (PRODES), criado em 2001, o que confirma a intenção da ANA - Agencia Nacional das Águas de investir na preservação dos recursos hídricos do país.

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conformar novas relações de poder, no trato das questões relativas aos projetos de âmbito regional. Nesse sentido, a discussão do setor saneamento de Itabuna, basicamente restrita à interação estado/ município, deve ensejar novas formas de conflito/cooperação, diante do envolvimento de novos atores que conformam nova coalizão de interesses, ampliada e diversificada pela intersetorialidade que emerge na região.

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NEOLIBERALISMO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ORIGEM E HISTÓRIA DE UM PENSAMENTO ÚNICO Vera Spínola1 Resumo O corrente estudo mostra os caminhos seguidos pelo neoliberalismo na sua trajetória para se tornar um pensamento único, um paradigma mundial, sobretudo nas duas últimas décadas do século XX. Descreve sua origem a partir de 1944 com os seguidores de Friedrich Hayek; suas semelhanças e diferenças em relação ao liberalismo clássico, em oposição aos princípios do Estado do Bem Estar; sua ascensão como alternativa à crise do capitalismo dos anos 1970. Discutem-se os fundamentos ideológicos e econômicos do pensamento de Milton Friedman, bem como o papel do Estado na abordagem deste autor. A implementação do neoliberalismo nos Estados Unidos é configurada na política econômica de Ronald Reagan. Reflete-se sobre as contradições contidas no próprio modelo neoliberal e no Consenso de Washington, que se transformou no paradigma liberal seguido pelos países da América Latina para sua inserção na economia mundial e combate ao crônico problema de inflação. Palavras-chave: Neoliberalismo; Monetarismo; Milton Friedman; Consenso de Washington; Reaganomics .

Abstract

versal paradigm, especially over the last two decades of the twentieth century. It describes its origin since 1944, with the followers of Friedrich Hayek, its differences and similarities with the classic liberalism, in opposition with the principle of the Welfare State; its rise as an alternative to the capitalism crisis of the 1970’s. The ideological and economic fundamentals of Milton Friedman’s thought are discussed, as well as the role of the State under this author’s approach. The implementation of the neoliberalism in the United States is marked by Ronald Reagan’s economic policy, also called Reaganomics. The current study deals with the contradictions of the neoliberal model itself and of the Washington Consensus that has become the liberal paradigm followed by the Latin American countries towards their embedment in the world economy and to fight their chronicle inflation problem.

Key words: Neoliberalism; Monetarism; Milton Friedman: Washington consensus; Reaganomics. Introdução O presente trabalho se propõe a discutir as motivações que levaram o neoliberalismo a se tornar a ideo-

The current paper shows the path followed by the neoliberal doctrine to become the sole thought, an uni104

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logia hegemônica nas duas últimas décadas do século XX, conquistando uma estrondosa vitória teórica e ideológica e transformando-se num senso comum. Uma das razões se deve à resistência de uma rede quase maçônica de intelectuais com idéias opostas às políticas keynesianas que dominaram o mundo ocidental nos vinte anos pós-guerra, caracterizados pelo prolongado crescimento econômico dos países industrializados. Os seguidores da corrente neoliberal organizam-se a partir de 1947, sob a liderança do economista Friedrich Hayek, reunindo-se pelo menos duas vezes ao ano por quase três décadas, sem nunca abrir mão de suas convicções teóricas e práticas. Sua trajetória pode ser marcada por três etapas, a primeira, de acordo com o historiador inglês Perry Anderson, a da clandestinidade, tem início nos anos 40; a segunda, a partir dos anos 60, é quando suas idéias começam a ganhar espaço acadêmico, sobretudo nas universidades norte-americanas, com destaque para o trabalho do economista Milton Friedman e de muitos outros; a terceira, caracterizada pela passagem do campo teórico para a política quase em efeito dominó, foi inaugurada pela vitória eleitoral de Margaret Thachter em 1979 na Inglaterra, seguida de Ronald Reagan em

Mestre em Economia pela UFBA; professora de Economia Internacional da UNIFACS; técnica da Desenbahia. E-mail: [email protected]; [email protected].

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1980 nos Estados Unidos, e, em alguns aspectos, pela vitória de Helmut Kohl na Alemanha em 1982. Além desta introdução, o presente estudo está estruturado em seis itens. O segundo item trata da origem do neoliberalismo com a formação do grupo de Mont Pèlerin; o terceiro discute as diferenças e similaridades entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo, em oposição à política keynesiana. O quarto tópico, o mais extenso, discorre sobre o papel do Estado na visão de Milton Friedman e está dividido em cinco subitens: os deveres do Estado; a (im)possibilidade do Estado em corrigir as falhas de mercado; a (im)possibilidade do Estado em intervir no nível de emprego; as políticas sociais e o papel do Estado na Educação; e, finalmente, os fundamentos do monetarismo. O quinto item, O Neoliberalismo na Prática, trata da sua implantação nos Estados Unidos com a política econômica de Ronald Reagan, também conhecida como reaganomics. Além disso, discute-se a influência do neoliberalismo no “Consenso de Washington” e no seu receituário. Levantam-se algumas questões sobre sua adaptação às economias da América Latina, porém este tema requereria um estudo mais longo e aprofundado que foge do escopo do presente trabalho. Por fim, tecem-se as considerações finais apontando alguns paradoxos do neoliberalismo, na nossa percepção. Uma das características do grupo de Mont Pèlerin foi a disciplina, a organização, e até a paciência em saber esperar o momento certo para colocar suas idéias em prática.

Origem O neoliberalismo tem origem depois da II Guerra Mundial como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista de Bem-Estar. A obra do austríaco naturalizado inglês, Friedrich Hayek (1899-1992), O Caminho da Servidão (Hayek,

1994), escrita em 1944 é considerada seu ponto de partida. Nela o autor faz uma acirrada crítica ao pensamento hegemônico de que o planejamento econômico pelo Estado é o caminho para combater as crises do capitalismo e inclusive salvá-lo dos regimes autoritários extremos, como o nazismo, à direita, e o socialismo, à esquerda. Hayek via os seguidores dessa corrente, configurada no Estado do Bem-Estar, a “caminho da servidão”. Para esse autor, a real transformação social não deveria ser intencional ou planejada. Qualquer limitação aos mecanismos de mercado por parte do Estado representava uma ameaça letal à liberdade econômica e política. O alvo imediato de Hayek, àquela época, era o Partido Trabalhista inglês, provável vencedor nas eleições gerais de 1945 na Inglaterra, como realmente ocorreu. Afirmava, com veemência, que apesar das boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduziria ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna (Anderson, 1995). Enquanto construíam-se as bases do Estado do Bem-Estar europeu no período pós-guerra, Hayek convocou aqueles que compartilhavam de suas idéias para uma reunião na estação de Mont Pèlerin nos Alpes suíços, em 1947. Dentre seus seguidores encontravam-se os adversários do Estado de Bem-Estar europeu e da política de recuperação norte-americana à crise 29 configurada no New Deal (Anderson, 1995). Foi assim fundada a Sociedade de Mont Pèlerin, constituída pelos notórios participantes do evento. Dentre os mais destacados estavam Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman e Michael Polanyi. Tornou-se um grupo dedicado e organizado, voltado a combater o keynesianismo e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. Eles continuavam condenando as políticas que, segundo Hobs-

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bawm (1995), fizeram os “anos dourados”, serem dourados, ao referirse aos vinte anos de prosperidade por que passou o capitalismo no período pós-guerra. De acordo com esse autor, ninguém os ouviu na era do ciclo virtuoso de crescimento prolongado entre os anos 1940 e 1970. A chegada da crise é percebida com maior clareza em 1973, com o aumento dos preços do petróleo. É também no início dos anos 1970 que ocorre o rompimento do acordo de Bretton Woods, quando o presidente Nixon declara que o dólar não é mais conversível em ouro. Esse acordo, firmado em 1944 entre 44 países não socialistas, teve como objetivo estabelecer o equilíbrio econômico internacional através um sistema monetário baseado num regime de taxas de câmbio fixas em relação ao dólar, que por sua vez seria conversível em ouro - padrão-ouro-dólar. O Fundo Monetário Internacional – FMI, instituição criada no âmbito de Bretton Woods, com cotas dos diferentes países, coordenaria o regime de câmbio fixo e financiaria países com problemas de balanço de pagamentos, que seriam monitorados por políticas de ajustes. O Banco Mundial promoveria a reconstrução dos países afetados pela guerra. Gastos com a guerra do Vietnam e com o programa espacial dos Estados Unidos, além do aumento da liquidez mundial com a expansão do mercado de eurodólares, levaram à inflação dos anos 70. A partir de 1973, o modelo keynesiano de crescimento econômico do período pósguerra começa a dar sinais de esgotamento. O mundo capitalista avançado entra num processo de estagflação, ou seja, numa longa e profunda recessão combinada, pela primeira vez, com altas taxas de inflação. Segundo Hobsbawn (1995) a maioria dos governos considerava a crise passageira. Não haveria porque mudar políticas que haviam funcionado tão bem por toda uma geração. No fundo, essas concepções se baseavam na crença do poder ilimita-

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do de expansão da produção, na possibilidade de um crescimento permanente e linear da acumulação de capital. De acordo com Hobsbawn (1995), a única alternativa que se vislumbrava era oferecida pelo grupo minoritário dos seguidores de Hayek. Sua ideologia agora era reforçada pela aparente impotência e fracasso das políticas econômicas convencionais. Assim, Friedrich von Hayek ganha o prêmio Nobel de economia em 1974, e, dois anos depois, em 1976, o ganhador é Milton Friedman.

atribuídas à sorte e não às condições estruturais da sociedade que surgem do modo de produção capitalista (BIANCHETTI, 2001) A teoria clássica supunha um estado de equilíbrio econômico permanente, resultante de uma situação na qual o bem estar coletivo é maximizado quando cada indivíduo age em seu próprio interesse econômico. O próprio Keynes (1983), começa seu livro, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, lançado em 1936, com um questionamento ao suposto equilíbrio clássico: “Argumentarei que os postulados da teoria clássica se aplicam apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio...” (KEYNES, 1983)

Liberalismo Clássico e Neoliberalismo X Keynes Em geral, autores consideram o neoliberalismo como um movimento político econômico heterogêneo com uma proposta econômica de retorno aos princípios ortodoxos do liberalismo, ou seja, às propostas da economia clássica como única alternativa de superação da crise pela qual passam as sociedades. Segundo Fiori (1997) a utopia do liberalismo de Adam Smith, de 1776, é a mesma do neoliberalismo “menos de Estado e de política possível”. Busca-se a despolitização total dos mercados e a liberdade absoluta de circulação dos indivíduos e dos capitais privados. Defende-se o individualismo. A igualdade social aparece como igualdade de oportunidades ou mesmas condições iniciais para todos, apesar dos indivíduos pertencerem a grupos sociais com diferenças econômicas, sociais, étnicas, etc., que tornam as condições de partida desiguais. Com base nas diferenças e competências de cada um, seriam gerados resultados distintos e até necessários para a própria dinâmica da sociedade capitalista. O liberalismo, do século XVIII ou do final do século XX, se coloca contra a busca da igualdade entre os indivíduos ou grupos sociais pela via da intervenção do Estado. Tanto no liberalismo quanto no neoliberalismo, as causas das desigualdades são 106

O conceito de equilíbrio econômico pode ser entendido pela “Lei de Say”, segundo a qual não poderia ocorrer escassez de poder de compra no sistema econômico. Primeiramente porque o processo de produção capitalista é também o de geração de renda (salário, lucros, aluguéis etc.) e, portanto, de criação de fonte de financiamento da demanda; e segundo, porque dada a existência dos mecanismos automáticos dos mercados livres, os movimentos de ajuste espontâneos de salários, preços e juros garantiriam que os níveis de demanda não ficassem permanentemente aquém dos níveis de produção e de pleno emprego (MOURA DA SILVA, 1983). Em outras palavras a oferta seria sempre igual à demanda. Na visão de Keynes o equilíbrio seria uma exceção e não regra, só possível de ocorrer em uma economia fechada do tipo Robinson Crusoé, sem moeda, em que o valor de troca é exatamente igual ao custo de produção. Na concepção clássica se houvesse um aumento do desemprego, ou elevada variação de preços, o próprio mercado se auto-regularia e a crise seria superada. Para os clás-

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sicos, não havia desemprego involuntário, pois só ficariam fora do mercado de trabalho aqueles que não aceitassem trabalhar no nível de salário oferecido. A título de ilustração, vale lembrar o efeito Pigou, ou efeito riqueza, como mecanismo de superação da crise defendida pelos clássicos liberais. O economista inglês Arthur Cecil Pigou, contemporâneo de Keynes, explicava que à medida que a economia entrava em recessão os salários e preços caíam e, à proporção que isso acontecia, o valor ou poder aquisitivo de uma determinada quantia de dinheiro aumentava. As pessoas que haviam retido dinheiro verificariam que poderiam comprar mais do que podiam antes, e, desta forma passariam a consumir mais e, conseqüentemente, a economia se reativaria. Em outras palavras, não haveria necessidade de criar mecanismos de reaquecimento da demanda, como também diriam os neoliberais no final do século XX. Na visão de Fiori (1997), entretanto existem diferenças fundamentais que singularizam o liberalismo do final de século XX: a) do ponto de vista metodológico, com os avanços da Econometria, o individualismo é configurado em sofisticados modelos matemáticos e teorias, com base no utilitarismo, a exemplo da “teoria dos jogos”, em Nash, das “expectativas racionais”, em Lucas; b) a ideologia liberal se combinou de forma virtuosa com a revolução da informação concorrendo para a desregulamentação dos mercados e para a chamada globalização financeira; c) a derrota comunista contribuiu para consolidar a hegemonia do liberalismo; d) o novo liberalismo aparece como uma vitória ideológica. Este último item, segundo Fiori, legitima uma espécie de vingança selvagem do capital contra a política e contra os trabalhadores justamente logo após uma época em que as políticas públicas e a luta dos trabalhadores haviam conseguido construir o welfare state.

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... muito do crescimento artificialmente induzido nos anos dourados representou um desperdício de recursos.



Segundo Hayek, as raízes da crise dos anos 1970 estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. Esse processo reduziria o lucro das empresas e desencadearia processos inflacionários. Esta questão constitui-se numa grande contradição do sistema capitalista. Para não haver estagnação, o processo de acumulação de capital deve ser contínuo, ou seja, é preciso que haja reinvestimento constante do excedente econômico para manter a geração de lucro. Para que isso ocorra, as empresas tendem a reduzir a proporção dos gastos com salários em relação aos custos com capital fixo. Acontece que os salários vão perdendo poder de compra no sistema como um todo, o que se reverte em contração da demanda e queda na taxa de lucro das empresas. Este tema foi amplamente estudado por Marx. Os mecanismos keynesianos visavam manter o emprego elevado e a demanda efetiva através de políticas fiscais e monetárias, com expansão dos gastos do governo enquanto houvesse capacidade ociosa. Provavelmente a intenção de Keynes era salvar o capitalismo, ameaçado pelo avanço socialista. Keynes reconhece, contudo, que expansão monetária ou fiscal, em

uma economia com pouca capacidade ociosa, poderá gerar surtos inflacionários (KEYNES, 1983). Em contrapartida, a receita de Hayek era manter um Estado suficientemente forte para romper o poder dos sindicatos e controlar o dinheiro, através da contração monetária e redução dos gastos sociais. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. As intervenções anticíclicas, baseadas nos princípios keynesianos de demanda efetiva, haviam desviado o curso normal da acumulação e do livre mercado. Os adeptos da Sociedade de Mont Pèlerin constatavam que muito do crescimento artificialmente induzido nos anos dourados representou um desperdício de recursos. Para eles, a dura verdade é que o mundo ocidental estava levando a vida além de suas posses (BIANCHETTI, 2001). A solução seria promover uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos como bem-estar e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, criação de uma massa de desempregados para quebrar os sindicatos. As reformas fiscais incentivariam os agentes econômicos. Defendiam reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Uma nova e saudável desigualdade voltaria a dinamizar as economias avançadas. Pode-se sintetizar o receituário neoliberal em: contração da emissão monetária; redução de impostos sobre rendimentos elevados e abolição de controles sobre os fluxos financeiros.

O Papel do Estado na visão de Milton Friedman Os deveres do Estado No pensamento de Friedman o Estado é visto como uma forma voluntária de cooperação, um meio pelo qual as pessoas de uma sociedade escolhem para atingir seus objetivos, porque acreditam na eficácia das suas instituições.

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Friedman (1979), seguindo os princípios de Smith, admite que os três principais deveres do Estado são: 1) proteger a sociedade da violência e da invasão de outras sociedades independentes; 2) proteger todos os membros da sociedade da injustiça ou opressão de cada um dos outros membros através do estabelecimento de regras e leis; 3) edificar e manter determinadas obras públicas, cujo retorno não seja atrativo à iniciativa privada. Segundo Friedman (1979) o terceiro dever do Estado é o que gera mais polêmica e tem sido utilizado para justificar uma gama muito ampla de atividades. Na sua visão refere-se a um dever válido para um Estado voltado à preservação de uma sociedade livre, porém pode ser interpretado para justificar suas ilimitadas dimensões. O quarto dever do Estado, acrescentado por Friedman aos três princípios de Smith, seria proteger os membros da comunidade considerados incapazes, como crianças e os doentes mentais. A responsabilidade sobre as crianças, a não ser nesses casos excepcionais, é das famílias. A família deve ser o sustentáculo da sociedade, mas, segundo Friedman (1979), seu papel tem sido enfraquecido pelo crescente papel paternalista do Estado. Como exemplo de Estado liberal bem sucedido, Friedman, escrevendo em 1979, cita Hong Kong, antes de sua incorporação à China. Descreve essa cidade-estado como uma pequena extensão territorial de apenas 400 milhas quadradas, com uma população de 4,5 milhões de habitantes, com uma elevadíssima densidade demográfica. Não existiam tarifas ou quaisquer barreiras de comércio, a não ser alguns acordos de restrição voluntária, impostos pelos Estados Unidos. O Estado não tinha uma política econômica ou industrial definida. Não havia leis que regulassem o salário mínimo. Os residentes podiam investir onde quisessem, contratar quem quisessem, trabalhar

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Seus Estados autoritários e paternalistas, se por um lado não garantiam direitos trabalhistas, investiram pesadamente em educação básica, pesquisa e desenvolvimento.



para quem quisessem. O Estado se limitava aos quatro deveres mencionados por Friedman. Deveria reforçar as leis e a ordem, fornecer os meios para se formularem regras de conduta, julgar disputas, facilitar o transporte e comunicação, e supervisionar a emissão de moeda. Embora o governo de Hong Kong houvesse fornecido habitação gratuita aos recém chegados refugiados da China comunista, seus gastos representavam uma fração ínfima da renda da população. Obviamente Hong Kong tinha, e tem, suas peculiaridades como centro financeiro da Ásia, como porta de entrada para a China, e seu modelo não pode ser generalizado. Serve apenas para ilustrar qual deve ser o papel do Estado na visão de Friedman. Vale lembrar que a prosperidade econômica dos outros Tigres Asiáticos de primeira geração, como Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura não foi atingida com políticas liberais. Nesses países, havia elevadas barreiras comerciais à importação e os fluxos financeiros eram rigidamente regulamentados. Seus Estados autoritários e paternalistas, se por um lado não garantiam direitos trabalhistas, investiram pesadamente em educação básica, pesquisa e 108

desenvolvimento. Não se pode afirmar que suas políticas públicas tenham seguido o receituário liberal. A (im)possibilidade do Estado em corrigir as falhas de mercado Segundo Friedman (1979) o argumento chave contido na obra de Smith, a Riqueza da Nações, é extremamente simples: a troca voluntária entre duas partes só ocorrerá se ambas acreditarem que serão mutuamente beneficiadas. Na sua visão, a maioria das falácias econômicas decorre do fato de se acreditar que, na troca, uma parte só pode ganhar às custas da outra. Entende-se mercado como um local abstrato onde se realizam trocas. Os preços formados nas transações voluntárias entre compradores e vendedores num livre mercado podem coordenar as atividades de milhões de pessoas, cada qual buscando seus próprios interesses, segundo Friedman (1979). Os preços desempenham três funções na organização da atividade econômica: transmitem informação; fornecem um incentivo para se adotarem métodos de produção que otimizem a alocação dos recursos disponíveis; e se constituem num mecanismo de distribuição de renda, determinando, numa cadeia produtiva, quanto deve ser apropriado para cada agente. Para que os preços se configurassem num mecanismo perfeito de difusão de informações, de coordenação de trocas, de equalização de custos dos fatores, capital e trabalho, bem como de distribuição de riqueza, seria preciso que toda a cadeia de fornecedores tivesse informação perfeita sobre o mercado de fatores e de bens. As imperfeições de mercado na transmissão de informações são chamadas falhas de mercado ou assimetrias. Estas podem ser definidas como qualquer situação que desvie o mercado do equilíbrio. Embora Friedman (1994) considere o mercado como um mecanismo democráti-

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co por excelência, reconhece a existência de falhas, porém não acredita na capacidade do governo em compensar as falhas de mercado, como na abordagem keynesiana, sem piorar as coisas ainda mais. As políticas distributivas direcionadas pelo Estado desvirtuariam o funcionamento dos mecanismos de distribuição natural. A (im)possibilidade do Estado em intervir no nível de emprego Friedman (1994) acredita que a taxa de desemprego cresceu a partir dos anos 70 nos EUA devido a intervenções governamentais no mercado de trabalho, sobretudo através das chamadas ações afirmativas. Segundo ele, com a revolução keynesiana o tema emprego/desemprego se tornou uma grande questão política. Uma das contribuições de Keynes à teoria econômica ao estudar o desemprego prolongado da crise de 29, foi mostrar a existência de desemprego involuntário. A teoria clássica admitia apenas dois tipos de desemprego, o voluntário e o friccional, que decorre da desinformação do trabalhador sobre a oferta de vagas em determinadas atividades. O desemprego friccional, ou natural, resulta da mobilidade da força de trabalho entre diferentes setores. Pela teoria clássica, um dos meios para aumentar o emprego é a melhoria da organização e maior eficiência dos canais de informação para diminuir o desemprego friccional. Este ocorre por desajuste ou falta de mobilidade entre a oferta e a procura, quando empregadores com vagas desconhecem a existência de mão-de-obra disponível, enquanto trabalhadores desempregados desconhecem a oferta real de postos de trabalho. Um outro meio seria uma redução dos salários reais para os quais ainda existe mãode-obra disponível, de modo a diminuir o desemprego voluntário. Segundo Keynes os meios clássicos pressupunham um acordo de-

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clarado ou tácito entre os operários de não trabalhar por menos, e que, se todos admitissem uma redução dos salários nominais, maior seria o volume de emprego atendido. Para que a abordagem clássica fosse verdadeira seria necessário que a oferta de trabalho fosse apenas função inversa do nível de salário real. Com muita propriedade, Keynes relaciona os pressupostos clássicos com a realidade: “Não se pode dizer que nos Estados Unidos, o desemprego de 1932 resultou de uma resistência do trabalhador em aceitar uma redução de salários nominais ou de uma insistência obstinada em conseguir um salário real superior ao que permitia a produtividade de sistema econômico...” (KEYNES, 1983)

Friedman (1994) declara que não considera útil a distinção entre desemprego voluntário e involuntário introduzida por Keynes. Isto significa ignorar uma das maiores contribuições da teoria keynesiana. Friedman, em 1993, insiste em abordar a questão do desemprego da mesma maneira que clássicos do final do século XVIII, quando o contexto histórico do final do século XX é completamente diferente. Parece teimosia de Friedman. Para combater o desemprego este autor defende a liberalização do mercado de trabalho; a eliminação das ações afirmativas, com as quotas de emprego; a não fixação de salário mínimo para que o próprio mercado estabeleça as taxas de salários.

Políticas Sociais e o papel do Estado na Educação No que se refere a políticas sociais, Bianchetti (2001) as considera como estratégias promovidas a partir do nível político com o objetivo de desenvolver um determinado modelo social. Constituem as políticas ligadas à saúde, educação, habitação e previdência social. Suas caracterís-

ticas dependem das características do conflito social e da correlação de forças que nele intervêm. Em uma formação social concreta os setores dominantes promovem uma determinada política social em função de seus interesses estratégicos, utilizando, para isso, as estruturas políticas sobre as quais exercem hegemonia. Para Hayek, as políticas sociais distributivas tendem a enfraquecer as atitudes que promovem de fato a liberdade e a contrariar os efeitos benéficos da livre sociedade e da livre economia. Os neoliberais defendem a privatização da saúde, da previdência e da educação. Dentre as alternativas oferecidas pelo mercado, o indivíduo pode optar pelo plano de saúde ou de aposentadoria que lhe for conveniente, contribuindo financeiramente conforme suas possibilidades. Segundo Friedman (1979) a educação sempre foi componente principal do chamado Sonho Americano. As escolas estabelecidas pelos primeiros imigrantes no continente americano, no século XVII, eram privadas e a freqüência era estritamente voluntária. Pouco a pouco o governo começou a ter uma participação mais efetiva, primeiramente contribuindo com apoio financeiro e mais tarde administrando escolas públicas. A freqüência à escola só passou a ser obrigatória a partir de 1918. O vínculo entre o Estado e a escola ganhou força com as idéias de Horace Mann, secretário de educação do Estado de Massachusetts em 1837. Durante mais de uma década ele conduziu uma campanha pela escola custeada pelo governo e controlada por educadores profissionais. Considerava a educação tão importante que o governo tinha o dever de proporcioná-la a todos, que as escolas deveriam ser seculares e incluir crianças de todas os extratos sociais, religiosos e étnicos. A escola livre e universal possibilitaria a superação dos problema de pobreza dos pais. Ele proclamava que a edu-

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cação era um bom investimento público e que aumentaria a produção e a renda. Segundo Friedman (1979), a implantação do sistema de educação nos Estados Unidos como uma ilha de socialismo num sistema de livre mercado refletia a desconfiança dos intelectuais (provavelmente como Mann) no mercado e na eficácia das trocas voluntárias, um dos argumentos principais da corrente liberal. Segundo Friedman (1979), a partir da grande depressão de 29, o público se junta aos intelectuais numa fé incondicional nas virtudes da intervenção do Estado, sobretudo do governo central, na educação. A escola vai se transformando num meio de promover a mobilidade social, a integração racial e outros objetivos apenas distantemente relacionados com sua função primordial. Segundo Bianchetti (2001) não é difícil entender que, para Friedman, o crescimento da educação desviou-se do caminho originário destinado a formar elites de poder ou a dar a cada um o que sua função social destinava. De fato Friedman (1979) declara que a tragédia, e ironia, é que um sistema dedicado a proporcionar às crianças uma linguagem comum e os valores da cidadania norte-americana, deveria na prática exacerbar a estratificação da sociedade e fornecer oportunidade educacional desigual. As críticas de Friedman à escola pública no Estados Unidos demonstram claramente sua visão de que ao ser comum, a educação cria obstáculos à “seleção natural” da sociedade e limita as possibilidades de escolha individual. Seu argumento parece uma aplicação direta da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin nas relações sociais. A proposta de Friedman para financiar a educação primária e secundária é a dos “cupons”. Os fundos públicos estabelecidos para a educação deveriam ser divididos entre as pessoas que os solicitassem. Com esse instrumento, comprariam

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no mercado a oferta educacional que mais se adaptasse às suas necessidades e expectativas. Para evitar que a proposta significasse um maior gasto na educação, seria necessário que o valor do cupom fosse suficiente menor do que o custo corrente pelo aluno da escola pública para manter as mesmas despesas públicas totais. A menor quantia gasta numa escola privada competitiva provavelmente proporcionaria educação de qualidade mais alta do que a quantia maior ora gasta com as escolas públicas. Esse montante básico encontraria, naturalmente, dentro das leis do mercado, as instituições privadas ou públicas com disposição para aceitar os cupons, e, no caso de o preço da oferta ser maior, os pais arcariam com a diferença. O papel subsidiário assumido pelo Estado em relação à educação significa também o apoio à iniciativa privada, pois esse investimento sempre é menor que o requerido para sustentação de uma estrutura maior. O Estado não deve assumir o compromisso de financiar a educação superior, sendo esta resultado das possibilidades familiares ou do compromisso realizado com instituições de financiamento para devolver o recebido, uma vez que o aluno tenha terminado seus estudos e se inserido no mercado de trabalho. Friedman propõe que haja uma espécie de “bolsa de valores de cérebros”, onde os empresários investiriam naqueles estudantes que, pelo desempenho escolar, demonstrassem ser um investimento lucrativo. Como quase tudo na lógica liberal, a educação é uma mercadoria de troca, da qual os indivíduos podem apropriar-se de acordo com suas possibilidades e estão livres para fazer suas próprias escolhas e trocas, contanto que sejam voluntárias (Free to Choose...) O Monetarismo Uma das funções do Estado é monitorar a emissão da moeda e, na 110

abordagem neoliberal, a estabilidade monetária é o maior objetivo econômico que se deve perseguir e controlar. Política monetária consiste num conjunto de medidas adotadas pelo governo visando adequar os meios de pagamento disponíveis às necessidades da economia do país. O Banco Central pode recorrer a diversas técnicas de intervenção controlando a taxa de juros pela fixação das taxas de redesconto cobradas dos títulos públicos, regulando as operações de open market, ou impondo aos bancos o sistema de reservas obrigatórias (depósitos compulsórios) para garantir a liquidez do sistema bancário. Friedman é considerado o principal teórico da escola monetarista. De acordo com ele deve-se explicar as variações da atividade econômica pelas variações da oferta de dinheiro, e não pelas variações do investimento. Considera inútil e prejudicial a intervenção do Estado na expansão do desenvolvimento econômico, por meio de despesas de investimento. Deve-se dirigir cientificamente a evolução da massa de dinheiro em circulação para obter o desenvolvimento e a estabilidade econômica: a inflação e outros fenômenos teriam raízes puramente monetárias. O estabelecimento de um total monetário, não necessariamente via taxa de juros, é, segundo Friedman, o melhor guia de política econômica. Deve-se evitar oscilações bruscas na política monetária para que a população tenha confiança na estabilidade do sistema. Friedman desenvolve um modelo matemático fundamentado na clássica teoria quantitativa da moeda, cujas origens remontam ao século XVIII. A teoria quantitativa da moeda é representada pela identidade MV=PY, em que M é a quantidade de moeda em circulação; V, a velocidade de circulação da moeda; P, um índice representativo dos preços na economia; e Y, um índice do volume físico de transações. Considerando que no

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curto prazo V é constante, ou sofre alterações imperceptíveis, existe uma relação direta entre a quantidade de moeda em circulação e o nível de preços e de produção. A partir dessa identidade básica, Friedman, elabora um modelo matemático com a introdução de novas variáveis, como a taxa de juros (r) e a taxa de inflação esperada (pe), representado sinteticamente por Md= f (r, pe)PY, em que Md é a demanda por moeda. Segundo Simonsen (1995) a equação de Friedman é muito mais sofisticada do que a teoria quantitativa da moeda que não considerava a taxa de juros como variável, além de restabelecer a primazia da política monetária como instrumento de combate à inflação e de ação anticíclica. A política de metas de inflação adotada no Brasil com maior precisão a partir de 1999, quando a taxa de câmbio deixa de ser fixada pelo Banco Central para se formar no mercado de acordo com as flutuações de oferta e demanda de divisas, no nosso entendimento, deve ter sido fortemente influenciada pela abordagem monetarista. Filgueiras (2003) chama atenção que a partir de 1999 a âncora cambial é substituída pelo regime de metas de inflação. Segundo Filgueiras (2003) o objetivo da política de “metas inflacionárias” é o de controlar a inflação com menor volatilidade na taxa de crescimento do PIB e, por conseqüência, com menor instabilidade e flutuação do emprego – quando comparada com a utilização de “metas monetárias” que, adicionalmente, também são difíceis de se atingir, uma vez que a fluidez do sistema financeiro inviabilizou, de vez, o controle dos agregados monetários.

O Neoliberalismo em Prática Ronald Reagan: neoliberal militarista Ronald Reagan foi o segundo líder do mundo industrializado, depois de Margareth Thatcher a rom-

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Nos “ primeiros anos da década de 80 o desemprego atingiu 10,8% nos EUA, o mais elevado desde a Grande Depressão...



per com os princípios do estado do Bem-Estar. Segundo Simonsen (1995), Ronald Reagan a partir de 1981 encampou uma das mais exóticas experiências de política econômica. Partiu dos princípios formulados pelo economista Robert Mundell (1971) no início da década de 50. O aumento do déficit público com os gastos militares provocaria um aumento da taxa de juros, redução da demanda e consequentemente queda da inflação. A inflação havia atingido 13,5% nos Estados Unidos no último ano do governo Carter, mas a economia permanecia estagnada. Reagan resolve adotar a tese do economista Arthur Laffer, segunda a qual a arrecadação fiscal dos Estados Unidos aumentaria ao se reduzirem as alíquotas do imposto de renda: indivíduos e empresas trabalhariam e poupariam mais, e o Tesouro arrecadaria mais dólares, ainda que cobrando menos por unidade de renda do setor privado (SIMONSEN, 1995). Posto isto em prática, a reforma fiscal de 1981 reduziu a incidência do imposto de renda, provocando substancial queda na arrecadação do Tesouro norte-americano. Ao mesmo tempo, o Presidente Reagan resolveu aumentar os gastos militares, esperando compensá-los com um corte nos gastos da Previdência Social. O Congresso vetou estes últimos cortes e, como conseqüência, com o aumento de despesas e a que-

da de receitas, o déficit fiscal americano explodiu (Ibidem, 1995). O Tesouro, seguindo a linha monetarista segundo a qual o melhor guia de política econômica é estabelecer um total monetário, havia decidido suprimir o controle dos juros e implantar o controle dos agregados monetários. O primeiro resultado foi a explosão dos juros em dólares em 1980 e 1981, pois o déficit fiscal aumenta a demanda por dinheiro e conseqüentemente o preço do capital representado pela taxa de juros. Esta política teve forte impacto no agravamento das dívidas externas dos países da América Latina. Houve uma corrida de capitais internacionais para os Estados Unidos. A essa altura o dólar começou a se valorizar, num processo cumulativo e que só acaba em setembro de 1985. Nos primeiros anos da década de 80 o desemprego atingiu 10,8% nos EUA, o mais elevado desde a Grande Depressão, segundo Gibbs (2004). A taxa de pobreza cresceu aceleradamente. Em 1983 o déficit fiscal atingiu o marco dos US$ 200 bilhões. Mas a inflação havia baixado para 3,7% em 1982. Em compensação a economia recuperou-se rapidamente em 1983 e 1984. Nesse meio tempo, com o dólar valorizado, a balança comercial dos Estados Unidos atingiu enormes déficits comerciais. Simonsen (1995) comenta que essa era a contrapartida da mistura “aperto monetário – expansão fiscal – taxas flutuantes de câmbio”. A maior parte do déficit público norte americano foi financiada pelo ingresso de capitais estrangeiros, sobretudo japoneses e alemães. O secretário do Tesouro entra em acordo com os ministros das finanças do Grupo dos Cinco (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França) para promover uma queda gradual do dólar mediante uma cooperação entre os Bancos Centrais. Com isso a valorização do dólar de 1981 a 1985 desfezse nos cinco anos seguintes. A inflação não se acelerou graças aos fato-

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res destacados por Simonsen (1995): 1) política monetária bem controlada; 2) queda dos preços internacionais do petróleo e de outros produtos primários; 3) dado o tamanho do mercado norte-americano, muitos preços são fixados em dólar, independente das oscilações da moeda norte americana em relação a outras moedas. Em 1984, período da campanha de reeleição de Reagan, o PNB crescia a 6,8% ao ano, e a inflação havia caído para 4,3%. Apesar do crash da bolsa em 1987 o boom continuava (GIBBS, 2004). Segundo Simonsen (1995) o trunfo do governo Reagan foi ter conseguido aumentar substancialmente o prestígio dos Estados Unidos como porto seguro do capitalismo, apesar de ter se transformado, em uma década, de maior credor em maior devedor internacional, perdendo ativos e acumulando passivos de trilhões de dólares. A supremacia político-militar, conseguida com a queda do muro de Berlin em 1989 e a subseqüente implosão da União Soviética, reforçou ainda mais o prestígio internacional do dólar. O historiador inglês Perry Anderson chama esta experiência de keynesianismo militar. No entanto, esta expressão parece reducionista e até pejorativa em relação à contribuição de Keynes à ciência econômica. Segundo Gibbs (2004) os ganhos proporcionados pela política econômica do governo Reagan não foram distribuídos eqüitativamente. Pela primeira vez, desde a Grande Depressão, aparecem nos Estados Unidos, os chamados homeless (sem teto). A reestruturação das empresas pressionadas pela concorrência resultou numa febre de fusões e reengenharias. Segundo Gibbs (2004) foi caótico para as empresas e doloroso para trabalhadores de todos os níveis, mas no fim a economia norte americana ficou mais competitiva, com empresas mais inovadoras e ágeis para responder os impulsos do mercado, ainda que seus trabalhadores

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se sentissem menos seguros ou fossem menos fiéis. As turbulências dos anos 80 contribuíram para o salto da economia norte-americana em direção à alta produtividade e ao avanço tecnológico, da década seguinte, (Ibid, 2004). O Consenso de Washington O “Consenso de Washington” é a expressão cunhada para resumir um decálogo de medidas de política econômica consensuais entre as agências norte-americanas e agências internacionais na capital norteamericana. Seus dez pontos principais podem ser considerados como uma síntese das políticas defendidas pelo neoliberalismo, que se configuraram como solução para a inflação crônica por que passavam os países latino americanos na década de 80, a exemplo do México, Peru, Bolívia, Argentina, Venezuela e Brasil. Este foi o último a aderir às políticas liberais, na década de 90, coroadas pelo Plano Real em 1994. O decálogo do Consenso de Washington foi sintetizado por Ferraz et al (2002) em: 1. Disciplina Fiscal – caracterizada por um significativo superávit primário e por déficits operacionais de não mais de 2% do PIB. 2. Priorização dos gastos públicos, através de seu redirecionamento de áreas politicamente sensíveis, que recebem mais recursos do que seria economicamente justificável – como a manutenção da máquina administrativa, a defesa ou os gastos como subsídios indiscriminados -, para setores com maior retorno econômico e/ou com potencial para melhorar a distribuição de renda, tais como saúde, educação e infra-estrutura. 3. Reforma fiscal, baseada na ampliação da base tributária e na redução de alíquotas marginais consideradas excessivamente elevadas. 4. Liberalização do financiamento, com vistas à formação de taxas de juros pelo mercado, ou como obje112

tivo intermediário mais realista e até mesmo mais conveniente no curto e médio prazos - para evitar taxas muito elevadas - , procurando o fim de juros privilegiados e visando a obtenção de uma taxa de juros real positiva e moderada. 5. Unificação da taxa de câmbio em níveis competitivos, como o fim de eliminar sistemas de taxa de câmbio múltiplos e assegurar o rápido crescimento das exportações. 6. Liberalização comercial, através da substituição de restrições quantitativas por tarifas de importação, que, por sua vez, deveriam ser reduzidas para um nível baixo “...de 10% ou, no máximo, perto de 20%.” 7. Abolição das barreiras ao investimento externo direto. 8. Privatização. 9. Desregulamentação. 10. Garantia do direito de propriedade, através da melhoria do sistema judiciário. O título de livro de Friedman amplamente utilizado no corrente trabalho é Free to Choose no qual o autor discorre sobre as condições necessárias para se construir uma sociedade em que o indivíduo tenha liberdade de escolher. O título do capítulo 3 do livro de Stiglitz (2002) Globalization and its discontents é uma pergunta: Freedom to Choose? Será que os países latino-americanos escolheram o neoliberalismo por livre e espontânea vontade? A pergunta é ambígua. Será que haveria outra alternativa? Não cabe no corrente trabalho se fazer uma análise do impacto do neoliberalismo nas diversas economias do mundo em suas diferentes dimensões, pois seria muito extenso. As conseqüências da ideologia liberal para a economia latino-americana são inúmeras. O tema tem sido amplamente estudado por seguidores e opositores desta corrente. O Chile, país que primeiro aderiu ao modelo liberal, é considerado um paradigma pelos monetaristas e um falso paradigma para Cano (2000), da corrente cepalina, que chama o

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O sistema “ de mercado requer que os direitos de propriedade sejam claramente definidos e que o sistema jurídico seja eficiente...



modelo chileno de neo-primário-exportador, muito vulnerável às oscilações do mercado de commodities, ou seja, à demanda e oferta de matérias primas do mercado mundial. Segundo Filgueiras (2003) a crise da Argentina se constitui num caso paradigmático do profundo fracasso do modelo liberal, no país que mais o implementou e mais se subordinou à sua lógica. A manutenção da Lei da Conversibilidade do peso em dólar por mais de dez anos e os sucessivos ajustes fiscais - com a privatização de todo o patrimônio público, redução do valor dos salários e aposentadorias e demissão de um grande contingente de servidores públicos – “só aprofundaram as dificuldades e jogaram a crise para adiante” (FILGUEIRAS, 2003). De acordo com Stiglitz (2002) as políticas do Consenso de Washington estavam baseadas num modelo simplista de economia de mercado, o modelo de equilíbrio competitivo, no qual a mão invisível de Adam Smith funciona. Segundo esse autor, embora a teoria da mão invisível de Smith tenha sido relevante para os países industrializados avançados, no contexto histórico do final do século XVIII, as condições necessárias ao seu funcionamento não eram plenamente satisfeitas nos países em desenvolvimento. O sistema de mercado requer que os direitos de propriedade sejam claramente definidos e que o sistema jurídico seja efi-

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ciente. Em outras palavras, a condição 10 (Garantia do direito de propriedade, através da melhoria do sistema judiciário), enumerada no decálogo do Consenso de Washington, dificilmente é plenamente atendida nos países periféricos. O sistema de mercado requer competição e informação perfeitas. Porém, a competição é limitada e a informação está muito longe de ser perfeita, apesar do desenvolvimento dos meios de comunicação. Este equilíbrio automático de mercado provavelmente nunca existiu, nem nos países desenvolvidos no século XVIII. Parece que nas sociedades subdesenvolvidas, a sociedade civil não é suficientemente amadurecida e muito menos suas instituições, representadas pelas regras tácitas incutidas nos costumes e pelo sistema judiciário. Segundo Stiglitz (2002) basta que uma das condições não seja encontrada numa sociedade para as políticas do Consenso de Washington não atingirem seus objetivos no longo prazo.

Considerações Finais A vitória da ideologia neoliberal contribuiu para consolidar o poder dos Estados Unidos como nação hegemônica no final do século XX e início do século XXI. Suas políticas econômicas levam inevitavelmente à intensificação do processo de concentração do capital. Nota-se que fortes economias como Japão e Europa vêm ocupando cada vez mais a posição de satélites dos Estados Unidos. O militarismo de Ronald Reagan, por mais exótico que pareça, acaba dando certo naquele contexto, provavelmente por ter sido aplicado na maior economia do mundo, que possui um gigantesco mercado consumidor e uma moeda conversível, utilizada como meio de troca por todas as outras economias do mundo. Algumas experiências militaristas foram desastrosas quando seguidas por outros países, a

exemplo da invasão das ilhas Malvinas pela Argentina nos anos 80. Depois do prolongado ciclo de crescimento ao longo de toda a década de 1990, a economia norte-americana começou a dar sinais de desaceleração. Provavelmente os gastos com defesa não vão, por si só, levar a economia norte-americana a uma nova fase de expansão. Existem paradoxos no modelo econômico liberal no que se refere à sua política monetária. O estabelecimento de um agregado monetário, não necessariamente via taxa de juros, é, segundo Friedman, o melhor guia de política econômica. Deve-se evitar oscilações bruscas na política monetária para que a população tenha confiança na estabilidade do sistema. Será que o mercado pode dirigir eficientemente a evolução da massa de dinheiro num sistema que ao mesmo tempo promove a desregulamentação dos fluxos financeiros, um dos pilares do seu modelo econômico? A livre mobilidade do capital, sobretudo do capital especulativo, de curto prazo, tem provocado grandes oscilações desta massa de dinheiro. As crises cambiais ocorridas em países emergentes, a partir da crise mexicana de 1994 (efeito tequila), se sucederam com muita freqüência, a exemplo da Ásia, Turquia, Rússia, Brasil, Argentina. O equilíbrio do Balanço de Pagamentos dos países latino-americanos tem sido atingido às custas de recessão interna. Os indicadores da economia brasileira em 2003, com superávit primário de 4,25% do PIB, superávit na conta de transações correntes de US$ 4,5 bilhões, em contrapartida à retração de 0,22% do PIB e queda na absorção interna (PIB + exportações – importações) de 3,0% em relação a 2002, podem ilustrar o trade-off macroeconômico das políticas liberais nos países da América Latina: estabilidade monetária e equilíbrio nas contas externas versus recessão, desemprego e contração da demanda interna. Friedman parece ignorar que sua propalada liberdade de escolher só

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é válida para aqueles que já possuem capital e qualificação antes de entrar na luta, pertencentes às classes sociais mais elevadas, sobretudo da sociedade americana, seu foco principal. O aumento da concentração de capital, inerente à aplicação das políticas liberais se dá tanto geográfica como setorialmente. Vale lembrar, a título de ilustração, que se não fossem os incentivos ficais, considerados uma distorção pelos liberais, provavelmente a indústria de transformação não estaria presente na região nordeste do Brasil, e muito menos na região sul dos Estados Unidos. Sua análise não considera a história. Friedman quer aplicar indiscriminadamente os mesmos princípios clássicos válidos numa época 200 anos atrás. Ressalta-se que as políticas públicas sociais voltadas à melhoria da educação e saúde, e até as ações afirmativas, se fazem necessárias para combater as desigualdades atávicas, e amenizar a tendência da concentração de capital, resultante do ajuste assimétrico do mercado. O ensino superior, na visão liberal, deve ser privatizado. Sabe-se que o retorno do investimento em pesquisa básica é muitas vezes incerto e de longo prazo, por isso dificilmente é atraente à iniciativa privada. Aparentemente, a maior parte produção da científica ocorre na universidade pública. Que seria da pesquisa sem esta? A plena privatização do ensino superior poderia ser catastrófica num país com tantas desigualdades, a exemplo do Brasil. Fazendo uso de sofisticados instrumentos matemáticos e do arcabouço teórico do liberalismo clássico, os neoliberais encontram justificativas para ignorar o crescimento da massa de excluídos, decorrente da aplicação de seus princípios. Aliás, para estes autores, os desempregados têm a vantagem de contribuir para manter os salários reais baixos, já que consideram salários reais elevados fatores determinantes para o

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aumento do desemprego. Não se preocupam em combater as causas da violência, mas em aumentar os gastos com defesa. Neste contexto parece mais importante construir prisões que escolas. Outra contradição do modelo liberal é que, em princípio, as pessoas, como os capitais, estão livres para se movimentar, para se estabelecerem onde lhes for mais conveniente. No entanto, atualmente a migração internacional é severamente limitada por leis draconianas (BATISTA JR, 1996). A mobilidade do fator trabalho fica muito aquém da mobilidade do fator capital. Numa abordagem gramisciana (BECKER, 2002), o intelectual em ação é um criador e suscitador de novas ideologias, sendo a inovação ideológica uma estratégia na luta política. São as necessidades sociais e econômicas transformadas em pressões políticas que impulsionam e dinamizam o desenvolvimento local. Comunidades periféricas e pouco organizadas, com elevados índices de desigualdade, geralmente são incapazes de construir um projeto próprio e acabam sucumbindo passivamente, e até inconscientemente, a um movimento ideológico como o neoliberalismo, orientado pelos interesses econômico-corporativos globais. A dinâmica de desenvolvimento destas comunidades fica sendo determinada pelo mercado, pela economia globalizada.

O esgotamento das políticas liberais coloca um desafio aos intelectuais. Encontrar alternativas para promover o desenvolvimento local, não só com foco na inovação e no aprendizado, como também na renovação ideológica. Os opositores do neoliberalismo têm a tarefa de oferecer outra ideologia, provavelmente tentando resgatar valores como solidariedade e respeito ao próximo e trabalhar diligentemente, como fez o grupo de Mont Pélerin.

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Números anteriores: Secretaria da Revista: Nara Polino Valverde – Tel.: (71) 2738557 e-mail: [email protected]

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NORMAS DE EDITORAÇÃO Os pesquisadores que estejam interessados em publicar na Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE – devem preparar seus originais seguindo as orientações a seguir, que serão observadas para recebimento e análise dos textos pelos pareceristas: I – Entrega do Material Os artigos deverão ter no máximo 20 9vinte) páginas com título, resumo e palavras-chave em português e outro idioma. O resumo deverá ser estruturado em um único parágrafo com, no máximo, 200 palavras. Deverão constar no final do artigo os dados referentes ao autor, tais como: titulação, sua atividade atual, instituição a que esteja vinculado, endereço comercial e residencial, telefones e correio eletrônico. os artigos devem ser entregues da seguinte maneira: • Em disquete padrão IBM-PC, no formato Word for Windows acompanhado de uma cópia impressa, na Secretaria da Revista: Prédio de Aulas 8 da UNIFACS 4º andar, Ala Ímpar Alameda das Espatódias, 915 Caminho das Árvores Salvador, Bahia • Encaminhados para os seguintes endereços eletrônicos: [email protected] [email protected] II – Apresentação Gráfica do Texto 1. Especificações 1.1. Papel, Espaço e Letras Tamanho do papel: ............ A4 Tamanho das letras: – do corpo do trabalho .... 12 – do título ........................... 16 – de sub-títulos .................. 14 Tipo de letras: Times New Roman Espaços: Entrelinhas: Superior: Inferior: Lateral direita: Lateral esquerda:

1,5 3,0 cm 2,0 cm 3,0 cm 3,0 cm

2. Formatação •

O texto deve ser justificado.



Nunca separar as sílabas para evitar desconfiguração do texto ao ser aberto em outro computador.

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